Processo nº 1021020-09.2021.8.11.0003
ID: 260704773
Tribunal: TJMT
Órgão: Primeira Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1021020-09.2021.8.11.0003
Data de Disponibilização:
25/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES
OAB/MT XXXXXX
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RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL N. 1021020-09.2021.8.11.0003 Vistos etc. Trata-se de Recurso de Apelação interposto por Banco Bradesco S.A. em virtude da sentença proferida pelo Juiz da 2ª Vara Cível da Co…
RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL N. 1021020-09.2021.8.11.0003 Vistos etc. Trata-se de Recurso de Apelação interposto por Banco Bradesco S.A. em virtude da sentença proferida pelo Juiz da 2ª Vara Cível da Comarca de Rondonópolis/MT nos autos da Ação Desconstitutiva para Revisão Contratual movida por Brascor Seguros EIRELI. A empresa autora ajuizou a presente ação alegando que firmou, em 27/11/2018, contrato de adesão como Requerido, por meio do qual lhe foi concedido crédito no valor de R$ 90.129,70 (noventa mil, cento e vinte e nove reais e setenta centavos). Posteriormente, em 23/07/2020, promoveu a renegociação da dívida, obtendo novo crédito no montante de R$ 39.451,73 (trinta e nove mil, quatrocentos e cinquenta e um reais e setenta e três centavos), destinado à aquisição de veículo. A operação foi formalizada por meio da emissão de Cédula de Crédito com alienação fiduciária que previa o pagamento em 24 parcelas mensais de R$ 5.002,90 (cinco mil, dois reais e noventa centavos), enquanto a renegociação estabeleceu 8 parcelas mensais de R$ 5.645,65 (cinco mil, seiscentos e quarenta e cinco reais e sessenta e cinco centavos). Alegou que a empresa sofreu grave impacto financeiro no período da pandemia da COVID-19 e, por isso, deixou de pagar duas parcelas. Alegou que a dificuldade de adimplemento decorreu da onerosidade excessiva do contrato, cujas cláusulas impõem juros abusivos, tarifas indevidas e elevam artificialmente o saldo devedor. Afirmou que o custo efetivo total (CET) é inflado por encargos não transparentes, tornando a dívida insustentável. Ponderou que houve abusividade nas repactuações e pleiteou a intervenção judicial para reequilibrar a relação contratual. Diante desses argumentos, requereu: (i) inversão do ônus da prova, para que o Banco apresente todos os extratos e planilhas detalhadas dos encargos aplicados; (ii) declaração de nulidade das cláusulas abusivas com adequação dos juros à taxa média de mercado; (iii) repetição do indébito em dobro dos valores pagos indevidamente, incluindo seguros, tarifas e capitalização indevida; e (iv) renegociação da dívida sem os encargos considerados abusivos. Na contestação, a instituição bancária defendeu a legalidade do contrato entabulado entre as partes e pugnou pela improcedência dos pedidos iniciais. Encerrada a instrução processual, o Juiz concluiu serem procedentes os pedidos formulados na petição inicial, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para o fim de: DECLARAR a abusividade das taxas de juros contratadas de 2,97% e 2,40% ao mês; DETERMINAR a readequação das taxas de juros para os patamares de 2,47% e 2,17% ao mês, correspondentes a uma vez e meia a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central para operações similares; CONDENAR o réu à repetição de indébito, em dobro, referente aos valores pagos a maior pela autora em decorrência das taxas abusivas, com correção monetária pelo IPCA e juros de 1% ao mês a partir de cada pagamento indevido; DECLARAR a abusividade parcial da cláusula contratual que prevê a capitalização diária dos juros sem a devida informação acerca da taxa diária de juros; DETERMINAR que, em substituição à capitalização diária, seja aplicada a capitalização mensal, observando-se a taxa mensal efetiva prevista no contrato; DECLARAR a nulidade da contratação do seguro prestamista vinculada ao contrato de empréstimo consignado firmado entre as partes; CONDENAR o réu a devolver à autora, em dobro, o valor pago a título de prêmio do seguro, corrigido monetariamente pelo IPCA a partir da data de cada pagamento e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação; CONDENAR o banco réu à restituição, em dobro, do valor de R$ 1.590,00 indevidamente cobrado, totalizando R$ 3.180,00, acrescidos de correção monetária segundo o IPCA a partir da data do pagamento indevido e de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação. Em decorrência do princípio da causalidade, CONDENO a parte requerida no pagamento das custas e taxas judiciárias, bem como em honorários advocatícios no montante correspondente a 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §2°, incisos I a IV, do NCPC. (com destaque no original) Neste Apelo, Banco Bradesco S.A. assegura que não houve abusividade nas taxas pactuadas, pois estas estão dentro da média de mercado conforme parâmetros divulgados pelo Banco Central. Defende a legalidade da capitalização diária de juros, com base na Súmula 539 do STJ, argumentando que a capitalização diária está prevista no Contrato e que a falta de menção expressa da taxa diária não compromete a validade da Cláusula. Quanto ao seguro prestamista, sustenta que não se trata de venda casada, pois a contratação foi livremente aceita pela Apelada, e que não há comprovação de imposição ou ausência de informação. Frisa que a Apelada é pessoa jurídica e, por tal razão, não é aplicável ao caso as normas consumeristas. Impugna a condenação à repetição do indébito em dobro, sob o argumento de que não houve qualquer ilegalidade praticada pelo Apelante no que diz respeito as condições do empréstimo pactuado. Com esses argumentos, requer a reforma da sentença. E, na hipótese de ser mantida, pede que os honorários advocatícios sejam fixados com base no proveito econômico obtido pela Apelada. Contrarrazões no Id. 266378801. É o relatório. DECIDO. O Recurso comporta julgamento monocrático com fundamento no Verbete 568 da Súmula do STJ, pois o tema devolvido à apreciação está sedimentado pela jurisprudência da Corte Superior e deste Tribunal de Justiça. O art. 2º do Código de Defesa do Consumidor (CDC) define consumidor como aquele que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, enquanto o art. 3º considera fornecedor aquele que presta serviços, incluindo os de natureza bancária e financeira Sabe-se que a aplicação do CDC em ações revisionais de contratos de financiamento entre pessoas jurídicas e Bancos depende de uma análise específica da relação contratual e das circunstâncias do caso concreto. Em regra, conforme a Teoria Finalista, o CDC não se aplica a contratos firmados por pessoas jurídicas para fins de fomento de suas atividades empresariais, uma vez que a pessoa jurídica não é considerada destinatária final do serviço. No entanto, a Teoria Finalista Mitigada admite a aplicação do CDC em situações excepcionais, quando demonstrada a vulnerabilidade técnica, jurídica, econômica ou informacional da pessoa jurídica em relação ao Banco. Essa possibilidade é reconhecida em decisões da Corte Superior, que destaca a necessidade de comprovação da hipossuficiência para atrair a aplicação do CDC e a inversão do ônus da prova. Nesse sentido: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APLICAÇÃO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. PESSOA JURÍDICA. HIPOSSUFICIÊNCIA CARACTERIZADA. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. 1. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que o Código de Defesa do Consumidor não se aplica quando o produto ou serviço é contratado para implementação de atividade econômica, pois não restaria caracterizado o destinatário final da relação de consumo. No entanto, é autorizada excepcionalmente a aplicação do código consumerista quando ficar demonstrada a hipossuficiência técnica, jurídica ou econômica da pessoa jurídica. 2. Para rever a conclusão firmada pelas instâncias ordinárias, de que resta caracterizada a hipossuficiência da pessoa jurídica a atrair a aplicação do CDC e a inversão do ônus da prova, seria necessário o revolvimento de fatos e de provas dos autos, o que é inviável no recurso especial ante a incidência da Súmula nº 7/STJ . 3. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no AREsp: 2427658 RS 2023/0271994-0, Relator.: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 20/05/2024, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/05/2024) No caso, ao que se extrai da Cédula de Crédito Bancário anexada no Id. 266378757 e o respectivo Termo Aditivo, a operação bancária consistiu no financiamento do automóvel marca: Tayota, Modelo SW4, Placa OBA0405. Com efeito, a hipossuficiência técnica da Apelada está caracterizada pela complexidade técnica do contrato e pela posição de desigualdade em relação ao fornecedor. Ou seja, na incapacidade de compreender ou contestar cláusulas contratuais complexas e, ainda, de produzir provas em igualdade de condições. Dito de outro modo, a análise do contrato revela cláusulas padronizadas, com termos técnicos financeiros complexos, tais como capitalização diária de juros sem taxa expressa, o que evidencia vulnerabilidade técnica e informativa da empresa contratante, independentemente de seu porte. Se não fosse o bastante, não consta nos autos a comprovação de que a Apelada, pessoa jurídica, detém expertise específica na área financeira ou que tenha participado da elaboração contratual, o que fortalece sua posição de vulnerável em relação à instituição financeira, ensejando a aplicação do CDC. Por tais motivos, sem guarida a irresignação do Banco Apelante, pois ao caso se aplica as regras do Código de Defesa do Consumidor. No que se refere aos juros remuneratórios, é pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que as instituições financeiras não estão adstritas ao limite de 12% ao ano previsto na revogada Lei da Usura (Verbete Sumular 596 do STF e enunciado 382 da Súmula do STJ). No entanto, isso não significa que os juros remuneratórios possam ser estipulados em patamares escorchantes, dissociados dos parâmetros de mercado e desprovidos de razoabilidade econômica. A jurisprudência tem admitido a revisão da taxa de juros em hipóteses excepcionais, desde que demonstrada a relação de consumo e a onerosidade excessiva, configurando-se vantagem manifestamente desproporcional ao fornecedor. Nesse sentido, o REsp 1.061.530/RS (2ª Seção do STJ) firmou diretriz no sentido de que a taxa média de mercado divulgada pelo BACEN pode servir como parâmetro de aferição da abusividade, especialmente quando a taxa contratada superar em mais de 1,5 vez o índice médio do período. É exatamente o que se verifica na hipótese. A taxa contratada de 32,92% ao ano (2,74% a.m.) excede em muito a média divulgada pelo BACEN para a modalidade de crédito que vida aquisição de veículo em 27/11/2018, que foi de 15,73% a.a. (1,23% a.m.), conforme site do Banco Central do Brasil. O índice aplicado supera 2 vezes o parâmetro médio de mercado, ultrapassando, de forma expressiva, o limite jurisprudencialmente tolerado. A jurisprudência deste Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso tem reconhecido a abusividade de cláusulas que impõem taxas tão elevadas, especialmente quando demonstrada a condição de hipossuficiência econômica do consumidor e a ausência de margem para negociação, in verbis: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO – PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO REJEITADA – MÉRITO – APLICAÇÃO DO CDC – PACTA SUNT SERVANDA –JUROS REMUNERATÓRIOS ABUSIVOS – LIMITAÇÃO A TAXA MÉDIA DE MERCADO – RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES – SENTENÇA ESCORREITA – RECURSO DESPROVIDO. (...) É pacífico nos Tribunais que as instituições bancárias devem ser regidas pelos ditames consumeristas, estando tal matéria inserida no verbete sumular 297/STJ, não havendo ofensa ao ato jurídico perfeito e ao princípio do “pacta sunt servanda”. Segundo entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça, a estipulação de juros remuneratórios acima de 12% (doze por cento) ao ano, por si só, não configura abuso. Todavia, constatando-se sua fixação em percentual excessivo, capaz de colocar o consumidor em desvantagem, é cabível a revisão para limitá-la à média praticada pelo mercado, consoante divulgada pelo Banco Central do Brasil para a mesma espécie contratual. Havendo a demonstração de cobrança de taxa de juros acima da média do Banco Central, é cabível a restituição dos valores cobrados indevidamente na forma simples. (TJMT. RAC. N.U 1000567-11.2023.8.11.0039, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 05/03/2025, Publicado no DJE 08/03/2025). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM SEDE DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO – EMPRÉSTIMO CONSIGNADO – JUROS REMUNERATÓRIOS – INOBSERVÂNCIA DA TAXA MÉDIA DE MERCADO – ABUSIVIDADE EVIDENCIADA – RESTITUIÇÃO DE VALORES NA FORMA SIMPLES – SENTENÇA MANTIDA - INCONFORMISMO – PRETENSA REDISCUSSÃO – INEXISTÊNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 1.022 DO CPC – EMBARGOS REJEITADOS. Segundo entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça, a estipulação de juros remuneratórios acima de 12% (doze por cento) ao ano, por si só, não configura abuso. Todavia, constatando-se que a referida taxa fora fixada em percentual excessivo, capaz de colocar o consumidor em desvantagem, é cabível a revisão para limitar à taxa média praticada pelo mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil para a mesma espécie contratual. Embora nítida a relação de consumo, a restituição do indébito deve se dar de forma simples, ante a falta de comprovação da má-fé da instituição bancária, conforme estabeleceu a sentença. Inexistindo vício a ser sanado, o recurso deve ser rejeitado, pois a matéria foi apreciada na oportunidade do acórdão recorrido, permitindo à parte, se assim desejar, a interposição futura de recurso dirigido às Cortes Excepcionais de Justiça. (TJMT. RAC. N.U 1009860-96.2023.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DIRCEU DOS SANTOS, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 19/02/2025, Publicado no DJE 24/02/2025). O ordenamento jurídico, especialmente por força do art. 51, IV, do CDC, impõe ao julgador o dever de coibir práticas comerciais que imponham desvantagem exagerada ao consumidor, em especial aquelas decorrentes de sua hipossuficiência estrutural e econômica. O caso em tela é exemplar dessa prática. Ademais, o Apelante não se desincumbiu do ônus de demonstrar os elementos técnicos que justificariam a elevação da taxa de juros contratada, tais como o custo efetivo de captação dos recursos no mercado financeiro, o spread bancário incidente sobre a operação ou, ainda, os critérios objetivos utilizados na análise do risco de crédito da contratante. A ausência de tais informações impede a aferição concreta da razoabilidade dos encargos estipulados e fragiliza a tese defensiva de que a taxa praticada refletiria condições específicas do contrato. Tal omissão revela-se especialmente relevante à luz da caracterização da relação jurídica como de consumo, em que se impõe a observância dos princípios da boa-fé objetiva e do equilíbrio contratual. Nessa perspectiva, a desproporção entre a taxa imposta e a média de mercado divulgada pelo BACEN, sem justificativa técnica plausível, corrobora a existência de vantagem excessiva em desfavor da consumidora, nos termos do art. 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor. Desta feita, no que tange à limitação dos juros remuneratórios, a sentença não comporta reforma. No que se refere a capitalização diária de juros, a controvérsia diz respeito a ausência da taxa diária que seria aplicada ao saldo devedor do Contrato firmado entre as partes. O Instrumento celebrado entre o Banco Recorrente e o Apelado prevê, de maneira genérica, a possibilidade de capitalização diária dos juros remuneratórios. Ao examinar detidamente os autos, verifiquei que inexiste, de forma expressa e inteligível, a indicação da taxa de juros efetivamente aplicada na base diária, pois o Contrato se limita a apontar que a periodicidade da capitalização será diária, o qual não permite ao consumidor compreender, com clareza, como se dará a evolução do seu débito ao longo do tempo. Em que pese à jurisprudência consolidada do STJ permitir a capitalização com periodicidade inferior à anual, nos termos do Enunciado 539, da Súmula do STJ, exige-se, como condição inafastável, que a pactuação seja expressa e clara quanto à periodicidade e às taxas correspondentes. Em outras palavras, não basta indicar que os juros serão capitalizados diariamente; é imperioso que o contrato contenha, de maneira destacada, a taxa diária aplicável, em respeito ao princípio da transparência e ao dever de informação previstos no CDC, especialmente nos contratos por adesão, tal qual o caso dos autos. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.826.463/SC, consolidou entendimento no sentido de que a cláusula contratual que estipula capitalização diária de juros, mas omite a taxa efetiva diária, configura ofensa ao dever de informação e, por conseguinte, a cláusula é abusiva, passível de nulidade e com efeito direto sobre a mora contratual. Àquele precedente somou-se, mais recentemente, o REsp 2.184.988/PR, de relatoria do Ministro Marco Buzzi, julgado pela Segunda Seção do STJ em 18/12/2024, em que foi reafirmada a necessidade de informação clara e completa sobre a taxa diária de juros, nos seguintes termos: "A cláusula que prevê capitalização diária, sem a indicação da respectiva taxa diária dos juros, revela-se abusiva, uma vez que subtrai do consumidor a possibilidade de estimar previamente a evolução da dívida, e de aferir a equivalência entre a taxa diária e as taxas efetivas mensal e anual, em descumprimento ao dever de informação, nos termos do art. 46 do CDC." (REsp 2.184.988/PR, DJe 20/12/2024). Assim, a omissão da taxa diária impede o consumidor de aferir, com exatidão, a forma e os efeitos da capitalização sobre o saldo devedor; de conseguinte, impede o exercício de um controle mínimo sobre sua obrigação. Tal cenário compromete a higidez do contrato, rompe a simetria informacional e infringe o princípio da boa-fé objetiva, razão pela qual deve ser reconhecida a nulidade da cláusula contratual. Em relação à contratação do seguro prestamista, cumpre destacar que a jurisprudência pátria, em especial o entendimento no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, já está consolidado no Tema Repetitivo 972, onde fixou-se a seguinte tese: "Nos contratos bancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada." (REsp 1.639.320/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, DJe 17/12/2018). No caso dos autos, a instituição financeira Recorrente não se desincumbiu do ônus de demonstrar, de forma contundente, com documentação idônea, que à Apelada foi alertado, de maneira destacada, quanto à facultatividade da contratação do seguro, tampouco de que lhe foi ofertada alternativa concreta e real de recusa, ou possibilidade de optar por seguradora diversa. Ao contrário, constata-se, com clareza, que a contratação do seguro se deu de forma conjunta com a formalização do contrato de financiamento bancário, compondo, na prática, um único negócio jurídico estruturado de forma vinculada, o que compromete a independência entre as avenças e caracteriza, de forma inequívoca, a prática abusiva da venda casada. Assim, se a contratação de seguro de proteção financeira ocorreu sem a devida opção conferida ao consumidor afronta os princípios da boa-fé objetiva, da transparência e da vulnerabilidade do consumidor — pilares do microssistema de proteção estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor, não deve prosperar. A propósito, colaciono julgados desta Corte: DIREITO BANCÁRIO E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. COBRANÇA DE SEGURO AUTO RCF, SEGURO PRESTAMISTA E CAPITALIZAÇÃO PARCELA PREMIÁVEL. VENDA CASADA. PRÁTICA ABUSIVA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. RESTITUIÇÃO SIMPLES. TAXA SELIC AFASTADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. III. Razões de decidir 4. Nos termos da jurisprudência do STJ (Tema 972), o consumidor não pode ser compelido a contratar seguros e serviços adicionais junto à instituição financeira, sob pena de configuração de venda casada. 5. Os documentos juntados aos autos demonstram que a contratação dos seguros e da capitalização ocorreu de forma vinculada ao financiamento, sem possibilidade de livre escolha, caracterizando a abusividade da cobrança. 6. A repetição do indébito deve ocorrer de forma simples, pois a devolução em dobro prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC exige comprovação de má-fé, o que não ficou demonstrado nos autos. (...) (TJMT. RAC. N.U 1000548-31.2019.8.11.0108, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, Primeira Câmara de Direito Privado, Julgado em 25/03/2025, Publicado no DJE 28/03/2025). DIREITO DO CONSUMIDOR E BANCÁRIO. APELAÇÃO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. COBRANÇA DE SEGURO PRESTAMISTA. VENDA CASADA. RESTITUIÇÃO SIMPLES DOS VALORES PAGOS. DANOS MORAIS. NÃO CONFIGURAÇÃO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) III. RAZÕES DE DECIDIR A contratação compulsória de seguro vinculado a contrato de empréstimo caracteriza venda casada, vedada pelo CDC, conforme entendimento firmado pelo STJ no Tema 972. No caso concreto, há evidências de que o seguro prestamista foi imposto ao consumidor sem a opção de escolha de seguradora distinta da indicada pelo banco, configurando prática abusiva e tornando devida a restituição dos valores pagos. A repetição do indébito, na hipótese de cobrança indevida sem comprovação de má-fé, deve ocorrer na forma simples, conforme jurisprudência pacífica do STJ. (...) (TJMT. RAC. N.U 1067850-11.2024.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 26/03/2025, Publicado no DJE 28/03/2025). DIREITO DO CONSUMIDOR E BANCÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. SEGURO PRESTAMISTA CONTRATADO COM SEGURADORA INDICADA PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. CONFIGURAÇÃO DE VENDA CASADA. COBRANÇA INDEVIDA. RESTITUIÇÃO DE VALORES. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (...) III. RAZÕES DE DECIDIR A atividade bancária está submetida às normas do CDC, por se tratar de relação de consumo, nos termos do art. 3º, § 2º, do CDC. O STJ, ao julgar o Tema Repetitivo 972 (REsp nº 1.639.320/SP), firmou a tese de que é abusiva a cláusula que impõe ao consumidor a contratação de seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada. No caso concreto, não houve comprovação de que a contratação do seguro foi realizada de forma autônoma, com apólice assinada em documento apartado, o que corrobora a configuração de venda casada. Caracterizada a abusividade da cláusula contratual, correta a restituição do valor pago, mediante abatimento do saldo devedor, nos termos da sentença. (...) (TJMT. RAC. N.U 1041675-14.2023.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 26/03/2025, Publicado no DJE 29/03/2025). DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. SEGURO PRESTAMISTA. TEORIA DA APARÊNCIA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE INTEGRANTES DO MESMO GRUPO ECONÔMICO. VENDA CASADA. NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL. RESTITUIÇÃO SIMPLES. RECURSO DESPROVIDO. (...) III. RAZÕES DE DECIDIR O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, pois, ainda que as razões recursais sejam genéricas, evidenciam inconformismo com os fundamentos da sentença, atendendo ao princípio da dialeticidade, conforme jurisprudência do STJ. A responsabilidade solidária entre Zurich Santander e Aymoré Crédito Financiamento e Investimento S.A., integrantes do mesmo grupo econômico, decorre da aplicação da teoria da aparência e dos princípios consumeristas, especialmente o da vulnerabilidade, sendo válida a manutenção de ambas no polo passivo da demanda. A prática de venda casada, vedada pelo art. 39, I, do CDC, configura-se quando a contratação de seguro prestamista é imposta ao consumidor como condição para concessão de crédito, sem manifestação livre e expressa de vontade. No caso concreto, restou demonstrado que o seguro foi embutido em contrato de adesão sem opção de escolha pelo consumidor, caracterizando abusividade e justificando a nulidade da cláusula contratual. A restituição simples dos valores pagos é cabível, uma vez que não se evidenciou má-fé por parte da instituição financeira, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC. (...) (TJMT. RAC. N.U 1038194-43.2023.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SERLY MARCONDES ALVES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 29/01/2025, Publicado no DJE 31/01/2025). Vê-se, portanto, que a cobrança, relativa ao seguro prestamista está eivada de vício, de modo que deve ser mantido o ato sentencial que condenou o Recorrente a ressarcir o seu valor. Contudo, no que diz respeito à restituição dos valores pagos, entendo que assiste razão ao Apelante. A determinação de repetição em dobro, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC, pressupõe a produção de prova da má-fé na cobrança indevida, o que, no caso, não se verifica de forma suficientemente firme. A conduta da instituição financeira, embora censurável sob o prisma da proteção contratual ao consumidor, não se revela dolosa ou fraudulenta a ponto de justificar a imposição da penalidade máxima prevista na legislação consumerista, devendo, por conseguinte, ser mitigada com a devolução dos valores na forma simples, com incidência de correção monetária a partir do desembolso e juros legais desde a citação, nos moldes da jurisprudência pacífica do STJ. Nesse sentido, colaciono os seguintes precedentes: DIREITO DO CONSUMIDOR E BANCÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. REVISÃO CONTRATUAL. CONTRATO. FINANCIAMENTO. VEÍCULO. ABUSIVIDADES. TARIFAS BANCÁRIAS. LEGALIDADE DA TARIFA DE CADASTRO, REGISTRO E AVALIAÇÃO. SEGURO DE PROTEÇÃO FINANCEIRA. ABUSIVIDADE NA IMPOSIÇÃO DE SEGURO. RETIRADO O DIREITO DE ESCOLHA DA SEGURADORA. RESTITUIÇÃO SIMPLES. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. RECURSO DO AUTOR NÃO PROVIDO. RECURSO DO BANCO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) A imposição do seguro de proteção financeira sem opção de escolha da seguradora pelo consumidor caracteriza prática abusiva de venda casada, vedada pelo art. 39, I, do CDC, conforme fixado pelo STJ no Tema 972. A restituição dos valores pagos indevidamente deve ocorrer de forma simples, pois não há comprovação de má-fé do banco, nos termos da jurisprudência do STJ. A sucumbência recíproca é adequada ao caso, mas os honorários advocatícios devidos pelo banco devem ser majorados para 15% sobre o valor atualizado da causa, conforme art. 85, § 11, do CPC. (TJMT. RAC. N.U 1002056-06.2024.8.11.0021, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SERLY MARCONDES ALVES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 02/04/2025, Publicado no DJE 06/04/2025). DIREITO BANCÁRIO E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. COBRANÇA DE SEGURO AUTO RCF, SEGURO PRESTAMISTA E CAPITALIZAÇÃO PARCELA PREMIÁVEL. VENDA CASADA. PRÁTICA ABUSIVA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. RESTITUIÇÃO SIMPLES. TAXA SELIC AFASTADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) III. Razões de decidir 4. Nos termos da jurisprudência do STJ (Tema 972), o consumidor não pode ser compelido a contratar seguros e serviços adicionais junto à instituição financeira, sob pena de configuração de venda casada. 5. Os documentos juntados aos autos demonstram que a contratação dos seguros e da capitalização ocorreu de forma vinculada ao financiamento, sem possibilidade de livre escolha, caracterizando a abusividade da cobrança. 6. A repetição do indébito deve ocorrer de forma simples, pois a devolução em dobro prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC exige comprovação de má-fé, o que não ficou demonstrado nos autos. (...) (TJMT. RAC. N.U 1000548-31.2019.8.11.0108, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, Primeira Câmara de Direito Privado, Julgado em 25/03/2025, Publicado no DJE 28/03/2025). DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. SEGURO PRESTAMISTA. VENDA CASADA CONFIGURADA. DEVOLUÇÃO SIMPLES DOS VALORES. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO. ALTERAÇÃO DO PARÂMETRO PARA O VALOR DA CONDENAÇÃO. AFASTAMENTO DE MULTA NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) III. Razões de decidir Nos termos do entendimento consolidado pelo STJ no Tema 972, é abusiva a cláusula que impõe ao consumidor a contratação de seguro com instituição financeira ou seguradora indicada pelo banco, configurando venda casada. A restituição dos valores indevidamente pagos deve ocorrer na forma simples, uma vez que não houve comprovação de má-fé da instituição financeira. Os honorários advocatícios devem ser fixados sobre o valor da condenação, conforme dispõe o art. 85, § 2º, do CPC. (...) (TJMT. RAC. N.U 1020619-22.2023.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 12/03/2025, Publicado no DJE 16/03/2025). Por fim, no que tange aos honorários advocatícios, observa-se que a fixação com base no valor da causa está em consonância com os critérios legais do art. 85, §2º do CPC. A alteração para “proveito econômico” é excepcional e exige impugnação específica, o que não foi satisfatoriamente demonstrado pelo Apelante. Ante o exposto, em consonância com o entendimento sufragado pela Corte Superior, com fundamento no Verbete Sumular n. 568 do STJ, dou parcial provimento ao Apelo e determino que a restituição dos valores cobrados pelo Apelante seja de forma simples. Em observância ao entendimento fixado pelo STJ no julgamento do REsp 1865553/PR (Tema 1059), deixo de majorar os honorários advocatícios tendo em vista o provimento parcial do Recurso. Considerando que a decisão está fundada em jurisprudência pacífica do STJ e do TJMT, lembro às partes que a interposição de Recurso, se declarado manifestamente inadmissível, protelatório ou improcedente, poderá acarretar a condenação das penalidades dos artigos 1.021, § 4º, e 1.026, § 2º, ambos do CPC. Cumpra-se. Cuiabá, data registrada no sistema. Des.ª Clarice Claudino da Silva Relatora
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