Processo nº 1000199-88.2021.8.11.0033
ID: 331301402
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara de Direito Público e Coletivo
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1000199-88.2021.8.11.0033
Data de Disponibilização:
22/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
VERA SIMONIA DA SILVA MORAIS
OAB/SP XXXXXX
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ROMILDO SERGIO DA SILVA
OAB/SP XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO Número Único: 1000199-88.2021.8.11.0033 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Indeniz…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO Número Único: 1000199-88.2021.8.11.0033 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano Material, Flora, Interesses ou Direitos Difusos] Relator: Des(a). MARCIO VIDAL Turma Julgadora: [DES(A). MARCIO VIDAL, DES(A). JONES GATTASS DIAS, DES(A). VANDYMARA GALVAO RAMOS PAIVA ZANOLO] Parte(s): [MILTON VARGAS GINDRI - CPF: 333.401.450-91 (APELANTE), ROMILDO SERGIO DA SILVA - CPF: 246.082.168-99 (ADVOGADO), VERA SIMONIA DA SILVA MORAIS - CPF: 103.633.648-46 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). MARCIO VIDAL, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, DES. MÁRCIO VIDAL. Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E AMBIENTAL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PREJUDICIAL DE MÉRITO. INEXISTÊNICA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. DESMATAMENTO SEM LICENÇA. ÁREA DE RESERVA LEGAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. POSSIBILIDADE DE RECUPERAÇÃO DA ÁREA ATINGIDA. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL AFASTADA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSO PROVIDO EM PARTE. I. Caso em exame 1. Apelação cível interposta contra sentença que, em Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso, julgou parcialmente procedentes os pedidos para condenar o recorrente à obrigação de apresentar e executar Plano de Recuperação da Área Degradada – PRAD, indenizar dano material a ser apurado em liquidação de sentença e pagar R$ 5.000,00 por hectare a título de dano moral coletivo, além das custas processuais. 2. O feito originou-se da supressão irregular de 147,326 hectares de vegetação nativa em área de reserva legal, localizada no município de Nova Maringá/MT, sem autorização da SEMA/MT, conforme auto de infração, relatório de fiscalização e imagens de satélite. II. Questão em discussão A questão em discussão envolve: (I) a alegação de nulidade da sentença por cerceamento de defesa, por ausência de intimação para especificação de provas; (II) a possibilidade de responsabilização civil pela ausência de licença ambiental; (III) recuperação in natura, dano material e a legitimidade da cumulação de obrigações de fazer e pagar; (IV) a caracterização do bioma atingido e seus efeitos jurídicos; (V) a necessidade de comprovação do dano moral coletivo; e (VI) a proporcionalidade do quantum das indenizações. III. Razões de decidir 1. Não se reconhece cerceamento de defesa, pois o apelante foi regularmente intimado para especificar provas, permaneceu inerte e não houve indeferimento indevido de prova essencial. 2. A responsabilidade civil ambiental é objetiva, fundada na teoria do risco integral, sendo suficiente a demonstração do nexo de causalidade entre a conduta e o dano ambiental, independentemente da tipificação precisa do bioma impactado. 3. A supressão de vegetação nativa em área de reserva legal, sem licença válida, caracteriza dano ambiental relevante, devidamente comprovado por provas técnicas oficiais, com presunção de legitimidade. 4. A eventual recomposição da área não foi demonstrada, justificando a obrigação e apresentação e implementação do PRAD. 5. Como a sentença recorrida reconheceu o dever de recomposição ambiental, deve ser afastada a obrigação de indenização por danos materiais, por haver viabilidade de reparação in natura. 6. O dano moral coletivo, por sua natureza difusa, prescinde de demonstração de prejuízo concreto (dano in re ipsa), sendo presumido ante a lesão relevante ao meio ambiente em área de especial proteção. 5. A cumulação de obrigações de recomposição ambiental (fazer) com indenização por dano moral coletivo é admitida, pois cada uma tem natureza e finalidade distintas, conforme jurisprudência consolidada. 6. O dano moral coletivo, por se referir à lesão de direito difuso fundamental, é presumido pela prática do desmatamento ilegal, não exigindo prova de abalo subjetivo da coletividade. 7. O valor fixado a título de dano moral coletivo revela-se compatível com a gravidade do dano e os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. IV. Dispositivo e tese 8. Recurso parcialmente provido para afastar a condenação ao pagamento de indenização por dano material. Tese de julgamento: “1. A ausência de manifestação quanto à produção de provas, após intimação válida, não configura cerceamento de defesa. 2. A responsabilidade civil ambiental é objetiva e independe da comprovação de culpa, bastando o nexo causal entre a conduta lesiva e o dano. 3 Inexistindo prova de recomposição ambiental ou PRAD aprovado, a condenação à obrigação de fazer subsiste, mas afasta-se a indenização por dano material residual. 3. O dano moral coletivo decorrente de desmatamento ilegal em área de reserva legal é presumido e passível de indenização pecuniária, fixada de forma proporcional à extensão do dano e à capacidade econômica do infrator.” ____________________________ Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 225, § 3º; L. n. 6.938/1981, art. 14, § 1º; CPC, arts. 272, § 5º; 355, I; 370, parágrafo único; 509, I. Jurisprudência relevante citada: STF, RE 654.833 (Tema 999); STJ, REsp 1.940.030/SP, Rel. Min. OG Fernandes, j. 16/08/2022; STJ, REsp 1.816.808/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 03/10/2019; TJMT, ApC 1001352-20.2020.8.11.0025, Rel. Des. Mário Kono, j. 19/03/2024. R E L A T Ó R I O DES. MÁRCIO VIDAL Egrégia Câmara, Trata-se de Recurso de Apelação Cível, interposto por Milton Vargas Gindri, contra a sentença proferida pelo Juízo da Segunda Vara Cível da Comarca de São José do Rio Claro, que, nos autos da Ação Civil Pública, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso, julgou parcialmente procedentes os pedidos da inicial, condenando o Recorrente às seguintes obrigações: a) recuperar integralmente a área degradada, mediante apresentação e implementação de Plano de Recuperação da Área Degradada – PRAD; b) indenizar o dano material ambiental, a ser apurado em liquidação de sentença, com destinação ao Fundo Municipal do Meio Ambiente de Nova Maringá; c) indenizar o dano moral coletivo no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por hectare degradado, igualmente destinado ao fundo ambiental local; e, d) pagamento das custas processuais, nos termos do art. 18 da Lei n. 7.347/85 (id. 249667242). O Apelante, Milton Vargas Gindri, argui nulidade da sentença por cerceamento de defesa, ao argumento de que seus procuradores não teriam sido regularmente intimados para manifestação quanto à produção de provas. No mérito, sustenta, que: (I) a simples ausência de licença ambiental não justifica a obrigação de indenizar; (II) a área foi recomposta e não houve prova de dano irreversível, de modo que a indenização seria indevida ou, no mínimo, excessiva; (III) equívoco na identificação do bioma da área afetada, alegando que se trata de cerrado, e não de floresta amazônica; (IV) ausência de comprovação de repercussão coletiva relevante, de modo que a condenação por dano moral coletivo exigiria demonstração de abalo significativo aos valores sociais, não sendo presumida. Defende, ainda, de forma subsidiária, a redução do valor arbitrado a título de indenização (R$ 5.000,00 por hectare), por ser desproporcional frente a sua capacidade econômica e ausência de gradação da penalidade, sugerindo redução de 50% da condenação. Além disso, defende que a restrição de uso da área acarretou incapacidade financeira, o que justificaria a concessão dos benefícios da justiça gratuita. Diante disso, requer a concessão da justiça gratuita, suscita a prejudicial de mérito de cerceamento de defesa, para que seja cassada a sentença, com o retorno dos autos à origem para a realização de prova pericial voltada à correta identificação do bioma. No mérito, pleiteia o provimento do recurso para reformar a sentença recorrida e excluir as condenações. Subsidiariamente, pleiteia a redução do valor das indenizações impostas em 50% (id. 249667247). O Apelado apresentou contrarrazões, refutando os argumentos aventados no apelo e pugnando pelo desprovimento do recurso (id. 249667249). A Procuradoria-Geral de Justiça, por meio de parecer subscrito pelo Dr. Hélio Fredolino Faust, Procurador de Justiça, manifestou-se pelo encaminhamento dos autos ao CEJUSC, visando à tentativa de conciliação entre as partes (id. 258020675). O Relator, à época, deferiu o pedido de gratuidade da justiça formulado pelo Apelante e acolheu a manifestação do Ministério Público, determinando a remessa dos autos ao CEJUSC de 2º grau (id. 258594169), porém, a composição entre as partes restou infrutífera em 15/04/2025 (id. 283055852). Na sequência, os autos foram encaminhados à Procuradoria de Justiça Especializada na Defesa Ambiental e da Ordem Urbanística, que, em parecer subscrito pelo Dr. Hélio Fredolino Faust, Procurador de Justiça, datado de 09/12/2024, manifestou pelo desprovimento do recurso, ressaltando a possibilidade de remessa dos autos ao CEJUSC, para inclusão em mutirão de conciliação ambiental a ser realizado com a participação da SEMA e PGE (id. 294840935). É o relatório. V O T O EXMO. SR. DES. MÁRCIO VIDAL (RELATOR) Eminentes Pares, Conforme relatado, a espécie se refere a Recurso de Apelação Cível, interposto por Milton Vargas Gindri, contra a sentença proferida nos autos de Ação Civil Pública, que o condenou à obrigação de recuperar integralmente a área degradada, mediante apresentação e implementação de Plano de Recuperação da Área Degradada – PRAD; a indenizar o dano material ambiental, a ser apurado em liquidação de sentença; e a indenizar o dano moral coletivo no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por hectare degradado (id. 249667242). Na origem, a Ação Civil Pública foi proposta pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso, ora Recorrido, com o objetivo de responsabilizar o Recorrente pela supressão irregular de 147,326 hectares de vegetação nativa em área de reserva legal, ocorrida no ano de 2015, na Fazenda Gindri, localizada no município de Nova Maringá/MT, sem a devida autorização do órgão ambiental competente (SEMA/MT), conforme constatado em relatório técnico e auto de infração lavrados à época. Diante disso, requereu: “a) seja decretada a indisponibilidade de bens do requerido, até o valor de R$ 1.904.608,40 [um milhão, novecentos e quatro mil, seiscentos e oito reais e quarenta centavos], com o fim de garantir a efetiva utilidade do provimento final [em proteção ao meio ambiente], promovendo-se as seguintes medidas, sem prejuízo de outras posteriormente indicadas caso esta se mostre insuficientes: a.1) inclusão de ordem de bloqueio via BacenJud; a.2) inclusão de ordem de bloqueio via RenaJud; a.3) expedição de ofício aos Cartórios de Registro de Imóveis de São José do Rio Claro/MT, Tangará da Serra/MT, Lucas do Rio Verde/MT, Diamantino/MT, Nova Mutum/MT e Tapurah/MT para que informem a existência de imóveis registrados em nome do requerido e anotem, assim, a sua indisponibilidade; a.4) expedição de ofício ao Banco Central, para que este noticie a decisão de indisponibilidade às instituições financeiras, em face da existência de possíveis aplicações financeiras e/ou investimentos em nome do promovido, exceto se for possível efetivar o bloqueio imediato dos valores depositados em contas bancarias, em montante suficiente para a garantia do ressarcimento do dano ambiental, independentemente de ofício, por intermédio do sistema BacenJud; b) seja oficiado ao Instituto de Defesa Agropecuária – INDEA, na pessoa de seu presidente, requisitando, no prazo de 10 [dez] dias, sob pena de multa diária pessoal, que informe a existência de animais registrados em nome do requerido e anote, assim, a sua indisponibilidade; c) seja decretado o embargo judicial da área degradada e seja imposta obrigação de não fazer [abstenção de praticar atividades lesivas ao meio ambiente – tutela inibitória], com ordem para que o atual proprietário: c.1) suspenda todas as atividades lesivas ao meio ambiente que estejam sendo realizadas sem autorização ou licença expedida pelo órgão ambiental ou em desacordo com suas normas regulamentares, no prazo de 30 [trinta] dias, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 [dez mil reais]; d) seja imposta obrigação de fazer consistente em recompor a área degradada, com a apresentação à SEMA/MT, no prazo de 60 [sessenta] dias, a contar da intimação da decisão liminar, de Plano de Recuperação de Área Degradada – PRADA, que atenda as diretrizes indicadas pelo órgão ambiental, e a implementação/execução do PRA, no prazo de 30 [trinta] dias contados de sua aprovação; d.1) a cominação de multa diária de R$ 10.000,00 [dez mil reais] para o caso de abstenção do requerido em apresentar e/ou implementar o referido projeto, conforme consta do artigo 11 da Lei nº 7.347/1985, a ser recolhida em favor do Fundo Municipal do Meio Ambiente de Nova Maringá/MT, ou para financiamento de projetos ambientais, inclusive relacionados à fiscalização ambiental, a serem indicados pelo Ministério Público. A recuperação deverá ser acompanhada pelos órgãos estatais responsáveis; e) seja oficiado ao Banco Central, com ordem de suspensão da participação do requerido em linhas de financiamentos em estabelecimentos oficiais de crédito, bem como em incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público; [...] ratificando a antecipação de tutela, condenando-se o requerido: a) a promover a recuperação da área degradada, na forma acima indicada [PRAD aprovado pela SEMA/MT e executado no lapso temporal indicado]. A cominação de multa diária de R$ 10.000,00 [dez mil reais], para o caso de abstenção em apresentar e/ou implementar o referido projeto, conforme consta do artigo 11 da Lei nº. 7.347/85, a ser recolhida em favor do Fundo Municipal do Meio Ambiente de Nova Maringá/MT, ou para financiamento de projetos ambientais, inclusive relacionados à fiscalização ambiental, a serem indicados pelo Ministério Público; b) ao pagamento dos danos materiais ambientais não passíveis de recuperação, sendo que o valor deverá ser arbitrado pelo Juiz de acordo com as peculiaridades do caso concreto, levando-se em consideração o valor de reflorestamento [conforme relatório técnico], no valor de sugestivo de R$ 1.904.608,40 [um milhão, novecentos e quatro mil, seiscentos e oito reais e quarenta centavos], em favor do Fundo Municipal do Meio Am Ambiente de Nova Maringá/MT, ou para financiamento de projetos ambientais, inclusive relacionados à fiscalização ambiental, a serem indicados pelo Ministério Público; c) ao pagamento da indenização a título de compensação pelo dano moral ambiental, levando-se em consideração, para a fixação do valor, o grau de proteção jurídica incidente sobre o bem lesado, o custo de reflorestamento e a situação econômica do requerido, a ser fixado em montante não inferior a R$ 1.904.608,40. d) a perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público [artigo 14, inciso II, da Lei nº 6.938/81]; e) a perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito [artigo 14, inciso III, da Lei nº 6.938/81].[...]” (id. 249667203). A tutela de urgência foi parcialmente deferida, com determinação para que o Requerido, ora Recorrente, suspendesse todas as atividades lesivas ao meio ambiente que estavam sendo realizadas sem autorização ou licença expedida pelo órgão ambiental ou em desacordo com suas normas regulamentares, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de ser aplicada multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais), em caso de descumprimento. Foi apresentada contestação pelo Recorrente, à qual se seguiu da impugnação do Autor, ora Recorrido, tendo sido, então, as partes intimadas para especificarem as provas que pretendiam produzir. O Recorrente manteve-se inerte, enquanto o Recorrido requereu o julgamento antecipado da lide (id. 249667203 e ss.). Sobreveio sentença, por meio da qual o Juízo de origem julgou antecipadamente a demanda, acolhendo parcialmente os pedidos iniciais. Confira-se: “[...] Trata-se de ação civil pública de reparação de danos ambientais movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO em desfavor de MILTON VARGAS GINDRI, qualificados nos autos. Em síntese, aduz a parte autora que o réu é proprietário de uma área rural denominada Fazenda Gindri, localizado no município de Nova Maringá/MT e, no ano de 2015, conforme relatório de inspeção nº 1385/DUDTANGARA/SUADD/2018 de lavra da SEMA-MT, foi verificado que o requerido desmatou 147,326 hectares de floresta nativa de preservação permanente, sem a autorização do órgão ambiental competente. [...] 2.1. Do julgamento antecipado do mérito. O feito comporta julgamento antecipado do mérito, notadamente porque se trata de matéria unicamente de direito, não havendo, portanto, necessidade de dilação probatória com produção de outras provas (CPC, art. 355, I) o que sequer foi solicitado pelas partes. A matéria judicializada já se encontra devidamente esclarecida, o conjunto probatório é, por si, suficiente a elucidar os pontos controvertidos da lide, bem como a ação ambiental se refere a dano ambiental ocorrido há vários anos (2015), tudo a estampar a evidente necessidade de se proferir o julgamento definitivo da lide, a fim de se prestar de modo concreto a jurisdição reclamada. Convém, por dever de ofício, analisar as preliminar suscitadas pelo réu. [...] 2.3. Do dano ambiental. O Ministério Público requer a reparação do dano ambiental por desmatamento de 147,326 hectares de floresta nativa de preservação sem autorização do órgão ambiental competente, cujo fato ocorreu no ano de 2015. A parte requerida alega a impossibilidade de responsabilização ao argumento de que a mera lavratura do auto de infração ambiental não comprova a materialidade e autoria para a propositura de ação civil pública, nem a obrigação de reparar ou indenizar, sendo imprescindível a prévia comprovação do dano na inicial, o que não ocorreu na presente ação, visto que o requerido apresentou defesa no processo administrativo, não existindo decisão do órgão ambiental compete. Dos documentos acostados com a inicial e em razão da ausência de impugnação específica, não se pode negar que o requerido desmatou, a corte raso, cerca de 147,326 hectares de vegetação nativa, objeto de especial preservação, sem a devida autorização do órgão ambiental competente. Na espécie, o relatório de fiscalização e o auto de infração são minuciosos, acompanhados de levantamento fotográfico, bem comprovam a ocorrência de dano ambiental, o que não restou infirmado pelo requerido. O desmatamento, sem autorização do órgão ambiental competente, enquadra-se em infração ambiental, cuja responsabilização pode ser arbitrada pelo órgão administrativo e judicial, esferas independentes entre si, que acarretam responsabilidades administrativas, civis e/ou penais. Destarte, o próprio princípio da responsabilidade objetiva, presente no sistema jurídico-ambiental, determina que, aquele que causa o dano, deve responder nas três esferas. No caso em tela, o desvio de conduta imputado ao requerido, inclusive se caracteriza como crime, conforme Lei dos crimes ambientais (Lei nº 9.605/98), e apesar da alegação do requerido de ter respeitado os percentuais previstos na legislação ambiental, não há como afastar a responsabilidade do réu diante da comprovação do desmate sem a devida licença outorgada pelo órgão competente, fato esse incontroverso nos autos. Pois bem. Os danos ambientais são regidos pela teoria do risco integral, segundo a qual aquele que explora a atividade econômica ocupa a posição de garantidor da preservação ambiental, sendo sempre considerado responsável pelos danos vinculados à atividade, cabendo apenas a demonstração do dano e do nexo de causalidade. Segundo apontam os doutrinadores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, o nexo de causalidade é o “que liga o resultado danoso ao agente infrator”, sendo “indispensável para que se possa concluir pela responsabilidade jurídica” do agente. Trata-se, portanto, do “liame que une a conduta do agente (positiva ou negativa) ao dano. Por óbvio, somente se poderá responsabilizar alguém cujo comportamento houvesse dado causa ao prejuízo”. O auto de infração nº 107823, termo de embargo n.º 102737 e o auto de inspeção nº 20977, e ainda o parecer técnico 002/DUDTANGARA/SUADD/SEMA/2018 (Id. 49135582), acompanhados de fotografias, constatam que o desmatamento ocorreu no ano de 2015. Importante ressaltar que o laudo realizado pelos servidores públicos foi acompanhado de levantamento fotográfico do local em que constatada a degradação ambiental, de modo que sobremaneira auxilia a comprovação do efetivo dano em discussão. Dessa forma, incontroversa a existência de degradação ambiental. [...] 2.5. Do dano moral coletivo. [...]Em casos de desmatamento, é correto que o juiz utilize, no arbitramento do dano moral coletivo, critério de metro quadrado ou hectare degradado (conforme o modo de comercialização de imóveis na área, p. ex., terrenos urbanos ou rurais) para, em seguida, após a totalização, chegar ao valor final a ser fixado. 4. Recurso Especial não provido[3]. [...] a hipótese em exame, sopesadas as variáveis elencadas pelo Ministério Público, decorrentes da ação agressora do réu, quais sejam: desmatamento de área de floresta nativa sem autorização do órgão ambiental competente, reputa-se razoável, na espécie, fixar o valor da indenização a esse título, no montante correspondente a R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por hectare degradado. [...]” (id. 249667242). Inconformado, Milton Vargas Gindri, alega a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, devido ao fato de que seus procuradores não foram regularmente intimados para manifestação sobre a produção de provas. No mérito, defende: (I) que a ausência de licença ambiental, por si só, não justifica a indenização; (II) que a área foi recomposta e não houve prova de dano irreversível; (III) equívoco na identificação do bioma, afirmando tratar-se de cerrado, e não floresta amazônica; e (IV) ausência de comprovação de repercussão coletiva relevante, o que afastaria a condenação por dano moral coletivo. Subsidiariamente, pleiteia a redução da indenização por hectare, por desproporcionalidade frente à sua capacidade econômica, sugerindo diminuição de 50%. DA PREJUDICIAL DE MÉRITO DE NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA A prejudicial de mérito suscitada, consistente na nulidade da sentença por cerceamento de defesa, não procede. O Apelante alega que não foi regularmente intimado para especificar as provas que pretendia produzir, o que teria inviabilizado o requerimento de prova pericial destinada à verificação da tipologia do bioma da área desmatada. Contudo, ao compulsar os autos, verifica-se que o despacho que determinou a especificação das provas foi regularmente publicado no Diário da Justiça Eletrônico Nacional (DJEN) do dia 11/12/12023, com publicação em 12/12/2023, tendo a intimação sido realizada em nome da advogada constituída nos autos, Dra. Vera Simônia da Silva, conforme demonstrado no sítio eletrônico de comunicações processuais. Confira-se: De igual forma, no sistema PJe, na aba expediente, consta intimação realizada em 11/12/2023 (DJEN), com ciência em 13/12/2023 e prazo de 10 dias, encerrado em 29/01/2024. Ressalte-se, ademais, que a própria defesa, em sede de contestação, em 19/10/2021, e, posteriormente, após a intimação que ora se impugna, em 12/06/2024, requereu expressamente que as publicações fossem direcionadas à mencionada procuradora, o que foi devidamente observado pelo Juízo, tendo permanecido inerte quanto à especificação das provas. Nos termos do art. 272, § 5º, do Código de Processo Civil, a intimação considera-se válida quando realizada em nome de um dos advogados regularmente constituídos nos autos, o que efetivamente ocorreu, inclusive em nome daquele indicado como preferencial pela própria parte. Logo, a defesa teve plena ciência do ato processual, não tendo se insurgido contra a intimação nem pleiteado qualquer dilação probatória até o encerramento da fase instrutória. Inexiste, portanto, qualquer vício formal capaz de ensejar a nulidade do ato ou caracterizar cerceamento de defesa. Aliado a isso, como bem assentado na sentença recorrida, o julgamento antecipado do mérito ocorreu com base na farta documentação constante dos autos, notadamente os relatórios e autos administrativos da SEMA/MT, incluindo registros fotográficos e imagens de satélite, cuja validade como meio de prova é reconhecida. No sistema processual vigente, o Magistrado detém o poder-dever de indeferir a produção de prova desnecessária, conforme o art. 370, parágrafo único, do CPC. E, nos termos do art. 355, I, do mesmo diploma, é legítimo o julgamento antecipado da lide quando a matéria for unicamente de direito ou quando estiver madura para julgamento com base na prova documental. No presente caso, as provas constantes dos autos mostram-se suficientes para o julgamento antecipado, ressaltando-se, mais uma vez, os relatórios e autos administrativos da SEMA/MT, acompanhados de registros fotográficos e imagens de satélite, cuja força probatória é reconhecida. Além disso, houve requerimento expresso do autor nesse sentido. A propósito: DIREITO AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL. RECURSO DO RÉU. PRELIMINAR. JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO. PROVAS SUFICIENTES. AUSÊNCIA CERCEAMENTO DE DEFESA. MÉRITO. IMPRESCRITIBILIDADE DA REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL (TEMA 999 DO STF). INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS ADMINISTRATIVA, PENAL E CÍVEL. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta pela empresa ré condenada ao pagamento de danos materiais, a ser apurado em liquidação, e de R$ 50.000,00 a título de dano moral coletivo, em razão da comercialização irregular de 567,164 m³ de madeira da espécie cedrinho sem autorização ambiental. 2. Fatos relevantes: (i) sentença proferida sem produção de prova pericial requerida em contestação; (ii) feito maduro para julgamento antecipado; (iii) venda e transporte de madeira sem cobertura de Autorização de Transporte de Produtos Florestais (ATPF) detectada em 2000; (iv) irregularidades no auto de infração do IBAMA que gerou a lavratura de novo auto em 2008, que apelante afirma estar prescrito. 3. Requerimentos do recurso: (i) declaração de nulidade da sentença por cerceamento de defesa; (ii) improcedência da ação civil pública, diante da nulidade e prescrição do auto de infração. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 4. As questões em discussão consistem em: (i) verificar a existência de cerceamento de defesa pela ausência de produção de prova técnica; (ii) analisar se eventuais irregularidades do auto de infração ou se a prescrição no âmbito administrativo interfere na obrigação de reparação civil do dano ambiental. III. RAZÕES DE DECIDIR 5. O indeferimento de prova pericial pelo Juízo não configura cerceamento de defesa quando o conjunto probatório é suficiente para julgamento antecipado da lide. 6. A responsabilidade civil por dano ambiental é objetiva e, diante da independência das esferas cível, administrativa e penal, eventuais irregularidades no auto de infração, ou então sua prescrição, não interferem no dever de reparar o dano. IV. DISPOSITIVO 7. Recurso desprovido. ___________ Dispositivos relevantes citados: Constituição da República, artigo 225, §3º; Lei n. 6.938/81, artigo 14, §1º; Código de Processo Civil, artigos 370 e 371. Jurisprudência relevante citada: STF, RE 654.833 (Tema 999); STJ, REsp n. 1.677.926/SP; TJMT, AI n. 1001742-60.2023.8.11.0000. (N.U 0006311-96.2011.8.11.0015, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, HELIO NISHIYAMA, Regime de Cooperação da 2ª Câmara de Direito Público, Julgado em 10/06/2025, Publicado no DJE 10/06/2025) Diante disso, AFASTO a prejudicial de mérito suscitada pelo Apelante. DO MÉRITO Como já exposto anteriormente, o Apelante sustenta, em síntese: (I) ausência de comprovação dos danos material e moral ambiental; (II) que a área foi recomposta e não houve prova de dano irreversível, de modo que a indenização seria indevida ou, no mínimo, excessiva; (III) impossibilidade de reparação in natura; (IV) equívoco na identificação do bioma da área impactada, que seria cerrado e não amazônico; e (V) formula, ainda, pedido subsidiário de revisão dos valores indenizatórios, caso mantida a condenação. 1. Responsabilidade Civil Por Dano Ambiental E Comprovação Do Ilícito A Constituição Federal (art. 225, §3º) garante o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e determina que os causadores de danos ambientais estão sujeitos a sanções penais e administrativas, além da obrigação de reparar os danos. Nos termos do art. 14, §1º, da Lei 6.938/81, a responsabilidade civil ambiental possui natureza objetiva, fundada na teoria do risco integral, bastando a demonstração do dano ambiental e do nexo de causalidade com a conduta lesiva, sendo irrelevante a demonstração de culpa ou dolo. Esse é, inclusive, o entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, seguido por este Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL, AMBIENTAL E URBANÍSTICO. CONSTRUÇÃO DE OITO CONDOMÍNIOS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. ASSOREAMENTO DE LAGOA, DECORRENTE DE OBRA EM SEU ENTORNO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA, SOLIDÁRIA E ILIMITADA. ART. 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981. INAPLICABILIDADE DO ART. 403 DO CÓDIGO CIVIL. FATO DE TERCEIRO. OBRIGAÇÃO CUMULADA DE FAZER CONSISTENTE NA RECOMPOSIÇÃO AMBIENTAL E INDENIZAÇÃO DOS PREJUÍZOS PROVOCADOS. 1. Cuida-se, na origem, de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo visando obter provimento jurisdicional que obrigue a empresa, ora recorrente, a promover medidas de reparação do dano ambiental consistente no assoreamento da "Lagoa da Guardinha", localizada no Município de Campinas-SP. Segundo o Tribunal de origem, "inconteste o dano ambiental e a responsabilidade pelas medidas destinadas à recomposição da área". Acrescenta que "não é possível que a adoção das medidas necessárias à recomposição dos danos ambientais fique à mercê da conveniência da particular, em prejuízo do meio ambiente, razão pela qual cabe ao Poder Judiciário a imposição das obrigações advindas do ilícito praticado". A recorrente, por sua vez, expressamente reconhece sua obrigação de promover o desassoreamento da lagoa. 2. Segundo consolidada jurisprudência do STJ, nos termos do art. 14, § 1º, da Lei 6.938/1981, a responsabilidade civil pelo dano ambiental tem natureza objetiva, solidária e ilimitada, lastreada na teoria do risco integral. Se ilimitada e não sujeita a prévia restrição, afasta-se por óbvio a incidência do art. 403 do Código Civil. Ao responsável pelo dano ambiental - irrelevante a titularidade do bem atingindo - incumbe não só recuperar e indenizar a degradação como também fazê-lo de acordo com termos, condições e compensações fixados em licença ou autorização administrativa para tanto. É de resultado (= restabelecimento do statu quo ante) e não de meio a obrigação de sanar lesão ao meio ambiente, qualidade implícita que se projeta no conteúdo de decisão judicial ou Termo de Ajustamento de Conduta - TAC. Sobre o tema, confira-se: "o princípio que rege as condenações por lesões ao meio ambiente é o da máxima recuperação do dano, não incidindo nessa situação, nenhuma excludente de responsabilidade." (AREsp 1.093.640/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 21/5/2018). No mais, incide a Súmula 7/STJ. 3. Recurso Especial não provido. (REsp n. 1.816.808/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 3/10/2019, DJe de 11/9/2020.) Destaquei Da minudente análise dos autos, especialmente do Relatório de Inspeção n. 1385/DUDTANGARA/SUADD/2018, bem como das imagens satelitais comparativas dos anos de 2014 e 2015, elaborado pela SEMA/MT, resta comprovado que o Apelante realizou corte raso em 147,326 hectares de vegetação nativa dentro de área de reserva legal, sem a devida autorização, o que ensejou auto de infração (n. 107823/2018) e termo de embargo (n. 102737/2018). Insta ressaltar que as provas técnicas produzidas pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Mato Grosso gozam de fé pública e presunção de legitimidade, não tendo sido desconstituídas. Somando-se a isso, o próprio Magistrado Singular, após análise detalhada, reconheceu a inexistência de impugnação específica, concluindo que o desmate ocorreu sem prévia autorização do órgão ambiental competente. O Apelante, inclusive, não apresentou licença válida nem comprovou regularização posterior da área. 2. Tipologia do bioma (cerrado x amazônia) O debate acerca da classificação do bioma – se cerrado ou Amazônia – não tem o condão de afastar a responsabilidade objetiva do agente causador do dano ambiental. O imóvel rural encontra-se com o SIMCAR reprovado, pendente de regularização e complementação de dados pelo interessado, o que inviabiliza a validação oficial da classificação do bioma. Assim, inexiste comprovação técnica robusta e válida da alegada tipologia vegetal diversa, circunstância inclusive destacada no parecer ministerial de 2º grau. Ademais, a ausência de licença ambiental constitui, por si só, conduta ilícita e suficiente à responsabilização, independentemente do tipo de vegetação suprimida. Cumpre ressaltar que a obrigação de reparar o dano ambiental possui natureza propter rem, transmitindo-se ao atual proprietário ou possuidor, ainda que não tenha sido o responsável direto pela degradação. Mais do que isso, independentemente da classificação do bioma, o desmatamento ocorreu em área de reserva legal, a qual deve ser preservada e mantida intacta, nos termos dos arts. 12 e 14 da Lei n. 12.651/2012 (Novo Código Florestal), sendo vedada qualquer intervenção sem a devida autorização do órgão ambiental competente. Portanto, a eventual inserção da vegetação no bioma cerrado não legitima o desmate unilateral e desprovido de licenciamento, tampouco exclui a ilicitude da conduta. 3. Reparação in natura e indenização por dano material Na sentença recorrida, o Juízo de primeiro grau condenou o Apelante à recuperação da área desmatada, mediante apresentação e implementação de Plano de Recuperação de Área Degradada – PRAD, bem como ao pagamento de indenização por danos materiais, a ser apurada em liquidação de sentença por arbitramento, nos termos do art. 509, I, do Código de Processo Civil. O Apelante assevera que a área desmatada - 147,326 hectares de vegetação nativa em área de reserva legal - já estaria recomposta e, por isso, não haveria mais dano ambiental em curso, tornando indevida ou, ao menos, excessiva a indenização fixada. Todavia, tal alegação não foi acompanhada de qualquer prova técnica válida. Não consta nos autos a apresentação ou aprovação de PRAD, tampouco laudo de monitoramento ou manifestação da SEMA/MT que ateste a efetiva recomposição ambiental da área degradada. Ao contrário, o Sistema Mato-Grossense de Cadastro Ambiental Rural (SIMCAR) indica a situação da propriedade como “reprovado”, o que confirma a pendência de regularização ambiental e a ausência de validação oficial de qualquer regeneração alegada. Dessa forma, mostra-se correta a sentença recorrida ao impor ao Apelado o dever de recuperar a área degradada. No entanto, deve ser afastada a condenação ao pagamento de indenização por dano material, sem prejuízo da manutenção da indenização por dano moral coletivo, uma vez que cada uma dessas medidas possui natureza e finalidades distintas. Explico. Com efeito, o ordenamento jurídico pátrio, por força da hermenêutica constitucional ecológica e dos princípios do poluidor-pagador e da reparação integral, não apenas permite, como impõe, a cumulação da obrigação de recompor materialmente o dano com a indenização por sua faceta extrapatrimonial coletiva. A jurisprudência pátria, bem como a doutrina contemporânea, reconhece duas espécies de danos materiais, decorrentes do dano ambiental: o residual e o intercorrente. O dano material residual deve ser arbitrado pelo Magistrado quando não for possível a recuperação da área degradada, ou quando não cumprida a obrigação de fazer, consistente na apresentação do PRAD. Por sua vez, o dano material intercorrente decorre do lapso temporal durante o qual a área permaneceu desmatada, tendo como termo inicial a data da ocorrência do dano e, como termo final, a data da efetiva recuperação da área degradada. Colaciono entendimento paradigmático proferido pelo STJ nesse viés: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. DANOS MORAIS COLETIVOS. DANOS AMBIENTAIS INTERCORRENTES. OCORRÊNCIA. 1. Os danos morais coletivos são presumidos. É inviável a exigência de elementos materiais específicos e pontuais para sua configuração. 2. A configuração dessa espécie de dano depende da verificação de aspectos objetivos da causa. Trata-se de operação lógica em que os fatos conhecidos permitem ao julgador concluir pela ocorrência de fatos desconhecidos. 3. Considerando-se a inversão do ônus probatório em matéria ambiental, deve o réu comprovar a inexistência de tais elementos objetivos. A presunção opera em favor do fato presumido, somente se afastando diante de razões concretas. 4. O dano intercorrente não se confunde com o dano residual. O dano ambiental residual (permanente, perene, definitivo) pode ser afastado quando a área degradada seja inteiramente restaurada ao estado anterior pelas medidas de reparação in natura. O dano ambiental intercorrente (intermediário, transitório, provisório, temporário, interino) pode existir mesmo nessa hipótese, porquanto trata de compensar as perdas ambientais havidas entre a ocorrência da lesão (marco inicial) e sua integral reparação (marco final). 5. Hipótese em que o acórdão reconheceu a ocorrência de graves e sucessivas lesões ambientais em área de preservação permanente (APP) mediante soterramento, entulhamento, aterramento e construção e uso de construções civis e estacionamento, sem autorização ambiental e com supressão de vegetação nativa de mangue, restinga e curso d'água. 6. Patente a presença de elementos objetivos de significativa e duradoura lesão ambiental, configuradora dos danos ambientais morais coletivos e dos intercorrentes. As espécies de danos devem ser individualmente arbitradas, na medida em que possuem causas e marcos temporais diversos. 7. Recurso especial provido para reconhecer a existência de danos ambientais morais coletivos e danos ambientais intercorrentes, com valor compensatório a ser arbitrado em liquidação. (STJ - REsp: 1.940.030/SP 2021/0038297-6, Relator Min. OG Fernandes, Data de Julgamento: 16/08/2022, T2 - Segunda Turma, Data de Publicação: DJe 06/09/2022).” Negritei. Neste ponto, a controvérsia diz respeito ao cabimento da condenação do Apelado ao pagamento de indenização pelo dano material residual. Todavia, as provas constantes dos autos demonstram a possibilidade de recuperação da área desmatada ilegalmente, obrigação que, inclusive, foi imposta na sentença recorrida. Não há, portanto, dano material residual a ser indenizado, notadamente porque houve condenação para que o Apelado recupere integralmente a área degradada, mediante apresentação e execução de PRAD, sob pena de multa pecuniária. Nesse sentido, colaciono julgado deste Tribunal de Justiça: AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL – RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DANOS AMBIENTAIS – DESMATAMENTO DE MATA NATIVA – DEVER DE RECUPERAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA – IMPOSIÇÃO DE INDENIZAÇÃO MATERIAL – DESCABIMENTO NO CASO CONCRETO – DANO AMBIENTAL IRRECUPERÁVEL NÃO DEMONSTRADO – PRECEDENTE DO STJ – DANO MORAL COLETIVO – NÃO CONFIGURADO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Para a condenação ao pagamento de indenização por dano ambiental, como imposição suplementar (a recomposição já imposta), é necessária à existência de comprovação de um prejuízo ambiental permanente, ou constante, na propriedade, como uma perda definitiva do solo, ou mesmo um prejuízo em relação ao ecossistema dos animais nativos, o que deve ser comprovado (CPC, art. 373, I). Não havendo comprovação, tampouco alegação, de que a área não é passível de ser recuperada, não há que se falar em condenação ao pagamento de indenização por danos materiais. 2. A condenação do Requerido ao pagamento de indenização a título de dano moral coletivo exige a demonstração de que a infração ambiental causou repulsa a toda a coletividade. Inexistindo demonstração de que o dano ambiental ultrapassou o limite do tolerável para a coletividade, deve ser afastada a tese de ocorrência do dano moral coletivo. 3. Recurso conhecido e não provido. Sentença mantida. (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1001352-20 .2020.8.11.0025, Relator.: Mário Roberto Kono de Oliveira, Data de Julgamento: 19/03/2024, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 27/03/2024). Negritei Desse modo, considerando que foi determinada a recuperação integral da área degradada mediante apresentação e execução de PRAD, sob pena de multa, impõe-se a reforma da sentença nesse ponto, para afastar a condenação ao pagamento de indenização por danos materiais. 4. Dano moral coletivo No que tange ao dano moral coletivo, anoto que, diferentemente do dano individual, consubstancia-se na ofensa a valores e direitos metaindividuais, na medida em que atinge a esfera moral da coletividade, independentemente da demonstração de abalo concreto em cada indivíduo. No campo ambiental, a jurisprudência é pacífica em reconhecer o cabimento da indenização moral coletiva diante da degradação significativa do patrimônio natural, ainda que não se identifique vítima individualizada, bastando a violação a um bem jurídico de fruição comum. Em se tratando de dano moral ambiental, vigora a presunção do prejuízo (dano in re ipsa), haja vista que a lesão ao meio ambiente compromete o gozo coletivo do bem lesado. Corroborando o entendimento, perfilho o seguinte aresto do STJ: PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO NATIVA NA FLORESTA AMAZÔNICA. BIOMA QUALIFICADO COMO PATRIMÔNIO NACIONAL. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL QUALIFICADA. INTELIGÊNCIA DO ART. 225, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. DANOS IMATERIAIS DIFUSOS AO MEIO AMBIENTE. CONSTATAÇÃO IN RE IPSA. PRESUNÇÃO IURIS TANTUM DE LESÃO EXTRAPATRIMONIAL. DISTRIBUIÇÃO PRO NATURA DO ÔNUS PROBATÓRIO. SÚMULA N. 618/STJ. IMPOSSIBILIDADE DE AFASTAR A OFENSA IMATERIAL TENDO EM CONTA APENAS A EXTENSÃO DA ÁREA DEGRADADA. AVALIAÇÃO CONJUNTURAL DE CONDUTAS CAUSADORAS DE MACRO LESÃO ECOLÓGICA AO BIOMA AMAZÔNICO. RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL DE TODOS OS CONCORRENTES PARA O DANO EM SENTIDO AMPLO. QUANTIFICAÇÃO DO MONTANTE REPARATÓRIO NA MEDIDA DA CULPABILIDADE DO AGRESSOR. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM PARA EXAME DO PEDIDO SUBSIDIÁRIO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO EM PARTE. I - O art. 225, § 4º, da Constituição da República atribui proteção jurídica qualificada à Floresta Amazônica, à Mata Atlântica, à Serra do Mar, ao Pantanal Mato-Grossense e à Zona Costeira ao arrolá-los como patrimônio nacional, razão pela qual os danos ambientais em tais áreas implica ilícito lesivo a bem jurídico da coletividade nacional, cuja reparação há de ser perseguida em suas mais diversas formas. II - A par da responsabilização por danos ambientais transindividuais de natureza material, o princípio da reparação integral impõe ampla recomposição da lesão ecológica, abrigando, por conseguinte, compensação financeira pelos danos imateriais difusos, cuja constatação deve ser objetivamente aferida de modo in re ipsa, prescindindo-se de análises subjetivas de dor, sofrimento ou angústia. Inteligência dos arts. 1º, I, da Lei n. 7.347/1985, e 14, § 1º, da Lei n. 6.938/1981. III - A constatação de danos imateriais ao meio ambiente não deflui, por si só, da atuação do agressor em descompasso com as regras protetivas do meio ambiente, reclamando, em verdade, a intolerabilidade da lesão à natureza e cuja ocorrência é presumida, cabendo ao réu afastar sua caracterização com base em critérios extraídos da legislação ambiental, diante da distribuição pro natura do ônus probatório, nos moldes da Súmula n. 618/STJ. IV - É impróprio afastar a ocorrência de danos extrapatrimoniais ao meio ambiente apenas com fundamento na extensão da área degradada, impondo-se, diversamente, apreciá-la tomando por parâmetro o aspecto cumulativo e sinérgico de ações múltiplas praticadas por agentes distintos, as quais, conquanto isoladamente não ostentem aspecto expressivo, resultam, em conjunto, em inescusável e injusta ofensa a valores fundamentais da sociedade, de modo emprestar efetividade ao princípio da reparação integral. V - A ilícita supressão de vegetação nativa situada na Floresta Amazônica contribui, de maneira inexorável, para a macro lesão ecológica à maior floresta tropical do planeta, cujos históricos índices de desmatamento põem em risco a integridade de ecossistema especialmente protegido pela ordem jurídica, razão pela qual todos aqueles que, direta ou indiretamente, praticam condutas deflagradoras de uma única, intolerável e injusta lesão ao bioma são corresponsáveis pelos danos ecológicos de cariz extrapatrimonial, modulando-se, no entanto, o quantum indenizatório na medida de suas respectivas culpabilidades. VI - Reconhecido o dever de indenizar, impõe-se o retorno dos autos ao tribunal de origem para análise do pedido subsidiário de redução do montante reparatório. VII - Recurso especial parcialmente provido. (REsp n. 2.200.069/MT, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 13/5/2025, DJEN de 21/5/2025).” (Destaquei). No caso concreto, como salientado alhures, não se trata apenas de supressão de vegetação, mas de comprometimento do equilíbrio ecológico em área protegida, com impacto difuso que transcende o aspecto físico da lesão e alcança o campo da sensibilidade coletiva e dos direitos fundamentais de todas as gerações. O Apelante, conforme demonstra o acervo probatório, praticou desmatamento de 147,326 hectares de vegetação nativa, objeto de especial preservação, sem autorização do órgão ambiental competente. Desta forma, plenamente cabível a fixação de dano moral coletivo em seu desfavor, em razão do dano ambiental causado. No que se refere ao quantum, deve-se levar em consideração: 1) a extensão da área degradada (147,326 hectares); 2) a vegetação suprimida (amazônica ou cerrado); 3) o caráter especialmente protegido da área; 4) a ausência de demonstração de qualquer ação reparatória espontânea pelo Apelante; 5) a necessidade de desestimular condutas similares e; e 6) a condição econômica do infrator. Enfatizo que o montante busca cumprir a função pedagógica da responsabilidade ambiental, sem configurar enriquecimento indevido da coletividade, ao tempo em que assegura a função simbólica e sancionatória da tutela inibitória e reparatória do dano imaterial. Diante dessas considerações, verifica-se que a condenação ao pagamento de indenização por dano moral coletivo deve guardar correspondência com a extensão do dano ambiental causado, sendo compatível o valor fixado na sentença recorrida. Forte nesses argumentos, AFASTO a prejudicial de mérito de cerceamento de defesa e, no mérito, DOU PROVIMENTO, EM PARTE, ao Recurso de Apelação Cível, interposto por Milton Vargas Gindri, apenas para afastar a indenização por dano material imposta na sentença recorrida, mantendo-a inalterada quanto aos demais pontos. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 15/07/2025
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