Processo nº 5012848-49.2024.8.13.0035
ID: 261166430
Tribunal: TJMG
Órgão: Unidade Jurisdicional 1º JD da Comarca de Araguari
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5012848-49.2024.8.13.0035
Data de Disponibilização:
28/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
KELLY CRISTINA DE OLIVEIRA
OAB/MG XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Araguari / Unidade Jurisdicional 1º JD da Comarca de Araguari Avenida Doutor Oswaldo Pieruccetti, 400, - até 999/10…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Araguari / Unidade Jurisdicional 1º JD da Comarca de Araguari Avenida Doutor Oswaldo Pieruccetti, 400, - até 999/1000, Sibipiruna, Araguari - MG - CEP: 38445-130 PROCESSO Nº: 5012848-49.2024.8.13.0035 CLASSE: [CÍVEL] PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) ASSUNTO: [Rescisão do contrato e devolução do dinheiro] AUTOR: LUCIANO DE PAULA RIBEIRO CPF: 652.276.206-44 RÉU: GIGA MOTORS COMERCIO DE VEICULOS LTDA CPF: 50.418.306/0001-30 e outros SENTENÇA Vistos etc, Dispensado o relatório, ao talante do art. 38, da Lei nº 9.099/95. Passa-se à breve síntese dos fatos processuais relevantes. LUCIANO DE PAULA RIBEIRO ajuíza “AÇÃO DE REPARAÇÃO DOS DANOS MORAIS E MATERIAIS” em desfavor de GIGA MOTORS e LEANDRO ALVES REIS, qualificados nos autos (ID 10351632904), na qual alega, em síntese, que “no dia 08 de fevereiro de 2024, celebrou um contrato de compra e venda (anexo) com os Réus, de 01 veículo modelo GM Cruze LT 1.8, chassi 9GPB69M0CB280410, placa JKE 4486, Renavam 00481945547, no valor de R$48.900,00 (quarenta e oito mil e novecentos reais), sendo R$9.870,00 pagos à vista, via PIX e o remanescente financiado junto ao Banco Mercado Pago; foi informado pelos vendedores que o veículo veio de boa procedência, bem cuidado, e em perfeito estado de conservação, com garantia de 90 dias de motor e câmbio a partir de 08/02/2024, conforme se vê contrato anexo; sendo assim, a garantia teve fim em 07/05/2024; contudo, após poucos dias de uso, o veículo acima, passou a apresentar vícios ocultos que serão apontados a seguir; no dia 15 de fevereiro, 01 semana após a compra do veículo, tendo procurado o mecânico indicado pelo vendedor para avaliar o óleo de câmbio, foi descoberto uma falha no motor; logo em seguida quando o Autor foi realizar a troca de óleo do motor, descobriu na oficina, que o parafuso do carter estava colado com durepox, tendo sido necessária a troca de rosca no carter; apesar do 2º Réu apresentar o mecânico para fazer o conserto do parafuso do carter do óleo do motor, o referido mecânico não conseguiu resolver, tendo o Autor procurado outra oficina no custo de R$100,00 reembolsado pelos Réus, conforme comprovantes abaixo; tendo posteriormente realizado a troca de óleo do motor, no valor de R$422,00 notas anexas; ao realizar a troca de óleo de câmbio, que deve ser feita a cada 80.000 km rodados, descobriu outro vício oculto, a tampa do carter do óleo estava avariada, e também colada com durepox, tendo custado ao Autor R$225,00 a troca da referida peça, conforme nota anexa; tendo no mesmo ato descoberto, avaria no suporte frontal do motor, que estava quebrado, podendo causar um grave acidente; a referida troca foi feita na oficina especializada da cidade, Edson Veículos Ltda, que no momento da troca percebeu grande vazamento no óleo do motor, o qual estava oculto, pois o óleo caia no peito de aço do veículo, conforme se vê comunicação do Autor aos Réus; nas condições em que o veículo foi entregue ao Autor, o mesmo não conseguia realizar a troca do óleo de câmbio, pois as peças estavam coladas com durepox; no dia 10 de março, um mês após a compra do veículo, este apresentou pane seca por falta de combustível, sem que o marcador de combustível tivesse apontado nada, tendo sido novamente encaminhado à oficina, e ao examinar a bomba de combustível, esta estava defeituosa, e faltando peças; tendo o Autor comunicado o vendedor que ficou de procurar a peça, retornando dias depois alegando que a peça não foi encontrada, dizendo ao Autor procurar a peça em ferros velhos; no dia 12 de março o veículo apresentou outro vício oculto nas pastilhas de freio, vindo a sair muita fumaça na estrada, em percurso curto de Araguari à Uberlândia, tendo o Autor imediatamente comunicado os Réus de que a pastilhas não estavam apenas gastas de uso natural, mas estava totalmente destruídas, conforme se vê áudio anexo; no dia 18 de março, o Autor descobriu um ‘papo’ no pneu dianteiro esquerdo, bem como, descobriu que a borracha do coxim do câmbio estava destruída, e o escapamento cheio de remendas conforme se vê fotos abaixo; tendo o Autor imediatamente comunicado o 2º Réu, via whatsapp, conforme se vê prints anexos, tendo recebido como resposta apenas que o vendedor ajudaria, tendo recebido um pix do 2º Réu no valor de R$200,00, conforme se vê comprovante abaixo; tendo o Autor realizado a troca do medidor de combustível, jogo de pastilha de freio, óleos e aditivo no valor de R$1.097,00, bem como troca da bomba de combustível no valor de R$816,49, + R$ 450,00 de mão de obra, conforme se vê notas anexas, somando estas peças e a mão de obra no valor de R$2.363,49; tendo recebido dos Réus o valor de R$200,00 referente a ajuda de custos com as trocas apontadas acima; com a garantia do veículo de 90 dias ainda em vigor, no dia 03/05/2024 o Autor comunicou o segundo Réu sobre vazamento no motor e outros detalhes no câmbio, conforme mídia de áudio anexa, tendo o Réu por sua vez, se omitido a responder no prazo, para posteriormente alegar que a garantia havia vencido no dia 05/05/2024, alegando falsamente que o veículo foi comprado e retirado no dia 06/02/2024, sendo que, na verdade, a compra do veículo ocorreu no dia 08/02/2024 e a garantia findaria em 07/05/2024, tendo o Autor arcado também com os custos da troca do suporte frontal do motor, no valor total de R$972,00, nota anexa; quanto a falsa alegação do Réu de que a compra do veículo teria sido em 06/02/2024, resta comprovado pelo contrato anexo e conversa no whatsapp entre as partes, que o veículo foi comprado em 08/02/2024; na oportunidade junta ainda conversa de whatsapp datada de 07/02/2024, em que combinam a entrega do veículo para o dia seguinte, dia 08/02/2024; restando inconteste que a compra do veículo se deu realmente em 08/02/2024; esclarece ainda que no início do mês de setembro do corrente ano, o veículo apresentou outro vício oculto, com grande vazamento de água no motor, tendo acionado a oficina especializada, que orientou a não ligar o veículo até o reparo ser realizado, diante do risco de aumentar os danos no motor; tendo o Autor ficado sem o carro até 06 de setembro, e custeado sozinho todas as trocas e reparos necessários para ter o carro funcionando novamente no valor de R$3.700,00, conforme se vê nota anexa; considerando o alto valor das peças, junta na oportunidade outros orçamentos dentro das disponibilidade comercial da cidade, observando que os valores estão dentro da normalidade; considerando que o vício acima foi identificado em 01/09/2024 (notas anexas) e que o prazo de 90 dias relacionado a vício oculto se inicia no ato de conhecimento dos fatos, ainda está em vigor o prazo para reclamação do mesmo; considerando a má -fé dos Réus ao venderem um veículo cheio de vícios ocultos, e se eximando de qualquer responsabilidade, o Autor, não viu outra alternativa a não ser realizar reclamação junto ao Procon, documento anexo, não tendo tido êxito, visto que em audiência os Réus não apresentaram interesse em acordo; tendo como última alternativa procurar auxílio em juízo, depois de tantos transtornos e de ver seus direitos esvaídos, propôs a presente Ação; diante de tantos defeitos apresentados, o Autor enfrentou diversos transtornos que extrapolam o mero dessabor, com o veículo que comprou há poucos meses, quase sempre na oficina, com gastos exorbitantes, tendo causado um prejuízo material no valor total acima de R$10.000,00; além do mais, a indisponibilidade do veículo para uso no dia a dia, causou transtornos na rotina do Autor e de sua família; tendo tais situações prejudicado o uso normal do veículo para o qual foi adquirido; vale ressaltar que o Autor não pretende ressarcimento de todos os gastos, visto que é sabido a necessidade de manutenção de qualquer veículo, mas sim, a reparação de gastos exorbitantes de peças essenciais, que deveriam ter sido entregues no estado de conservação prometida, bem como de peças amparadas pela garantia, além de reparação de danos morais; vale ressaltar ainda, que o fato do veículo adquirido ser usado, não exime os Réus quanto a fornecerem veículo em boa condição de uso, visto que, o Autor pagou por um veículo com promessa de estar em perfeito estado, observado o valor da tabela FIPE, em média de R$50.000,00, tendo o Autor pago R$48.900,00; sendo assim, o Autor pagou por um veículo em perfeito estado e com boa preservação, e foi surpreendido com diversas falhas graves no veículo a cada instante; vale ressaltar, que durante todos os reparos, o Autor ficou a cargo de todos os custos, e sem qualquer outro meio de condução, além de, demais despesas que não podia prever, com recorrências a oficinas, gastando com peças e mãos de obras anexas, o que resultou em diversas perturbações e angustia, além de descompensação financeira, que prejudicou todo o orçamento do Autor, tendo tais danos, que ultrapassam o mero dissabor, obrigação de serem indenizados pelos Réus; devendo os Réus serem condenados a pagarem os prejuízos acima apontados; assim, considerando que as peças e mãos de obra anexas eram de necessidade básica para o funcionamento do veículo e que não foram ressarcidas ou assumidas pelos Réus, requer à V.Exa., se digne condenar os Réus solidariamente a pagarem ao Autor a título de danos materiais o valor de R$6.163,49, referente as peças e mão de obra anexas; considerando os envios de dois pix pelos Réus no valor total de R$300,00, o Autor concorda com a compensação de tal valor para pagamento de danos materiais, restando devido ao Autor a quantia de R$5.863,49; comprovantes de pagamento que deverão serem reparados pelos Réus em anexo; resta, portanto, demonstrada a obrigação do ressarcimento por parte dos Réus, em face das disposições supra mencionadas, visto que as situações experimentadas pelo Autor, ultrapassam o mero dessabor, visto que o veículo foi impossibilitado para uso normal durante todos os vícios ocultos apresentados, devendo os Réus serem condenados também, em quantia nunca inferior a R$10.000,00 a título de danos morais em favor do Autor, afim de que, a medida indenizatória tenha caráter pedagógico e reparador; no caso, de assim, o MM Juiz não entender, o que se admite por argumento, requer que a condenação de danos morais seja arbitrada pelo MM Juiz, que levará em conta, os princípios da proporcionalidade e razoabilidade”. Ao final, requer a procedência do pedido inicial “com a condenação dos Réus a pagarem solidariamente ao Autor a título de danos materiais a quantia de R$5.863,49 referente as peças que envolvem motor e câmbio, já compensados os valores pagos pelos Réus, bem como vícios ocultos, a serem corrigidos e atualizados até a data do efetivo pagamento; condenar os Réus solidariamente ao pagamento de danos morais a serem arbitrados em quantia nunca inferior a R$10.000,00” (ID 10351632904). Citada regularmente (IDs 10410034998 e 10369994568), a parte requerida não ofereceu contestação (certidão de decurso de prazo do Pje). A parte autora pugnou pelo julgamento antecipado da lide (ID 10427098371). É a súmula da espécie. O feito comporta o julgamento antecipado, nos termos do art. 355, inciso I, do CPC, pois a matéria é eminentemente de direito e os documentos acostados bastam à composição da lide. Nos termos do disposto no art. 441, do Código Civil, "a coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor." A constatação do vício redibitório autoriza o adquirente do bem a pleitear a extinção do vínculo contratual (Código Civil, art. 441) ou, ainda, o abatimento do preço em valor correspondente ao defeito, nos termos do art. 442, do Código Civil. Segundo as lições de CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON ROSENVALD, o direito tem como requisitos: 1) Contrato oneroso, salvo doação remuneratória e doação contemplativa de casamento; 2) Defeito oculto existente ao tempo da tradição; 3) Descoberta do defeito posteriormente à tradição; 4) Diminuição do valor econômico ou perda da substância da coisa em razão do vício redibitório; 5) Inexistência de cláusula excludente de garantia (Curso de Direito Civil. 4ª. ed. Salvador, Juspodvim, 2014, pp. 460/463). No caso em tela, a narrativa da parte autora encontra respaldo em documentos probatórios idôneos, juntados em ID 10351691223 e seguintes, dos quais extrai-se de forma clara e precisa o encadeamento dos vícios apresentados pelo veículo adquirido, logo após a tradição, com robusta comprovação dos defeitos apontados, das despesas efetuadas e das tentativas de solução extrajudicial pela parte demandante, inclusive com comunicações escritas e áudios enviados à parte ré via aplicativo de mensagens, tudo isso somado às notas fiscais, aos comprovantes de pagamento e registros de conserto. Os vícios detectados no automóvel são considerados ocultos por sua própria natureza técnica e, assim, não poderiam ser verificados de plano por consumidor médio, no momento da aquisição. Nesse particular, incide com plena eficácia o disposto no art. 18, §1º, II, do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece a responsabilidade solidária dos fornecedores pelos vícios de qualidade que tornem o produto impróprio ou inadequado para o consumo a que se destina. Ainda que o fornecedor não tenha responsabilidade sobre os vícios do produto em razão do tempo decorrido desde a fabricação do veículo, é sua responsabilidade oferecer produtos que tenham plenas condições de utilização pelo usuário, garantindo que sejam adequados para o fim ao qual se destinam. Confira-se a jurisprudência: COMPRA E VENDA – VEÍCULO USADO – VÍCIO OCULTO – - DANOS MATERIAIS – RELAÇÃO DE COMSUMO – DEVER DE INDENIZAR – Ação de indenização por danos materiais e morais julgada parcialmente procedente para condenar a ré ao pagamento da quantia de R$24.200,00 (vinte e quatro mil e duzentos reais) a título de danos materiais, com correção monetária desde o último desembolso (08/06/2013) e juros moratórios de 1% ao mês desde a citação – Apelante que se insurge contra a r. sentença insistindo na tese de inexistência de sua culpa pelos danos existentes no veículo por ter sido efetuada a vistoria pelo apelado, afirmando que os itens pleiteados pelo autor não se encontravam cobertos pela garantia, devendo ser afastada a indenização pelos danos materiais – Relação de consumo configurada – Responsabilidade objetiva do fornecedor em comercializar bens que sejam úteis à finalidade no qual se destinam – Dever de indenizar por todos os vícios ocultos que impossibilitam o uso do veículo – Realização de vistoria é ônus intrínseco na atividade de venda de veículos usados – Vício oculto comprovado – Dever de indenizar pelos danos materiais sofridos – Apelante que não comprovou a venda do veículo em condições de uso – Sentença mantida – Verba honorária majorada em 15% do valor da condenação, nos termos do artigo 85, parágrafo 11, do Código de Processo Civil – Recurso improvido. (TJ-SP - AC: 10002559220168260126 SP 1000255-92 .2016.8.26.0126, Relator.: José Augusto Genofre Martins, Data de Julgamento: 03/12/2019, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 03/12/2019). A existência de múltiplos vícios graves e sucessivos, em curto espaço de tempo após a aquisição do produto, rompe com qualquer expectativa legítima de funcionalidade e segurança, constituindo verdadeiro inadimplemento contratual. No tocante aos danos materiais, a parte autora comprovou documentalmente as despesas com peças e mão de obra no valor total de R$2.463,49 (dois mil quatrocentos e sessenta e três reais e quarenta e nove centavos), mediante a juntada de notas fiscais e recibos (ID 10351631944). Referido montante está diretamente relacionado aos vícios ocultos identificados no motor, câmbio, sistema de freios e bomba de combustível — todos componentes essenciais ao funcionamento seguro do veículo. Contudo, a alegação de nova falha ocorrida em setembro de 2024, resultando em uma hipotética despesa adicional de R$3.700,00 (três mil e setecentos reais), apoia-se exclusivamente no orçamento de ID 10351631944 – pg. 05, desacompanhado de nota fiscal ou recibo, o que impede o seu reconhecimento como gasto efetivamente realizado, nos termos do art. 373, I, do CPC. Uma vez comprovado que a parte ré reembolsou à parte autora o valor de R$300,00 (trezentos reais) (ID 10351632904 ), por meio de transferência via PIX, impõe-se a compensação dessa quantia, restando devidos R$2.163,49 (dois mil cento e sessenta e três reais e quarenta e nove centavos) a título de danos materiais. Sobre o tema: EMENTA: APELAÇAO. COMPRA VEÍCULO. VÍCIO OCULTO MOTOR. RESSARCIMENTO VALORES. SENTENÇA MANTIDA. - Incumbe à fornecedora, informar ao consumidor a respeito das condições do automóvel, garantir-lhe que o veículo estivesse em condições para utilização por tempo mínimo razoável e na forma presumivelmente adequada. - Comprovado que o veículo foi alienado com vícios já existentes, bem como, demonstrados os prejuízos materiais sofridos pelo consumidor, em razão dos defeitos ocultos encontrados no automóvel, correta a determinação de ressarcimento de valores. (TJMG - Ap Cível/Rem Necessária 1.0000.22.291701-5/003, Relator(a): Des.(a) Luiz Carlos Gomes da Mata , 13ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 04/07/2024, publicação da súmula em 08/07/2024) EMENTA: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. RESCISÃO CONTRATUAL. VÍCIO OCULTO EM VEÍCULO USADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS E LUCROS CESSANTES. RECURSO NÃO PROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelação cível interposta contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais em ação de rescisão contratual cumulada com indenização por danos morais, materiais e lucros cessantes. A ação foi ajuizada pelos autores em face da vendedora de veículo, da seguradora, da fabricante e da financiadora, pleiteando a resolução do contrato de compra e venda, restituição de valores pagos e indenização por danos. A sentença rescindiu o contrato e condenou a vendedora a restituir valores e indenizar os danos materiais e morais, mas afastou a responsabilidade das demais rés. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há três questões em discussão: (i) verificar a extensão da responsabilidade solidária das rés na cadeia de fornecimento; (ii) determinar o cabimento de indenização pelos danos materiais alegados, inclusive pela locação de veículo substituto e conserto do bem; (iii) analisar a adequação do quantum fixado a título de danos morais. III. RAZÕES DE DECIDIR - A responsabilidade solidária entre os integrantes da cadeia de fornecimento não se aplica às rés financiadora e seguradora, uma vez que não se verifica vício na prestação de seus serviços nem nexo causal com os defeitos do veículo. - A fabricante do veículo também não responde pelos vícios constatados, tendo em vista a ausência de nexo causal, uma vez que o veículo usado foi adquirido fora do prazo de garantia e apresentava defeitos decorrentes do mau uso pelo antigo proprietário. - A indenização por danos materiais referente à locação de veículo não é cabível, pois não há comprovação do efetivo pagamento dos valores indicados no contrato de locação juntado aos autos. - A indenização por danos materiais para o reparo do veículo não é devida, pois o valor não foi efetivamente despendido, além de o pedido ser subsidiário à resolução contratual, já acolhida. - O quantum arbitrado a título de danos morais é adequado e proporcional às peculiaridades do caso, considerando os transtornos causados pela privação do uso do veículo, sem configurar enriquecimento ilícito. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso desprovido. Tese de julgamento: - A responsabilidade solidária entre integrantes da cadeia de fornecimento não se aplica quando não há vício na prestação de serviços ou nexo causal com o dano. - A indenização por danos materiais exige comprovação efetiva do prejuízo sofrido e despendido. - O quantum da indenização por danos morais deve observar os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, considerando os transtornos específicos do caso. Dispositivos relevantes citados: Código de Defesa do Consumidor, arts. 7º, parágrafo único, 14 e 25, § 1º; Código Civil, arts. 402 e 944; Código de Processo Civil, art. 373, I. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.24.395122-5/001, Relator(a): Des.(a) Lílian Maciel , 20ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 24/03/2025, publicação da súmula em 25/03/2025). Quanto ao dano moral, é de se reconhecer que o conjunto de transtornos vivenciados pela parte autora extrapola, a toda evidência, os meros aborrecimentos próprios de uma relação de consumo. A aquisição de um veículo automotor, por expressiva quantia, e a sequência de falhas graves que comprometeram a segurança e a funcionalidade do bem, somadas à conduta omissiva e desidiosa da parte ré, gera, de forma inequívoca, uma perturbação significativa na esfera psíquica do consumidor, de modo a abalar a sua confiança, estabilidade emocional e o seu planejamento financeiro familiar. Não se trata aqui de frustrações ordinárias da vida em sociedade, mas de verdadeira violação à dignidade do consumidor, que, à luz do art. 6º, VI, do CDC, autoriza a reparação moral. Sobre o assunto, leciona Humberto Theodoro Júnior que: "nunca poderá, o juiz, arbitrar a indenização do dano moral, tomando por base tão somente o patrimônio do devedor. Sendo, a dor moral, insuscetível de uma equivalência com qualquer padrão financeiro, há uma universal recomendação, nos ensinamentos dos doutos e nos arestos dos tribunais, no sentido de que 'o montante da indenização será fixado eqüitativamente pelo Tribunal' (Código Civil Português, art. 496, inc. 3). Por isso, lembra, R. Limongi França, a advertência segundo a qual 'muito importante é o juiz na matéria, pois a equilibrada fixação do quantum da indenização muito depende de sua ponderação e critério" (Reparação do Dano Moral, RT 631/36)" (in Dano Moral, Ed. Oliveira Mendes, 1998, São Paulo, p. 44). O quantum indenizatório deve ter em vista os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, bem como estabelecer uma reparação equitativa, apurando-se as peculiaridades de cada caso, tais como a culpa do agente, a qualidade do atingido, a extensão do prejuízo causado, a capacidade econômica do agravado e a capacidade financeira do ofensor, de molde a inibi-lo de reincidência, ensejando-lhe expressivo, mas suportável, gravame patrimonial, sem implicar enriquecimento sem causa da parte atingida. Assim, diante do contexto probatório, da gravidade dos vícios apresentados e da pertinácia omissiva da parte ré, mostra-se razoável uma indenização por danos morais equivalente a R$5.000,00 (cinco mil reais), corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora. Confira-se a jurisprudência: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE PROCEDIMENTO COMUM - ILEGITIMIDADE ATIVA - IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - RESCISÃO DE COMPRA E VENDA DE VEÍCULO - HODÔMETRO ADULTERADO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA CONCESSIONÁRIA - DESFAZIMENTO DO NEGÓCIO - DEDUÇÃO DA DEPRECIAÇÃO DO BEM - DANO MORAL - QUANTUM INDENIZATÓRIO - TERMO INICIAL JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. À luz da teoria da asserção, a legitimidade das partes deve ser aferida de forma abstrata, com base na narrativa realizada pelo autor na peça inicial, de modo que, em se concluindo que o autor é o possível titular do direito invocado e que aquele indicado como réu deve suportar a eventual procedência dos pedidos iniciais, estará consubstanciada a legitimidade "ad causam" das partes, o que não se confunde com o julgamento do mérito. Compreende-se como impossibilidade jurídica do pedido a pretensão que encontra vedação no ordenamento jurídico. É lícito o pleito de rescisão de contrato de compra e venda de veículo por vício oculto. A concessionária vendedora de veículos usados responde objetivamente pelos vícios de qualidade do produto. Cabe à revendedora averiguar a procedência e o histórico do automóvel comercializado, respondendo pelos danos causados em decorrência da adulteração de quilometragem em hodômetro. Se o vício do produto não for sanado no prazo máximo de trinta dias, o consumidor pode exigir, alternativamente e à sua escolha: a imediata substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; ou o abatimento proporcional do preço. Constado o vício oculto, é devida a restituição da quantia paga devidamente atualizada, com o abatimento proporcional pelo uso de veículo por longo período de tempo. A frustação da legítima expectativa do consumidor diante da falha na prestação de serviço por parte da concessionária ré, atinente a venda de veículo com hodômetro adulterado, gera dano moral indenizável. O arbitramento da indenização por dano moral deve se dar com observância dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, cabendo ao julgador agir com moderação, levando em conta a extensão do dano, a situação econômica das partes e a repercussão do ato ilícito. Por se tratar de ilícito contratual, os juros de mora incidentes sobre as indenizações por danos material e moral devem ser contados a partir da citação (art. 405 do CC). A correção monetária, por sua vez, incide sobre a reparação material desde a data do desembolso (Súmula 43 do c. STJ) e sobre a indenização por dano moral a partir do arbitramento (Súmula 362 do c. STJ). (TJMG - Apelação Cível 1.0000.24.415388-8/001, Relator(a): Des.(a) Marcelo Pereira da Silva , 11ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 13/11/2024, publicação da súmula em 14/11/2024) – (gn). EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - "AÇÃO REDIBITÓRIA C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL" - COMPRA DE VEÍCULO AUTOMOTOR EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL - VÍCIO OCULTO - ART. 18 DO CDC - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR - ART. 373, I, CPC - DANO MATERIAIS COMPROVADOS - DANOS MORAIS CONFIGURADOS - QUANTUM INDENIZATÓRIO. É objetiva a responsabilidade dos fornecedores pelos danos causados aos consumidores relativamente ao produto fornecido, exigindo-se apenas do consumidor que prove o dano e o nexo causal, nos termos do art. 18 do Código de Defesa do Consumidor. O fornecedor tem obrigação de colocar no mercado de consumo produtos que estejam em mínimas condições de uso, ainda que se trata de veículo usado. A natureza oculta dos defeitos mecânicos, assim como sua preexistência ao negócio jurídico celebrado entre as partes restaram comprovados pelo conjunto probatório que compõe os autos, notadamente pela prova pericial produzida. Em casos envolvendo discussões de natureza eminentemente técnica, o trabalho qualificado elaborado por profissional especialista assume especial relevância. Comprovadas as despesas, é devida a indenização por danos materiais. A frustração das legítimas expectativas de quem adquire um veículo automotor em estabelecimento comercial especializado e é surpreendida com vícios ocultos que comprometem seu uso seguro, gera angústia e intranquilidade, tratando-se de situação apta a configurar dano de natureza moral. A indenização por danos morais deve ser arbitrada observando-se os critérios punitivo e compensatório da reparação, sem perder de vista a vedação ao enriquecimento sem causa e os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.24.459891-8/001, Relator(a): Des.(a) Mônica Libânio , 11ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 12/02/2025, publicação da súmula em 13/02/2025). Ante o exposto e por tudo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido inicial com a resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, para: a) CONDENAR a parte requerida GIGA MOTORS e LEANDRO ALVES REIS, solidariamente, no pagamento de indenização por danos morais no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais) à parte autora LUCIANO DE PAULA RIBEIRO, com correção monetária pelo IPCA – IBGE, a partir da data do arbitramento (Súmula 362, do STJ) e juros de mora desde a citação, equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), com a dedução do IPCA do respectivo cálculo (art. 406, §1º, do CC); acaso o IPCA seja negativo (deflação), não haverá dedução de índice inflacionário; para fins de cálculo, ele será considerado igual a zero (art. 406, §3º, do CC); b) CONDENAR a parte requerida GIGA MOTORS e LEANDRO ALVES REIS, solidariamente, no pagamento de R$2.163,49 (dois mil cento e sessenta e três reais e quarenta e nove centavos) à parte autora LUCIANO DE PAULA RIBEIRO, a título de reparação de danos materiais, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora A correção monetária deve observar os índices fornecidos pela CGJ/MG, desde a data do desembolso até 29.08.2024; a partir de 30.08.2024, para a correção monetária deve ser aplicado o IPCA – IBGE, conforme o disposto no art. 389, parágrafo único, do Código Civil. A taxa de juros incide a partir da citação; devem ser aplicados os juros de mora equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), com a dedução do IPCA do respectivo cálculo (art. 406, §1º, do CC); acaso o IPCA seja negativo (deflação), não haverá dedução de índice inflacionário; para fins de cálculo, ele será considerado igual a zero (art. 406, §3º, do CC). Sem custas nem honorários advocatícios, a teor do disposto nos arts. 54 e 55, da Lei 9.099, de 1995. Acaso haja a interposição de recurso inominado, intime-se a parte recorrida para que, no prazo de 10 (dez) dias, apresente as suas contrarrazões. Cumpridas as formalidades supra, remetam-se os autos à respectiva Turma Recursal, com as nossas homenagens. Certificado o trânsito em julgado, dê-se baixa e arquivem-se os autos com as cautelas de praxe. Com o trânsito em julgado, arquivem-se os autos com baixa. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Araguari, data da assinatura eletrônica. CÁSSIO MACEDO SILVA Juiz de Direito Unidade Jurisdicional 1º JD da Comarca de Araguari 1
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