Processo nº 0007584-76.2016.4.01.3304
ID: 320049277
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 10 - DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0007584-76.2016.4.01.3304
Data de Disponibilização:
09/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
EDILTON DE OLIVEIRA TELES
OAB/BA XXXXXX
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LAISE DUARTE COUTO
OAB/BA XXXXXX
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LAISE MARIA NETTO SCHULER DE MENEZES
OAB/BA XXXXXX
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ALOISIO FIGUEIREDO ANDRADE JUNIOR
OAB/BA XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0007584-76.2016.4.01.3304 PROCESSO REFERÊNCIA: 0007584-76.2016.4.01.3304 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: ADAILTON CAMPOS S…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0007584-76.2016.4.01.3304 PROCESSO REFERÊNCIA: 0007584-76.2016.4.01.3304 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: ADAILTON CAMPOS SOBRAL e outros REPRESENTANTES POLO ATIVO: ALOISIO FIGUEIREDO ANDRADE JUNIOR - BA18475-A, LAISE MARIA NETTO SCHULER DE MENEZES - BA50383-S e LAISE DUARTE COUTO - BA54528-A POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: ALOISIO FIGUEIREDO ANDRADE JUNIOR - BA18475-A, LAISE DUARTE COUTO - BA54528-A e LAISE MARIA NETTO SCHULER DE MENEZES - BA50383-S RELATOR(A):CESAR CINTRA JATAHY FONSECA PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 10 - DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 0007584-76.2016.4.01.3304 PROCESSO REFERÊNCIA: 0007584-76.2016.4.01.3304 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) R E L A T Ó R I O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY (RELATOR): Cuida-se de apelações criminais interpostas pelo Ministério Público Federal e pelo acusado Adailton Campos Sobral em face de sentença (ID 281705059) proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Feira de Santana/BA, que julgou procedentes os pedidos formulados pela acusação, para condenar o réu, ora apelante, pela prática dos crimes previstos no art. 90 da Lei nº 8.666/93, por duas vezes, c/c o art. 69 do CP, bem como nas sanções do art. 1º, I, do DL 201/67 c/c o art. 69 do CP, também por duas vezes (fraude a procedimento licitatório e apropriação de verbas públicas, ambos por duas vezes, tudo em concurso material). As penas do acusado resultaram em: - 04 (quatro) anos de reclusão, em regime inicial aberto e - 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de detenção, em regime inicial semiaberto, e 26 (vinte e seis) dias-multa, à razão diária de 1/2 (meio) salário mínimo em vigor na data dos fatos. Somadas as penas privativas de liberdade, incabível a substituição da reprimenda por sanções restritivas de direitos, ante o não preenchimento do requisito objetivo temporal previsto no art. 44, I, do CP (pena superior a 4 anos). Foram rejeitados os embargos de declaração interpostos pelo réu (ID 281705063), com o objetivo de sanar alegadas omissões da sentença, no tocante à (1) ausência de apreciação da petição de ID 281705055, que apontou supostas irregularidades na migração do processo para o PJE; (2) necessidade da juntada de documento novo produzido na Ação Penal nº 0011202-92.2017.4.01.3304, na qual são apurados os mesmos fatos da presente ação penal e (3) ausência de apreciação de impugnação á perícia. Finalmente, foi determinado o desentranhamento de documentos juntados pelo réu (ID 281705070), o que se deu, conforme Certidão de ID 281705077. O Ministério Público Federal apela da dosimetria da pena, à alegação de ser necessária a majoração da pena-base dos crimes pelos quais o acusado foi condenado, fixadas em patamar insuficiente para a reprovação e prevenção dos delitos cometidos, ante o equívoco do julgador no exame das circunstâncias do art. 59 do CP. Assim, quanto ao crime do art. 90 da Lei 8.666/93, que possui pena mínima de 02 (dois) anos e máxima de 04 (quatro) anos, a pena-base foi fixada em apenas 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses, patamar que julga ser insuficiente. Aduz que, no tocante às circunstâncias do art. 59 do CP, o d. Juízo deixou de valorar negativamente as circunstâncias do crime ao não levar em consideração que o acusado se valeu de artifícios que fogem ao amadorismo, com vistas a propiciar, mediante fraude, caráter competitivo ao PP nº 003/2009. Tais artifícios consistiram em: ausência de pesquisa de preços com pelo menos 03 (três) fornecedores; ausência de comprovação de posse de CNH compatível com o tipo de veículo; emissão pelos licitantes de documentos nas páginas do Ministério da Fazenda, Inss e Secretaria de Segurança Pública em datas e horários coincidentes; apresentação de documentos com reconhecimento de firma posterior à data da realização do Pregão; emissão de alvarás de licença dos veículos no dia da realização do Pregão; participação e vitória de exatamente 24 (vinte e quatro) pessoas físicas interessadas nas 24 (vinte e quatro) linhas licitadas e ausência de numeração das páginas do procedimento administrativo ou numeração a posteriori. No caso do PP nº 006/2010, os artifícios consistiram em: ausência de numeração das páginas e de pesquisa prévia de preços com, pelo menos, 03 (três) fornecedores; ausência de devida publicidade do certame; cobrança de valor exacerbado para obtenção do edital; não aquisição do edital por uma empresa licitante; ausência de juntada da proposta inicial da licitante vencedora (“Sapeaçu Locadora de Transportes Ltda.) ao procedimento de licitação; participação de apenas 02 (duas) empresas no certame, a “Sapeaçu Locadora de Transportes Ltda.” e a “RN Leal EPP”, bem como, apresentação de preços iguais por ambas, em todos os lotes licitados; redução, na fase de lances, dos valores ofertados pela “Sapeaçu Locadora de Transportes Ltda.” de, no máximo, R$ 1,00 (um real) em cada lote e vitória da empresa “Sapeaçu Locadora de Transportes Ltda.” em todos os lotes licitados. Todos esses vícios foram usados para fraudar o caráter competitivo dos procedimentos licitatórios, de modo, que, segundo defende o apelante, o vetor circunstâncias do crime deve ser valorado negativamente. Quanto às consequências do crime, aduz que, com a fraude ao caráter competitivo do PP nº 003/2009, houve a contratação de pessoas físicas sem comprovação de posse de CNH válida, compatível com o tipo de veículo, exigência de extrema importância para a execução do objeto contratado, tendo em vista que o certame se destinava à locação de veículos para a condução de alunos matriculados nas redes municipal e estadual de ensino, residentes na zona rural do Município, ou seja, crianças e adolescentes sob a responsabilidade do Estado, que tiveram suas integridades físicas colocadas em risco. Conclui que, os parâmetros do art. 59 do CP evidenciam a necessidade de majoração da pena-base imposta ao acusado pela prática do crime do art. 90 da Lei 8.666/93, para que seja proporcional à gravidade concreta das condutas praticadas. Sobre o crime do art. 1º, I, do DL 201/67, o MPF alega que o referido tipo penal comina pena de 02 (dois) a 12 (doze) anos de reclusão. Na hipótese, malgrado a gravidade do caso, o d. Juízo fixou a pena-base no mínimo legal, ou seja, em 02 (dois) anos, patamar que considera insuficiente e desproporcional. Aduz que, diferente do entendimento do d. Juízo, as consequências do delito merecem ser negativamente valoradas, ante o superfaturamento dos valores do PP nº 003/2009, com desvio estimado de 38% dos valores desembolsados pela prefeitura, o que representou o pagamento a maior de R$ 37.076,76 (trinta e sete mil, setenta e seis reais e setenta e seis centavos), valor, portanto, acima da média praticada nos municípios pesquisados, conforme concluiu o Laudo Pericial nº 769/2014 - SETEC/SR/DPF/BA (ID 281705047 – pg.101). Além disso, no mesmo certame (PP nº 003/2009), foi verificado o superdimensionamento das linhas licitadas, o que resultou em um acréscimo médio de 32,46% e um prejuízo aos cofres públicos de cerca de R$ 51.744,42 (cinquenta e um mil, setecentos e quarenta e quatro reais e quarenta e dois centavos). No que se refere ao Pregão Presencial nº 006/2010, conforme concluiu o Laudo Pericial nº 771/2014 – SETEC/SR/DPF/BA (ID 281705047 – pg. 143), também houve superfaturamento dos valores contratados e superdimensionamento das linhas, o que resultou em acréscimo de 45,41% dos valores desembolsados pela prefeitura, representado o pagamento a maior de R$ 130.707,72 (cento e trinta mil, setecentos e sete reais e setenta e dois centavos), com evidente sobrepreço quando comparado aos preços dos outros municípios. O superdimensionamento das linhas, por sua vez, resultou no desvio de verbas federais no montante de R$ 169.730,.50 (cento e sessenta e nove mil, setecentos e trinta reais e cinquenta centavos) acima do devido. Finalmente, o d. Juízo concluiu que, no PP nº 006/2010, somando-se os montantes decorrentes do superfaturamento de preços e do superdimensionamento das linhas licitadas, alcançou-se um pagamento total indevido de R$ 300.438,22 (trezentos mil, quatrocentos e trinta e oito reais e vinte e dois centavos), o que representa 42% de tudo o que foi pago entre maio e dezembro/2010, em decorrência do referido pregão. Portanto, diante da flagrante gravidade das consequências provocadas pelo superfaturamento de preços e superdimensionamento dos trechos licitados, é necessária a exasperação da pena-base aplicada ao crime de responsabilidade do acusado (ID 281705064). O acusado Adailton Campos Sobral apela para aduzir ter o MPF concluído que, unicamente por ter sido o apelante prefeito do Município de Conceição do Almeida/BA, deveria ser objetivamente responsabilizado pelo alegado direcionamento do resultado dos Pregões Presenciais nªs 03/2009 e 06/2010, bem como, pelo desvio de recursos federais mediante contratos supostamente superfaturados e superdimensionados. Em preliminar, alega que foi proferida, em 13/07/2002, sentença absolutória nos autos nª 0002214-14.2019.4.01.3304, em trâmite na 2ª Vara Federal da Seção Judiciária de Feira de Santana/BA, cuja juntada ora requer, na forma dos arts. 231 e 234 do CPP, a fim de que seja analisada em conjunto com os demais argumentos do presente apelo. Aduz que, embora os autos supracitados se refiram a licitação de transporte escolar diversa (Pregão Presencial nº 004/2012), partiu das mesmas premissas fático-jurídicas da presente ação penal e, sobretudo do mesmo Inquérito Policial e, por conseguinte, dos mesmos documentos e laudos periciais, unilateralmente elaborados pela Polícia Federal, além de inicial acusatória sob os mesmos fundamentos e mesma prova oral produzida em Juízo (depoimento das testemunhas e interrogatório do acusado). Também em preliminar, alega ter oposto embargos de declaração, com vistas a chamar o feito à ordem, ante a nulidade da sentença por ter sido proferida sem que fosse apreciada a petição de ID 281705055, que noticiava graves irregularidades na migração dos autos para o sistema PJE, com prejuízo ao exercício do contraditório e da ampla defesa e em desrespeito ao disposto nos arts. 3º, § 2º e 11 da Portaria/Presi nº 8052566/2019, deste Regional. Requer seja declarada a nulidade de todos os atos subsequentes à referida petição e determinada a reconstituição dos autos. Ainda em preliminar, pugna pela reinserção e apreciação da mídia digital anexada aos embargos de declaração, na forma dos arts. 231 e 234 do CPP, tendo em vista que, nos termos do art. 397 do CPC, é licito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que já foram produzidos. Aduz que a referida mídia traz o interrogatório prestado, em 31/03/2022, pelo corréu Egberto de Almeida Cardoso Filho (pregoeiro de todas as licitações mencionadas nos diversos processos) nos autos da Ação Penal nº 0011202-92.2017.4.01.3304, desmembrada do presente feito e que tem a mesma base acusatória da presente demanda. No referido interrogatório, Egberto de Almeida Cardoso Filho esclareceu que: - inexistiu qualquer determinação por parte do recorrente para beneficiar ou prejudicar qualquer licitante; - não era atribuição do apelante realizar pesquisas de preço, tampouco indicar as rotas/quilometragens licitadas e - inexistiu conluio ou ingerência do apelante nos procedimentos licitatórios. Defende que o interrogatório em comento é indispensável ao pleno exercício da defesa do apelante. Pugna por sua reinserção nos autos e consequente declaração de nulidade da sentença recorrida. Finalmente, em preliminar, defende a inépcia da peça acusatória, ante o não preenchimento dos requisitos do art. 41 do CPP, uma vez que não individualizou a conduta do apelante ou sequer expôs os fatos a ele imputados. Tampouco descreveu comportamento típico, tendo se fundamentado exclusivamente na condição de gestor municipal do acusado. No mérito, alega que a sentença se baseou em documentação gerada unilateralmente pela acusação, em fase inquisitorial, sem o crivo do contraditório e da ampla defesa, não obstante ter sido ela refutada por prova oral produzida em Juízo, a qual, por sua vez demonstrou: - ausência de provas da existência de conluio entre o apelante e os demais envolvidos nos fatos (pregoeiro e/ou licitantes); - a perícia realizada pela Polícia Federal, direcionada por opositores políticos do apelante, que supostamente teria atestado o superdimensionamento das rotas, não levou em consideração a rota real do transporte praticado no Município de Conceição de Almeida; - na prática, ao executar o transporte nas vias, há sempre distorções e mudanças de rota que interferem nas distâncias de cada trecho; - não foram consideradas pelo MPF as particulares das vias e estradas de cada Município para fins da acusação de sobrepreço e - não há prova do superfaturamento e do superdimensionamento dos certames. Assim, alega que não haveria prova nos autos de que o apelante teria agido com o intuito de fraudar o procedimento licitatório ou se apropriado/desviado bens ou rendas públicas (dolo objetivo), não sendo criminalizado o mero descumprimento de formalidades. Estariam, portando, demonstradas a atipicidade da conduta, bem como, a ausência de indícios de materialidade e autoria. Também não teria havido dano ao erário, pois, o Laudo Pericial que atestou os prejuízos é prova produzida unilateralmente, rechaçada pela prova testemunhal por não corresponder à realidade fática do Município e ter sido maculado pelos opositores políticos do apelante. Assevera desconhecer o alegado caráter fraudulento dos certames, além de não ser o responsável direto pela condução dos Pregões, pois, na condição de gestor municipal, sequer possuía atribuição de fiscalização de procedimentos licitatórios, conforme demonstra a prova testemunhal. Nesse sentido foi o entendimento na Ação Penal 0002214-14.2019.4.01.3304, da 2ª Vara da Subseção Judiciária de Feira de Santana/BA, correlata aos presentes autos. Ressalta que o MPF deixou de incluir no polo passivo da presente demanda os demais membros da Comissão de Licitação, executores diretos dos procedimentos licitatórios tidos como viciados, os quais, assim como a Assessoria Jurídica do Município, respaldavam o gestor municipal. Mantida a condenação, pugna pela incidência do princípio da consunção, a fim de que o tipo penal do art. 90 da Lei 8.666/93 seja absorvido pelo delito do art. 1º, I, do DL 201/67, sob o argumento de que a fraude à licitação seria crime-meio para o crime de responsabilidade. Afastado, portanto, o concurso material (art. 69 do CP). No tocante à reprimenda, aduz ter sido reconhecida a presença de uma circunstância do art. 59 do CP julgada negativa, sob fundamentos genéricos e ínsitos ao tipo penal. Requer seja revista a dosimetria da pena, a fim de que a sanção imposta ao acusado seja fixada no mínimo legal. Finalmente, pugna pela concessão do benefício da justiça gratuita (ID 281705074). O acusado junta aos autos cópia de sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Feira de Santa/BA, em 13/07/2022, nos autos da Ação Penal 0002214-14.2019.4.01.3304, a qual, segundo alega, absolveu o recorrente, em situação idêntica à destes autos, em processo baseado nos mesmos documentos e fundamentos originados do mesmo Inquérito Policial e Órgão Ministerial. Requer que a referida decisão seja analisada em conjunto com os demais argumentos expostos no recurso de apelação (ID 281705075). Também junta aos autos cópia da denúncia na supracitada ação penal (ID 281705076). Contrarrazões do réu ao apelo do MPF, nas quais pugna, em preliminar, pelo reconhecimento da nulidade da sentença e subsequente chamamento do feito à ordem em nome do princípio da eventualidade, diante da ausência de apreciação da petição que apontou: (1) supostas irregularidades na migração do processo para o sistema PJE; (2) necessidade de juntada de documento novo produzido na Ação Penal nº 0011202-92.2017.4.01.3304, na qual são apurados os mesmos fatos da presente ação penal e (3) ausência de apreciação de impugnação à perícia, a sob pena de violação aos princípios da ampla defesa e do contraditório. No mérito, pugna pelo desprovimento da apelação da acusação (ID 281705069). O MPF, nesta instância, opinou pelo provimento parcial do recurso do MPF, para que sejam majoradas as penas do acusado, em razão do julgamento negativo das consequências dos delitos e pelo desprovimento do recurso de Adaílton Campos Sobral (ID 342459623). O acusado, em Petição, requer a juntada do parecer ministerial proferido nos autos da Ação Civil Pública por ato de Improbidade Administrativa nº 0010606-45.2016.4.01.3304, a qual, segundo alega, versa sobre os mesmo fatos ora em discussão. Aduz que, na referida ACP, o MPF, ao contrário dos presentes autos e com o mesmo suporte probatório, pugnou pela improcedência daquela ação, levando em consideração a única prova produzida em Juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, qual seja, o depoimento das testemunhas, que comprovou a atipicidade da conduta. Tal fato, para o apelante, demonstra não ser possível fundamentar condenação apenas nos elementos colhidos em fase extrajudicial, não comprovados no curso da instrução, sobretudo, com no caso destes autos, ante a inexistência do dolo específico e do prejuízo ao Erário (ID 418123538). Junta aos autos cópias das alegações finais do MPF nos autos da ACP nº 0010606-45.2016.4.01.3304 (ID 418123547 - pg. 2), da inicial da referida ACP (ID 418123582), além das sentenças nos autos da Ação Penal nº 0002214-14.2019.4.01.3304 e ACP nº 1000985-70.2017.4.01.3304 (ID 418123557). É o relatório. Sigam os autos ao exame do Revisor, que pedirá a designação de dia para o julgamento (art. 613, I, CPP). Desembargador Federal CÉSAR JATAHY Relator PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 10 - DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 0007584-76.2016.4.01.3304 PROCESSO REFERÊNCIA: 0007584-76.2016.4.01.3304 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) V O T O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY (RELATOR): Por vislumbrar presentes os requisitos de admissibilidade, conheço das apelações. O Ministério Público Federal denunciou o apelante Adailton Campos Sobral, bem como Egberto de Almeida Cardoso Filho, nas penas do art. 90 da Lei 8.666/93, por duas vezes, e 1º, I, do DL 201/67, também por duas vezes. De acordo com a inicial acusatória, o inquérito policial se baseou em representações dos vereadores do Município de Conceição do Almeida/BA apontando crimes de responsabilidade e de fraude a procedimento licitatório, relacionados aos Pregões Presenciais nºs 003/2009 e 006/2010, envolvendo verbas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). O objeto do Pregão nº 003/2009 era a locação de veículos para o transporte escolar da zona rural do Município, sendo especificadas 24 (vinte e quatro) linhas, cada uma delas a ser atendida por um tipo específico de automóvel (camionetas, ônibus, etc). O critério era o menor preço por lote, cada um deles equivalente a uma linha. O Pregão Presencial nº 006/2010 também tinha como objeto a locação de veículos para o transporte escolar da zona rural do Município, sendo especificadas 25 (vinte e cinco) linhas, cada uma delas a ser atendida por um tipo específico de automóvel (camionete, ônibus, etc.).O critério também era o menor preço por lote, cada um deles equivalente a uma linha. No tocante ao Pregão nº 003/2009 foram apontadas as seguintes irregularidades: 1) falta de numeração das páginas ou numeração a posteriori, indicando não ter havido uma sequência de atos e “confecção de procedimento”; 2) não houve pesquisa de preços com pelo menos 03 (três) fornecedores; 3) embora fosse exigida no edital, alguns vencedores não apresentaram cópia da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) válida, compatível com o tipo de veículo. 4) coincidência nas datas e horários de impressão dos documentos dos participantes do pregão nas páginas do Ministério da Fazenda, Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e Secretaria de Segurança Pública; 5) 08 (oito) licitantes apresentaram documentos contendo data de reconhecimento de firma posterior à de realização do pregão e outros 03 (três) licitantes apresentaram, em fase de habilitação, documentos impressos em datas posteriores à do pregão; 6) quase todos os alvarás de licença dos veículos foram expedidos no próprio dia da realização do pregão; 7) para as 24 (vinte e quatro) linhas licitadas, compareceram exatamente 24 (vinte e quatro) pessoas físicas interessadas, tendo, “coincidentemente”, cada uma delas se sagrado vencedora; 8) ocorreu superfaturamento dos valores contratados o que, segundo a perícia, provocou o desvio de cerca de 38% (trinta e oito por cento) dos valores desembolsados pela prefeitura. Desse modo, calculando-se que, de setembro a novembro/2009, houve 63 (sessenta e três) dias letivos, pagou-se R$ 37.076,76 (trinta e sete mil, setenta e seis reais e setenta e seis centavos) além do devido; e 9) os peritos percorreram as linhas licitadas e constataram terem sido elas superdimensionadas. Desse modo, calculando-se que, de setembro a novembro/2009, houve 63 (sessenta e três) dias letivos, a prefeitura pagou R$ 57.744,42 (cinquenta e sete mil, setecentos e quarenta e quatro reais e quarenta e dois centavos) além do devido. Por sua vez, no tocante ao Pregão nº 006/2010 foram apontadas as seguintes irregularidades: 1) falta de numeração das páginas ou numeração a posteriori, indicando não ter havido uma sequência de atos e “confecção de procedimento”; 2) não houve pesquisa de preços com pelo menos 03 (três) fornecedores; 3) não houve divulgação em diário oficial da União, tampouco em jornal de grande circulação, limitando-se ao Diário do Município, em clara restrição da competitividade; 4) cobrança de taxa de R$ 600,00 (seiscentos reais) para aquisição de cópia do edital (equivalente a R$ 16,00 por folha, quando o custo seria de R$ 0,50), também no intuito de afastar licitantes e ferindo o art. 32 da Lei 8.666/93; 5) apenas a empresa “Sapeaçu Locadora de Transportes Ltda.” adquiriu o edital. A empresa “RM Leal EPP não o adquiriu, fato que deveria ter levado à sua inabilitação; 6) a proposta inicial da empresa “Sapeaçu Locadora de Transportes Ltda.”, vencedora de todos os lotes, não foi juntada ao procedimento de licitação, o que somente se soube em razão de não constar na ata de julgamento; 7) de acordo com a ata, apenas a empresa “Sapeaçu Locadora de Transportes Ltda.” e a empresa “RN Leal EPP” participaram do certame, tendo apresentado preços iguais. Passando-se à fase de lances verbais, apenas a “Sapeaçu” apresentou redução no lance, com todos os valores abaixo de R$ 1,00 (um real), sendo declarada vencedora em todos os lotes; 8) ocorreu superfaturamento dos valores contratados, tendo os peritos estimado que cerca de 45,41% dos valores desembolsados pela Prefeitura foram desviados. Desse modo, calculando-se que, de maio a dezembro/2010, houve 156 (cento e cinquenta e seis) dias letivos, a prefeitura pagou R$ 130.707,72 (cento e trinta mil, setecentos e sete reais e setenta e dois centavos) além do devido; 9) os peritos percorreram as linhas licitadas e verificaram terem sido elas superdimensionadas. Desse modo, calculando-se que, de maio a dezembro/2010 houve 156 (cento e cinquenta e seis) dias letivos, a prefeitura pagou R$ 130.707,72 (cento e trinta mil, setecentos e sete reais e setenta e dois centavos) além do devido. Ainda de acordo com a inicial acusatória, Adailton Campos Sobral, na condição de prefeito municipal (2009 a 2012) e ordenador de despesas, coordenou a fraude nas licitações e o desvio dos recursos transferidos pela União ao Município de Conceição de Almeida/BA. A responsabilidade do acusado advém do fato de haver, com inequívoco dolo: - autorizado e homologado os certames licitatórios fraudados, bem como, firmado as contratações subsequentes; - liberado recursos públicos sem observância das normas financeiras pertinentes; - autorizado o uso dos valores em descompasso com as finalidades legais e - acobertado o desvio de dinheiro destinado ao transporte escolar. Para o denunciante, não há com afastar a responsabilidade do acusado pelas irregularidades constatadas, vez que, imbuído de atribuição político-administrativa de chefia, não poderia se furtar ao conhecimento do que se passava sob sua administração, tendo, inclusive, conduzido e homologado os aludidos certames. Quanto ao codenunciado Egberto de Almeida Cardoso Filho, pregoeiro municipal, segundo a denúncia, foi o responsável pela montagem e deflagração dos certames licitatórios fraudados, concorrendo para o desvio dos recursos públicos, tendo desviado valores em benefício das empresas e pessoas físicas vencedoras, mediante contratos superfaturados por preços acima do mercado e serviços não realizados (ID 281705045 - pg. 2). A denúncia foi recebida em 27/06/2016 (ID 281705048 – pg. 90). Os autos foram remetidos a este Regional, em razão do apelante Adailton Campos Sobral exercer o cargo de Prefeito (ID 281705048 – pg. 195), gerando o desmembramento do feito em relação a Egberto de Almeida Cardoso Filho, que recebeu a numeração 11202-02.2017.4.01.3304 (ID 281705049 - pg. 110). Neste Tribunal, foram convalidados os atos praticados em primeira instância (ID 281705048 - pg. 206). Todavia, em 09/10/2018, foi determinada a devolução dos autos ao Juízo Federal da 1ª Vara da Subseção Judiciária de Feira de Santana, considerando que a Segunda Seção deste Regional, ao apreciar, em 03/10/2018, o IP n° 2754-17.2018.4.01.0000/AC, decidiu aplicar o entendimento da Questão de Ordem nº 937 do STF, para remeter à primeira instância os autos em que os fatos supostamente criminosos tenham sido praticados em período anterior á diplomação nos cargos eletivos com prerrogativa de foro, exceto os casos nos quais o prazo para alegações finais já esteja aberto por publicação (ID 281705049 – pg.283). A sentença foi proferida em 1º/04/2022 (ID 281705059 - pg. 17). O acusado foi condenado nas penas do art. 90 da Lei nº 8.666/93, por duas vezes, c/c o art. 69 do CP, bem como nas sanções do art. 1º, I, do DL 201/67 c/c o art. 69 do CP, também por duas vezes: Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação: Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio; (...) §1º Os crimes definidos neste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos. Das preliminares Da nulidade da sentença O apelante Adaílton Campos Sobral alega nulidade da sentença por deixar de analisar a petição de ID 281705055, que noticiava graves irregularidades na migração dos autos para o sistema PJE, com prejuízo ao exercício do contraditório e da ampla defesa e em desrespeito ao disposto nos arts. 3º, § 2º e 11 da Portaria/Presi nº 8052566/2019, que regulamenta a digitalização dos processos físicos em tramitação neste TRF1 e prevê: Art. 3º. §2º A digitalização dos processos físicos deverá ser realizada de forma a manter a integridade, a inteligibilidade e a continuidade física e cronológica do conteúdo, mantendo-se a mesma ordem sequencial do processo físico. Art. 11. As partes e seus procuradores serão intimados, por edital ou pessoalmente, para que se manifestem, no prazo preclusivo de 45 (quarenta e cinco) dias, durante o qual ficarão suspensos os prazos processuais, acerca de eventual desconformidade no procedimento de migração, bem como sobre o interesse de manter a guarda dos autos ou de alguns de seus documentos originais, nos termos do art. 16 da Resolução CJF 714, de 17 de junho de 2021. (Redação dada pela Portaria Presi 451, de 21 de dezembro de 2021). Requer seja declarada a nulidade de todos os atos subsequentes à referida petição e determinada a reconstituição dos autos. Na petição em comento, o réu alega a desorganização na inserção dos arquivos no PJE. Todavia, em nenhum momento aponta a falta de páginas ou de documentos relevantes para o deslinde da lide, mas, apenas, a sequência de numeração das folhas dos autos físicos. Além disso, do exame dos autos, verifica-se que estão identificados os apensos, autos principais e numeração a seguir. Não verifico, portanto, vício processual a ser sanado. Há que se considerar também o princípio de que não há nulidade sem prejuízo (“pas de nullité sans grief”), positivado no art. 563 do CPP (“Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa’). Na hipótese, o acusado deixou de apontar efetivamente o prejuízo sofrido com o modo pelo qual os autos fora digitalizados. Não há, portanto, que se falar em chamamento do feito à ordem, tampouco em declaração de nulidade dos atos subsequentes à petição de ID 281705055. Da mídia digital anexada aos embargos de declaração O apelante Adailton Campos Sobral pugna pela reinserção e apreciação da mídia digital anexada aos embargos de declaração (cujo julgamento determinou seu desentranhamento) (ID 281705070), nos termos dos arts. 231 e 234 do CPP, com a consequente declaração de nulidade da sentença recorrida: Art. 231. Salvo os casos expressos em lei, as partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do processo. Art. 234. Se o juiz tiver notícia da existência de documento relativo a ponto relevante da acusação ou da defesa, providenciará, independentemente de requerimento de qualquer das partes, para sua juntada aos autos, se possível. Aduz que a referida mídia traz o interrogatório prestado pelo corréu Egberto de Almeida Cardoso Filho (pregoeiro de todas as licitações mencionadas nos diversos processos) nos autos da Ação Penal nº 0011202-92.2017.4.01.3304, desmembrada do presente feito e cuja base acusatória é a mesma. Todavia, tem razão o d. Juízo ao concluir que o réu, nas diversas oportunidades de se manifestar acerca da produção probatória, durante a fase instrutória, não demonstrou interesse em colher o depoimento do corréu Egberto de Almeida Cardoso Filho. Assim, apenas após o fim da instrução processual, nos embargos de declaração à sentença condenatória, requereu a juntada do interrogatório do corréu em outro processo. Portanto, além de ter ocorrido a preclusão temporal, soa contraditória a alegada imprescindibilidade da sua oitiva. Acrescente-se que o interrogatório em comento é prova emprestada, porquanto produzida em processo diverso, não havendo situação processual superveniente à sentença dos presentes autos que justifique sua juntada. Não fora isso, a determinação do art. 231 do CPP não é absoluta. Pode, portando, o Juízo indeferir a juntada de documentos nos casos em que isso se mostrar manifestamente protelatório ou tiver o objetivo de tumultuar o processo, conforme ocorre nos presentes autos. Nesse sentido: .EMEN: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ART. 306 DA LEI N. 9.503/1997. SÚMULA N. 691 DO STF. NÃO SUPERAÇÃO. PROVAS DESENTRANHADAS POR SEREM EXTEMPORÂNEAS E HAVEREM SIDO PRODUZIDAS SEM O CRIVO JUDICIAL. INOBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. INTUITO DE RETROCEDER A MARCHA PROCESSUAL. FLAGRANTE ILEGALIDADE NÃO CONFIGURADA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. O mérito da impetração originária não foi analisado pelo Tribunal a quo, a atrair o impeditivo da Súmula n. 691 do STF, apenas ultrapassada nos casos em que a ilegalidade é tão flagrante que não escapa à pronta percepção do julgador. 2. A Juíza de primeiro grau atendeu à manifestação do Parquet e inadmitiu "as provas produzidas e encartadas" por se tratarem "de provas ilícitas, uma vez produzidas em desconformidade com a lei penal e constitucional, visto que extemporâneas e produzidas de forma unilateral, sem o crivo judicial". 3. Muito embora o art. 231 do Código de Processo Penal disponha que, "salvo os casos expressos em lei, as partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do processo", a regra citada não é absoluta, sendo que as provas "manifestamente protelatórias ou tumultuárias podem ser indeferidas pelo magistrado" (HC n. 250.202/SP, Rel. Ministra Marilza Maynard - Desembargadora convocada do TJ/SE, DJe 28/11/2013). 4. Não se constata ilegalidade na decisão combatida e no desentranhamento das declarações, pois, além de visarem formar o juízo de convencimento da magistrada, são provas não produzidas sob o crivo judicial e em clara inobservância ao princípio do contraditório, com o intuito indiscutível de retroceder a marcha processual. 5. Agravo regimental não provido. ..EMEN:(AGRHC - Agravo Regimental No Habeas Corpus - 504589 2019.01.07749-1, Rogerio Schietti Cruz, STJ - Sexta Turma, DJE Data:27/05/2019 ..Dtpb:.) (Grifo nosso). Da inépcia da inicial O apelante Adailton Campos Sobral defende a inépcia da peça acusatória, ante o não preenchimento dos requisitos do art. 41 do CPP, uma vez que não individualizou a conduta do apelante ou sequer expôs os fatos a ele imputados, tampouco descreveu comportamento típico, tendo se fundamentado exclusivamente na condição de gestor municipal do acusado. Ao contrário do sustentado pela defesa, a inicial acusatória descreve a relação do acusado com o fato delituoso, sendo apta a permitir ao denunciado o exercício do direito de defesa. Se não bastasse, no caso dos autos, pela simples leitura da denúncia, percebe-se que o titular da ação penal pública descreveu de maneira objetiva os fatos e fundamentos jurídicos necessários para a compreensão da controvérsia penal, possibilitando ao acusado a produção de suas defesas de forma ampla. Ressalte-se que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em recentes decisões, mantém entendimento de que, após a prolação da sentença condenatória, torna-se preclusa a alegação de inépcia da denúncia: (...) A prolação de sentença condenatória, por demandar juízo de cognição exauriente sobre o mérito da persecução penal, prejudica o exame de inépcia da denúncia (AgRg no REsp 1346390/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 11/2/2020, DJe 14/2/2020).(...) (AgRg nos EDcl no AREsp 1585359/SC, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 26/05/2020, DJe 03/06/2020) (...) Esta Sexta Turma é firme na compreensão de que não merece conhecimento a alegação de inépcia da denúncia quando superveniente, como no caso, condenação, pois preclusa a discussão. Precedentes. (...) (EDcl no REsp 1565024/SP, Rel. Ministro Antônio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019) Afasto, pois, as preliminares aventadas. Do mérito O acusado Adailton Campos Sobral alega que a sentença se baseou em documentação gerada unilateralmente pela acusação, em fase inquisitorial, sem o crivo do contraditório e da ampla defesa, não obstante ter sido ela refutada por prova oral produzida em Juízo, Aduz ausência do dolo objetivo e do efetivo dano ao erário e pugna sejam apreciados em conjunto com as presentes razões recursais alegações finais do MPF na Ação Civil Pública por ato de Improbidade Administrativa nº 0010606-45.2016.4.01.3304, bem como, a sentença absolutória na Ação Penal nº 0002214-14.2019.4.01.3304. Nas alegações finais nos autos da ACP nº 0010606-45.2016.4.01.3304 (ID 418123547 - pg. 2), que versa sobre os mesmos fatos da presente ação penal, qual seja, ilicitudes ocorridas na contratação do transporte escolar, nos anos de 2009 e 2010, através dos pregões nºs 003/2009 e 006/2010, o MPF requer sejam julgados improcedentes os pedidos formulados na inicial, ante a não comprovação dolo de lesar o Erário, tampouco do eventual conluio ou prévio ajuste do acusado com servidores e/ou empresários. Contudo, vigora no ordenamento jurídico brasileiro o sistema de independência das esferas civil e criminal, nos termos do art. 935 do CCB: Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal. Dessa forma não repercute na presente ação penal o pedido ministerial na supracitada ação civil pública por improbidade administrativa. Na presente ação penal, a materialidade dos delitos está demonstrada pelos Laudos Periciais nºs 214/2003 (ID 513963375 – pg. 153), 769/2014 (ID 281705047 – pg.101) e 771/2014 (ID 281705047 – pg. 143). No tocante ao crime do art. 90 da Lei 8.666/93, a supracitada prova documental demonstra ter havido nos Pregões Presenciais nºs 003/2009 e 006/2010 a prática de condutas que ultrapassam a mera irregularidade, configurando atos contrários à legislação, como, por exemplo, a ausência de pesquisa de preços com pelo menos três fornecedores. Além disso, a comissão de licitações deixou de observar a regularidade da documentação prevista no edital consistente na apresentação pelos vencedores de cópia da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) válida, tendo em vista que o objeto licitado era justamente o transporte de alunos da zona rural do Município. Também está comprovada a prática de condutas que reforçam a suspeita da ocorrência de fraude no procedimento licitatório, tais como coincidência nas datas e horários de impressão dos documentos dos participantes do pregão nas páginas do Ministério da Fazenda, INSS e Secretaria de Segurança Pública, apresentação de documentos impressos ou com data de reconhecimento de firma posteriores ao pregão, apresentação de pessoas físicas interessadas no mesmo quantitativo das linhas de transporte disponíveis, ausência de divulgação dos procedimentos licitatórios em diário oficial da União ou jornal de grande circulação e cobrança de taxa para aquisição de cópia do edital Não fora isso, houve irregularidades tais como expedição dos alvarás de licença dos veículos no próprio dia da realização do pregão e falta de numeração das paginas ou numeração a posteriori. Sobre o delito do art. 1º, I, do DL 201/67, a prova documental comprovou ter havido superfaturamento dos valores contratados, bem como superdimensionamento das linhas, a demonstrar a ocorrência do efetivo dano ao Erário. Tais provas, embora produzidas em fase inquisitorial, foram submetidas ao contraditório diferido ou postergado exercido na fase judicial. Quanto à autoria, o apelante era Prefeito do Município de Conceição do Almeida/BA, bem como ordenador de despesas à época dos fatos. Desse modo, no exercício de suas atribuições de prefeito municipal, nomeou os membros da Comissão Permanente de Licitação, homologou os certames em questão, assinou contratos com as empresas vencedoras, bem como as ordens de pagamento referentes aos convênios resultantes dos Pregões nºs 003/2009 e 006/2010. No tocante às alegadas fraudes, o acusado no seu interrogatório judicial asseverou jamais ter participado de licitações, tendo confiado plenamente na equipe por ele nomeada, desconhecendo as irregularidades nos procedimentos licitatórios, pois, apenas autorizava a abertura do processo licitatório e o homologava ao final, depois de aprovada pela Comissão de Licitação e pela Assessoria Jurídica. Negou ter havido o superfaturamento de preços e o superdimensionamento das rotas, as quais eram elaboradas pela Secretaria de Infraestrutura do Município. Afirmou que o transporte escolar no Município, em 2009/2010, custou menos do que em 2008, embora as rotas fossem as mesmas. Além disso, os roteiros percorridos em 2012/2015, sob a responsabilidade do novo prefeito, eram os mesmos de sua gestão (ID 281705042). Na Ação Penal nº 0002214-14.2019.4.01.3304, que versa sobre possíveis irregularidades no Pregão nº 004/2012, realizado também para o transporte escolar do Município de Conceição de Almeida/BA, verifico que o apelante Adailton Campos Sobral foi absolvido, com suporte no art. 386, IV, do CPP (“estar provado que o réu não concorreu para a infração penal”), ante a não comprovação de conluio entre o acusado e os corréus (ID 281705075). Também na presente ação penal, não verifico ter o apelante Adailton Campos Sobral praticado atos que ultrapassem as atribuições próprias de um prefeito municipal, bem como que tenha agido em conluio ou prévio ajuste com funcionários públicos ou proprietários de empresas, para praticar fraude em procedimentos licitatórios ou apropriar-se de recursos públicos. Assim, embora tenham sido constatadas irregularidades nos processos licitatórios, não há provas suficientes nos autos de que o apelante Adailton Campos Sobral tenha agido com o dolo específico exigido pelo tipo penal do art. 90 da Lei 8.666/93, qual seja, a vontade livre e conscientemente dirigida de frustrar ou fraudar os pregões em comento, mediante ajuste ou qualquer outro expediente, a fim de obter vantagem para si ou para outrem decorrente da adjudicação dos objetos licitados. Tampouco verifico o dolo específico fundamental para a ocorrência do crime do art. 1º, I, do DL 201/67 consistente na intenção de desviar ou apropriar-se indevidamente de rendas ou verbas públicas. Nesse contexto, a absolvição é medida que se impõe, com suporte no princípio in dubio pro reo, corolário da presunção de inocência. No mesmo sentido já decidiu esta Turma, em hipótese similar: PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE RESPONSABILIDADE DE PREFEITO. DL 201/67. DESVIAR RENDA PÚBLICA EM PROVEITO PRÓPRIO OU ALHEIO. CRIME DE FRAUDE EM LICITAÇÃO. ART. 90 DA LEI 8666/93. MATERIALIDADE DELITIVA DEMONSTRADA. DOLO ESPECÍFICO NÃO COMPROVADO. ABSOLVIÇÃO. APELAÇÃO PROVIDA. 1. A materialidade delitiva quanto aos crimes previstos no art. 90 da Lei 8.666/93 (fraude à licitação) e no art. 1º, I do DL 201/67 (crime de responsabilidade) está comprovadas nos autos. Contudo, não há provas robustas acerca do dolo na conduta do apelante. 2. Não restou comprovado o dolo especifico na sua conduta, isto é, a vontade livre e conscientemente dirigida para frustrar ou fraudar a competição, mediante ajuste ou qualquer outro expediente, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação (art. 90 da Lei 8666/93), tampouco o dolo específico de desviar ou de apropriar-se, indevidamente, de rendas ou verbas públicas (art. 1º, I, do DL 201/1967) 3. Na hipótese, a acusação limitou-se a apontar irregularidades formais existentes no procedimento licitatório, não sendo possível identificar o conluio, ajuste ou a combinação da fraude por parte do réu para favorecer a empresa vencedora do certame. 4. Com efeito, não é possível afirmar, de forma inequívoca, que o apelante tenha agido com o ânimo necessário a sustentar a pretensão punitiva estatal. Diante do princípio in dubio pro reo, corolário da presunção de inocência, a absolvição é medida que se impõe, com suporte no art. 386, VII, do CP. 5. Apelação provida, para absolver o réu (item 4).(ACR 0011202-92.2017.4.01.3304, Juiz Federal Clodomir Sebastiao Reis, TRF1 - Quarta Turma, PJe 13/02/2025 Pag.) Finalmente, diante da alegada situação de hipossuficiência do acusado, concedo-lhe o benefício da justiça gratuita, ressalvado o disposto no art. 804 do CPP, quanto à necessidade de condenação do vencido em custas, e suspendo a exigibilidade do pagamento, pelo prazo de 05 (cinco) anos, nos termos do art. 98, § 3º, da Lei 13.105, de 16/03/2015. Ante o exposto, nego provimento ao apelo do Ministério Público Federal e dou provimento à apelação de Adailton Campos Sobral, para absolver o apelante com suporte no art. 386, VII, do CPP (insuficiência de provas). É o voto. Desembargador Federal CÉSAR JATAHY Relator PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 10 - DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 0007584-76.2016.4.01.3304/BA PROCESSO REFERÊNCIA: 0007584-76.2016.4.01.3304 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) APELANTES: ADAILTON CAMPOS SOBRAL e outros REPRESENTANTES DO APELANTE: ALOISIO FIGUEIREDO ANDRADE JUNIOR - BA18475-A, LAISE MARIA NETTO SCHULER DE MENEZES - BA50383-S e LAISE DUARTE COUTO - BA54528-A APELADOS:Ministério Público Federal (Procuradoria) e outros REPRESENTANTES DO APELADO: ALOISIO FIGUEIREDO ANDRADE JUNIOR - BA18475-A, LAISE DUARTE COUTO - BA54528-A e LAISE MARIA NETTO SCHULER DE MENEZES - BA50383-S E M E N T A PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. FRAUDE A PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. APROPRIAÇÃO/DESVIO DE RENDAS PÚBLICAS. PREFEITO DO MUNICÍPIO DE CONCEIÇÃO DO ALMEIDA/BA. PRELIMINARES DE NULIDADE E DE INÉPCIA DA INICIAL AFASTADAS. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS CIVIL E CRIMINAL. MATERIALIDADE DEMONSTRADA. AUTORIA. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. JUSTIÇA GRATUITA. SENTENÇA REFORMADA PARA ABSOLVER O RÉU. 1. Réu condenado nas penas dos arts. 90 da Lei 8.666/93 (fraude a procedimento licitatório) e 1º, I, da Lei 201/67 (apropriar-se/desviar rendas públicas), em razão de, na condição de prefeito, supostamente ter praticado crime de fraude a procedimento licitatório (art. 90 da Lei 8.666/93) e apropriação/desvio de recursos públicos (art. 1º, I, do DL 201/67), envolvendo verbas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) destinadas à locação de veículos para o transporte escolar da zona rural do Município de Conceição do Almeida/BA. 2. Afastada a aventada nulidade pelo modo como os arquivos foram inseridos no Sistema PJE, tendo em vista que o acusado deixou de apontar vício processual a ser sanado, consistente em falta de páginas ou documentos relevantes para o deslinde da lide. Tampouco demonstrou qualquer prejuízo para a defesa. Com isso atraiu a incidência do princípio de que não há nulidade sem prejuízo (“pas de nullité sans grief”), positivado no art. 563 do CPP (“Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa’). 3. A determinação do art. 231 do CPP não é absoluta. Pode, portando, o Juízo indeferir a juntada de documentos nos casos em que isso se mostrar manifestamente protelatório ou tiver o objetivo de tumultuar o processo. Precedente do STJ. 4. O Superior Tribunal de Justiça entende que, após a prolação da sentença condenatória, torna-se preclusa a alegação de inépcia da denúncia. 5. Nas alegações finais nos autos da Ação Civil Pública por ato de Improbidade Administrativa nº 0010606-45.2016.4.01.3304, que versa sobre os mesmos fatos do presente processo, o MPF requereu sejam julgados improcedentes os pedidos formulados na inicial, ante a não comprovação do dolo de lesar o Erário, bem como por ausência do eventual conluio ou prévio ajuste do acusado com servidores e/ou empresários. Contudo, tal pedido não repercute na presente ação penal, pois vigora no ordenamento jurídico brasileiro o sistema de independência das esferas civil e criminal, nos termos do art. 932 do CPB. 6. A materialidade dos delitos dos arts. 90 da Lei 8.666/93 e 1º, I, do DL 201/67 está demonstrada nos autos pela prova documental produzida em fase inquisitorial e submetida ao contraditório diferido ou postergado. 7. Sobre a autoria, embora tenham sido constadas irregularidades nos processos licitatórios, não há provas suficientes nos autos de que o acusado tenha agido com o dolo específico exigido pelo art. 90 da Lei 8.666/93, qual seja, a vontade livre e conscientemente dirigida de frustrar ou fraudar os Pregões Presenciais nºs 003/2009 e 006/2010, mediante ajuste ou qualquer outro expediente, a fim de obter vantagem para si ou para outrem decorrente da adjudicação dos objetos licitados. Também não se verifica o dolo específico fundamental para a ocorrência do crime do art. 1º, I, do DL 201/67 consistente na intenção de desviar ou apropriar-se indevidamente de rendas ou verbas públicas. Diante do princípio in dubio pro reo, corolário da presunção de inocência, a absolvição é medida que se impõe, com suporte no art. 386, VII, do CP. 8. Concedido ao réu o benefício da justiça gratuita, ressalvado o disposto no art. 804 do CPP, quanto à necessidade de condenação do vencido em custas, e suspendo a exigibilidade do pagamento, pelo prazo de 05 (cinco) anos, nos termos do art. 98, § 3º, da Lei 13.105, de 16/03/2015. 9. Apelação do Ministério Público Federal desprovida; e apelação do acusado Adaílton Campos Sobral provida, para absolvê-lo por falta de provas (itens 7 e 8). A C Ó R D Ã O Decide a Turma, por unanimidade, negar provimento à apelação do Ministério Público Federal e dar provimento ao apelo do réu Adaílton Campos Sobral, nos termos do voto do Relator. 4ª Turma do TRF/1ª Região - Brasília/DF, 1º de julho de 2025. Desembargador Federal CÉSAR JATAHY Relator IF/M
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