Processo nº 0035314-86.2009.8.11.0041
ID: 260834126
Tribunal: TJMT
Órgão: Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0035314-86.2009.8.11.0041
Data de Disponibilização:
25/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO Número Único: 0035314-86.2009.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Adicional de Horas Extras, Contrato…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO Número Único: 0035314-86.2009.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Adicional de Horas Extras, Contrato Temporário de Mão de Obra L 8.745/1993] Relator: Des(a). JOSE LUIZ LEITE LINDOTE Turma Julgadora: [DES(A). JOSE LUIZ LEITE LINDOTE, DES(A). HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, DES(A). RODRIGO ROBERTO CURVO] Parte(s): [AMELIA PEREIRA DE OLIVEIRA - CPF: 205.900.081-53 (APELANTE), LUCIANO RODRIGUES DANTAS - CPF: 545.474.821-87 (ADVOGADO), MUNICIPIO DE CUIABÁ - CNPJ: 03.533.064/0001-46 (APELADO), ANA LIDIA SOUSA MARQUES - CPF: 052.769.658-70 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). MARIA EROTIDES KNEIP, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA NO SERVIÇO PÚBLICO MUNICIPAL. COBRANÇA DE VERBAS TRABALHISTAS E INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA E AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO REJEITADAS. INEXISTÊNCIA DE DESVIRTUAMENTO DA CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE DIREITOS TRABALHISTAS NÃO PREVISTOS EM LEI OU CONTRATO. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso Em Exame 1. Apelação Cível interposta por Amélia Pereira de Oliveira contra sentença proferida nos autos de Ação Ordinária de Cobrança c/c Indenização por Danos Materiais, ajuizada em face do Município de Cuiabá, por meio da qual foram julgados improcedentes os pedidos relativos ao pagamento de horas extras, salário de maio de 2007, décimo terceiro salário, férias proporcionais acrescidas de um terço, com fundamento na validade da contratação temporária e na ausência de comprovação do alegado labor extraordinário. II. Questão Em Discussão 2. Há três questões em discussão: (i) definir se houve cerceamento de defesa pela supressão da fase instrutória e indeferimento da produção de provas documentais; (ii) estabelecer se a sentença padece de nulidade por ausência de fundamentação quanto ao pedido de salário do mês de maio de 2007; e (iii) determinar se é devida à Apelante a percepção de verbas salariais e indenizatórias relativas ao vínculo temporário firmado com o Município de Cuiabá. III. RAZÕES DE DECIDIR Preliminares 3. A conversão do julgamento em diligência, com determinação para o Município juntar aos autos documentos pertinentes à contratação, satisfaz o pedido de instrução da parte autora, não havendo cerceamento de defesa. 4. A preliminar de nulidade da sentença por ausência de fundamentação também é rejeitada, pois a decisão recorrida enfrentou os pontos essenciais da controvérsia de forma motivada, sendo desnecessária a menção a cada argumento ou dispositivo legal levantado pela parte, conforme orientação firmada no STJ. Mérito 5. A contratação temporária da Apelante pelo Município de Cuiabá foi realizada com base na Lei Complementar Municipal nº 94/2003 e atendeu aos requisitos do art. 37, IX, da Constituição Federal, não havendo indício de desvirtuamento da finalidade pública nem de prorrogação irregular do contrato. 6. Não há nos autos norma legal ou cláusula contratual que assegure à Apelante o direito a décimo terceiro salário, férias proporcionais com adicional de um terço ou pagamento de horas extras, sendo incabível o deferimento dessas verbas diante da natureza precária do vínculo e da ausência de respaldo jurídico específico. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Preliminares rejeitadas. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1.Incabível a redistribuição do encargo probatório, porquanto “a inversão do ônus da prova não dispensa a comprovação mínima, pela parte autora, dos fatos constitutivos do seu direito” (STF -AgInt no REsp 1.717.781/RO, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 05/06/2018, DJe de 15/06/2018). 2. Conforme o Tema 551 do STF "Servidores temporários não fazem jus a décimo terceiro salário e férias remuneradas acrescidas do terço constitucional, salvo (I) expressa previsão legal e/ou contratual em sentido contrário, ou (II) comprovado desvirtuamento da contratação temporária pela Administração Pública, em razão de sucessivas e reiteradas renovações e/ou prorrogações", circunstâncias não demonstradas no caso. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 37, II e IX; CPC, arts. 373, I e § 1º, 1.013, § 3º, III; Lei 8.036/1990, art. 19-A; LC Municipal nº 94/2003, art. 44. Jurisprudência relevante citada: STF, RE nº 658.026/MG (Tema 612), Rel. Min. Dias Toffoli, j. 09.04.2014; STF, RE nº 765.320/MG (Tema 916); STF, RE nº 1.066.677 (Tema 551), Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 22.05.2020; STJ, AgInt no AREsp 1330581/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 05.06.2018; STJ, EDcl no AgInt no AREsp 1844941/RJ, Rel. Min. Og Fernandes, j. 09.11.2021; TJMT, Ap. Cív. nº 1001068-37.2019.8.11.0028, Rel. Des. Márcio Vidal, j. 18.12.2023. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. JOSÉ LUIZ LEITE LINDOTE Egrégia Câmara: Cuida-se de recurso de Apelação Cível interposto por Amélia Pereira de Oliveira contra a sentença prolatada nos autos da Ação Ordinária de Cobrança c/c Indenização por Danos Materiais que tramitou na 2ª Vara da Fazenda Pública de Cuiabá, ajuizada em face do Município de Cuiabá, por meio da qual restaram julgados improcedentes os pedidos deduzidos na exordial, extinguindo o feito com resolução do mérito. Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação no qual sustenta, em preliminar, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, ao argumento de que houve indevida supressão da fase instrutória, com indeferimento tácito da produção de provas documentais essenciais ao deslinde da controvérsia, sendo estas as cópias dos holerites e folhas de ponto. (Id. 245450328 - pdf. 51/56 e Id. 245450329 – pdf. 01/04). Discorre sobre a nulidade da sentença pelo princípio da negativa de prestação jurisdicional ou pela ausência de fundamentação, em virtude da inexistência da apreciação do pedido para recebimento do salário do mês de maio de 2007. Alega, ainda, que tal omissão configura violação ao dever constitucional de motivação das decisões judiciais, previsto no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, razão pela qual requer que seja sanada por meio da apelação nos termos do art. 1.013, § 3º, inc. III do CPC ou, alternativamente, que os autos sejam retornados à origem para julgamento. No mérito, pugna pela reforma integral da sentença, para que seja reconhecido o labor prestado além da oitava hora diária, determinando que o Município pagamento das horas suplementares acrescidas do adicional constitucional de 50%. Subsidiariamente, caso não se entenda devida a majoração, postula-se ao menos o pagamento das horas simples laboradas além do pactuado. Ademais, requer o adimplemento do salário do mês de maio de 2007, devidamente corrigido e acrescido de juros legais, bem como o pagamento proporcional de férias acrescidas de um terço constitucional e décimo terceiro salário, conforme o período efetivamente trabalhado. O Município de Cuiabá apresentou contrarrazões (Id. 245450329 – pdf. 07/19), aduzindo que não há nulidade nos contratos administrativos firmados com a parte autora, pois todos os requisitos legais foram devidamente observados, estando em conformidade com a Lei Federal nº 8.745/1993, a Lei Municipal nº 4.424/2003 e a Lei Complementar Municipal nº 94/2003. Defende que a contratação temporária se deu para suprir necessidade excepcional de interesse público na área da saúde, sendo a função exercida pela autora — agente operacional de saúde — diretamente vinculada à prestação de serviço essencial, dentro do prazo legalmente previsto. Sustenta que a Apelante não faz jus ao recebimento de verbas rescisórias de natureza trabalhista, tampouco ao recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, mesmo na hipótese de eventual reconhecimento da nulidade contratual, por se tratar de vínculo regido por normas de direito administrativo, e não pela Consolidação das Leis do Trabalho. Alega, outrossim, que competia à parte autora demonstrar os fatos constitutivos do direito invocado, nos termos do art. 373, inciso I, do Código de Processo Civil, bem como do art. 818 da CLT, sendo insuficiente a mera alegação desacompanhada de elementos probatórios. Defende, por fim, que o indeferimento da produção de provas não configura cerceamento de defesa, pois é atribuição do magistrado avaliar a necessidade da instrução probatória, sobretudo com o objetivo de evitar decisões que possam conduzir ao enriquecimento sem causa ou à indevida oneração dos cofres públicos. Sobreveio decisão interlocutória, proferida pelo então Relator, Exmo. Des. Márcio Vidal, determinando a conversão do feito em diligência, com a finalidade de que fossem acostados aos autos os seguintes documentos pelo ente municipal: contratos temporários de trabalho firmados nos anos de 2006 e 2007, folhas de controle de sua frequência e comprovantes de pagamentos (Id. 245450329 – pdf. 30/31). Foram acostados aos autos os dados funcionais da servidora (Id. 245450329 – pdf. 43), contrato de prestação de serviço (Id. 245450329 - pdf. 44/45) e fichas financeiras (Id. 245450329 - pdf. 46/49). Por conseguinte, a Apelante apresentou manifestação impugnando os documentos juntados pela municipalidade, especialmente pela ausência das folhas de ponto que comprovem a jornada efetivamente laborada. Ressaltou que os registros são indispensáveis à verificação da carga horária alegada na exordial (das 19h às 07h, de segunda a sexta-feira), sendo documentos que se encontram sob a guarda da Administração. (Id. 245450312 – pdf. 98/100). Requereu, com base no art. 373, §1º, do CPC, a inversão do ônus da prova quanto à jornada de trabalho, consubstanciado na Teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, considerando a impossibilidade de a parte autora comprovar fato cujo registro é de responsabilidade exclusiva do empregador público. Reiterou que apresentou documentos comprovando labor até maio de 2007, sem a correspondente quitação salarial, o que justifica o pleito de pagamento dos valores devidos. Interposto Agravo Interno pelo Município, impugnando o pronunciamento judicial para a juntada das provas (Id. 245450330 – pdf. 37/41). Por conseguinte, o recurso foi desprovido pela Câmara (Id. 245450330). A parte autora, ora Recorrente, juntou ao caderno processual petição (Id. 245450321) pleiteando a apreciação dos pedidos formulados em Id. 245450312 – pdf. 98/100. Instado a se manifestar, o Procurador-Geral de Justiça opinou pela não intervenção ministerial (Id. 258766685). É o relatório. Desembargador JOSÉ LUIZ LEITE LINDOTE Relator V O T O R E L A T O R EXMO. SR. DES. JOSÉ LUIZ LEITE LINDOTE Egrégia Câmara: DO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE Considerando a necessidade de apreciar as questões arguidas preliminarmente antes de adentrar no mérito recursal, postergo, por ora, a análise quanto à admissibilidade da apelação, reservando-me a fazê-la oportunamente, após o enfrentamento das matérias suscitadas. DA PRELIMINAR DE NULIDADE POR CERCEAMENTO DE DEFESA Alega a parte Autora/Apelante a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, ao argumento de que houve indevida supressão da fase instrutória, com indeferimento tácito da produção de provas documentais essenciais ao deslinde da controvérsia, sendo estas a cópia dos holerites e folhas de ponto (Id. 245450328 – pdf. 53/55). Muito bem. De acordo com a jurisprudência do STJ “[...] há cerceamento de defesa quando a parte, embora pugnando pela produção de provas, tem obstado o ato processual e há julgamento contrário ao seu interesse com fundamento na ausência de provas de suas alegações.[...]” (STJ - REsp: 1640578 RS 2016/0309727-0, Relator.: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 16/02/2017, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/03/2017) Contudo, no caso em vertente, verifica-se que a controvérsia foi objeto de diligência determinada pelo então Relator do feito, Exmo. Des. Márcio Vidal, eis que com o escopo de viabilizar a ampla instrução processual e garantir a efetiva apreciação da matéria, proferiu decisão convertendo o julgamento em diligência, determinando ao ente público que juntasse aos autos os documentos pertinentes ao vínculo contratual da Recorrente com a Administração. Especificamente, foi determinada a apresentação dos contratos temporários de trabalho firmados nos anos de 2006 e 2007, das folhas de controle de frequência e dos comprovantes de pagamento (Id. 245450329 – pdf. 30/31). Assim, satisfeito o pedido da parte, tem-se a REJEIÇÃO da preliminar, pela ausência de interesse recursal. DA PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR INAFASTABILIDADE JURISDICIONAL E AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO Alega o Apelante a nulidade da sentença pelo princípio da negativa de prestação jurisdicional ou pela ausência de fundamentação que por ocasião da rescisão contratual, não lhe foram pagos os direitos rescisórios nem o salário referente ao mês de maio de 2007, o que foi expressamente requerido na petição inicial, conforme se depreende do item “b” dos pedidos. Contudo, relata que a sentença recorrida não examinou tal pleito de forma fundamentada, limitando-se a considerar legítima a negativa de pagamento por parte da Administração. (Id. 245450328 – pdf. 55/56). Alega, ainda, que tal omissão configura violação ao dever constitucional de motivação das decisões judiciais, previsto no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, razão pela qual requer que seja sanada através da apelação nos termos do art. 1.013, § 3º, inc. III do CPC ou, alternativamente, que os autos sejam retornados à origem para julgamento. Cediço que o julgador não é obrigado a examinar exaustivamente todos os dispositivos legais apontados pela parte, bastando que a fundamentação da decisão seja clara e precisa, solucionando o objeto da lide. Não se exige, tampouco, que o provimento jurisdicional refute individualmente todas as teses deduzidas pelas partes ou que mencione de forma exaustiva cada norma jurídica invocada nos autos, bastando que explicite de forma fundamentada os elementos fáticos e jurídicos que conduziram ao convencimento do julgador. Dito isso, a Corte Superior tem se posicionado no sentido de que “O julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão. 3. Não há vício de fundamentação quando o aresto recorrido decide integralmente a controvérsia, de maneira sólida e fundamentada”. (STJ - EDcl no AgInt no AREsp: 1844941 RJ 2021/0052106-7, Relator.: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 09/11/2021, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/12/2021). Com essas considerações, REJEITO a preliminar. DO MÉRITO RECURSAL Inicialmente, conheço do recurso de apelação, pois presentes seus requisitos de admissibilidades intrínsecos e extrínsecos. Conforme relatado, cuida-se de recurso de Apelação Cível interposto por Amélia Pereira de Oliveira contra a sentença prolatada nos autos da Ação Ordinária de Cobrança c/c Indenização por Danos Materiais que tramitou na 2ª Vara da Fazenda Pública de Cuiabá, ajuizada em face do Município de Cuiabá, por meio da qual restaram julgados improcedentes os pedidos deduzidos na exordial, extinguindo o feito com resolução do mérito. Na exordial, a parte autora asseverou ter sido admitida nos quadros da Administração Pública Municipal por meio de contratação precária, revestida de natureza temporária, para o exercício do cargo de agente operacional de saúde desempenhando, de fato, funções inerentes à atividade de cozinheira, notadamente na confecção de refeições destinadas aos usuários do sistema público de saúde. Alega que o vínculo laborativo perdurou entre fevereiro de 2006 e maio de 2007. Asseverou, ainda, que, embora o pacto contratual estipulasse jornada semanal de 40 (quarenta) horas, em realidade, submetia-se a regime laboral extenuante de 12 (doze) horas diárias, das 19h às 07h do dia subsequente, com exíguo intervalo de apenas 15 (quinze) minutos, sem, contudo, receber a devida contraprestação pecuniária pelas horas extraordinárias despendidas. Aduziu, em síntese, a inadimplência, por parte da Administração, de verbas de natureza trabalhista. Após os atos processuais de estilo, o d. Juízo sentenciante, julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial, nos seguintes termos: “[...] Ocorre que, in casu, à míngua das provas colacionadas, vê-se que o contrato de trabalho da Autora no exercício de cargo de Ag. Op. Saúde, teve vigência de 01.02.2006 a 31.01.2007 (fls. 22). Reputo, assim, legítima a negativa de pagamento de benefício que seria concedido a servidores efetivos, pelo simples fato de a autora ter sido contratada para atender necessidade oriundas da prestação de serviços de saúde, em período inferior a 24 (vinte e quatro) meses, conforme previsão do já citado §1° do art. 44 da Lei Complementar Municipal 94/2003. Frente a estas constatações, vislumbra-se que o contrato é válido já que se amolda perfeitamente na hipótese de necessidade temporária de excepcional interesse público. Por consequência, o contrato temporário, não cria nenhum vínculo entre o contratado e a Administração, a qual pode, a qualquer momento, num juízo de conveniência e oportunidade, extinguir o contrato temporário firmado. Assim, o contrato emergencial não gera direito senão aqueles expressamente previstos na legislação de regência. [...] Isto posto, considerando o que tudo mais nos autos consta, REJEITO os pedidos formulados pela Requerente á exordial, com resolução de mérito, nos termos do art. 269, inc. I, do Código de Processo Civil. [...]” Inconformada, a Apelante pugna no mérito de suas razões recursais, a reforma integral da sentença, para que seja reconhecido o labor prestado além da oitava hora diária, com o adimplemento das horas suplementares acrescidas do adicional constitucional de 50%. Subsidiariamente, caso não se entenda devida a majoração, postula-se ao menos o pagamento das horas simples laboradas além do pactuado. Requer, ainda, a satisfação da obrigação relativa ao salário do mês de maio de 2007, devidamente corrigido e acrescido de juros legais, bem como o repasse proporcional das férias, acrescidas de um terço constitucional e do décimo terceiro salário, conforme o período efetivamente laborado. Superada esta contextualização, passo ao cerne da demanda. Cinge-se a controvérsia a respeito da análise da validade da contratação temporária da Recorrente pelo Município de Cuiabá, bem como na verificação da existência de direitos decorrentes dessa relação jurídica. É mister esclarecer que o regime jurídico das contratações no âmbito da Administração Pública, estabelece o art. 37, inciso II, da Constituição da República que a investidura em cargo ou emprego público exige, como regra geral, a prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos. Não obstante, o mesmo diploma constitucional, em seu inciso IX do mencionado dispositivo, excepciona tal exigência ao admitir a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, desde que expressamente contemplada em lei específica editada pela entidade federativa competente — seja ela a União, os Estados, o Distrito Federal ou os Municípios — nos termos das respectivas atribuições legislativas estabelecidas pela ordem constitucional vigente. Sob esta perspectiva, os entes federativos possuem autonomia para organizar o regime jurídico de seus servidores, observando os princípios e limites fixados nos arts. 37 a 41 da Constituição Federal, aplicáveis aos servidores civis. Com isso, infere-se que a contratação temporária por prazo determinado está prevista tanto no Direito do Trabalho quanto no Direito Administrativo, neste último a regra é o concurso público. A exceção — representada pelas contratações sem concurso — deve observar rigorosamente os parâmetros do art. 37, IX, da Constituição Federal, sob pena de nulidade do ato administrativo. Sob a égide do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (Tema 612) “[...] para que se considere válida a contratação temporária, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a necessidade de contratação seja indispensável, sendo vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e que devam estar sob o espectro das contingências normais da Administração.” (Ac. no RE nº 658.026 - MG, Tribunal Pleno, Relator (a): Min. Dias Toffoli, J. 09.04.2014, in DJe 31.10.2014). Além disso, a mencionada Corte, ao apreciar o Recurso Extraordinário nº 765.320 - MG (Tema nº 916), reafirmou-se a tese do Recurso Extraordinário nº 705.140 - RS (Tema nº 308), no sentido de que “[...] a contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público realizada em desconformidade com os preceitos do art. 37, IX, da Constituição Federal não gera quaisquer efeitos jurídicos válidos em relação aos servidores contratados, com exceção do direito à percepção dos salários referentes ao período trabalhado e, nos termos do art. 19-A da Lei 8.036/1990, ao levantamento dos depósitos efetuados no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS.” De modo similar, "Servidores temporários não fazem jus a décimo terceiro salário e férias remuneradas acrescidas do terço constitucional, salvo (I) expressa previsão legal e/ou contratual em sentido contrário, ou (II) comprovado desvirtuamento da contratação temporária pela Administração Pública, em razão de sucessivas e reiteradas renovações e/ou prorrogações". (STF - RE nº 1.066.677, Tribunal Pleno, relator para o acórdão Min Alexandre de Moraes, j. em 22.05.2020, in DJe de 01.07.2020 - Tema 551) Nesse prisma, os servidores contratados temporariamente pela Administração Pública não fazem jus, como regra, ao décimo terceiro salário nem às férias acrescidas do terço constitucional, por se tratar de vínculo de natureza precária e excepcional, regido por normas de direito público. Entretanto, tal vedação comporta duas importantes exceções: a primeira ocorre quando houver expressa previsão legal ou contratual que assegure tais benefícios ao servidor contratado; e a segunda se configura nos casos em que restar comprovado o desvirtuamento da contratação temporária, notadamente quando a Administração Pública promove sucessivas e reiteradas prorrogações do vínculo, descaracterizando a transitoriedade e revelando o atendimento de uma necessidade de caráter permanente, situação que impõe o reconhecimento dos direitos sociais constitucionalmente assegurados. In casu, verifica-se que a Recorrente foi admitida, em caráter temporário e excepcional, para exercer a função de Agente Operacional, tendo a relação jurídico-administrativa perdurado entre 01/02/2006 até 31/01/2007 (Id. 245450328). Nesta linha de raciocínio, é oportuno consignar que não foi demonstrada, nos autos, a existência de norma legal ou contratual expressa que ampare o direito pretendido pela Recorrente. A legislação municipal, consubstanciada na Lei Complementar nº 94/2003, dispõe expressamente: “Art. 44. Para atender necessidade oriundas da prestação de serviços de saúde, a SMS poderá celebrar contratos temporários desde que decorrentes das seguintes hipóteses: [...] § 2 º O prazo dos contratos temporários de que trata o caput deste artigo será de até 24 (vinte e quatro) meses, podendo, por justificado interesse público, ser prorrogado por igual período. [...]” Constata-se, desde logo, que a contratação por tempo determinado encontra respaldo na legislação de regência, dentro do limite temporal legalmente estabelecido, isto é, por 24 (vinte e quatro) meses, prorrogável por igual período. Ademais, extrai-se do contrato celebrado entre as partes a previsão de cláusula condicional que subordina o pagamento do adicional de um terço de férias e do décimo terceiro salário à existência de ato normativo municipal que limita referidos benefícios à faixa remuneratória da contratada (Id. 245450329 – pdf. 45). O cumprimento de tal condição, no entanto, não foi devidamente comprovada pela parte autora, ora Apelante, circunstância que afasta o ressarcimento das verbas. No que concerne à inversão do ônus da prova requerida em petição apartada (Id. 245450312 – pdf. 98/100), entendo que a análise do pleito deve se dar à luz das peculiaridades do caso concreto, haja vista tratar-se de providência de caráter excepcional. Na espécie, observa-se que a parte se limitou, ao longo de toda a instrução processual, à produção e requerimento de prova estritamente documental, não tendo adotado qualquer outra estratégia probatória, circunstância que se verifica de forma inequívoca em três momentos processuais distintos: na petição inicial (Id. 245450328 – pdf. 24), em manifestação apresentada na instância de origem (Id. 245450328 – pdf. 41) e, por derradeiro, no bojo das razões recursais (Id. 245450328 – pdf. 53/55). Diante disso, conquanto a parte autora alegue que o vínculo contratual se estendeu até maio de 2007, bem como sustente a realização de labor extraordinário no curso da contratação, não se desincumbiu do encargo probatório que lhe competia, nos termos do art. 373, inciso I, do Código de Processo Civil. Ressalte-se que tais alegações poderiam ter sido corroboradas mediante a propositura de outras espécies de provas, como a testemunhal, cuja produção sequer foi requerida nos autos. Assim sendo, reputo incabível a redistribuição do encargo probatório, porquanto “a inversão do ônus da prova não dispensa a comprovação mínima, pela parte autora, dos fatos constitutivos do seu direito” (STF -AgInt no REsp 1.717.781/RO, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 05/06/2018, DJe de 15/06/2018). Por consequência, o raciocínio lógico-jurídico é de que não restou evidenciado o desvirtuamento da natureza excepcional e transitória da contratação, circunstância esta que inviabiliza o reconhecimento das verbas de cunho trabalhista postuladas. Com efeito, em se tratando de contratações temporárias, sua prorrogação ou rescisão configura ato administrativo de natureza discricionária, sujeito ao juízo de conveniência e oportunidade da Administração Pública. (TJ-MT 10018608620218110006, Relator.: Maria Aparecida Ferreira Fago). A propósito: “[...] CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO DE COBRANÇA – CONTRATO TEMPORÁRIO – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ESTADUAL – PROFESSOR – RENOVAÇÕES SUCESSIVAS – INOCORRÊNCIA – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ARTIGO 37, II, DA CRFB – CONTRATO VÁLIDO – DEPÓSITO DO FGTS – NÃO CABIMENTO – ENTENDIMENTO CONSOLIDADO DO STJ – DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO, FÉRIAS E ADICIONAL DE 1/3 – NÃO DEVIDOS – TEMA N. 551, DO STF – APELO DA AUTORA NÃO PROVIDO E APELAÇÃO DO ESTADO DE MATO GROSSO PROVIDA. O STJ firmou entendimento de que o contrato temporário de trabalho, entabulado com a Administração Pública, inquina-se de nulidade, somente quando renovado, sucessivamente, porquanto, nessa hipótese, haveria infringência do acesso ao Serviço Público via concurso (CRFB, art. 37, II). Se a contratação, sem concurso, ocorreu por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, não faz jus o servidor ao recebimento do FGTS. Aos servidores contratados pela Administração Pública com base no IX do art. 37, da CRF (contrato temporário) não assiste o direito ao recebimento das verbas salariais, referentes ao décimo terceiro salário e às férias, acrescidas do respectivo adicional, conforme entendimento esposado no Tema n. 551, do STF. (N.U 1001068-37.2019.8.11.0028, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, MARCIO VIDAL, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 18/12/2023, Publicado no DJE 30/01/2024) [...]” [g.n.] Em relação ao pedido de incidência dos feitos da revelia, insta salientar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconhece que estes “[...] são relativos e não implicam a imediata procedência do pedido, devendo o magistrado analisar as alegações do autor e a prova dos autos.” (STJ - AgInt no AREsp: 1330581 SP 2018/0187138-7). Destarte, escorreita a sentença, não comportando reparos. Ante o exposto, 1. REJEITO, a preliminar de nulidade da sentença por cerceamento de defesa; 2. REJEITO, a preliminar de nulidade da sentença por inafastabilidade jurisdicional e ausência de fundamentação 3. No mérito, NEGO PROVIMENTO ao Recurso de Apelação interposto por Amélia Pereira de Oliveira, mantendo inalterada a r. sentença combatida. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 16/04/2025
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