Processo nº 1009857-19.2023.4.01.3901
ID: 255657309
Tribunal: TRF1
Órgão: 2ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Marabá-PA
Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL
Nº Processo: 1009857-19.2023.4.01.3901
Data de Disponibilização:
14/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
SILVIA LAIS CORDEIRO QUEIROZ
OAB/PA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Subseção Judiciária de Marabá-PA 2ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Marabá-PA PROCESSO: 1009857-19.2023.4.01.3901 CLASSE: AÇÃO CIVIL PÚBLICA (65) POLO ATIVO: …
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Subseção Judiciária de Marabá-PA 2ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Marabá-PA PROCESSO: 1009857-19.2023.4.01.3901 CLASSE: AÇÃO CIVIL PÚBLICA (65) POLO ATIVO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - MPF POLO PASSIVO:MAURICIO ROSSO e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: SILVIA LAIS CORDEIRO QUEIROZ - PA017499 Justiça Verde – Projeto de Priorização da Jurisdição Ambiental SENTENÇA 1- Relatório Trata-se de ação civil pública ambiental, com pedido de tutela de urgência, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF) em face de MAURÍCIO ROSSO e JEAN KASSIO ALVES SOUZA, visando à responsabilização por dano ambiental decorrente da exploração irregular de área embargada localizada na Rodovia BR-222, Km 70, Vila Bonfim, no Município de Rondon do Pará/PA, abrangendo 327,42 hectares da Fazenda Rondônia, com reflexos ambientais em área de interesse federal, conforme apuração técnica. A inicial descreve a existência de desmatamento ilegal e impedimento de regeneração natural, com o subsequente plantio agrícola de milho em área embargada pelo IBAMA desde 25/11/2012 (Termo de Embargo nº 512667-C, Processo Administrativo 02018.001295/2012-10), sem autorização ambiental válida, caracterizando grave degradação ambiental em área sob responsabilidade da União. Alega-se que os réus praticaram a atividade ilícita por meio de “Contrato de Prestação de Serviços de Mecanização Agrícola”, emitido na data de 06/06/2023, firmado entre Jean Kassio (contratante/proprietário) e Maurício Rosso (contratado/arrendatário), sendo que este último teria confirmado que realizou o plantio de milho na área embargada. Em virtude da referida destruição, foram lavrados, oportunamente, am 09/06/2023, o Auto de Infração nº 1K7Y08E (descumprir embargo) e nº GYFJSY9U (impedir ou dificultar regeneração), ambos em desfavor de JEAN KASSIO ALVES SOUZA, bem como foram lavrados, em 12/06/2023, o Auto de Infração nº CRD1BOK4 (descumprir embargo) e nº Y6V7MNEP (impedir ou dificultar regeneração), ambos em desfavor de MAURÍCIO ROSSO, pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais – IBAMA, tendo sido fixada multa administrativa em desfavor dos requeridos no valor de R$ 1.640.000,00 (um milhão, seiscentos e quarenta mil reais) para cada um, identificados como autores do dano ambiental. O MPF requer: (i) suspensão imediata das atividades e bloqueio da área, com medidas de constrição; (ii) reparação integral dos danos ambientais; (iii) indenização por danos morais coletivos; (iv) obrigação de recuperação da área degradada ou apresentação de plano de recuperação ambiental (PRAD); (v) imposição de sanções acessórias, como a proibição de acesso a linhas de crédito, benefícios e incentivos fiscais. Em anexo à inicial foram apresentados relatórios administrativos, laudos técnicos e documentação probatória oriunda de procedimentos investigatórios administrativos conduzidos pelo IBAMA e pelo próprio Ministério Público Federal, os quais atestam a reincidência da infração, a ausência de licenciamento e a extensão dos danos ambientais. O Juízo indeferiu o pedido de tutela, por entender não cumpridos todos os requisitos do art. 311, inciso IV, do CPC, considerando que “Apenas após a sua citação e manifestação é que eventualmente se poderá concluir no sentido de que a demandada não foi capaz de gerar dúvida razoável nos autos”. O réu Jean Kassio Alves Souza não contestou o feito. Por sua vez, o réu Maurício Rosso contestou o feito, alegando, em preliminar, sua ilegitimidade passiva, afirmando não ser proprietário do imóvel e não possuir vínculo jurídico com a área, além de requerer os benefícios da justiça gratuita. No mérito, sustenta: (i) ausência de responsabilidade por não haver nexo causal entre sua conduta e o alegado dano; (ii) que o contrato de prestação de serviços não caracteriza ingerência sobre a área; (iii) inexistência de prova de dano ambiental concreto; (iv) impossibilidade jurídica de cumulação de indenização com obrigação de fazer (recomposição ambiental); (v) e que não se trata de área especialmente protegida. Requer a improcedência da ação e a condenação do MPF em custas e honorários advocatícios. O Ministério Público Federal apresentou réplica, na qual rechaça a preliminar de ilegitimidade passiva com base na teoria da asserção, sustentando que as alegações da inicial, e não a prova dos autos, definem a legitimidade para a causa. Argumenta que o próprio contrato apresentado pelo réu demonstra sua vinculação à atividade ilícita e reforça que a responsabilidade ambiental é objetiva e solidária, exigindo apenas o nexo com a conduta. Defende que o dano ambiental está presumido diante do uso indevido de área embargada, sendo desnecessária a prova do resultado danoso permanente. A réplica reforça, ainda, a viabilidade do julgamento antecipado da lide, requerendo a inversão do ônus da prova, nos termos do art. 373, II, do CPC. É o relatório. Da gratuidade de justiça Importa ressaltar que o artigo 5º, inciso LXXIV da Constituição Federal dispõe claramente que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. A norma constitucional é clara, possibilitando inferir que a comprovação de insuficiência de recursos não pode ser entendida como "simples afirmação" preceituada pelo art.4º daLei1.060/50, sendo indispensável que o requerente comprove, quando do requerimento, a insuficiência de recursos. A declaração de hipossuficiência financeira ou de pobreza não ostenta presunção absoluta de veracidade, e, uma vez existindo elementos objetivos nos autos a apontar na capacidade de pagamento das custas e despesas processuais pela parte, que não demonstrar a modificação dessa situação, cumpre ser indeferido o benefício da gratuidade da justiça. Nos processos administrativos, o IBAMA verificou a existência de vários bens, entre eles caminhões, tratores e terrenos, de propriedade do requerido, o que contraria a alegação de não possuir recursos suficientes para custear o processo sem prejuízo de seu sustento próprio e de seus familiares. Assim, INDEFIRO o pedido de justiça gratuita. 2- Preliminares A preliminar de ilegitimidade passiva sustentada pela defesa não merece prosperar. A obrigação de reparar o dano ambiental é propter rem, sendo a responsabilidade civil por danos ambientais de natureza objetiva, solidária e ilimitada, regida pelo princípio do poluidor-pagador, assim, todos os que têm relação direta ou indireta com o dano podem ser chamados a repará-lo, e não apenas o proprietário ou arrendatário do imóvel em que ocorreram os fatos. Além disso, é cediço que a responsabilidade do arrendador e do arrendatário é solidária. Nesse sentido, colaciono o julgado abaixo: ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DANO AMBIENTAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ARRENDATÁRIO. PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE E VERACIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS. AUSÊNCIA DE PROVA EM CONTRÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. 1. Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que, em ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal, manteve o demandado, ora agravante, no polo passivo do feito. 2. A ação originária foi proposta com o objetivo compelir as partes demandadas a promoverem as medidas necessárias a assegurar a completa recuperação de área degradada, decorrente do desmatamento da espécie Syagrus coronata (Ouricuri), em área próxima da comunidade quilombola Patioba, no município de Japaratuba/SE, de modo a restituir as funções ambientais do local afetado e conferir a efetiva mitigação dos impactos sofridos por essa comunidade em decorrência da atividade irregular. 3. Em suas razões, sustentou o agravante, em síntese, que, a despeito de, à época da vistoria, realizada em 6.11.2018, ocupar a posição de arrendatário do imóvel rural denominado Fazenda Santa Clara (Araçá), jamais realizou a supressão de qualquer vegetação nativa da área. Aduziu que apenas procedia à limpeza do terreno, além de uma prática de "gradagem", que consiste em uma operação agrícola com função de destorroamento, nivelamento e eliminação de espaços vazios, modificando a porosidade do solo arado para posterior instalação de partes vegetativas de plantas. Afirmou, ainda, que, há mais de 2 (dois) anos, não é mais arrendatário rural, consoante escritura particular de compra e venda de imóvel rural, o qual comprova que, atualmente, a fazenda é de propriedade de Sergio Andrade Rosas. 4. A liminar restou indeferida. 5. Houve contrarrazões, nas quais o MPF suscitou que não ignora o fato de o Superior Tribunal de Justiça possuir entendimento no sentido de que a obrigação de recuperar a área ambiental degradada abrange o titular da propriedade do imóvel, ainda que não seja de sua autoria a deflagração do dano, em decorrência da sua natureza propter rem, todavia é preciso observar que a ação originária possui pedido expresso de condenação do agente poluidor ao pagamento de danos morais coletivos, não se limitando, assim, à recuperação da área degradada. Para este último aspecto, já foi determinada a citação do atual proprietário do imóvel, pessoa sobre a qual também poderão recair as obrigações requeridas na inicial. Alegou que, para a definição dos danos morais coletivos, por óbvio, há de se aferir, com a devida instrução, eventual nexo de causalidade entre a conduta do agravante, ainda que atualmente não seja o proprietário do bem, e a degradação ambiental promovida na área quilombola. E, uma vez configurado o nexo, ele poderá ser condenado ao pagamento de indenização, em solidariedade com o atual ocupante do local, mesmo que a obrigação de recuperar a área fique a cargo deste último. Assim, defendeu que a tese de ilegitimidade passiva confunde-se com o próprio mérito do processo, de modo que não pode, agora, ser prematuramente acolhida. 6. Cinge-se a questão posta em analisar a legitimidade passiva do agravante - arrendatário do imóvel rural -, para figurar em ação civil pública que objetiva a reparação de dano ambiental, decorrente do desmatamento da espécie Syagrus coronata (Ouricuri), em área próxima da comunidade quilombola Patioba, no município de Japaratuba/SE. 7. Acerca da natureza das obrigações ambientais, o STJ editou a Súmula 623, a qual dispõe que "As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor". 8. Esta Corte, a seu turno, já decidiu que o arrendatário do imóvel possui o dever de reparar o dano ambiental verificado no imóvel, durante a vigência do arrendamento, podendo ser também dele exigida a obrigação respectiva. (PROCESSO: 0800166-49.2018.4.05.8000, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO AUGUSTO NUNES COUTINHO (CONVOCADO), 1ª TURMA, JULGAMENTO: 18.6.2020). 9. O Decreto nº 59.566/66, por sua vez, em seu art. 41, V, estabelece que o arrendatário "será responsável por qualquer prejuízo resultante do uso predatório, culposo ou doloso, quer em relação à área cultivada, quer em relação às benfeitorias, equipamentos, máquinas, instrumentos de trabalho e quaisquer outros bens a ele cedidos pelo arrendador". 10. Da análise da Ação Civil Pública nº 0801409-75.2021.4.05.8500, verifica-se a ADEMA apresentou Relatório de Fiscalização Ambiental (RFA 35701/2019-7565), por meio do qual asseverou que já teria sido identificada a supressão ilegal de 7 (sete) hectares de vegetação nativa em área consolidada da Fazenda Santa Clara (Araçá), inclusive com evidência de 20 (vinte) caules de palmeiras nativas da espécie Syagrus coronata (Ouricuri) caídas ao solo, em vistoria empreendida no dia 6.11.2018 (RFA-30790/2018-7003). (id. 4058500.4577388, da ACP nº0801409-75.2021.4.05.8500). 11. Em decorrência das constatações realizadas, foi emitido o Auto de Infração AIA-35710/2019-1083 e o Auto de Notificação ANA - 35709/2019-0687, em face de Alexandre da Silva Martins, ora agravante. 12. Destaque-se que o auto de infração quantificou expressamente a extensão do dano ambiental, correspondente ao corte ilegal de espécie nativa em uma área total de 7 (sete) hectares (id. 4058500.4577388, pág. 4, da ACP nº0801409-75.2021.4.05.8500). 13. Consoante cediço, o ato administrativo goza de presunção de legitimidade e veracidade, somente podendo ser ilidida mediante prova em contrário. 14. Por outro lado, o argumento do agravante, de que não teria realizado a supressão de qualquer vegetação nativa da área e de que apenas procedia à limpeza do terreno, além da prática de "gradagem", afigura-se frágil para o fim de fundamentar a tutela pretendida. Tal assertiva, por si só, destituída de base comprobatória, não tem o condão de afastar a presunção de legitimidade dos atos da Administração. 15. Destarte, deve prevalece a autuação da ADEMA/SE, até que seja demonstrada a existência de prova em contrário, o que só se poderá aferir, adequadamente, com o regular processamento da demanda e a dilação probatória apropriada. 16. Agravo de instrumento desprovido. (PROCESSO: 08117537020224050000, AGRAVO DE INSTRUMENTO, DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO RESENDE MARTINS, 6ª TURMA, JULGAMENTO: 25/04/2023) Diante do exposto, rejeito a preliminar arguida pelo requerido. Passo à análise do mérito. 3- Mérito A presente ação civil pública tem respaldo tanto na Constituição Federal quanto na Lei n.º 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. De acordo com o artigo 225 da Constituição Federal, “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Disso decorre o dever de recuperação do dano ambiental previsto no § 3º do mesmo dispositivo, segundo o qual “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. Na mesma direção é a Lei n. 6.938/81, que em seu artigo 14 estabeleceu que “sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores” às sanções discriminadas no artigo em questão, sendo “o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”. As normas de regência estabelecem, conforme se pode notar, uma responsabilidade civil objetiva de reparação dos danos causados ao meio ambiente, não havendo a necessidade de comprovação de culpa ou dolo por parte do agente causador do dano, regra que está em perfeita harmonia com sua finalidade, que é garantir de forma efetiva um meio ambiente saudável e protegido em benefício de toda a coletividade e das próximas gerações. Paulo Afonso Leme Machado, a respeito da responsabilidade na seara ambiental, esclarece que “a responsabilidade objetiva significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo”. Segue o jurista tecendo as seguintes argumentações a respeito do tema: Presente, pois, o binômio dano/reparação. Não se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de indenizar e/ou reparar. A responsabilidade sem culpa tem incidência na indenização ou na reparação dos “danos causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade” (art. 14, §1º, da Lei n. 6.938/81). Não interessa que o tipo de obra ou atividade seja exercida pelo que degrada, pois não há necessidade de que ela apresente risco ou seja perigosa. Procura-se quem foi atingido e, se for o meio ambiente e o homem, incia-se o processo lógico-jurídico da imputação civil objetiva ambiental. Só depois é que se entrará na fase do estabelecimento do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano. (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 21ª Ed. rev. atual., Editora Malheiros Editores, 2013, pág. 404) Feitas essas considerações, passo à análise do caso concreto. Na hipótese dos autos, a perícia não é necessária para identificação do dano, visto que por meio dos documentos que acompanham a inicial é possível verificar a sua existência, localização, dimensão e o período em que ocorreu. O entendimento encontra consonância nos recentes julgados do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (AC 1000400-93.2019.4.01.3903. Relatora: Desembargadora Federal Ana Carolina Roman, 12ª Turma. PJe: 27/03/2024) sobre o tema: “É sabido que a condenação em pagamento de indenização por danos materiais, decorrentes dos danos ambientais perpetrados, prescinde de perícia prévia, dada a existência de parâmetros que podem orientar a aferição dos danos ambientais e o corresponde valor indenizável.” O réu Maurício Rosso alega que não é beneficiário do imóvel fiscalizado, não tendo qualquer vínculo com a propriedade, tampouco contribuído para a ocorrência do dano. No entanto, foi apresentado no procedimento investigatório ID 1926105169 (fls. 13-17) o “Contrato de Prestação de Serviços de Mecanização Agrícola”, assinado em 06/06/2023, entre Jean Kassio e Maurício Rosso, tendo como objeto o plantio, pulverização e colheita destinados a cultivo de soja, milho e sorgo, referente a safra 2022/2023, com assinaturas e cópia autenticadas em cartório. Foi ainda identificado no local, conforme relatório fotográfico da peça (fls. 20-32), tratores de roda, maquinário agrícola pesado, caminhões, trator misturador e plantadeira, plantação de milho, solo compactado com a presença de gretas, galpão, áreas sem cobertura florestal e CNH do arrendatário Maurício Rosso. O artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei 12.651/2012 atribui expressamente caráter ambulatorial à obrigação ambiental, ao dispor que elas têm "natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural". Tal norma, somada ao artigo 14, parágrafo 1º, da Lei 6.938/1981 – que estabelece a responsabilidade ambiental objetiva –, ampara o entendimento do STJ de que a obrigação de recomposição ambiental atinge o proprietário do bem, independentemente de ter sido ele o causador do dano. Assim, para a jurisprudência, "quem se beneficia da degradação ambiental alheia, a agrava ou lhe dá continuidade não é menos degradador" (REsp nº 1962089, MS - 2021/0306967-3, Relatora Ministra Assusete Magalhães, STJ, DJe: 26/09/2023). Para a ministra, uma situação que merece atenção é a do titular anterior que não deu causa ao dano ambiental: se o dano é posterior à cessação do domínio ou da posse do alienante, não há responsabilidade anterior, a não ser que, mesmo já sem a posse ou a propriedade, ele retorne à área para degradá-la. Segundo Assusete Magalhães, embora a responsabilidade civil ambiental seja objetiva, a jurisprudência entende que "há de se constatar o nexo causal entre a ação ou a omissão e o dano causado, para configurar a responsabilidade". Nesse sentido, a relatora ponderou que o titular anterior que conviveu com dano ambiental preexistente, ainda que não tenha sido o seu causador, e, posteriormente, alienou a área no estado em que a recebera, tem responsabilidade. "Nessa hipótese, não há como deixar de reconhecer a prática de omissão ilícita, na linha da jurisprudência do STJ que – por imperativo ético e jurídico – não admite que aquele que deixou de reparar o ilícito, e eventualmente dele se beneficiou, fique isento de responsabilidade", concluiu a ministra. O perito atestou no laudo técnico do MPF 999/2023 (ID 1926105167, fl. 71) que: A análise desses dados geoespaciais indica que a área do Auto de Infração nº Y6V7MNEP, ilustrada na Figura 1, está situada no município de Rondon/PA, sobrepondo-se, PARCIALMENTE, à Gleba Rondon A, B, C e D, pertencente à categoria Arrecadada, sob responsabilidade do INCRA, portanto de interesse federal, conforme as áreas listadas no Quadro 1, notadamente no Cadastro Nacional de Florestas Públicas – CNFP. O requerido nega qualquer relação com o dano ambiental, sustentando que o contrato de arrendamento foi uma suposição do órgão fiscalizador, “sem juntar aos autos qualquer documento ou mesmo depoimento reduzido a termo de eventual testemunha acerca deste fato”, o que não condiz com a verdade dos fatos, visto que o contrato foi juntado nos procedimentos investigatórios apensados dos requeridos. Além disso, conforme já dito acima, a obrigação de reparar o dano ambiental é propter rem e de natureza objetiva, motivo pelo qual, quando o proprietário do imóvel rural é quem figura no polo passivo da ação civil pública de natureza ambiental, não importa quem foi o causador da destruição ao meio ambiente. Seja ou não o autor da lesão ao meio ambiente, a recuperação ambiental da propriedade rural é imposta ao proprietário como dever jurídico independentemente de culpa, em virtude da função social da propriedade estabelecida como valor constitucionalmente protegido, o qual gera o dever de utilização dos recursos ambientais do imóvel de forma sustentável e em consonância com as normas ambientais. Assim, para o fim de definição do dever de recuperação do dano ambiental, é irrelevante se a destruição decorreu de ato praticado por terceiros. Saliente-se, ademais, que não há prova robusta da tese sustentada pela defesa. Não há nos autos qualquer documentação que afaste a responsabilidade dos réus, tampouco que desconfigure sua relação com o imóvel onde foi constatado o dano. Importante destacar que os réus foram intimados para produzir provas, não se desincumbindo do ônus probatório previsto no artigo 373, inciso II, do Código de Processo Civil. Assim, impõe-se aos demandados a responsabilidade objetiva pela recuperação do dano ambiental. Conclui-se, com essas considerações, estar caracterizado o dano ambiental e o dever dos demandados MAURICIO ROSSO e JEAN KASSIO ALVES SOUZA de recuperar a área degradada. Ressalte-se por fim que no sistema jurídico brasileiro é consagrado o princípio da reparação integral do dano ambiental. Isso significa que os responsáveis devem arcar com todas as consequências decorrentes de suas ações prejudiciais ao meio ambiente. Nesse sentido – grifo nosso: CIVIL. AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO IBAMA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. RECUPERAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA. ART. 225, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. CABIMENTO. PRINCÍPIOS DO POLUIDOR PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL. VALOR DA INDENIZAÇÃO A SER FIXADO POR ARBITRAMENTO NA FASE DE LIQUIDAÇÃO DA SENTENÇA NO CASO CONCRECO. DANO MORAL NO PERCENTUAL DE 5% DO DANO MATERIAL. APELAÇÃO PROVIDA. 1.Trata-se de apelação interposta pelo IBAMA em face de sentença proferida na Ação Civil Pública , ajuizada pela autarquia ambiental, que julgou parcialmente procedente o pedido, para condenar o réu à recomposição da área desmatada, mediante a elaboração de projeto de reflorestamento. 2.O STJ, em julgamento submetido ao rito do recurso repetitivo Tema Repetitivo 707 -, firmou entendimento no sentido de que "a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar". 3. A responsabilidade objetiva pelo dano ambiental tem previsão no art. 14, § 1º da Lei n. 6.938/81, recepcionado pelo art. 225, §§ 2º e 3º, da Constituição Federal, impondo ao empreendedor a obrigação de prevenir os riscos à saúde e ao meio ambiente (princípio da precaução) e à recuperação integral das condições ambientais do local degradado (princípios do poluidor pagador e da reparação integral). 4. "A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, pacificada no verbete da Súmula 623 desta Corte, reconhece que a responsabilidade civil por danos ambientais adere à propriedade, como obrigação propter rem, sendo possível cobrar do atual proprietário do bem sua reparação, independentemente de ter sido ele o causador do dano" (AgInt no REsp n. 1.869.374/PR, relator Ministro GURGEL DE FARIA, Primeira Turma, julgado em 4/10/2021, DJe de 19/10/2021). 5. Em se tratando de danos ambientais, pela aplicação dos princípios do poluidor pagador e da reparação integral, há possibilidade de cumulação da recuperação da área degradada com a indenização por danos materiais, visto que a reparação nem sempre se mostra suficiente a recompor integralmente a área atingida pelo dano ambiental, por isso que são cumulativas a obrigação de fazer, de não fazer e de pagar, tendo a indenização o objetivo de alcançar parte irreparável do dano, minimizando, assim, as perdas ambientais. 6. Este Tribunal vem decidindo que o montante indenizatório pelos danos materiais ambientais deve ser fixado por arbitramento, na fase de liquidação da sentença, nos termos do art. 523 do CPC de 2015, conforme parâmetros estabelecidos na Nota Técnica do IBAMA. Precedentes. 7. Prevalece na jurisprudência o entendimento de que descabe a condenação em honorários advocatícios da parte requerida em ação civil pública, quando inexistente má-fé, de igual sorte como ocorre com a parte autora, por força da aplicação do art. 18 da Lei n. 7.347/1985 (EAREsp 962.250/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, Corte Especial, julgado em 15/08/2018, DJe 21/08/2018). 8. Apelação do IBAMA provida, para condenar o réu ao pagamento de indenização por danos materiais, cujo valor deverá ser definido por arbitramento na fase de liquidação da sentença e pagamento de danos morais coletivos, correspondente a 5% do valor fixado pelos danos materiais. (AC 0003863-32.2011.4.01.4100, DESEMBARGADORA FEDERAL ROSANA NOYA ALVES WEIBEL KAUFMANN, TRF1 - DÉCIMA-SEGUNDA TURMA, PJe 31/10/2024) Ante a fundamentação,comprovados todos os elementos da responsabilidade civil (conduta, dano e nexo), resta incontroversa que a imputação de responsabilidade deve recair sobre a parte requerida, cumprindo-lhe, além do dever de recomposição da área desmatada, a obrigação de reparação do dano ambiental, através do pagamento de indenização pelos danos morais e materiais que provocou. 3a- Da obrigação de recompor a área degradada Com relação à obrigação de recompor a vegetação nativa, cumpre realçar que não há nos autos elementos que demonstrem que a restauração in natura da área (art. 2º, XIV, Lei nº 9.985/00) não seja viável. O projeto de reflorestamento deve ser elaborado por profissional habilitado, no prazo de 90 (noventa) dias, contado da intimação da presente sentença, o qual deve ser submetido à imediata aprovação do ICMBio ou do IBAMA, que deverá analisá-lo e aprová-lo no prazo de 60 (sessenta) dias, mediante concomitante comunicação ao Ministério Público Federal (MPF) da respectiva comarca. O referido projeto deve conter cronograma, com etapas definidas – não superior a 1 (um) ano – para a restauração ambiental, a fim de que o ICMBio/IBAMA ou o MPF verifique(m) o efetivo cumprimento do projeto. Nas hipóteses de descumprimento de obrigação de fazer de recuperação da área degradada é possível converter esta obrigação de fazer em seu equivalente pecuniário (art. 499 do Código de Processo Civil), que deve coincidir com os cálculos apresentados na referida nota técnica. Para a adequada recomposição da área, no caso de mora, deve o requerido ser condenado a não usar a área desmatada ilegalmente, com a recuperação passiva da área (regeneração que ocorre pelas dinâmicas próprias da natureza e sem intervenção humana). 3b- Do dano material e do dano moral coletivo São lícitos os pedidos aduzidos pelo autor de recomposição da lesão ao meio ambiente concomitante à indenização pecuniária, não sendo esta medida substitutiva, necessariamente, da obrigação de reparaçãoin naturado dano, sob o argumento de configuração debis in idem. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça há muito reconhece a existência do dano ambiental em suas variadas dimensões, admitindo a cumulação da obrigação de fazer ou não fazer com a obrigação de pagar. O entendimento foi objeto da Súmula n. 629: “Quanto ao dano ambiental, é admitida a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de indenizar.” Considerando a Nota Técnica nº 02001.000483/2016-33-DBFLO/IBAMA, o valor do dano será calculado em R$ 10.742,00 por hectare. Assim é a jurisprudência do TRF1: CONSTITUCIONAL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROJETO AMAZÔNIA PROTEGE. DANO AMBIENTAL. AMAZÔNIA LEGAL. DESMATAMENTO. IMAGEM DE SATÉLITE. PROGES/2016. AUTORIA. BANCO DE DADOS PÚBLICOS. REGENERAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS DIFUSOS. CABIMENTO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. SENTENÇA REFORMADA, EM PARTE. 1. Trata-se de remessa necessária e apelação interposta por INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA e apelação interposta por PAULO HENRIQUE DE ABREU contra sentença que julgou parcialmente procedente a ação civil pública proposta pelo MPF em conjunto com a autarquia ambiental, buscando a condenação do particular a recuperar área de 69,75 hectares de vegetação nativa na propriedade rural denominada Fazenda Primavera, localizada no Município de Cláudia/MT, e a indenizar danos materiais e morais. 2. Embora seja admissível a inversão do ônus da prova em controvérsias que abordem danos ao meio ambiente, o enquadramento da questão limita-se à regra geral disciplinada no artigo 373, II, do Código de Processo Civil, que estabelece ser ônus do requerido comprovar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, estando o desmatamento comprovado em imagens de satélite, que demonstram a materialidade do dano, enquanto a autoria foi aferida por constar inserido o nome do requerido em banco de dados públicos como o detentor da posse/propriedade da área. 3. A existência de cadastro da área em nome dos requeridos constitui-se presunção juris tantum acerca das suas responsabilidades pelos desmatamentos concretizados no imóvel. 4. A condenação em obrigação de fazer consistente em regenerar a área degradada evidencia-se de natureza proptem rem, a qual adere à coisa, consoante Súmula 623 do Superior Tribunal de Justiça, sendo desinfluente perquirir sobre o responsável pelo desmatamento, haja vista a impossibilidade de se permitir que o dano se perpetue e a necessidade de regularizar o passivo florestal. 5. A obrigação propter rem e a responsabilidade objetiva são prerrogativas da reparação do dano ambiental direcionadas a aspectos distintos. Enquanto a obrigação propter rem é própria e exclusiva para a obrigação de recomposição do dano ambiental, a responsabilidade objetiva possibilita a condenação do infrator independentemente da configuração de dolo ou culpa na sua conduta, mas é imprescindível que a responsabilidade recaia sobre a pessoa que praticou o ato lesivo, ao menos por presunção. 6. A condenação em indenização por danos materiais e morais difusos mostra-se viabilizada em decorrência do desmatamento não autorizado de área da Amazônia legal, porquanto para o dano ambiental se aplica a responsabilidade objetiva, com suporte no art. 225, § 3º, da Constituição Federal, na Lei nº 6.938/1981, art. 14, § 1º, e no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, sendo que estes últimos estabelecem a responsabilização independentemente da configuração de culpa. 7. Os danos materiais foram mensurados mediante a aferição do custo social do desmatamento, do custo da fiscalização, de eventuais apreensões e da mobilização do aparato institucional para repressão do ilícito, além de considerar o valor dos ganhos auferidos pelo agente depredador , ponderando-se para o fato de que a extração de madeira e o desmatamento a corte raso não autorizados mostram-se como atividades econômicas que ultrapassam as questões ambientais, inserindo-se em searas de descumprimento da legislação tributária e trabalhista, porque, consoante esclarece os autores na petição inicial, "ao lado da grilagem e do desmatamento ilegal, caminham o trabalho escravo e a sonegação de tributos", razão pela qual, utilizando-se desses critérios, elaborou-se a NOTA TÉCNICA nº 02001.000483/2016-33 DBFLO/IBAMA, anexada à inicial e fruto do trabalho multidisciplinar de inúmeros órgãos cuja conclusão do estudo apontou como valor indenizável para cada hectare da Amazônia o importe de R$ 10.742,00 (dez mil e setecentos e quarenta e dois reais), a serem multiplicados pela área desmatada objeto da ação. 8. A condenação em danos morais coletivos é plenamente viável e tem amparo em precedente do Superior Tribunal de Justiça, de relatoria da Ministra Eliana Calmon (REsp nº 1269494/MG), que desvincula a condenação a esse título em matéria ambiental da comprovação da dor, da repulsa ou da indignação, sendo decorrência lógica do ato violador. 9. As imagens de satélite permitem concluir que os desmatamentos foram concretizados após o particular ter a posse da área em questão, utilizando por parâmetro os dados inseridos no CAR, notadamente porque o desmatamento objeto da lide se restringe àqueles captados pelas imagens de satélite, PRODES, referentes à alteração da cobertura florestal relativa ao ano de 2016. 10. Em questões ambientais a análise do caso concreto deve ocorrer em observância aos princípios do in dubio pro natura e da precaução, em interpretação condizente com a garantia de preservação do meio ambiente e em prestígio ao princípio do poluidor-pagador, que se traduz na obrigação daquele que causa prejuízo ao meio ambiente de reparar integralmente. 11. Mostra-se condizente com o dano ambiental perpetrado a condenação por danos materiais conforme delimitado na sentença, valor este que será apurado na fase de liquidação do julgado. 12. O quantum da indenização por danos morais coletivos deve ser fixado com base na gravidade do dano, no grau de culpa dos ofensores e no porte socioeconômico do causador do dano, de modo a ser suficiente para reprovar a conduta ilícita. O dano foi relevante considerando a dimensão da área desmatada, vez que foram destruídas 69,75 hectares de floresta amazônica, com potencial capacidade de extinguir espécies da flora e da fauna, prejudicando-se o equilíbrio ecológico e a qualidade de vida no meio ambiente local. 13. Com tais considerações, arbitro o valor de R$ 69.750,00 (sessenta e nove mil setessentos e cinquenta reais) a serem pagos por Paulo Henrique de Abreu a título de compensação pelos danos morais coletivos, valor que reputo idôneo a compensar a ofensa ao bem jurídico difuso. 14. Sentença reformada parcialmente, a fim de incluir a condenação em danos morais, conforme requerido pelo IBAMA. 15. Incabivél a condenação em ônus de sucumbência em ação civil pública, ressalvada a comprovação de má fé, por aplicação simétrica do art. 18 da Lei nº 7.347/85. 16. Remessa necessária e apelação do IBAMA providas e apelação do particular desprovida. (AC 1000675-40.2017.4.01.3603, DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS AUGUSTO PIRES BRANDÃO, TRF1 - QUINTA TURMA, PJe 30/10/2024) De outra parte, também é efeito do dano ambiental, consubstanciado na destruição de vários hectares de floresta, a agressão injustificada à coletividade, baseada na vontade de auferir lucro explorando terra pública, de modo a transgredir o direito fundamental à sadia qualidade de vida. Note-se que o tempo em que o processo natural de crescimento das espécies exigirá para que se atinja o nível antes existente, é proporcional à vantagem que o infrator auferiu com valor da madeira extraída das árvores maduras pelo tempo subtraído da floresta. No tocante ao dano moral difuso, no caso dos autos, o valor indenizatório deve reparar a significativa perda de nutrientes e do próprio solo como reflexos do dano ambiental, os reflexos na população local, a perda de capital natural, incremento de dióxido de carbono na atmosfera, diminuição da disponibilidade hídrica. O dano moral difuso será calculado em 5% do valor do dano material. Nesse sentido: DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO ILEGAL. FLORESTA AMAZÔNICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. NEXO DE CAUSALIDADE COMPROVADO. REPARAÇÃO INTEGRAL DO DANO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS COLETIVOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação interposta pelo Ministério Público Federal contra sentença que julgou improcedente ação civil pública movida contra Gercioney Narciso da Costa, sob o fundamento de inexistência de prova suficiente do vínculo do réu com a posse ou propriedade da área degradada, afastando-se, assim, a comprovação do nexo de causalidade entre sua conduta e o desmatamento de 822,940 hectares na Floresta Nacional de Altamira, no município de Novo Progresso/PA. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) verificar se há comprovação do nexo de causalidade entre a conduta do réu e o dano ambiental, ensejando sua responsabilização objetiva; e (ii) determinar se é cabível a condenação do réu à recomposição da área degradada e ao pagamento de indenizações por danos materiais e morais coletivos. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A responsabilidade civil por dano ambiental é objetiva, baseada na teoria do risco integral, sendo suficiente a comprovação do dano e do nexo de causalidade para a responsabilização do poluidor, independentemente de culpa. 4. O réu admitiu a posse da área e a autoria do desmatamento tanto no âmbito do processo administrativo quanto na contestação judicial, restando comprovado o nexo de causalidade entre sua conduta e o dano ambiental. 5. A Constituição Federal e a legislação ambiental impõem a obrigação de reparação integral do dano ambiental, permitindo a cumulação da obrigação de fazer (recomposição da área degradada) com indenizações por danos materiais e morais coletivos. 6. O Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a obrigação de recompor o meio ambiente degradado não exclui a condenação pecuniária por danos materiais e morais coletivos, dada a impossibilidade de plena recuperação do ecossistema afetado. 7. O dano moral coletivo decorre da afetação negativa ao equilíbrio ambiental e à qualidade de vida da coletividade, sendo cabível sua reparação no percentual de 5% do valor dos danos materiais. 8. A fixação do valor da indenização por danos materiais deve ocorrer em sede de liquidação de sentença, observando critérios técnicos e o princípio da proporcionalidade. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: 1. A responsabilidade civil por dano ambiental é objetiva, sendo suficiente a comprovação do dano e do nexo de causalidade para a responsabilização do poluidor. 2. A obrigação de recomposição da área degradada pode ser cumulada com a condenação ao pagamento de indenização por danos materiais e morais coletivos. 3. O dano moral coletivo decorre da afetação negativa ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e deve ser fixado com base na proporcionalidade e razoabilidade, observando precedentes jurisprudenciais. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 225, caput e § 4º; Lei nº 6.938/1981, art. 14, § 1º; Lei nº 7.347/1985, art. 3º; Decreto nº 6.514/2008, arts. 49 e 60. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp nº 1.374.284/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, j. 27.08.2014; STJ, Súmula nº 629; STJ, REsp nº 1.145.083/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 27.09.2011. (AC 1000626-49.2020.4.01.3908, DESEMBARGADORA FEDERAL ROSANA NOYA ALVES WEIBEL KAUFMANN, TRF1 - DÉCIMA-SEGUNDA TURMA, PJe 21/03/2025) Conforme o procedimento investigatório, a área objeto da lide tem 327,42 hectares, gerando como valor da indenização por danos materiais a soma de R$ 3.517.145,64, bem como o montante equivalente a 5% desse valor a título de dano moral coletivo. 4- Dispositivo Diante do exposto, julgo PROCEDENTES EM PARTE os pedidos deduzidos na inicial, resolvendo o mérito nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para condenar os réus JEAN KASSIO ALVES SOUZA e MAURICIO ROSSO às obrigações de: 4a- não fazer, devendo ABSTER-SE de promover qualquer tipo de exploração ou atividade econômica sobre a área embargada; 4b- fazer, consistente em RECUPERAR A VEGETAÇÃO NATIVA da área (art. 2º, XIV, Lei nº 9.985/00) de 327,42 hectares situada no Município de Rondon do Pará/PA, indicada no auto de infração e embargo ambientais apresentados na inicial, a ser cumprida mediante tomada das medidas do item “3a” desta sentença. Na hipótese de que o réu já não mais seja proprietário ou posseiro da área desmatada, condeno-o ao cumprimento de obrigação de fazer com resultado prático equivalente, consistente na recomposição ou restauração florestal (art. 2º, XIV, Lei nº 9.985/00) da área desmatada equivalente a 327,42 hectares, em local a ser indicado pelo IBAMA ou ICMbio, devendo ser cumprido nos mesmos prazos e forma indicadas no item 3a), sendo admissível a recuperação ambiental (art. 2º, XIII, Lei nº 9.985/00) alternativa dessa mesma área, caso a restauração seja impossível. 4c- pagar, a título de INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS derivado de desmatamento ilegal, o valor de R$ 3.517.145,64 (três milhões, quinhentos e dezessete mil, cento e quarenta e cinco reais e sessenta e quatro centavos), a ser atualizado, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, desde a data de expedição da Nota Técnica n. 02001.000483/2016-33 DBFLO/IBAMA, de 17 de março de 2016, que atualizou a Nota Técnica n. 15/09-DBFLO, com juros desde o evento danoso, mediante depósito em favor do fundo de que trata o art. 13 da Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública);. Considero como a data do evento danoso (infração ambiental) para fins de atualização da indenização objeto da presente condenação a do Auto de Infração nº GYFJSY9U (impedir ou dificultar regeneração), lavrado em 09/06/2023. 4d- pagar, a título de INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS, na proporção de 5% (cinco por cento) da condenação por danos materiais, com correção monetária e juros, segundo os índices do Manual de Cálculos da Justiça Federal, mediante depósito em favor do fundo de que trata o art. 13 da Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública). FIXO, desde logo, MULTA DIÁRIA no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), a qual passará a incidir em caso de descumprimento das obrigações de fazer e não fazer. Como efeito automático desta sentença, determino aaverbação de tais determinações no CAR da área(coordenadas geográficas do centroide 4° 32' 54.48" S e 48° 6' 51.93" W), devendo constar: 1. número deste processo; 2. valor dos danos ambientais devidos pela área; 3. valor do dano moral coletivo devido pela área; 4. que essas medidas perduram até a comprovação do pagamento integral, recuperação do dano ambiental e integral regulamentação ambiental da área. Indefiro o pedido de gratuidade de justiça. Sem condenação em honorários e custas (STJ, EAREsp 962.250/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/08/2018, DJe 21/08/2018). Sentença sujeita à remessa necessária, por aplicação do artigo 19 da Lei n° 4.717/65 (Lei da Ação Popular). Publique-se. Registre-se. Intimem-se as partes. Interposto recurso, intime-se o recorrido para apresentar contrarrazões, no prazo de 15 (quinze) dias e, após, remetam-se os autos ao e. TRF1. Com o trânsito em julgado, nada sendo requerido no prazo de 15 (quinze) dias, arquivem-se. Marabá/PA, datado e assinado eletronicamente. Hiram Armênio Xavier Pereira Juiz Federal em Auxílio
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