Processo nº 0813060-94.2021.8.20.5124
ID: 275924103
Tribunal: TJRN
Órgão: 4ª Vara Cível da Comarca de Parnamirim
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0813060-94.2021.8.20.5124
Data de Disponibilização:
22/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
THIAGO APOENY BARBALHO DE MELO
OAB/RN XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 4ª Vara Cível da Comarca de Parnamirim Rua Suboficial Farias, 280, Monte Castelo, PARNAMIRIM - RN - CEP: 59146-200 Processo: 0813060-94.2021.8.20.512…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 4ª Vara Cível da Comarca de Parnamirim Rua Suboficial Farias, 280, Monte Castelo, PARNAMIRIM - RN - CEP: 59146-200 Processo: 0813060-94.2021.8.20.5124 AUTOR: DAVID DO NASCIMENTO OLIVEIRA REU: BANCO INDUSTRIAL E COMÉRCIO S/A (BICBANCO), LEMON DIPLOMATIQUE INVESTIMENTOS LTDA, FABIO DOS SANTOS ORTIZ Grupo de Apoio às Metas do CNJ SENTENÇA I. RELATÓRIO Trata-se de ação de inexistência de relação jurídica e indenizatória de danos morais ajuizada por David do Nascimento Oliveira em face de Banco Industrial e Comércio S/A, Lemon Diplomatique Investimentos Ltda e Fabio dos Santos Ortiz alegando, em suma, que: a) recebeu da Sra. Laura, gerente comercial da Lemon Diplomatique Investimentos, em seu Whatsapp, uma proposta de portabilidade de seus empréstimos consignados junto à Caixa Econômica e Banco do Brasil, a qual representaria uma redução mensal de 30% (trinta por cento) de suas parcelas; b) caso aceitasse a proposta, deixaria de pagar R$ 160,61 (cento e sessenta reais e sessenta e um centavos) para a Caixa e passaria a ser devido R$ 112,42 (cento e doze reais e quarenta e dois centavos); c) doutra banda, pelo empréstimo junto ao Banco do Brasil, reduziria sua parcela de R$ 1.498,64 (mil, quatrocentos e noventa e oito reais e sessenta e quatro centavos) para R$ 1.049,04 (mil e quarenta e nove reais e quatro centavos); d) entretanto, após o envio dos documentos solicitados para uma portabilidade ao Banco China Construction Bank (CCB Brasil), foi informado que receberia em sua conta o valor integral da negociação, ao invés de apenas o “troco da operação”, devendo proceder a transferência para a intermediadora (Lemon), a qual se encarregaria de quitar a dívida do autor junto a Caixa e Banco do Brasil; e) nas semanas seguintes a Sra. Laura pediu que o autor atendesse as ligações do banco e confirmasse a transação de uma portabilidade dos consignados, sendo questionada sobre a regularidade desta ação, pois suspeitava estar contratando mais um empréstimo. Todavia, ela o informou que as ligações serviam para possibilitar as retenções feitas pelo sistema antifraude do banco; f) “ao receber o crédito no valor de R$ 95.643,44 (noventa e cinco mil, seiscentos e quarenta e três reais e quarenta e quatro centavos) em sua conta bancária, na data de 25/08/2021, à vítima, entre os dias 25 e 26 de agosto, transferiu o valor de 92.643,44 (noventa e dois mil, seiscentos e quarenta e três reais e quarenta e quatro centavos) para a empresa Lemon, conforme solicitado, retirando apenas o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), referente o troco da portabilidade.”; g) após as transferências, recebeu novo contato da Sra. Laura, requerendo o envio de dois códigos únicos e fotos da ficha cadastral do banco, a fim de solucionar ditas pendências, assim como pediu que o autor atendesse o Banco China e confirmasse uma retenção de R$ 35.444,80 (trinta e cinco mil, quatrocentos e quarenta e quatro reais e oitenta centavos); h) atendendo as solicitações dela, o autor transferiu para a Lemon o novo valor depositado, R$ 35.444,80 (trinta e cinco mil, quatrocentos e quarenta e quatro reais e oitenta centavos); i) chegado o mês de setembro de 2021, o autor constatou, além dos descontos efetuados pelo Banco do Brasil e Caixa, “...dois novos descontos, um no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) e outro no valor de R$ 714,00 (setecentos e quatorze reais), realizados pelo banco CHINA BANK (Doc. 06 – Contracheque de Setembro de 2021)”; j) em desespero, contatou a Sra. Laura, sendo informado que tudo não passava de um mal-entendido, a ser solucionado após um contato com a instituição financeira; k) após novas tentativas de solucionar o imbróglio, pois não entendia o motivo dos novos descontos, a Sra. Laura passou o contato da Sra. Bianca, a fim de ser realizada “a finalização”. Ela afirmou que os valores seriam estornados após uma atualização do contracheque com a portabilidade; l) sem uma solução, o autor contatou o Banco CCB, mas foi informado que teria contratado novos empréstimos consignados e não uma portabilidade; m) ao constatar que foi vítima de uma fraude, buscou a Polícia Civil para o registro de Boletim de Ocorrência; n) seu prejuízo material causado pelas demandadas foi de R$ 260.554,00 (duzentos e sessenta mil, quinhentos e cinquenta e quatro reais), considerando as 96 (noventa e seis) parcelas de R$ 2.000,00 (dois mil reais) e R$ 714,00 (setecentos e quatorze reais) de cada um dos empréstimos contraídos; Baseado em tais fatos, em suma, requer a tutela de urgência para a suspensão imediata dos novos descontos realizados pelo China Bank Brasil, bem como o bloqueio dos valores transferidos para a Lemon Diplomatique no total de R$ 128.088,24 (cento e vinte e oito mil, oitenta e oito reais e vinte e quatro centavos). Ao final, a confirmação da liminar e o pagamento de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por danos morais. A decisão Id 74301353 deferiu os benefícios da gratuidade judiciária e a tutela de urgência. O Comando da Aeronáutica informou o cumprimento da liminar e a suspensão dos descontos em folha do autor (Id 74714662), enquanto este afirmou ter recebido a devolução de R$ 3.010,00 (três mil e dez reais) da Lemon, pendendo o pagamento de R$ 2.328,00 (dois mil, trezentos e vinte e oito reais) referente aos descontos dos meses de setembro e outubro de 2021 (Id 75653732). Citado, o China Construction Bank (Brasil) Banco Múltiplo S.A – CCB Brasil apresentou contestação (Id 75914187). Em resumo, afirma que os valores depositados em conta do autor referem-se a dois contratos de empréstimos consignados, os quais foram autorizados por ele. Assim, o exercício da vontade própria dele infere ter ocorrido uma possível fraude externa, de modo a inexistir qualquer ato ilícito da demandada capaz de gerar o dever de indenizar. Ao final, pugna pela improcedência da inicial. Realizada a audiência de conciliação, não foi possível a composição de acordo pela ausência da parte demandante (Id 82409413). Apesar de intimado para apresentar réplica, o autor apenas justificou a ausência na audiência de conciliação (Id 82532270). Foi decretada a revelia de Lemon Diplomatique Investimentos Ltda e Fabio dos Santos Ortiz, assim como as partes foram intimadas a manifestar interesse na produção de provas (Id 107700862). Apenas o China Construction Bank (CCB Brasil) pugnou pelo envio de ofício à Caixa Econômica em caso de ser julgado insuficiente o TED que anexou à defesa, assim como requereu o depoimento pessoal do autor (Id 110602429), este, por seu turno, não manifestou interesse em outras provas (Id 119866840). A decisão Id 127853248 indeferiu a dilação probatória requerida pelo CCB Brasil e intimou as partes a apresentarem alegações finais. O CCB Brasil apresentou suas razões finais, enquanto o autor permaneceu silente (Ids 129200814 e 136817300). Vieram-me os autos conclusos. É o relatório. Decido. II. FUNDAMENTAÇÃO Verifica-se comportar a demanda o julgamento antecipado, devido à prescindibilidade de produção probatória em audiência, uma vez que a prova documental já anexada aos autos mostra-se suficiente para o deslinde da matéria, conforme autoriza o art. 355, inciso I, do Novo Código de Processo Civil. Não há preliminares pendentes de apreciação, estão presentes os pressupostos processuais de existência, requisitos de validade do processo, bem como as condições da ação, passo a análise do mérito. Salvo melhor juízo, merece parcial acolhida a pretensão da exordial. É que compulsando detidamente os elementos coligidos aos autos, verifico restar inconteste a ocorrência e o valor do prejuízo material. Todavia, este pode ser atribuído unicamente ao réu Lemon Diplomatique Investimentos Ltda. Explico. É inegável tratar-se de relação consumerista, aplicando-se o disposto no Código de Defesa do Consumidor (CDC) à lide, notadamente porque está pacificado no âmbito do STJ a aplicação do CDC às instituições financeiras, consoante dispõe a Súmula nº 297. No caso vertente, a responsabilidade dos demandados é objetiva, em decorrência do fato do serviço (art. 14, caput, e § 1º do CDC), levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais, o modo de seu fornecimento (inciso I) o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam (inciso II), corroborada na Súmula 479 do STJ: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”, aliada à impossibilidade de a instituição financeira transferir os riscos inerentes à sua atividade ao consumidor, que não recebe as orientações necessárias para se proteger dos fraudadores. Comprovada a existência da relação de consumo entre as partes, além da evidente hipossuficiência do consumidor e da verossimilhança de suas alegações, recai sobre a parte ré o ônus de comprovar a licitude da cobrança efetuada, nos termos do art. 6, VIII, do CDC. Ademais, o artigo 373, II, CPC, prescreve que compete ao réu fazer prova de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da parte autora. Assim, se o requerente alega que não contratou o empréstimo junto ao réu, compete, pois, à parte requerida provar a existência do negócio jurídico, posto que da parte requerente não se pode exigir prova negativa. Em outras palavras, a prova da existência de um crédito compete ao credor e não ao devedor. Neste sentido, segue acórdão: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - ALEGAÇÃO DE DÍVIDA NÃO CONTRATADA - ÔNUS DA PROVA DO RÉU - DESINCUMBÊNCIA NÃO CUMPRIDA - INSCRIÇÃO INDEVIDA NO CADASTRO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA -DEVER DE INDENIZAR - VALORAÇÃO DO DANO - RAZOABILIDADE. Se o autor/consumidor alega desconhecimento da dívida, cabe ao réu/prestador de serviço o ônus da prova, sob pena de ser declarada inexistente a obrigação, bem como responder por danos advindos de tal cobrança. A inscrição do nome do consumidor em cadastro desabonador ao crédito, quando inexiste dívida, constitui causa de dano moral puro,gerador do dever de indenizar, o qual não depende da existência de reflexos patrimoniais, nem da prova dos incômodos sofridos. Ao fixar valor da indenização deve-se ter em conta as condições do ofendido, do ofensor e do bem jurídico. A indenização deve proporcionar à vítima satisfação na justa medida do abalo sofrido, sem enriquecimento sem causa, produzindo, no causador do mal, impacto suficiente para dissuadi-lo de igual semelhante atentado. (...). (TJMG - Apelação Cível 1.0672.14.028278-7/001, Relator(a): Des.(a) Newton Teixeira Carvalho, 13ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 21/01/2016, publicação da súmula em 29/01/2016). (Grifo e negrito inseridos). Sendo assim, compete ao banco demandado o ônus de comprovar a regularidade do empréstimo e da cobrança, trazendo aos autos elementos capazes de demonstrar que efetivamente existiu a contratação do empréstimo pela parte autora. Certamente, os consumidores e instituições bancárias tem sido alvos de toda sorte de ardis criminosos, desde os conhecidos golpes de troca de cartão, falsa central eletrônica, falso boleto bancário, dentre outros. Assim, cada circunstância deve ser avaliada pelo intérprete da lei com o detido cuidado, a fim de evitar que alguma das partes venha a ser condenada a suportar o prejuízo ocasionado por outrem. Importante mencionar, inclusive, tratar-se o autor de pessoa jovem e esclarecida, militar graduado (Subtenente) e na ativa da Força Aérea Brasileira, com renda bruta superior a 12 (doze) mil reais mensais. Nesse sentido, percebe-se que o autor foi atraído por uma oferta de portabilidade feita pela Le Monde, mas ao decorrer das tratativas, recebeu diversas informações e teve plena consciência que não efetuaria uma portabilidade, mas sim duas novas contratações de empréstimos consignados junto ao China Bank. Ora, como se depreende da inicial e os documentos que a acompanham, o autor encaminhou no dia 26/07/2021, por seu Whatsapp, uma cópia de seu holerite (Id 74187701 - Pág. 2) e recebeu uma “proposta” de redução das parcelas de empréstimos consignados junto ao Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal (Ids 74187701 - Pág. 3 e 74187695) a partir de uma pessoa denominada Laura, a qual se identificou como Gerente Comercial da Le Monde Diplomatic. O autor, no dia 30/07/2021, afirmou que apenas aceitaria a proposta da Le Monde caso fosse mais vantajosa que outra já oferecida por uma amiga sua de Natal/RN, conforme o print Id 74187701 - Pág. 9 e áudio Id 74245236. Passados 11 (onze) dias, o autor recebeu uma lista com o requerimento de diversos documentos, códigos e senhas pessoais de acesso à rede interna (Intranet) da Força Aérea Brasileira - FAB, todos necessários para efetivar a transação bancária (print Id 74187701 - Págs. 15-17). Além disso, percebe-se em arquivo de áudio o destaque para a necessidade de preenchimento parcial da ficha cadastral, mantendo-se em branco a região que identificaria se a operação se tratava de crédito novo, refinanciamento ou portabilidade (áudio 05.8 Id 74189105). Nesse diapasão, o autor concordou em enviar para o endereço de email “atendimentolemonde.rj@gmail.com” as cópias de seus documentos pessoais e da ficha cadastral assinada (Id 74187701 - Págs. 17, 19 e 20), assim como encaminhou fotografias do momento em que assinou os documentos solicitados, além de informar por texto os códigos únicos, o seu usuário e senha pessoal para acesso ao Portal da FAB (Id 74187701 - Pág. 18). Conforme o print Id 74187701 - Pág. 28 e o áudio Id 74245241, foi informado ao autor que ele receberia 3 (três) ligações do China Construction Bank para confirmar se gostaria de efetivar o empréstimo bancário na modalidade de crédito novo. Ademais, o autor foi informado mais uma vez que receberia pelo menos 2 (duas) ligações do banco, a fim de confirmar um crédito novo no valor de R$ 95.643,44 (noventa e cinco mil, seiscentos e quarenta e três reais e quarenta e quatro centavos), a ser pago em 96 (noventa e seis) parcelas de R$ 2.000,00 (dois mil reais) (Print Id 74187701 - Pág. 30), e que deveria apenas confirmar, sem fazer qualquer questionamento para evitar o sistema antifraude (áudio 05.18 - Id 74245245). Conforme sugerido, o autor apenas afirma que está no aguardo da ligação (áudio 05.19 - Id 74245246). No dia 18/08/2021, o autor recebeu nova solicitação de todos seus documentos, pois teria ocorrido uma divergência na assinatura, impedindo a contratação com o banco (Print Id 74187701 - Pág. 36 e áudio 05.24 – Id 74245255). O autor, então, encaminha os códigos únicos, seus documentos (Id 74187701 - Págs. 38-39) e certifica ter recebido duas ligações do banco para confirmar os empréstimos, além de outras na semana anterior (áudio 05.27 – Id 74245264). Após a confirmação dos empréstimos consignados pelo autor, o China Bank creditou R$ 95.643,44 reais em conta dele (Id 74187701 - Pág. 43), o qual reteve R$ 3.000,00 (três mil reais) e transferiu o restante, R$ 92.643,44 (noventa e dois mil, seiscentos e quarenta e três reais e quarenta e quatro centavos), para uma conta em nome da Le Monde Diplomatic Investimentos Ltda (Id 74187701 - Pág. 44). As transferências, por ultrapassarem o limite diário do autor, foram feitas em 4 (quatro) dias, conforme se extrai dos prints Id 74187701 - Págs. 45-53 e explica o autor nos áudios nº 05.28, 05.29, 05.30, 05.33, 05.34 e 05.36 (Ids 74245266, 74245268, 74245269, 74246085, 74246086 e 74246088). Outra vez é requerido ao autor o encaminhamento de códigos únicos, documentos pessoais e ficha cadastral, além de confirmação por ligação telefônica ao China Bank de descontos mensais, agora no valor de R$ 714,00 (setecentos e quatorze reais), por 96 (noventa e seis) meses, de um crédito novo de R$ 35.444,80 (trinta e cinco mil, quatrocentos e quarenta e quatro reais e oitenta centavos) (Print Id 74187701 - Págs. 53-55 e áudio 05.40 – Id 74246097). O demandante anui com os pedidos, encaminha os documentos (áudio 05.41 - Id 74246099), confirma a contratação ao China Bank, afirma que fará as transferências para a conta da Le Monde (áudio 05.44 – Id 74246105) e mais uma vez efetua o repasse dos valores depositados por conta do empréstimo (Print Id 74187701 - Pág. 60). A partir de então, o autor não mais recebeu retorno positivo dos ditos prepostos da Le Monde Diplomatic, apesar de afirmar que passou a receber em seu contracheque os descontos de R$ 2.000,00 (dois mil reais) e R$ 714,00 (setecentos e quatorze reais) das novas contratações de empréstimo, ao invés de uma portabilidade (áudios 05.60, 05.61 e 05.62 – Ids 74246584, 74246585, 74246587). No caso em apreço, entendo ter restado suficientemente demonstrado a ocorrência do popular golpe da falsa portabilidade, mas por culpa exclusiva do autor ou terceiros, sem qualquer nexo de causalidade com a instituição bancária. Sem mais delongas, sob essa perspectiva, analisando os documentos colacionados pelo requerido, verifica-se que a parte ré (China Construction Bank) satisfez o ônus que lhe incumbia, trazendo aos autos os contratos assinados pelo autor, bem como a documentação exigida por ocasião da contratação dos empréstimos consignados, conforme prova do Ids 75914188 e 75914189, assim como a transferência eletrônica de R$ 131.088,24 (cento e trinta e um mil, oitenta e oito reais e vinte e quatro centavos) para uma conta de titularidade do autor (Ids 75914190 e 75914191). Ademais, os prints e arquivos de áudio anexados pelo autor demonstram que ele recebeu diversas ligações telefônicas da instituição bancária para confirmar se desejava realizar uma contratação de crédito novo, ao invés de uma portabilidade, bem como foi beneficiário de parte dos valores por ele contratados. Não bastasse isso, o autor permitiu que terceiros utilizassem o seu usuário e senha à rede interna (Intranet) da Força Aérea Brasileira, anuindo que os descontos, ou qualquer outro tipo de consulta ilegítima, fossem efetivados em seu nome, colaborando diretamente para que a instituição bancária nutrisse a legítima expectativa de ter celebrado um contrato diretamente com ele, conforme se percebe no relatório de alterações das operações de consignação (Ids 74714665 - Pág. 2 e 74714668 - Pág. 2). E não tendo o autor apresentado impugnação específica e/ou requerido outros meios de prova que entendesse devidos para atestar a ausência de higidez do contrato, entendo-o como válido, de modo que nenhuma das pretensões autorais merece prosperar em face do China Construction Bank. A mesma sorte recai sobre Fabio dos Santos Ortiz, pois o autor não demonstrou fato constitutivo do seu direito em face dele (art. 373, I, do CPC). Embora tenha sido decretada a sua revelia, esta não deve produzir o efeito de presunção de veracidade das alegações de fato formuladas pela requerente, em razão do corréu China Bank ter contestado a presente ação (art. 345, inciso I, do CPC). Ademais, após a detida análise dos autos, percebo que não foram articulados atos ilícitos a esse demandado, seja na inicial ou demais documentos que a acompanham. Salvo melhor juízo, não se pode estabelecer um nexo de causalidade entre ele e os danos suportados pelo autor, por esse motivo Fabio dos Santos Ortiz não pode ser condenado a quaisquer das indenizações pretendidas. Doutra banda, percebe-se que o demandado Le Monde Diplomatic não apresentou defesa, apesar de citado, nem produziu qualquer fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 373, II, do CPC). Assim, o pleito da exordial quanto a recuperação dos ativos transferidos para a conta bancária desse demandado deve prosperar, ante as provas produzidas pelo autor demonstrarem que tais valores deveriam ser empregados no pagamento de outras dívidas do demandado, sobre as quais não foi apresentada defesa. Portanto, é devida a compensação material do autor. Ao enfrentar casos semelhantes, a Primeira, Segunda e Terceira Câmaras Cíveis do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte decidiram em iguais termos: EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL. FRAUDE NA PORTABILIDADE DE EMPRÉSTIMO. BUSCA PELO DESFAZIMENTO DO NEGÓCIO E SUSPENSÃO DAS COBRANÇAS. CONCESSÃO PARCIAL DA TUTELA APENAS A FIM DE REAVER A QUANTIA TRANSFERIDA PARA INTERMEDIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO DO AUTOR. PARTICIPAÇÃO DIRETA DESTE NA CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO COM O ENVIO DA DOCUMENTAÇÃO PERTINENTE, CONFIRMAÇÃO ELETRÔNICA DO AJUSTE E PRODUÇÃO DE AUTORRETRATO PARA CONFORMIDADE BIOMÉTRICA. FALSA PORTABILIDADE QUE NÃO PODE SER IMPUTADA À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DILIGENTE EM CONFIRMAR A AUTENTICIDADE DO CONTRATANTE. POSTERIOR REPASSE DO CRÉDITO PELO AGRAVANTE A TERCEIROS. AUSÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO DO BANCO PARA O PREJUÍZO. RECURSO CONHECIDO MAS DESPROVIDO. (AGRAVO DE INSTRUMENTO, 0808921-14.2022.8.20.0000, Desª. Berenice Capuxú, Segunda Câmara Cível, JULGADO em 10/02/2023, PUBLICADO em 16/02/2023) – Grifei. EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. AÇÃO DE DECLARATÓRIA E DESCONSTITUTIVA C/C DANOS MORAIS. CONSUMIDOR QUE ADUZ TER SIDO VÍTIMA DE GOLPE PRATICADO POR SUJEITO QUE OFERECEU PORTABILIDADE DE CRÉDITO. TERCEIRO QUE FIRMOU CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. CONCESSÃO DE MONTANTE MAIOR DO QUE A PARTE ADUZ TER SOLICITADO. VALOR QUE FOI DISPONIBILIZADO EM FAVOR DO CONSUMIDOR, QUE QUITOU OS CONTRATOS DE OUTRAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. REPASSE DE VALOR REMANESCENTE PARA TERCEIRO, SOB A JUSTIFICATIVA DE PAGAMENTO DE COMISSÃO. DEMANDANTE QUE TAMBÉM SE BENEFÍCIO DE PARCELA DO MÚTUO. TERCEIRO QUE SE APRESENTOU COMO AGENCIADOR DE CRÉDITO, UTILIZANDO O NOME DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, COM A QUAL AS RÉS NÃO DETINHAM VÍNCULO, PARA VIABILIZAR SUPOSTA OPERAÇÃO DE PORTABILIDADE. TRANSAÇÃO DE NOVO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO FIRMADA DE FORMA LIVRE E CONSCIENTE PELO POSTULANTE. NEGÓCIO JURÍDICO VÁLIDO E EFICAZ. ATENÇÃO AO DEVER DE INFORMAÇÃO. NEGÓCIO JURÍDICO VÁLIDO E EFICAZ. DESCABIMENTO DA IMPUTAÇÃO DAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS E PATRIMONIAIS DA FRAUDE AO BANCO. INEXISTÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A CONDUTA DO RECORRENTE E O DANO REPORTADO. AUSÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR. REFORMA DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE. RECURSOS DOS RÉUS CONHECIDOS E PROVIDOS. APELO DO AUTOR PREJUDICADO. (APELAÇÃO CÍVEL, 0825872-52.2021.8.20.5001, Des. Claudio Santos, Primeira Câmara Cível, JULGADO em 22/11/2024, PUBLICADO em 24/11/2024) – Grifei. EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL. IRRESIGNAÇÃO COM RELAÇÃO A IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO PARA RESPONSABILIZAR E CONDENAR OS BANCOS DEMANDADOS. PROPOSTA DE PORTABILIDADE POR TERCEIRO ALHEIO À ATIVIDADE DOS BANCOS APELADOS. GOLPE. CONSUMIDORA QUE REALIZOU DOIS EMPRÉSTIMOS JUNTO ÀS INSTITUIÇÕES DEMANDADAS. RESPONSABILIDADE CIVIL NÃO EVIDENCIADA. CONTRATOS HÍGIDOS. INEXISTÊNCIA DE ATO ILÍCITO. REQUISITOS DE DEVER DE INDENIZAR. NÃO CONFIGURAÇÃO. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO. - No caso concreto, evidencia-se que a apelante acreditou que se tratava de uma portabilidade e, seguindo as orientações de terceiro alheio às atividades dos bancos apelados, contraiu empréstimos, não se verificando nos autos que as empresas apeladas tenham contribuído para a prática fraudulenta. (APELAÇÃO CÍVEL, 0870886-93.2020.8.20.5001, Des. João Rebouças, Terceira Câmara Cível, JULGADO em 05/09/2024, PUBLICADO em 05/09/2024) – Grifei. Por fim, resta apreciar o pedido de indenização por danos morais. A doutrina e a jurisprudência nacionais fixaram o entendimento de que o mero descumprimento contratual não é suficiente para ensejar compensação por danos morais, cabendo ao lesado comprovar a ocorrência do evento danoso além das obrigações inadimplidas. Dissertando sobre o tema, Sérgio Cavalieri Filho sustenta que o “mero inadimplemento contratual, mora ou prejuízo econômico não configuram, por si sós, dano moral, porque não agridem a dignidade humana. Os aborrecimentos deles decorrentes ficam subsumidos pelo dano material”. No processo em epígrafe, a parte autora fundamentou a pretensão indenizatória na simples inadimplência contratual, no entanto, não carreou nenhum elemento externo que caracterizasse o abalo moral. Conclui-se, portanto, que os encargos moratórios já são suficientes para responder pela inadimplência da parte ré, não havendo indenização por dano moral a ser reconhecida. Assim sendo, por se tratar de mero descumprimento contratual, aliado à ausência de prova de dano moral, excepcional nestes casos, o pedido de indenização por danos morais deve ser indeferido, uma vez que tal reconhecimento implica mais do que a simples decorrência de um contrato frustrado. Diante disso, a procedência parcial da ação é a medida que se impõe. D I S P O S I T I V O S E N T E N C I A L Ante o exposto, com fulcro no art. 487, I, do, CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial, extinguindo o feito com resolução do mérito, para: a) declarar a existência da relação jurídica entre o autor e o Banco China Construction Bank (CCB Brasil), consubstanciada nas operações de crédito ora em discussão; b) revogar parcialmente a liminar outrora deferida, apenas naquilo que diz respeito ao Banco China Construction Bank (CCB Brasil), autorizando-o, a partir do trânsito em julgado desta sentença, a retomar os descontos em folha das parcelas de R$ 2.000,00 (dois mil reais) e R$ 714,00 (setecentos e quatorze reais) referentes aos contratos descritos na exordial; c) a título de dano material, condenar apenas a Lemon Diplomatique Investimentos Ltda a restituir os valores transferidos pelo autor, conforme descrito na exordial, acrescido de juros de mora de acordo com a taxa legal (art. 406 do CC, com redação conferida pela Lei nº 14.905, de 28/06/2024), a contar da citação (art. 405 do CC), bem como correção monetária pelo IPCA, a contar da data do efetivo prejuízo (Súmula 43 do STJ); Condeno a Lemon Diplomatique Investimentos Ltda, vencida em maior parte, ao pagamento das custas processuais e honorários, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Parnamirim/RN, 15 de maio de 2025. MARCO ANTÔNIO MENDES RIBEIRO Juiz de Direito (Documento Assinado Digitalmente na forma da Lei n°11.419/06)
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