Processo nº 5021121-16.2024.8.08.0048
ID: 259701803
Tribunal: TJES
Órgão: Serra - Comarca da Capital - 2ª Vara da Fazenda Pública Municipal, Estadual, Registros Públicos e Meio Ambiente
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5021121-16.2024.8.08.0048
Data de Disponibilização:
24/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
CLOVIS PEREIRA DE ARAUJO JUNIOR
OAB/ES XXXXXX
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LUCAS SODRE RAMOS
OAB/ES XXXXXX
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ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Serra - Comarca da Capital - Vara da Fazenda Pública Estadual, Registro Público, Meio Ambiente Avenida Carapebus, 226, Fórum Desembargador Antônio J…
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Serra - Comarca da Capital - Vara da Fazenda Pública Estadual, Registro Público, Meio Ambiente Avenida Carapebus, 226, Fórum Desembargador Antônio José Miguel Feu Rosa, São Geraldo/Carapina, SERRA - ES - CEP: 29163-392 Telefone:(27) 33574841 PROCESSO Nº 5021121-16.2024.8.08.0048 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) REQUERENTE: M. F. C. REPRESENTANTE: ROBERTA CLEMENTINO DA SILVA, JESSICA JESUS DOS SANTOS REQUERIDO: ESTADO DO ESPÍRITO SANTO Advogados do(a) REQUERENTE: CLOVIS PEREIRA DE ARAUJO JUNIOR - ES34829, LUCAS SODRE RAMOS - ES35139, Advogados do(a) REPRESENTANTE: CLOVIS PEREIRA DE ARAUJO JUNIOR - ES34829, LUCAS SODRE RAMOS - ES35139 SENTENÇA Cuida-se de ação indenizatória ajuizada por Moisés Figueiredo Conrado, representado por suas guardiãs Roberta Clementino da Silva e Jessica Jesus dos Santos, em face do Estado do Espírito Santo, na qual narra, em síntese, que: a) seu genitor, Francisco Rogério Conrado, estava recolhido no Presídio de Xuri, em Vila Velha; b) em 25 de junho de 2020, seu genitor veio a óbito dentro do estabelecimento prisional em razão de homicídio; c) a causa da morte foi hemorragia intracraniana após fratura do crânio por ação contundente; d) é dever do réu assegurar a integridade física dos cidadãos recolhidos em estabelecimento prisional, o que não ocorreu na presente situação, tendo em vista o óbito de seu genitor enquanto recolhido na penitenciária; e) o Estado possui responsabilidade objetiva em indenizar o autor pelos danos sofridos em razão do óbito de seu genitor, preso dentro de estabelecimento prisional; f) deve ser compensado pelos danos morais e materiais em razão da falha estatal no dever de segurança de seu genitor, morto em centro prisional. Por tais razões, pediu a concessão de tutela de urgência para que o réu seja compelido ao pagamento de pensão mensal no valor de R$ 1.412,00 (mil quatrocentos e doze reais), correspondente ao salário-mínimo vigente. Ao final, pediu a confirmação da tutela de urgência, com a condenação do réu ao pagamento de compensação por danos morais no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), bem como do pensionamento até que complete a idade de 25 (vinte e cinco) anos. Requereu a concessão do benefício da gratuidade de justiça (ID 46732974). Deu-se à causa o valor de R$ 116.944,00 (cento e dezesseis mil novecentos e quarenta e quatro reais). Foi indeferida a tutela de urgência requerida e, na oportunidade, concedido ao autor o benefício da gratuidade de justiça (ID 47710926). Devidamente citado, o réu ofertou contestação na qual alegou, preliminarmente, a indevida concessão do benefício da gratuidade de justiça. No mérito sustentou, em suma, que: a) o autor não se desincumbiu de seu ônus probatório quanto à alegada falta de vigilância estatal que culminou na morte de seu genitor; b) não houve irregularidade estatal nos procedimentos de guarda dos internos pela unidade prisional; c) o genitor do autor não apresentava comportamento ou estado emocional que indicasse a existência de risco à sua integridade física, de modo a demandar medidas de proteção diversas das adotadas a todos os presos; d) a omissão estatal somente se configuraria se comprovado que o réu falhou em adotar as medidas de segurança necessárias e que tal falha estaria diretamente relacionada ao evento danoso, o que não ocorreu; e) o óbito do genitor do autor foi fato imprevisível, tendo havido todas as medidas de precaução adequadas e proporcionais enquanto recluso no estabelecimento prisional, bem como após o evento danoso; f) as circunstâncias que ensejaram a morte do preso configuram fato imprevisível que não poderia ter sido evitado pelo Estado, ante a forma e rapidez com que ocorreu o óbito; g) na cela em que o preso encontrava-se eram seguidas todas as normativas de segurança estabelecidas pelo sistema prisional, não havendo falhas estruturais ou de vigilância que pudessem ser diretamente ligadas ao evento trágico; h) não restou comprovada a omissão do réu, tampouco a existência de condições indicando risco ao preso que possibilitasse ao Estado impedir o resultado danoso; i) não havendo omissão estatal que poderia ter sido suprida, de modo a evitar a morte do preso, não está configurada a responsabilidade civil do réu; j) a pensão por morte de preso depende da comprovação de dependência econômica, o que não restou comprovado; k) embora exista presunção relativa de dependência econômica em famílias de baixa renda, o autor está sob a guarda de suas representantes legais, as quais são responsáveis pelo seu sustento, na condição de suas guardiãs, o que afasta a presunção de dependência direta do de cujus, uma vez que o menor não vivia sob a guarda direta de seu genitor à época do óbito; l) foi ajuizada ação indenizatória pelos familiares do de cujus, pais e irmãos, em razão de seu falecimento na unidade prisional, que tramitou na Vara da Fazenda Pública Estadual de Vila Velha (n.º 0016968-06.2020.8.08.0035), na qual o autor não foi incluído no polo ativo, o que demonstra a ausência de vínculo familiar e dependência econômica com o de cujus; m) considerando o rompimento do nexo de causalidade, não há dever de indenizar do réu, de modo que não há danos morais a serem compensados pelo demandado; n) em eventual condenação, o quantum fixado deve observar a razoabilidade e a proporcionalidade (ID 50525223). Sobre a defesa, o autor manifestou-se em réplica (ID 49912913). Por fim, o Ministério Público opinou pela procedência da pretensão autoral (ID 56146830). Este é o relatório. Estou a julgar antecipadamente, com fulcro no artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, tendo em vista que, embora a matéria seja de fato e de direito, é desnecessária a produção de outras provas, considerando que o conjunto probatório se mostra hábil à formação do convencimento e, consequentemente, ao julgamento da lide. Nesse sentido, confira-se: “[…] Compete ao magistrado, como destinatário final da prova, avaliar a pertinência das diligências que as partes pretendem realizar, segundo as normas processuais, podendo afastar o pedido de produção de provas, se estas forem inúteis ou meramente protelatórias, ou, ainda, se já tiver ele firmado sua convicção, a teor dos arts. 370 e 371 do CPC/2015 (arts. 130 e 131 do CPC/1973) (STJ, AgInt na PET na AR: 5867/SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, j. 9.10.2019, 1ª S., DJe 4.11.2019). Antes de adentrar ao mérito, passo à análise da preliminar de indevida concessão do benefício da gratuidade de justiça ao autor, arguida pelo réu. Indevida concessão do benefício da gratuidade de justiça. Rejeição. O réu arguiu a indevida concessão do benefício da gratuidade de justiça ao autor, sob o argumento de que o requerimento não foi instruído com efetiva comprovação de sua condição de hipossuficiência financeira, tendo em vista estar representado por duas guardiãs que possuem ocupação profissional, não sendo possível que o benefício seja a elas estendido. Sustentou, ainda, que o autor encontra-se patrocinado por advogado particular, o que demonstra a existência de renda suficiente para arcar com as custas e despesas processuais. In casu, ao contrário do alegado pelo réu, o benefício da gratuidade de justiça foi concedido ao autor e não às suas guardiãs, as quais nem sequer figuram no polo ativo desta demanda, apenas representam o autor em razão de sua absoluta incapacidade, tendo em vista contar com 09 (nove) anos de idade. Assim, considerando a natureza individual e personalíssima do benefício da gratuidade de justiça, a concessão restringiu-se à parte que requereu a benesse, ou seja, ao autor e não às suas representantes legais. Na presente situação, o autor é absolutamente incapaz – 09 anos de idade – e está representado por suas guardiãs, tendo requerido a concessão do benefício da gratuidade de justiça, sendo a análise dos pressupostos pautada em suas condições e não nas de suas guardiãs e representantes legais, na esteira do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, perfilhado pelo Tribunal de Justiça Capixaba, confira-se: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. AÇÃO PROPOSTA POR MENOR. EXAME DO DIREITO AO BENEFÍCIO DA GRATUIDADE À LUZ DA SITUAÇÃO ECONÔMICA DOS GENITORES. IMPOSSIBILIDADE. NATUREZA JURÍDICA PERSONALÍSSIMA. PRESSUPOSTOS QUE DEVEM SER PREENCHIDOS PELA PARTE REQUERENTE. [...]. 2. O propósito recursal consiste em definir se é admissível condicionar a concessão da gratuidade de justiça a menor à demonstração de insuficiência de recursos de seu representante legal. 3. O direito ao benefício da gratuidade de justiça possui natureza individual e personalíssima, não podendo ser automaticamente estendido a quem não preencha os pressupostos legais para a sua concessão e, por idêntica razão, não se pode exigir que os pressupostos legais que autorizam a concessão do benefício sejam preenchidos por pessoa distinta da parte, como o seu representante legal. 4. Em se tratando de menores representados pelos seus pais, haverá sempre um forte vínculo entre a situação desses dois diferentes sujeitos de direitos e obrigações, sobretudo em razão da incapacidade civil e econômica do próprio menor, o que não significa dizer, todavia, que se deva automaticamente examinar o direito à gratuidade a que poderia fazer jus o menor à luz da situação financeira de seus pais. 5. Em se tratando de direito à gratuidade de justiça pleiteado por menor, é apropriado que, inicialmente, incida a regra do art. 99, § 3º, do CPC/2015, deferindo-se o benefício ao menor em razão da presunção de insuficiência de recursos decorrente de sua alegação. Fica ressalvada, entretanto, a possibilidade de o réu demonstrar, com base no art. 99, § 2º, do CPC/2015, a ausência dos pressupostos legais que justificam a concessão gratuidade, pleiteando, em razão disso, a revogação do benefício. 6. Na hipótese dos autos, a Corte de origem indeferiu o benefício pleiteado pelo recorrente (menor), consoante o fundamento de que não foi comprovada a hipossuficiência financeira de seus genitores, o que não se releva cabível. 7. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, REsp n. 2.055.363/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª T., j. 13.6.2023, DJe 23.6.2023) AGRAVO DE INSTRUMENTO - ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA - PESSOA FÍSICA - PEDIDO FORMULADO NA INICIAL – INDEFERIMENTO NA ORIGEM – MÉNORES IMPÚBERES – PRESUNÇÃO DE VERACIDADE – BENEFÍCIO DE CARÁTER PERSONALÍSSIMO – DOCUMENTAÇÃO ACOSTADA AO RECURSO QUE ATESTA A HIPOSSUFICIÊNCIA DA REPRESENTANTE – DECISÃO REFORMADA - DEFERIDO O BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA - RECURSO PROVIDO. 1. O Código de Processo Civil de 2015, agasalhando entendimento amplamente dominante na jurisprudência pátria – incluindo a do c. Superior Tribunal de Justiça por meio de verbete sumular –, passou a prever, em seu art. 99, § 3º, que se presume verdadeira a declaração de hipossuficiência quando realizada por pessoa natural. 2. No julgamento do REsp nº 1.807.216 - SP (relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 4/2/2020, DJe de 6/2/2020.), o c. STJ firmou o entendimento de que “O direito ao benefício da gratuidade de justiça possui natureza individual e personalíssima, não podendo ser automaticamente estendido a quem não preenche os pressupostos legais para a sua concessão e, por idêntica razão, não se pode exigir que os pressupostos legais que autorizam a concessão do benefício sejam preenchidos por pessoa distinta da parte, como o seu representante legal”. 3. Na esteira do entendimento do. c. STJ, já confirmado por este eg. Tribunal de Justiça, entende-se que, diante do caráter personalíssimo do benefício da gratuidade de justiça, e sendo presumida a condição de hipossuficiência dos agravantes – menores impúberes, faz-se necessária a reforma da decisão agravada para deferir o pedido de concessão do benefício. Ainda que assim não fosse, foi suficientemente demonstrada a hipossuficiência da genitora, que representa os agravantes. 4. Recurso provido. (TJES, AI n.º 5001671-37.2024.8.08.0000, Rel. Fernanda Correa Martins, 3ª C.C., j. 19.9.2024) Por fim, o fato de o autor estar assistido por advogado particular não é óbice à concessão do benefício da gratuidade de justiça, conforme determina o parágrafo 4º, do artigo 991, do Código de Processo Civil. A concessão do benefício ao autor se deu considerando sua menoridade – 09 anos de idade – apurando-se sua condição econômica e não a de suas representantes, havendo presunção de sua hipossuficiência econômica, a qual não foi elidida pelo réu, a quem caberia, ao impugnar a concessão, fazer prova contrária à falta de capacidade financeira demonstrada pelo demandante, ônus do qual não se desincumbiu. Diante disso, mantenho o benefício concedido ao autor e rejeito a preliminar arguida. Não havendo questões prévias ou preliminares pendentes, passo ao exame do mérito. Mérito. A questão posta cinge-se a perquirir a responsabilidade do réu pelo óbito do genitor do autor, genitor esse de nome Francisco Rogério Conrado, quando de sua reclusão em penitenciária estadual, a ensejar o pagamento de compensação por danos morais e pensionamento mensal. Nos termos do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal de 1988, as pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviços públicos respondem objetivamente pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, verbis: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Consagrou-se, assim, a teoria do risco administrativo, a qual dispensa a prova da culpa, sendo necessário demonstrar o nexo de causalidade entre a atividade do Estado, exercida por seu agente e na qualidade como tal, e o dano sofrido pelo particular para que o ente responda objetivamente, somente se elidindo o dever de indenizar se comprovada uma das excludentes de responsabilidade: fato exclusivo da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou força maior. Nesse sentido, leciona Sérgio Cavalieri Filho2, verbis: “Com efeito, a teoria do risco administrativo, embora dispense a prova da culpa da Administração, permite ao Estado afastar a sua responsabilidade nos casos de exclusão do nexo causal – fato exclusivo da vítima, caso fortuito, força maior e fato exclusivo de terceiro. O risco administrativo, repita-se, torna o Estado responsável pelos riscos da sua atividade administrativa, e não pela atividade de terceiros ou da própria vítima, e nem, ainda, por fenômenos da Natureza, estranhos à sua atividade. Não significa, portanto, que a Administração deva indenizar sempre em qualquer caso o dano suportado pelo particular. Se o Estado, por seus agentes, não deu causa a esse dano, se inexiste relação de causa e efeito entre a atividade administrativa e a lesão, não terá lugar à aplicação da teoria do risco administrativo e, por via de consequência, o Poder Público não poderá ser responsabilizado.” Assim, para que surja a responsabilidade civil do Estado, portanto, compete ao eventual lesado demonstrar a existência de uma ação administrativa, um dano e o liame causal entre a ação administrativa e o dano. Embora houvesse certa divergência sobre a configuração da responsabilidade objetiva do Estado para os danos provocados em razão de sua conduta omissiva, o Supremo Tribunal Federal reconhece não haver distinção entre ato comissivo ou omissivo para caracterizar a responsabilidade objetiva, confira-se: Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Administrativo. Estabelecimento de ensino. Ingresso de aluno portando arma branca. Agressão. Omissão do Poder Público. Responsabilidade objetiva. Elementos da responsabilidade civil estatal demonstrados na origem. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Precedentes. 1. A jurisprudência da Corte firmou-se no sentido de que as pessoas jurídicas de direito público respondem objetivamente pelos danos que causarem a terceiros, com fundamento no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, tanto por atos comissivos quanto por omissivos, desde que demonstrado o nexo causal entre o dano e a omissão do Poder Público. 2. O Tribunal de origem concluiu, com base nos fatos e nas provas dos autos, que restaram devidamente demonstrados os pressupostos necessários à configuração da responsabilidade extracontratual do Estado. 3. Inadmissível, em recurso extraordinário, o reexame de fatos e provas dos autos. Incidência da Súmula nº 279/STF. 4. Agravo regimental não provido. (STF, ARE 697326 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª T., j. 5.3.2013, Dje 26.4.2013) Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Administrativo. Responsabilidade civil. Queda em bueiro. Danos morais. Elementos da responsabilidade civil demonstrados na origem. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Precedentes. 1. A jurisprudência da Corte firmou-se no sentido de que as pessoas jurídicas de direito público respondem objetivamente pelos danos que causarem a terceiros, com fundamento no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, tanto por atos comissivos quanto por atos omissivos, desde que demonstrado o nexo causal entre o dano e a omissão do Poder Público. 2. Inadmissível, em recurso extraordinário, o reexame de fatos e provas dos autos. Incidência da Súmula nº 279/STF. 3. Agravo regimental não provido. (STF, ARE 931411 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, 2ª T., j. 23.2.2016, Dje 28.4.2016) Fixadas tais premissas, passo a examinar a (in)ocorrência do referido ato ilícito imputado ao réu. Depreende-se do conjunto fático-probatório que o genitor do autor (ID 46732979), Francisco Rogério Conrado, veio a óbito em 25 de junho de 2020, quando se encontrava recluso no Presídio de Xuri, Vila Velha. A causa da morte foi atestada como hemorragia intracraniana, fratura de crânio, ação contundente, conforme Certidão de Óbito ao ID 46732982. Nesse contexto, o autor alega a responsabilidade civil do réu pelo óbito de seu genitor, ocorrida dentro de estabelecimento prisional, em razão de espancamento por outros detentos, não tendo o Estado do Espírito Santo cumprido seu dever de zelar pela integridade física de pessoa sob sua custódia, devendo ser condenado a compensar os prejuízos sofridos em razão da perda de seu pai. O réu, por sua vez, sustenta não ter havido omissão estatal quanto à vigilância do detento, tendo em vista ter cumprido normas de segurança carcerária. Prossegue com a tese de ausência de indícios quanto ao risco à integridade do preso na cela em que se encontrava, de modo que seu óbito, apesar de trágico, foi fato imprevisível. Aduz que não era possível a adoção de medidas a fim de evitar o óbito. Apesar da tese defensiva do réu quanto à impossibilidade de agir para evitar o resultado danoso, fato é que não há demonstração da existência de causa impeditiva ao seu dever de proteção do genitor do autor, enquanto estava sob sua custódia. E isso porque o réu limitou-se a alegar a imprevisibilidade das agressões sofridas pelo genitor do autor por outros detentos, bem como a rapidez da conduta, o que configura sua impossibilidade de agir para evitar o resultado danoso. Contudo, no relato inserto no Livro de Ocorrências da Unidade Prisional, no dia do evento danoso, trazido pelo próprio réu, consta que os fatos teriam ocorrido após o período de convívio do genitor do autor com os demais presos, integrantes das celas 211 a 220, confira-se: “Informo que após o término do convívio das celas 211 a 220, da galeria Alfa, que ocorreu das 07h20min às 08h40min, como de rotina, os presos das respectivas celas adentraram as mesmas. Sendo assim, por conseguinte, foram liberadas as celas 111 a 120 para que tivessem o seu tempo de convívio. Entretanto, os presos dessas celas se negaram a sair das mesmas, e por oportuno apontavam para o fundo da galeria, a fim de informar aos Inspetores Penitenciários que se encontravam no posto Delta, que havia um presidiário caído no final da galeria, em baixo da escada de ferro. Dessa forma, a galeria Alfa foi aberta e os Inspetores Robson (Mat. 3823032), Marlon (Mat. 3695468), Adilson Ramos (Mat. 3768104), Sebastião (Mat. 2793105), e demais servidores presentes no setor Delta foram averiguar in loco do que se tratava, quando chegando ao local depararam-se com o presidiário FRANCISCO ROGÉRIO CONRADO A220 caído ao chão, desacordado e com hematomas na região da cabeça. Imediatamente, acionaram o setor de saúde e encaminharam o mesmo para atendimento emergencial, porém o mesmo veio a óbito. Em seguida, informamos ao CIODES-SEJUS, por meio do servidor Insp. Perim, abrimos B.A junto ao CIODE e demos o prosseguimento com os procedimentos de praxe como a recepção da Polícia Civil para perícia e imediata remoção do corpo para condução ao Departamento Médico Legal DML. Em seguida conduzimos todos os supostos envolvidos para a Delegacia Regional de Vila Velha para prosseguimento dos procedimentos penais cabíveis através do boletim unificado de nº 42607170.” (ID 50525227) Extrai-se do relatório de ocorrências que, durante o período de convívio dos presos integrantes de nove celas, não há menção da presença de agentes penitenciários, seja no período em que os detentos estavam fora da cela, seja no momento em que retornavam para as respectivas unidades, situação que oportunizou o espancamento do genitor do autor sem que houvesse a interrupção por parte de algum agente estatal. Verifica-se que o próprio relatório menciona que os agentes penitenciários apenas se dirigiram ao local de passagem dos presos após a resistência dos demais detentos de saírem de suas celas em razão do corpo do genitor do autor ao fundo da galeria, momento em que, de fato, os agentes penitenciários foram ao local e constataram a existência do preso, já descordado e com hematomas na região da cabeça. Assim, a falta de vigilância estatal mostra-se evidente quando diversos presos, de distintas celas, são reunidos em único espaço para convívio, situação de tensão, por si só, e que demanda extrema atenção dos agentes justamente para impedir a ocorrência de brigas, agressões e, assim, manter não só a ordem como a integridade física dos detentos, o que não restou cumprido pelo réu, tanto que culminou no óbito de um de seus detentos. A despeito de sustentar a ausência de indícios quanto ao risco à integridade física do detento, por não haver situação anterior de ameaças ou brigas que demandasse medidas específicas, no relatório trazido pela parte autora, produzido na ação de guarda, há informação dada pela representante legal do autor e prima de seu genitor, de que a prisão do pai do autor teria ocorrido por suposta prática de abuso do detento ao próprio filho, irmão do autor (ID 52680517 – fls. 63 e seguintes), incursão penal que obviamente demandaria do Estado a devida cautela quando da segregação do preso, Não obstante a falta das razões que motivaram a prisão do genitor do autor, registre-se que as informações trazidas pela parte autora foram prestadas no relatório social produzido na ação de guarda definitiva do autor às suas representantes legais, não tendo-as o réu sequer impugnado. Diante disso, seja pelas razões da prisão de seu genitor, seja pela própria prisão em si, é dever do Estado zelar pela integridade física daqueles sob sua custódia, mormente em estabelecimentos prisionais em que situações de risco – como agressões e tentativa de homicídios – não são inesperadas ou esporádicas, ao contrário, decorrem do convívio entre os presos. Por fim, cumpre salientar que o próprio réu, em sua peça de defesa, comunicou a existência da ação indenizatória ajuizada pelos genitores, filhos e irmãos do de cujus Francisco Rogério Conrado, a qual tramitou perante a 1ª Vara da Fazenda Pública Estadual, Municipal, Registros Públicos, Meio Ambiente e Execuções Fiscais de Vila Velha, tombada sob o n.º 0016968-06.2020.8.08.0035, em que foi reconhecida sua responsabilidade pelos fatos aqui narrados, quais sejam, o óbito de Francisco Rogério Conrado dentro do estabelecimento prisional. Na referida ação, houve a condenação do Estado do Espírito Santo ao pagamento de danos morais aos genitores, filhos e irmãos do de cujus, além de condenação ao pagamento de pensionamento a uma das filhas do falecido, no valor do salário-mínimo, até completar a idade de 25 (vinte e cinco) anos. Confiram-se os excertos da sentença e acórdão proferidos (ID 50525226; ID 50525225): Proc. n.º 0016968-06.2020.8.08.0035 Sentença […] Dessarte, constato que há nos autos inúmeros documentos que comprovam o alegado pelos autores, a saber, que Francisco Rogério Conrado foi vítima de homicídio, enquanto estava sob a custódia do sistema prisional mantido pelo requerido. Nesse sentido, destaco os documentos de fls. 35/96 (Inquérito Policial), fl. 60 (Laudo Cadavérico), fls. 81/25 (Laudo Pericial), assim como o “Ofício 0393/2020” assinado pela Direção da PEVV, de 26 de junho de 2020, apresentado à fl. 58, que assim afirma: “dirijo-me a Vossas Senhorias, com o designo de INFORMAR que veio a óbito o interno FRANCISCO ROGÉRIO CONRADO, filho de Raimunda Rogério Conrado e José Raimundo Conrado, na manhã de 25/06/2020. […] Dessa forma, a galeria Alfa foi aberta e os Inspetores Robson (Mat. 3823032), Marlon (Mat. 3695486), Adilson Ramos (Mat. 3768104), Sebastião (Mat. 2793105), e demais servidores presentes no setor Delta foram averiguar do que se tratava, quando chegaram ao local depararam-se com presidiário caído ao chão, desacordado e com hematomas na região da cabeça. Imediatamente, acionaram o setor de saúde e encaminharam o mesmo para atendimento emergencial, porém o mesmo veio a óbito”. Logo, em consonância com o vasto arcabouço probatório, reconheço o de ato ilícito cometido pelo requerente e o nexo de causalidade, uma vez que a não presença de agentes penitenciários aptos a evitar a ocorrência das agressões por parte de outros detentos e o consequente falecimento de Francisco Rogério Conrado caracterizam-se como omissão na proteção da integridade física do preso, na forma do art. 5º, LXIX, da CRFB. […] DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos insertos na inicial e: 1. CONDENO o ESTADO DO ESPÍRITO SANTO ao pagamento de indenização por danos morais em favor: (a) dos pais e das filhas do de cujus, sendo eles: José Raimundo Conrado, Raimunda Rogerio Conrado, Trielly Machado Conrado Meschiatti, Adrieli Machado Conrado e Claudimara Machado Conrado, no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) cada, incidindo juros de mora e correção monetária na forma apontada pelo capítulo próprio desta sentença; (b) dos irmãos do de cujus, sendo eles: Jose Wellington Rogerio Conrado, Maria Cleice Conrado Fraga, Suzana Conrado de Souza, Antonia Cleonei Bomfim Iellamo, Antonia Cleide Rogerio Conrado e Maria de Fatima Conrado da Silva, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) cada, incidindo juros de mora e correção monetária na forma apontada pelo capítulo próprio desta sentença. 2. CONDENO o ESTADO DO ESPÍRITO SANTO ao pagamento de pensão alimentícia mensal em favor de Claudimara Machado Conrado, no valor de 2/3 de um salário mínimo, desde o ocorrido até ela ter completado 21 anos, totalizando, assim, 14 parcelas, incidindo juros de mora e correção monetária na forma apontada pelo capítulo próprio desta sentença. [...] VOTO Conforme relatado, trata-se de recursos de apelação cível interpostos por Jose Raimundo Conrado e Outros (fls. 255/267), e pelo Estado do Espírito Santo (fls. 269/280), contra a sentença proferida pelo juízo da Vara da Fazenda Pública Estadual e Registros Públicos de Vila Velha, que julgou procedente a pretensão autoral, condenando o Estado ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para cada um dos genitores e filhas, bem como de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para cada um dos irmãos da vítima falecida em estabelecimento prisional. […] O magistrado sentenciante, após regular instrução com o robusto arcabouço probatório, reconheceu o de ato ilícito cometido pelo Estado e o nexo de causalidade, uma vez que a não presença de agentes penitenciários aptos a evitar a ocorrência das agressões por parte de outros detentos e o consequente falecimento de Francisco Rogério Conrado caracterizam-se como omissão na proteção da integridade física do preso, na forma do art. 5º, LXIX, da CRFB. Neste particular, não há como distanciar da conclusão da instância originária. […] Portanto, demonstrado que o óbito ocorreu quando o detento encontrava-se sob custódia estatal, como in casu, desnecessária a demonstração de conduta culposa adotada pelo ente público, tendo em vista que a sua responsabilidade para a presente hipótese é objetiva. […] Embora se admita a prova do rompimento do nexo de causalidade como forma de afastar a responsabilidade civil, nas hipóteses em que o ente público demonstra causa impeditiva da sua atuação protetiva do detento a fim de evitar o dano, nada se viu demonstrado nos autos neste sentido, mantendo-se, portanto, o respectivo dever de reparação. […] Do exposto, CONHEÇO dos recursos interpostos, NEGO PROVIMENTO ao do Estado do Espírito Santo e DOU PROVIMENTO ao dos Requerentes Jose Raimundo Conrado e Outros para majorar a indenização para R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para os genitores e filhos e R$10.000,00 (dez mil reais) para cada irmão da vítima falecida, bem como para estabelecer que a pensão mensal devida em favor da filha menor deve se dar até que complete 25 (vinte e cinco) anos. Nesse contexto, a responsabilidade do Estado do Espírito Santo pela morte de Francisco Rogério Conrado, ocorrida dentro do Complexo Penitenciário do Xuri, enquanto preso provisório, em razão de agressão sofrida por outros detentos, foi devidamente reconhecida em primeira e segunda instâncias, não havendo prova de causa impeditiva quanto à atuação do réu na proteção do detento de modo a romper o nexo causalidade, situação também não demonstrada nestes autos. Conquanto o réu alegue não ter havido a inclusão do autor, na condição de filho, no polo passivo da ação indenizatória ajuizada por seus avós, irmãos e tios, em razão do óbito de seu genitor, tal fato não é óbice à posterior propositura de demanda individual por herdeiro não incluído na ação anterior, tendo em vista não se tratar de litisconsórcio ativo necessário. Desse modo, reconhecida a omissão estatal na vigilância de preso provisório em estabelecimento prisional estadual, vítima de agressões por outros detentos que resultaram em sua morte, imperioso o dever do réu de indenizar o filho do de cujus pela perda da vida de seu genitor, por não haver a existência de quaisquer das excludentes de responsabilidade na presente situação. Danos morais. Ocorrência. Dano moral é a lesão sofrida aos direitos da personalidade de um indivíduo, tais como, a honra, imagem, intimidade, nome, integridade física, que extrapola o mero aborrecimento da vida cotidiana, capaz de acarretar abalo psíquico ao indivíduo, não se relacionando com lesão patrimonial. Nesse sentido, leciona Sérgio Cavalieri Filho3: “[…] só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exarcebada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos.” (2007, p. 80) In casu, a morte do genitor do autor dentro de estabelecimento prisional, enquanto preso provisoriamente, em razão de agressões sofridas por outros detentos sem que o réu cumprisse com seu dever de vigilância quanto à integridade física de seu genitor, por si só é situação apta a ensejar abalo psicológico que desborda o mero dissabor, de modo que o dano moral do autor configura-se in re ipsa, prescindindo de comprovação de prejuízo. Configurada a ocorrência do dano, passo à fixação do quantum. Para quantificação do dano moral devo usar como parâmetros: a) a situação econômica das partes; b) o grau de culpabilidade no dano causado; c) a extensão dos danos; e, d) eventual necessidade de punição para evitar a repetição dos danos. Dada a sua grande subjetividade, os referidos parâmetros visam quantificar os danos morais sofridos de uma forma a não gerar enriquecimento sem causa para qualquer das partes, mas indenizar de forma razoável os danos efetivamente suportados. Verifica-se que na ação anteriormente ajuizada pelos irmãos do autor, filhos do de cujus, o Tribunal de Justiça considerou o quantum de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) como adequado à compensação dos danos morais sofridos pelas filhas do falecido, ora irmãs do autor. Confira-se a ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. MORTE VIOLENTA DE DETENTO EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL. DANO MORAL CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO QUE MERECE MAJORAÇÃO. ALTERADO O TERMO FINAL DA PENSÃO DA FILHA MENOR. SENTENÇA REFORMADA. RECURSOS CONHECIDOS. DESPROVIDO O DO ESTADO PROVIDO O DOS AUTORES. 1. Demonstrado que o óbito ocorreu quando o detento encontrava-se sob custódia estatal, como in casu, desnecessária a demonstração de conduta culposa adotada pelo ente público, tendo em vista que a sua responsabilidade para a presente hipótese é objetiva. 2. Quanto ao valor da indenização, entendo que R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para os genitores e filhas do falecido, e R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada um de seus irmãos, se revela mais justo e adequado, condizente com a gravidade da conduta do Estado e com a extensão dos danos experimentados pelas vítimas. Precedentes. 3. Merece alteração o termo final da pensão mensal devida à filha menor do falecido, outrora definida quando completados 21 (vinte e um) anos, eis que a teor de casos semelhantes, a prestação deve ser mantida até que a filha complete 25 (vinte e cinco) anos. 4. Conhecidos os recursos, desprovido o do Estado do Espírito Santo e provido o dos Requerentes. (TJES, Apl. 0016968-06.2020.8.08.0035, Rel. Ewerton Schwab Pinto Júnior, 1ª C.C., j. 14.12.2022) Assim, à luz dos parâmetros estabelecidos pelo Tribunal de Justiça Capixaba, os quais se encaixam nas particularidades da presente demanda, arbitro o quantum indenizatório no patamar de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) ao autor, montante que entendo suficiente e razoável à situação danosa por ele vivenciada, ao tempo em que não ensejará o enriquecimento indevido (CC, art. 884), em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Pensão. Acolhimento. Relativamente ao pleito de pensão, o Superior Tribunal de Justiça decantou entendimento de que, reconhecida a responsabilidade do Estado pela morte do genitor, têm os filhos direito ao recebimento de pensão mensal calculada sobre 2/3 (dois terços) da remuneração da vítima, desde a data do óbito até o momento em que completarem 25 (vinte e cinco) anos de idade (STJ, AgInt no REsp n. 1.603.756/MG, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª T., j. 6.12.2018, DJe 12.12.2018). Na presente situação, o autor é filho de Francisco Rogério Conrado e, quando do óbito de seu genitor, em 25 de junho de 2020 (ID 46732982), contava com 04 (quatro) anos de idade (ID 46732979), de modo que faz jus ao recebimento de pensão mensal em razão do óbito de seu genitor. Conquanto o réu tenha sustentado que, apesar de filho do falecido, o autor não mantinha vínculo afetivo e econômico com seu genitor a justificar o recebimento da pensão pleiteada, tendo em vista que está sob a guarda definitiva de representantes legais e não vivia sob a guarda direta de seu genitor à época da morte, essa linha argumentativa não prospera. Isso porque, além de a dependência econômica do filho menor de idade ser presumida em relação aos seus genitores, dependência essa cuja desconstituição era ônus do réu e do qual não se desincumbiu, consta nos autos que o autor somente foi privado do convívio diário com seu genitor em razão de sua prisão, havendo informação, ainda, pela própria avó paterna, de que o autor visitava seu genitor na unidade prisional. É o que se depreende da declaração prestada na ação de guarda, conforme Relatório Social, confira-se (ID 52680517): “No dia 10/10/2022 fizemos contato telefônico com a avó paterna de Moisés, sra. Raimunda (conhecida como Dona Losa), através do telefone (27) 997154327. A sra Raimunda nos informou que o Moisés está muito bem com Roberta e Jéssica, e demonstra ser favorável a permanência do infante com o casal. Reitera que o infante passou um período residindo com ela e que foi bom, pois ele fazia companhia a ela. Narra que ele morou com ela por três anos e que levava o infante quinzenalmente para visitar o pai na prisão.” Nessa perspectiva, tem-se que o vínculo afetivo e a dependência econômica do autor em relação ao seu genitor restaram devidamente comprovadas, não havendo elementos hábeis a afastar tal vínculo de modo a impedir a concessão da pensão em razão do falecimento. Diante disso, ao autor, filho menor da vítima, deverá ser paga pensão desde a data do óbito de seu genitor (25.06.2020 – ID 46732982) até o momento em que completar 25 (vinte e cinco) anos de idade, tendo em vista que ao tempo do óbito possuía apenas 04 (quatro) anos de idade (ID 46732979) e, ao tempo do reconhecimento de seu direito, conta com nove (09) anos de idade. Registre-se, por fim, que, não havendo notícia quanto ao exercício de atividade laborativa pelo genitor do autor, o valor da pensão mensal corresponderá a 2/3 (dois terços) do salário-mínimo ao tempo do óbito de seu genitor, ocorrido em 25 de junho de 2020 (ID 46732982). O salário-mínimo estabelecido para o ano de 2020, por meio da Medida Provisória n.º 916, de 31 de dezembro de 20194, perfazia a quantia de R$ 1.039,00 (mil trinta e nove reais), de modo que é devido ao autor, a título de pensão mensal pelo óbito de seu genitor Francisco Rogério Conrado, o correspondente a 2/3 (dois terços) do salário-mínimo vigente ao tempo do óbito (R$ 1.039,00), equivalente ao valor de R$ 686,66 (seiscentos e oitenta e seis reais e sessenta e seis centavos). Correção monetária e juros. Tratando-se de condenação a título de danos morais, o termo inicial dos juros de mora incide a contar do evento danoso (STJ, Súm. 54) que, no presente caso, se deu em 25 de junho de 2020 (ID 46732982 – data do óbito), ao passo que a correção monetária tem como termo inicial a data do arbitramento (data da sentença condenatória) (STJ, Súm. 362). Contudo, foi promulgada a Emenda Constitucional n.º 113, de 8 de dezembro de 2021, alterando o índice de atualização monetária e juros de mora nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, estabelecendo a incidência da Taxa SELIC, que engloba os juros de mora e correção monetária, confira-se: Art. 3º Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente. Nesse sentido, inclusive, tem decidido o Egrégio Tribunal de Justiça do Espírito Santo, conforme espelham as seguintes ementas de julgados: PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÕES SANADAS. FIXAÇÃO HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONSECTÁRIOS LEGAIS. ATUALIZAÇÃO DE ACORDO COM A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 113/2021. RECURSO DO APELANTE PROVIDO. RECURSO DO ESTADO PARCIALMENTE PROVIDO. 1) Constatada omissão relativa à fixação dos honorários de sucumbência e acerca dos consectários legais da condenação e respectivos termos iniciais. 2) Sabe-se que a fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais, nas causas em que a Fazenda Pública for parte, deverá obedecer o previsto nos §§2º e 3º do art. 85 do CPC. 3) Nesse contexto, considerando a natureza da ação, o tempo de duração do processo e o trabalho exercido, que devem ser levados a efeito numa análise casuística e principiológica para fins de arbitramento dos honorários, deve o Estado do Espírito Santo ser condenado ao pagamento de honorários de sucumbência, nos percentuais mínimos estipulados nas faixas do §3ª do art. 85 do CPC, observado o disposto no §5º desse mesmo dispositivo. 4) Por sua vez, os juros de mora e a correção monetária nas condenações impostas à Fazenda Pública devem ser arbitrados de acordo com a EC nº 113/2021, nos seguintes moldes: até 08 de dezembro de 2021, índice da caderneta de poupança sobre os juros de mora e índice do IPCA-E sobre a correção monetária e, a partir de 09 de dezembro de 2021, utiliza-se a taxa SELIC, que já engloba os juros de mora e a correção monetária. […]. (TJES, Edcl na Apl. 024160087474, Rel. José Paulo Calmon Nogueira da Gama, Rel. subst. Jose Augusto Farias de Souza, 2ª C.C., j. 7.3.2023, Dje 20.3.2023) EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA APELAÇÃO CÍVEL. OMISSÕES. REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO. NECESSIDADE DE SE FIXAR CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. EC 113/2021. VÍCIO SANADO. PRETENSÃO DE REJULGAMENTO DA CAUSA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DA APELANTE PROVIDO. RECURSO DO MUNICÍPIO DESPROVIDO. 1- Constatada omissão referente à fixação dos consectários legais da condenação e seus respectivos termos iniciais. 2- É de se fixar os juros de mora e a correção monetária em observância à EC 113/2021 nos seguintes moldes: até 08/12/21, índice da caderneta de poupança sobre os juros de mora e índice do IPCA-E sobre a correção monetária e; a partir de 09/12/21 deve incidir a taxa SELIC que já engloba os juros de mora e a correção monetária. 3- Com relação aos termos iniciais, deve incidir correção monetária a partir da data do efetivo prejuízo que pode ser diferente para cada rubrica exigida e juros de mora desde a citação. 4- Sobre as alegações da Fazenda Pública, inexistente o vício de omissão, tendo em vista que A juntada dos votos vencidos, com teses favoráveis à recorrente, é relevante para solucionar a controvérsia (REsp n. 1.978.404/RJ, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 8/11/2022, DJe de 11/11/2022), já que a matéria debatida nos Aclaratórios foi tratada no mencionado voto. [...]. (TJES, Edcl na Apl. 024190035303, Rel. Arthur José Neiva de Almeida, 4ª C.C., j. 12.12.2022, Dje 10.1.2023) Diante disso, há particularidades que precisam ser consideradas, em virtude da diversidade de índices e termos iniciais tanto da correção monetária, como do juros de mora, tanto para a condenação em danos morais, quanto ao pensionamento. No tocante ao valor devido a título de danos morais, os juros de mora deverão ser calculados pelo índice da caderneta de poupança (REsp 1494144/RS – Tema 905/STJ), cujo termo inicial é a data do evento danoso, qual seja, 25 de junho de 2020 (ID 46732982), até a data de publicação da Emenda Constitucional n.° 113/2021, 8 de dezembro de 2021, sendo que a partir de 9 de dezembro de 2021 deverá incidir a taxa SELIC, integralmente, como fator único de correção monetária e juros moratórios. A correção monetária sobre o valor da compensação por dano moral, por sua vez, possui como termo inicial a data de seu arbitramento (data da publicação desta sentença) que, no presente caso, é posterior à data de publicação da Emenda Constitucional n.º 113/2021. Por tal razão, em vista do termo inicial da correção monetária (a partir da publicação da sentença), haverá a aplicação, tão somente, da taxa SELIC, que engloba juros e correção monetária. Relativamente ao pensionamento, o termo inicial dos juros de mora também incide a contar do evento danoso (STJ, Súm. 54) (25.06.2020), sendo que a correção monetária incide a contar do efetivo prejuízo (STJ, Súm. 435). In casu, o termo inicial da pensão por morte é a data do evento danoso que, na presente situação, corresponde a 25 de junho de 2020, data do óbito (ID 46732982), cujo termo final será a data em o autor que completar 25 (vinte e cinco) anos de idade. Consoante já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, quanto ao pensionamento, as parcelas vencidas e vincendas da referida obrigação devem ser corrigidas monetariamente a contar da data do evento danoso e acrescidas de juros de mora, no caso de eventual inadimplemento, a contar do vencimento de cada respectiva prestação" (STJ, EDcl no REsp 1.591.178/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T., j. 25.2.2019, DJe 25.4.2019). (STJ, AgInt no AREsp 1510104/RJ, Rel. Min. Raul Araújo, j. 19.11.2019, Dje 12.12.2019). Assim, o arbitramento do pensionamento em 2/3 (dois terços) do salário-mínimo ao tempo do óbito (25.06.2020), correspondente a R$ 686,66 (seiscentos e oitenta e seis reais e sessenta e seis centavos), deverá ser corrigido monetariamente a contar de 25 de junho de 2020 (ID 46732982), data do evento danoso, de modo a recompor o valor da moeda, pelo índice do IPCA-E até 8 de dezembro de 2021 (data da publicação da EC n.º 113/2021), sendo que a partir de 9 de dezembro de 2021 deverá incidir unicamente a taxa SELIC. Lado outro, os juros de mora incidir-se-ão sobre as parcelas vencidas, pelo índice da caderneta de poupança, a contar do vencimento (25.06.2020) até 8 de dezembro de 2021 (data da publicação da EC n.º 113/2021), sendo que a partir de 9 de dezembro de 2021 deverá incidir unicamente a taxa SELIC. Sobre as prestações vincendas apenas incidirão juros de mora em caso de eventual inadimplemento do réu. DISPOSITIVO Ante o exposto, julgo procedente o pleito autoral para condenar o réu ao pagamento: a) do valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a título de compensação por danos morais; b) de pensão por morte equivalente a 2/3 (dois terços) do salário-mínimo ao tempo do óbito, correspondente ao valor de R$ 686,66 (seiscentos e oitenta e seis reais e sessenta e seis centavos), a contar da data do óbito (25.06.2020 – ID 46732982). Sobre tais valores deverão incidir correção monetária e juros de mora, de acordo com os critérios, índices e termos indicados no capítulo anterior, que passam a integrar este capítulo dispositivo. Dou por meritoriamente resolvida a causa, com fulcro no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Por força da sucumbência, condeno o réu ao pagamento da verba honorária advocatícia que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, considerando a natureza da demanda, o trabalho desenvolvido pelos patronos, o tempo de duração do feito e o local da prestação do serviço (CPC, art. 85, § 2º). Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição (CPC, art. 496, § 3º, III). Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Serra/ES, [data conforme assinatura eletrônica]. KELLY KIEFER Juíza de Direito 1Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso. [...]. § 4º A assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade da justiça. 2CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 7ª ed. São Paulo: Atlas, pág. 223. 3CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 11ª ed. São Paulo: Atlas, pág. 111. 4Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/mpv/mpv916.htm 5STJ, Súmula 43: Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo.
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