Processo nº 5341878-74.2025.8.09.0086
ID: 290972176
Tribunal: TJGO
Órgão: 2ª Câmara Cível
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 5341878-74.2025.8.09.0086
Data de Disponibilização:
06/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RENATO MULINARI
OAB/RS XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO Tribunal de Justiça do Estado de GoiásGabinete Desembargador Carlos França Agravo de Instrumento nº 5341878-74.2025.8.09.0086Comarca: ItauçuAgravante: Totalenergies Distribuidora Br…
PODER JUDICIÁRIO Tribunal de Justiça do Estado de GoiásGabinete Desembargador Carlos França Agravo de Instrumento nº 5341878-74.2025.8.09.0086Comarca: ItauçuAgravante: Totalenergies Distribuidora Brasil Ltda.Agravada: Sacramento Combustíveis e Lubrificantes Ltda. (Grupo Califórnia)Relator: Desembargador Carlos França EMENTA: Direito empresarial. Recuperação judicial. Agravo de instrumento. Homologação de plano de recuperação sem assembleia. Supressão de garantias. Novação e coobrigados. Controle judicial da legalidade. Recurso parcialmente provido.I. Caso em exame1. Agravo de instrumento interposto contra decisão que homologou plano de recuperação judicial apresentado por sociedade empresária do setor de combustíveis, sem realização de Assembleia Geral de Credores, em razão da ausência de objeções formais. A parte agravante alega ilegalidades materiais nas cláusulas do plano, especialmente quanto à extensão da novação aos coobrigados e à supressão de garantias sem anuência dos credores, além de abusividade das condições impostas aos credores da classe III.II. Questão em discussão2. Há duas questões em discussão: (i) saber se é válida a cláusula do plano de recuperação judicial que estende os efeitos da novação aos coobrigados e garante a extinção de ações e garantias sem anuência expressa dos respectivos credores; e (ii) saber se são abusivas as condições impostas pelo plano de recuperação judicial quanto ao deságio, carência, prazo de pagamento e juros incidentes sobre os créditos.III. Razões de decidir3. A homologação judicial de plano de recuperação sem Assembleia Geral é possível nos termos do art. 58 da Lei nº 11.101/2005, desde que inexistam objeções formais.4. O controle judicial da legalidade do plano deve ser exercido mesmo quando houver homologação tácita, sendo vedada a imposição de cláusulas que violem direitos indisponíveis dos credores.5. A cláusula que prevê a liberação automática de garantias e a extinção de ações contra coobrigados é ineficaz em relação aos credores que não anuíram expressamente, conforme art. 50, § 1º, da Lei nº 11.101/2005 e jurisprudência consolidada do STJ.6. A novação de créditos decorrente do plano não implica extinção automática de garantias prestadas por terceiros, sendo necessária anuência expressa dos respectivos titulares.7. No caso, a agravante não manifestou concordância com a supressão das garantias, razão pela qual não pode ser alcançada pela eficácia da cláusula impugnada.8. A alegação de abusividade das condições do plano, quanto a deságio, carência e juros, não autoriza, por si só, a invalidação do plano, especialmente na ausência de oposição por outros credores.9. A análise judicial não pode adentrar no mérito econômico da proposta aprovada tacitamente pelos credores, salvo flagrante ilegalidade.IV. Dispositivo e tese10. Recurso conhecido e parcialmente provido.Tese de julgamento:“1. A cláusula de plano de recuperação judicial que prevê a supressão de garantias e a extensão da novação a coobrigados somente é eficaz em relação aos credores que anuíram expressamente. 2. A ausência de objeções ao plano de recuperação judicial homologado judicialmente não afasta o controle de legalidade pelo Judiciário quanto à validade das suas cláusulas.”Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 170, II; Lei nº 11.101/2005, arts. 49, §1º, 50, §1º, 58 e 59; CPC, art. 932, V, “a”.Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula nº 581; STJ, AgInt no REsp nº 2079640/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 10.06.2024, DJe 12.06.2024; STJ, REsp nº 1794209/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 2ª Seção, j. 12.05.2021, DJe 29.06.2021; STJ, AgInt no REsp nº 1822800/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 14.03.2022, DJe 18.03.2022. D E C I S Ã O M O N O C R Á T I C A Trata-se de agravo de instrumento interposto por Totalenergies Distribuidora Brasil Ltda. contra a decisão proferida pelo Juiz de Direito, Dr. Natanael Reinaldo Mendes, da Vara Cível da comarca de Itauçu, nos autos da ação de recuperação judicial proposta por Sacramento Combustíveis e Lubrificantes Ltda. (Grupo Califórnia), que homologou o plano de recuperação judicial.Nas razões recursais, a agravante alega que a homologação do plano de recuperação judicial se deu em manifesta desconformidade com a legalidade estrita que rege o instituto, uma vez que não houve a realização de Assembleia Geral de Credores e o conteúdo do plano contempla cláusulas contrárias à ordem jurídica, especialmente no que tange à supressão de garantias e à extensão indevida da novação a coobrigados, fiadores e garantidores, sem a anuência prévia dos credores.Enfatiza a urgência na concessão de efeito suspensivo ao recurso, diante do risco de irreversibilidade dos efeitos da decisão agravada, como o pagamento indevido a certos credores, a extinção de execuções e a liberação de garantias, fatos que poderiam resultar em dano irreparável aos credores e à própria recuperanda.Ressalta, no mérito, que mesmo na ausência de Assembleia Geral de Credores, é indispensável o controle judicial sobre a legalidade do plano, nos termos do art. 45, § 1º, da Lei de Recuperação Judicial e Falência. Defende que o juiz não pode homologar cláusulas que infrinjam direitos indisponíveis dos credores ou normas de ordem pública, como a liberação automática e irretratável de garantias reais e fidejussórias, sem a concordância expressa dos titulares respectivos.Afirma que o plano homologado prevê, de maneira expressa, a extensão da novação aos coobrigados e a extinção de ações e execuções em curso, com liberação ampla e automática de garantias pessoais e reais, o que viola frontalmente os artigos 49, § 1º e 59 da Lei 11.101/2005, bem como a Súmula 581 do Superior Tribunal de Justiça.Acrescenta que a supressão de garantias apenas é válida quando houver anuência expressa dos credores, o que não ocorreu na hipótese.Reitera que a cláusula de novação imposta aos coobrigados extrapola os limites legais e impõe obrigação não pactuada a terceiros alheios à relação principal, em contrariedade ao princípio da autonomia das garantias e à jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça.Observa que o plano aprovado contém cláusulas excessivamente onerosas aos credores, especialmente os da classe III, como deságio de 80% (oitenta por cento) sobre os créditos, pagamento em 156 (cento e cinquenta e seis) parcelas e carência de 13 (treze) meses, com juros incompatíveis com os praticados no mercado, violando os princípios da boa-fé objetiva, lealdade contratual e proporcionalidade.Assevera que tais condições não apenas comprometem o equilíbrio contratual, mas conferem à recuperanda um privilégio indevido, desrespeitando o conteúdo mínimo do direito de propriedade dos credores, previsto no art. 170, inciso II, da Constituição Federal.Destaca que o Judiciário não está vinculado à homologação formal do plano quando identificadas ilegalidades materiais, ainda que este tenha sido apresentado sem assembleia, sendo dever do magistrado zelar pela legalidade e segurança jurídica do procedimento.Requer, liminarmente, “a concessão de efeito suspensivo, inaudita altera parte, a fim de suspender a eficácia da r. decisão agravada, impedindo que o Plano de Recuperação Judicial seja considerado eficaz até o julgamento definitivo deste recurso, resguardando-se, assim, a regularidade do processo e a segurança jurídica dos credores envolvidos”.No mérito, pleiteia que seja conhecido e provido o recurso para “reformar a r. decisão agravada, declarando-se expressamente inválidas e ineficazes as previsões contidas nas cláusulas ilegais apontadas no Plano de Recuperação Judicial, nos termos das fundamentações expostas”.Preparo recolhido, evento 1, arquivo 2.Liminar indeferida, evento 5.O Administrador Judicial, Dr. Paulo Resende Nascimento, apresentou manifestação no evento 11, na qual pugnou pelo não conhecimento do recurso interposto, em razão de sua intempestividade, sustentando, de forma subsidiária, o seu desprovimento.Nas contrarrazões de evento 18, a agravada alegou também a intempestividade do agravo de instrumento, pleiteando, no mérito, a rejeição dos argumentos recursais.Remetidos os autos à douta Procuradoria-Geral de Justiça, foi lançado parecer no evento 21, pelo Dr. Fernando Aurvalle Krebs, o qual opinou pelo não conhecimento do agravo de instrumento. É o relatório.Decido.De início, cumpre apreciar a alegação de intempestividade suscitada pela agravada, pelo Administrador Judicial e pelo Procurador-Geral de Justiça.Nos termos do art. 1.026 do Código de Processo Civil, os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo, mas acarretam a interrupção do prazo para interposição de recurso.A jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça estabelece que a interposição de embargos de declaração, em virtude de seu caráter integrativo, interrompe o prazo recursal para todas as partes, exceto quando os embargos forem opostos contra o mesmo ato.Nesse sentido: “PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS AO ACÓRDÃO, POR UMA PARTE, INTERRUPÇÃO DO PRAZO PARA INTERPOSIÇÃO DE OUTROS RECURSOS. ÓBICES DAS SÚMULA 5, 7 E 126 DO STJ. AFASTAMENTO NO CASO CONCRETO. ISS. GESTÃO DE FUNDO DE INVESTIMENTO ESTRANGEIRO. RESULTADO PRODUZIDO NO ÂMBITO DO TERRITÓRIO NACIONAL. EXPORTAÇÃO DE SERVIÇO. DESCARACTERIZAÇÃO. DEVOLUÇÃO DOS AUTOS. JULGAMENTO MATÉRIA REMANESCENTE. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. 1. Tendo o recurso sido interposto contra decisão publicada na vigência do Código de Processo Civil de 2015, devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele previsto, conforme Enunciado Administrativo n. 3/2016/STJ. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que a oposição de embargos de declaração por qualquer das partes, em razão do seu caráter integrativo, interrompe o prazo para interposição de outros recursos, exceto para aclaratórios contra o mesmo julgado. Precedentes: AgInt no REsp n. 1.588.857/PE, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 19/6/2018, DJe de 26/6/2018; AgInt no AgInt no AREsp 1275372/GO, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 29/06/2020, DJe 01/07/2020; AgInt no AREsp n. 419.296/MS, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 6/12/2018, DJe de 13/12/2018. (...)”. (STJ, Primeira Turma, AgInt nos EDcl no REsp n. 1.897.476/SP, relator Ministro Benedito Gonçalves, julgado em 29/5/2023, DJe de 31/5/2023; sublinhado). “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO INTERROMPEM O PRAZO RECURSAL PARA AMBAS AS PARTES. INTEMPESTIVIDADE AFASTADA . ADMISSIBILIDADE. AÇÃO DE REGULAMENTAÇÃO DE GUARDA, VISITAÇÃO E OFERTA DE ALIMENTOS. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 1 .694, 1.695 E 1.696 DO CC E 3º DO ECA. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO . SÚMULA N. 7 DO STJ. INCIDÊNCIA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO . 1. A oposição de embargos de declaração interrompe o prazo para a interposição de eventuais recursos cabíveis, que volta a ser contado, desde o início, somente após a intimação da decisão que os julga. 2. Aplica-se a Súmula n . 7 do STJ na hipótese em que o acolhimento da tese defendida no recurso especial reclama a análise dos elementos probatórios produzidos ao longo da demanda. 3. Agravo interno desprovido”. (STJ, 4ª Turma, AgInt no AREsp: 2319656-SP, Relator.: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 16/10/2023, DJe 18/10/2023; sublinhado). “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO POR JOSÉ. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. ACLARATÓRIOS OPOSTOS POR LITISCONSORTE . INTERRUPÇÃO DO PRAZO PARA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO PELAS PARTES. TEMPESTIVIDADE DO RECURSO ESPECIAL DE JOSÉ. CAUTELAR. JULGAMENTO DA AÇÃO PRINCIPAL . CESSAÇÃO DA EFICÁCIA DA MEDIDA PREVENTIVA. ENCERRAMENTO DA JURISDIÇÃO DE PRIMEIRO GRAU. SENTENÇA. INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO . INADMISSIBILIDADE. FUNGIBILIDADE RECURSAL. INAPLICABILIDADE. CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO . AUSÊNCIA DE FUMUS BONI IURIS. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Aplica-se o NCPC a este julgamento ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC . 2. A oposição de embargos de declaração por uma das partes, em razão do seu caráter integrativo, interrompe o prazo para interposição de recurso por qualquer das partes, exceto aclaratórios contra o mesmo julgado. 3. O não conhecimento dos embargos de declaração opostos por uma das partes é desinfluente na contagem do prazo do seu recurso especial, que tem como termo a quo a publicação do acórdão proferido nos aclaratórios opostos pela outra . 4. O recurso cabível está relacionado à natureza jurídica dessa decisão proferida. A interposição de apelação ou agravo de instrumento dependerá se o ato judicial importar no encerramento da atividade jurisdicional de primeira instância ou não, respectivamente. 5 . Declarada a cessação da eficácia da medida cautelar em razão do julgamento do feito principal (art. 808 do CPC/73), foi proferida verdadeira sentença, encerrando a medida cautelar, impugnável por apelação. 6. Agravo interno a que se nega provimento”. (STJ, 3ª Turma, AgInt no AgInt no AREsp: 1275372 GO 2018/0081030-5, Relator Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Julgamento: 29/06/2020, DJe 01/07/2020; sublinhado). Assim, observa-se que a interposição de embargos de declaração em face da decisão agravada (evento 185 da recuperação judicial) interrompeu o prazo para a interposição do agravo de instrumento por qualquer das partes processuais.Nesse contexto, o fato de os embargos de declaração opostos pela agravante não terem sido conhecidos revela-se irrelevante para a contagem do prazo recursal, que deve observar como termo inicial a data da publicação da decisão do evento 222, a qual, embora tenha reconhecido a intempestividade dos aclaratórios opostos pela agravante, apreciou os opostos tempestivamente pelo Banco Safra S/A.Dessa forma, considerando que a referida decisão foi disponibilizada em 12/04/2025 (evento 223 da recuperação judicial), publicada em 22/04/2025, o prazo recursal iniciou-se no primeiro dia útil subsequente, ou seja, em 23/04/2025, encerrando-se em 15/05/2025, considerando os feriados da Semana Santa, Tiradentes e Dia Internacional do Trabalhador. Portanto, o presente agravo de instrumento, protocolado em 05/05/2025, é tempestivo.Presentes os requisitos legais de admissibilidade do agravo de instrumento, dele conheço e, considerando a existência de entendimento sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça (Súmula nº 581), aplica-se o disposto no art. 932, inciso V, alínea “a”, do Código de Processo Civil, autorizando o julgamento monocrático. Conforme relatado, trata-se de agravo de instrumento interposto por Totalenergies Distribuidora Brasil Ltda. contra a decisão proferida pelo Juiz de Direito, Dr. Natanael Reinaldo Mendes, da Vara Cível da comarca de Itauçu, nos autos da ação de recuperação judicial proposta por Sacramento Combustíveis e Lubrificantes Ltda. (Grupo Califórnia), que homologou o plano de recuperação judicial, nos seguintes termos: “Ante o exposto, assim delibero:1 - HOMOLOGO os pedidos de DESISTÊNCIA das Objeções ao Plano formulados;2 - HOMOLOGO o Plano de Recuperação Judicial apresentado pelas recuperandas e seu aditivo, com fincas no art. 58 da Lei 11.101/2005, pautado nos princípios da preservação da empresa e na sua função social; e3 - DETERMINO que a Serventia habilite todos os diretamente envolvidos nesta decisão para ciência.” (evento 185 do processo originário nº 5273077-82.2020.8.09.0086). Foram interpostos embargos de declaração nos eventos 201, 203 e 206, dos quais apenas o primeiro foi rejeitado, enquanto os demais não foram conhecidos em razão da intempestividade, conforme evento 222.Nas razões recursais, sustenta o agravante ser imprescindível o controle jurisdicional da legalidade do plano de recuperação judicial, apontando como indevida a extensão dos efeitos da novação aos coobrigados, bem como a liberação de garantias sem a anuência expressa dos respectivos credores. Aduz, ainda, ser abusiva a proposta de deságio de 80 % (oitenta por cento), com prazo de pagamento estendido por 156 (cento e cinquenta e seis) meses, incidência de juros inferiores aos praticados no mercado e período de carência de 13 (treze) meses. Pretende, assim, que sejam consideradas inválidas e ineficazes as cláusulas que contenham tais previsões ilegais.Feitas as considerações acima, passa-se ao exame recursal.Com efeito, nos termos do artigo 58, caput, da Lei nº 11.101/2005, com redação conferida pela Lei nº 14.112/2020, admite-se a homologação do plano de recuperação judicial, independentemente da realização de Assembleia Geral de Credores, desde que não haja oposição tempestiva, caracterizando-se, nesse contexto, a denominada “aprovação tácita”, hipótese em que a ausência de impugnação equivale à aceitação dos termos do plano.Eis o dispositivo legal: “Art. 58. Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos termos do art. 55 desta Lei ou tenha sido aprovado pela assembleia-geral de credores na forma dos arts. 45 ou 56-A desta Lei”. Ressalte-se, todavia, que, embora formalmente regular a aprovação do plano, subsiste a exigibilidade do controle jurisdicional quanto à legalidade material de suas disposições.Nesse sentido: “PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL . EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. VÍCIOS NO JULGAMENTO. PRESTAÇÃO JURISDICIONAL COMPLETA. PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL . CONTROLE DE LEGALIDADE PELO JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA E CONTRATUAL. CREDORES TRABALHISTAS . PAGAMENTO. TERMO INICIAL. CONCESSÃO DA RECUPERAÇÃO. SÚMULAS 5, 7 E 83/STJ . PROVIMENTO PARCIAL. 1. Se as questões trazidas à discussão foram dirimidas, pelo Tribunal de origem, de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, deve ser afastada a alegada violação aos arts. 489 e 1 .022 do Código de Processo Civil. 2. O Tribunal de origem não se imiscuiu em questões de natureza comercial do Plano de Recuperação Judicial, limitando-se ao controle da legalidade de determinadas cláusulas, o que, consoante, jurisprudência desta Corte, é permitido. 3 . Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória e contratual ( Súmulas 5 e 7/STJ). 4. O prazo para pagamento dos credores trabalhistas principia com a concessão da recuperação judicial. Precedentes . 5. O Tribunal de origem julgou nos moldes da jurisprudência pacífica desta Corte. Incidência do enunciado 83 da Súmula do STJ. 6 . Agravo interno a que se dá parcial provimento, conhecendo em parte do especial para, nessa extensão, provê-lo parcialmente.” (STJ, 4ª Turma, AgInt no REsp: 1822800/SP, Relatora Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 14/03/2022, DJe 18/03/2022). Nesse contexto, é incabível a homologação judicial de cláusulas que apresentem manifesta desconformidade com o ordenamento jurídico, ainda que ausente impugnação por parte dos credores, especialmente quando implicarem afronta a normas de ordem pública ou a direitos de natureza indisponível.Esclarecida essa questão, verifica-se, no caso em tela, que restou incontroverso que o plano de recuperação judicial homologado prevê, de forma expressa, a supressão de garantias reais e pessoais, bem como a extinção de ações e execuções em trâmite contra coobrigados e garantidores, estendendo os efeitos da novação a terceiros alheios à recuperação judicial.Por oportuno, transcrevo a cláusula em questão: “3.4.1.4. Novação de dívidasEste PLANO, consoante a Lei 11.101/2005, implica em novação objetiva e real dos créditos concursais, obrigando as RECUPERANDAS e todos os Credores a ele sujeitos, bem como os seus respectivos cessionários e sucessores a qualquer título.A aprovação e homologação do PLANO, na forma da lei, implica que os credores, por consequência, não poderão ajuizar ou prosseguir com ações ou execuções judiciais contra as RECUPERANDAS e/ou seus coobrigados e/ou garantidores em geral, tais como, mas não se limitando a, avalistas e fiadores, relativas a créditos sujeitos ao presente processo de recuperação judicial ou aderentes, enquanto o PLANO estiver sendo cumprindo. Todas as ações e execuções judiciais em curso contra as RECUPERANDAS e seus garantidores, relativas aos créditos sujeitos ao presente processo de recuperação judicial ou aderentes, serão extintas com o pleno cumprimento deste PLANO, implicando ainda na automática, irretratável e irrevogável liberação e desoneração de todas as garantias, coobrigados, garantidores solidários e subsidiários, por qualquer responsabilidade derivada de garantia fidejussória de qualquer espécie, inclusive, mas não somente, por força de aval e fiança.Todos os credores concursais ou aderentes, por sua vez, com a novação ficam desde já obrigados, sob pena de responderem civilmente por prejuízos as RECUPERANDAS, a cancelarem os protestos porventura efetuados pelo fato de não mais existir dívida mercantil ou de serviços não pagos, enquanto o PLANO estiver sendo cumprido. A manutenção dos protestos, além de colidir com a Página 60 de 68 novação decorrente da aprovação do PLANO, causa indevida restrição ao crédito das RECUPERANDAS.Na ausência de providências dos credores, nos 60 (sessenta) dias subsequentes à homologação do PLANO de recuperação judicial, os credores reconhecem que o PLANO aprovado, acompanhado da decisão concessiva da recuperação judicial, será instrumento hábil para providenciar a baixa de todos os títulos de crédito e documentos de dívida, cujos fatos geradores sejam anteriores ao ajuizamento do pedido de recuperação judicial, podendo as RECUPERANDAS procederem à baixa dos protestos e compensar os custos a isso inerentes com créditos que tenham em face dos credores respectivos. Os pagamentos efetuados na forma prevista no presente PLANO implicam em quitação plena, irrevogável e irretratável de todos os créditos nele contemplados, aí se incluindo não só o valor principal, mas juros, correção monetária, penalidades, indenizações, abatimentos e descontos obtidos com aprovação deste PLANO. Efetivada a quitação, esses credores não mais poderão reclamá-los contra as RECUPERANDAS e seus coobrigados”. (evento 42, processo nº 5273077-82.2020.8.09.0086, arquivo 4, fl. 14/15). No entanto, cumpre observar que a supressão ou substituição de garantias, no âmbito do plano de recuperação judicial, somente é admissível mediante manifestação expressa do credor titular da respectiva garantia. A redação atual do art. 50, § 1º, da Lei nº 11.101/2005, introduzida pela Lei nº 14.112/2020, reforça tal exigência. Veja-se: “Art. 50(…)§ 1º Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia”. Impõe-se reconhecer a impossibilidade de o plano de recuperação judicial modificar, de forma unilateral, os termos das garantias originalmente pactuadas, ainda que conte com a anuência da maioria dos credores reunidos em assembleia geral, ou que sua homologação ocorra de maneira tácita. Tal vedação decorre da necessidade de se assegurar os direitos individuais dos credores garantidos, bem como que a segurança jurídica mantida, evitando que a vontade coletiva suprima garantias contratadas com base na confiança depositada em sua manutenção.Ressalte-se que a anuência exigida pela norma deve ser, necessariamente, expressa, não se admitindo sua presunção por meio do silêncio ou da ausência do credor nas deliberações. Considera-se manifestação inequívoca de concordância, por exemplo, o voto favorável ao plano que contenha cláusula de supressão de garantia, sem qualquer ressalva, ou a formalização de instrumento específico nesse sentido.A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme quanto a essa interpretação. Confira-se: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO . OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. SUPRESSÃO DE GARANTIAS. INEFICÁCIA DA CLÁUSULA DO PLANO EM RELAÇÃO AOS CREDORES QUE COM ELA NÃO ANUÍRAM EXPRESSAMENTE . PRECEDENTE DA SEGUNDA SEÇÃO DO STJ. REGULARIDADE FISCAL. COMPROVAÇÃO. OBRIGATORIEDADE . LEI 14.112/20. REGRA IMPOSITIVA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL . COTEJO ANALÍTICO. AUSÊNCIA. 1. Recuperação judicial . 2. Ausentes os vícios do art. 1.022 do CPC, rejeitam-se os embargos de declaração . 3. A Segunda Seção do STJ firmou entendimento no sentido de que a cláusula do plano de recuperação judicial que prevê a supressão de garantias somente é eficaz em relação aos credores que com ela anuíram expressamente. 4. A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das execuções nem induz suspensão ou extinção de ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória, pois não se lhes aplicam a suspensão prevista nos arts . 6º, "caput", e 52, inciso III, ou a novação a que se refere o art. 59, "caput", por força do que dispõe o art. 49, § 1º, todos da Lei 11.101/05 . 5. A partir das alterações promovidas pela Lei 14.112/20 na Lei 11.101/05, "Não se afigura mais possível, a pretexto da aplicação dos princípios da função social e da preservação da empresa vinculados no art . 47 da LRF, dispensar a apresentação de certidões negativas de débitos fiscais (ou de certidões positivas, com efeito de negativas), expressamente exigidas pelo art. 57 do mesmo veículo normativo, sobretudo após a implementação, por lei especial, de um programa legal de parcelamento factível, que se mostrou indispensável a sua efetividade e ao atendimento a tais princípios" (REsp 2.053.240/SP, Terceira Turma, DJe 18/10/2023) . 6. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas. 7. Agravo interno não provido” . (STJ, AgInt no REsp: 2079640/MT, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 10/06/2024, DJe 12/06/2024; sublinhado). “RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PLANO DE RECUPERAÇÃO . NOVAÇÃO. EXTENSÃO. COOBRIGADOS. IMPOSSIBILIDADE . GARANTIAS. SUPRESSÃO OU SUBSTITUIÇÃO. CONSENTIMENTO. CREDOR TITULAR . NECESSIDADE. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2 . Cinge-se a controvérsia a definir se a cláusula do plano de recuperação judicial que prevê a supressão das garantias reais e fidejussórias pode atingir os credores que não manifestaram sua expressa concordância com a aprovação do plano. 3. A cláusula que estende a novação aos coobrigados é legítima e oponível apenas aos credores que aprovaram o plano de recuperação sem nenhuma ressalva, não sendo eficaz em relação aos credores ausentes da assembleia geral, aos que abstiveram-se de votar ou se posicionaram contra tal disposição. 4 . A anuência do titular da garantia real é indispensável na hipótese em que o plano de recuperação judicial prevê a sua supressão ou substituição. 5. Recurso especial interposto Tonon Bionergia S.A ., Tonon Holding S.A. e Tonon Luxemborg S.A . não provido. Agravo em recurso especial interposto por CCB BRASIL - China Construction Bank (Brasil) Banco Múltiplo não conhecido”. (STJ, 2ª Seção, REsp: 1794209 SP 2019/0022601-6, Relator Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 12/05/2021, DJe 29/06/2021 RSTJ vol. 262 p . 516; sublinhado). Portanto, a cláusula de supressão de garantias constante do plano de recuperação judicial somente produz efeitos em relação aos credores que as tenham aprovado expressamente, não sendo oponíveis àqueles que tenham se ausentado, votado contrariamente ou não manifestado concordância inequívoca. Do mesmo modo, encontra-se pacificado o entendimento de que a novação prevista no plano de recuperação judicial não implica, por si só, a extinção das garantias originalmente pactuadas, conforme artigo 59 da Lei nº 11.101/2005. Esse entendimento encontra-se respaldado no artigo 49, § 1º, da referida lei dispõe que “os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso”. No mesmo sentido é o que dispõe o enunciado sumular nº 581 do STJ: “a recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra os coobrigados, inclusive fiadores”.A regra, portanto, é a preservação das garantias no contexto da recuperação judicial, salvo manifestação expressa em sentido contrário por parte do credor.Diante desse cenário, no presente caso, não se demonstrou a anuência expressa do agravante em relação à cláusula de liberação de sua garantia, tampouco dos terceiros coobrigados quanto à extensão da novação. Cumpre notar que o contrato celebrado entre o agravante e a agravada possui fiadores, conforme depreende-se dos autos nº 5070102-66.2023.8.09.0086 em apenso ao originário. Portanto, a presunção de anuência tácita pela inércia não é suficiente para suprir a exigência legal de consentimento expresso nesses casos.Dessa forma, embora não haja nenhuma ilegalidade nas cláusulas 3.4.1.4 do plano de recuperação judicial, devendo, contudo, sua eficácia ser condicionada àqueles credores que se posicionaram favoravelmente à liberação das garantias, não alcançando quem assim não o fez, situação esta que se enquadra à da agravante, razão pela qual deve ser ela excluída de seus efeitos.Por outro lado, no que se refere à abusividade do plano de recuperação judicial, por prever deságio de 80 % (oitenta por cento), pagamento em 156 (cento e cinquenta) meses, equivalente a 13 (treze) anos, com juros abaixo do mercado e 13 (treze) meses de carência, observa-se que a oposição manifestada pela agravante não reflete a posição majoritária dos credores. É certo que o deságio está previsto como meio de recuperação judicial, nos termos do artigo 50, inciso I, da Lei nº 11.101/2005, que assim dispõe: “Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros:I. concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas; (...)”. Verifica-se que não foram apresentadas objeções ao plano de recuperação judicial, sendo a agravante a única a apresentar discordância, inclusive sem deter a maioria do crédito na classe correspondente.Dessa forma, a resistência isolada de um único credor não possui o condão de obstar a homologação do plano, considerando que a ausência de impugnação evidencia o reconhecimento, pelos credores, da viabilidade da empresa e do plano de soerguimento. Ressalte-se que a intervenção judicial é limitada à verificação dos requisitos de validade dos atos jurídicos, não lhe competindo a apreciação da viabilidade econômico-financeira, os quais se mostram atendidos no presente caso.Ainda, cumpre registrar a diretriz constante do Enunciado nº 46 da I Jornada de Direito Comercial do CJF, segundo o qual: “Não compete ao juiz deixar de conceder a recuperação judicial ou de homologar a extrajudicial com fundamento na análise econômico-financeira do plano de recuperação aprovado pelos credores”.No mesmo sentido já decidiu a Corte Cidadã: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CONTEÚDO ECONÔMICO . JULGADOR. CONTROLE. IMPOSSIBILIDADE. REVISÃO . SÚMULA Nº 7/STJ. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2 . A controvérsia dos autos reside em verificar a validade das cláusulas do plano aditivo de recuperação judicial aprovadas pela Assembleia Geral de Credores. 3. É vedado ao julgador adentrar nas particularidades do conteúdo econômico do plano de recuperação judicial aprovado com obediência ao art. 45 da Lei nº 11 .101/2005, pois este possui índole predominantemente contratual. 4. O descumprimento do plano de recuperação, nos termos do artigo 73, IV, da Lei nº 11.101/2005, enseja a convolação da recuperação judicial em falência . Antes da decretação da quebra, porém, mostra-se necessário abrir prazo para que a recuperanda se manifeste acerca da questão. 5. Na hipótese, alterar o entendimento das instâncias ordinárias para concluir pela validade das cláusulas aprovadas pela Assembleia Geral de Credores demandaria a análise dos fatos e das provas dos autos, procedimento inviável em recurso especial em virtude do disposto na Súmula nº 7/STJ. 6 . Agravo interno não provido”. (STJ, 3ª Turma, AgInt no REsp: 1893702/SP, Data de Julgamento: 29/08/2022, Data de Publicação: DJe 31/08/2022). Ante o exposto, conheço do recurso e dou-lhe parcial provimento para reformar a decisão impugnada e condicionar a eficácia das cláusulas 3.4.1.4 do plano de recuperação judicial da agravada, somente aos credores que com ela anuíram expressamente, não se aplicando referidas cláusulas ao crédito da empresa agravante.Comunique-se ao juízo de origem para conhecimento e cumprimento desta decisão.Após realizadas as intimações necessárias, arquivem-se os autos.Intimem-se. Cumpra-se.Goiânia, documento assinado digitalmente nesta data. Desembargador CARLOS FRANÇARelator/c55
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