Petróleo Brasileiro S.A. - Petrobras x José Fernando Leão Tosca
ID: 315080373
Tribunal: TST
Órgão: Subseção II Especializada em Dissídios Individuais
Classe: RECURSO ORDINáRIO TRABALHISTA
Nº Processo: 0022139-51.2016.5.04.0000
Data de Disponibilização:
03/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DRA. CARMEN REJANE MADEIRA MACIEL
OAB/RS XXXXXX
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DRA. NARA RÚBIA LOTH MAFALDO
OAB/RS XXXXXX
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DR. RAFAEL CORRÊA DE BARROS BERTHOLD
OAB/RS XXXXXX
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A C Ó R D Ã O
Subseção II Especializada em Dissídios Individuais
GMMHM/fcv/nt
DIREITO DO TRABALHO E DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO. RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. REMUNERAÇÃO MÍNIMA POR NÍVE…
A C Ó R D Ã O
Subseção II Especializada em Dissídios Individuais
GMMHM/fcv/nt
DIREITO DO TRABALHO E DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO. RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. REMUNERAÇÃO MÍNIMA POR NÍVEL E REGIME - RMNR. DECISÃO RESCINDENDA PROFERIDA DE ACORDO COM A COMPREENSÃO PREDOMINANTE NO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA NO ÂMBITO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ARE 859.878 E RE 1.251.927. INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE DA COISA JULGADA. PERTINÊNCIA DO CORTE RESCISÓRIO. RESSALVA DE ENTENDIMENTO DA RELATORA. Por ocasião do julgamento da AR - 22453-08.2016.5.00.0000 e AR - 0022457-45.2016.5.00.0000 e do ROT - 0001770-38.2018.5.05.0000 e ROT - 0000285-20.2017.5.20.0000, ocorrido em 26/11/2024, a SBDI-2/TST reiterou a sua jurisprudência no sentido de que, conquanto a decisão de mérito transitada em julgado acerca da metodologia do cálculo da Remuneração Mínima por Nível e Regime (RMNR) tenha sido proferida de acordo com a jurisprudência tranquila do Tribunal Superior do Trabalho à época (E-RR - 848-40.2011.5.11.0011, DEJT de 07/02/2014 e IRR-21900-13.2011.5.21.0012, DEJT 20/09/2018), a superveniência do julgamento realizado nos autos do RE 1.251.927 pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal em sentido contrário - inclusive muitos anos após a apreciação do ARE 859.878 RG (Tema n. 795 da Tabela de Repercussão Geral) - revela que o decisum foi proferido em literal violação de lei (art. 485, V, do CPC de 1973) ou em manifesta violação de norma jurídica (art. 966, V, do CPC de 2015). Destarte, é impositivo o corte rescisório, de modo a adequar a decisão passada em julgado à compreensão depositada no RE 1.251.927. Ressalva de entendimento da relatora. Precedentes.
PEDIDO DE DEVOLUÇÃO DE VALORES EXENTUALMENTE PAGOS. PRINCÍPIO DA IRREPETIBILIDADE DA PARCELA DE CONTEÚDO ALIMENTAR PERCEBIDA DE BOA-FÉ. Na esteira do entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, a tradição jurídica que vem sendo trilhada pela SBDI-2/TST aponta para a irrepetibilidade de verbas alimentares percebidas de boa-fé, em virtude de título executivo judicial acobertado pela coisa julgada. Por ostentarem natureza alimentar e terem sido inequivocamente percebidos de boa-fé, com esteio em decisão passada em julgado antes da alteração da jurisprudência nacional promovida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do RE 1.251.927/RN, não são passíveis de devolução os valores incluídos em folha de pagamento a título de complementação de RMNR, bem assim aqueles pagos ou levantados de contas judiciais antes do trânsito em julgado da referida decisão do Supremo Tribunal Federal. Já o ressarcimento de eventuais valores auferidos de má-fé deve ser objeto de ação própria perante o juízo competente para tanto, o de primeira instância. Pedido da autora que se julga parcialmente procedente, para declarar a possibilidade de repetição de parcelas recebidas de má-fé, conforme se apurar em ação própria.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário nº TST-RO - 22139-51.2016.5.04.0000, em que é Recorrente(s) PETRÓLEO BRASILEIRO S.A. - PETROBRAS e é Recorrido(s) JOSÉ FERNANDO LEÃO TOSCA.
O Tribunal local julgou improcedente a pretensão desconstitutiva formulada por PETROLEO BRASILEIRO S.A. PETROBRAS contra decisão de mérito proferida nos autos subjacentes, que transitou em julgado em 25/09/2015.
Seguiu-se a interposição do presente apelo.
Não houve manifestação do Ministério Público.
É o relatório.
V O T O
1 - CONHECIMENTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço do recurso ordinário.
2 - MÉRITO.
REMUNERAÇÃO MÍNIMA POR NÍVEL E REGIME - RMNR. DECISÃO RESCINDENDA PROFERIDA DE ACORDO COM A COMPREENSÃO PREDOMINANTE NO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA NO ÂMBITO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ARE 859.878 (TRIBUNAL PLENO, DJR 01-04-2016) E RE 1.251.927 (PRIMEIRA TURMA, DJE 16-01-2024). INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE DA COISA JULGADA. PERTINÊNCIA DO CORTE RESCISÓRIO. RESSALVA DE ENTENDIMENTO DA RELATORA.
Trata-se de ação rescisória proposta pela PETROLEO BRASILEIRO S.A. PETROBRAS contra a parte credora do título executivo judicial passado em julgado no processo subjacente. A pretensão rescisória está calcada principalmente no art. 966, V, do CPC de 2015.
O Tribunal Regional julgou improcedente o pleito rescisório com base na seguinte fundamentação:
1. Erro de fato. Dolo da parte vencedora em detrimento da autora. Violação manifesta à norma jurídica
A autora, PETROLEO BRASILEIRO S A PETROBRAS, ajuíza a presente ação em face de JOSÉ FERNANDO LEÃO TOSCA, por meio da qual busca a desconstituição do acórdão proferido no Proc. 0001744-84.2011.5.04.0203, com fundamento na existência de erro de fato, de dolo da parte vencedora em detrimento da autora e por violação manifesta à norma jurídica (CPC, art. 966, VIII, § 1º, III e V, respectivamente). Refere que na ação subjacente foram deferidas ao réu diferenças de Complemento de Remuneração Mínima por Nível e Regime - RMNR pela incorreção no pagamento da parcela, decorrente da consideração dos valores pagos a título de adicional de periculosidade na apuração da rubrica. Alega que o erro de fato está caracterizado, pois a decisão rescindenda partiu de premissa equivocada ao entender que houve violação ao princípio da isonomia, considerando devido apenas um só valor de RMNR para todos os empregados, já que a parcela é um parâmetro remuneratório mínimo a ser observado de acordo com a região, o regime de trabalho e o nível salarial de cada empregado, havendo tabelas distintas com a composição das parcelas devidas em razão do regime e da condição especial de trabalho, não havendo um único valor de RMNR que iguala linearmente todos os empregados. Refere ter ajuizado dissídio coletivo (Processo 0023507-77.2014.5.00.0000), objetivando a interpretação da cláusula coletiva sobre a RMNR, exatamente a matéria objeto da condenação nos autos do processo principal, processo que se encontra suspenso até que o Pleno do TST decida sobre o incidente de uniformização jurisprudencial instaurado. Diz que a parcela é paga por disposição na norma coletiva, tendo os sindicatos participado ativamente da negociação da parcela, ficando esclarecido que, para a composição da RMNR, foram incluídos os adicionais de periculosidade e demais adicionais decorrentes de regime e/ou condições especiais de trabalho, devendo ser prestigiados os termos do acordo coletivo, sob pena de violação à autonomia da vontade coletiva. Destaca que o valor do complemento da RMNR é a "diferença entre a RMNR e a soma do salário-base, VP-ACT ou Periculosidade, VP-SUB e adicionais de regime e/ou condições especiais de trabalho", conforme parágrafos 3º e 4º da cláusula 36ª do acordo coletivo de trabalho de 2009/2011, por exemplo. Alega que a forma de cálculo do Complemento de RMNR foi amplamente divulgada, tendo enviado os expedientes RH/AMB/RTS 50.093/07 e 50.094/07 à FUP e a todos os demais Sindicatos, sendo os termos desses expedientes aprovados em assembleia da categoria, tendo os Sindicatos divulgado nas páginas eletrônicas e em jornal a metodologia de cálculo da parcela. Aduz, portanto, que o réu, tendo ampla ciência do que foi negociado e estando assistido pelo sindicato, age com dolo processual ao fazer afirmações que não correspondem à verdade dos fatos, conforme o art. 80, II, do CPC em vigor. Por fim, diz ter ocorrido violação aos arts. 5º, caput, II e XXXVI e 7º, XXVI, da CF, ao art. 611, § 1º, da CLT e aos arts. 112, 113 e 114 do CC. Alega que a decisão rescindenda violou os princípios da legalidade, da vontade coletiva, da autonomia sindical, da adequação setorial negociada e da isonomia. Sustenta que a decisão rescindenda, ao determinar a exclusão dos adicionais previstos para os empregados que trabalham em regimes e condições de trabalho do cômputo do Complemento da RMNR, implicou o pagamento em duplicidade das aludidas rubricas, pois já foram consideradas para o restabelecimento do valor da RMNR, ocorrendo o enriquecimento sem causa do réu. Diz que deve haver interpretação restritiva da norma coletiva que criou o direito, por ser negócio jurídico benéfico, e não ampliativa, como no caso, devendo ser respeitada a vontade dos acordantes. Cita doutrina e jurisprudência. Em juízo rescindente requer a desconstituição do acórdão da ação subjacente, e, em juízo rescisório "novo julgamento para que haja a reforma total da decisão rescindenda", a devolução de todos os valores pagos ao réu, com acréscimo de juros e correção monetária, bem como a devolução do depósito prévio.
Examino.
Constou no acórdão rescindendo (ID. 82127f1 - Pág. 12-):
Filio-me ao entendimento segundo o qual a interpretação conferida pela ré à norma coletiva é inválida por contrariar o art. 7º, XXIII, da CF, consoante recente julgamento do E. TST, representado na ementa que segue, in verbis:
Ementa:
I - AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTERPRETAÇÃO CONFERIDA PELA PETROBRAS À CLÁUSULA DE ACORDO COLETIVO QUE FIXOU A REMUNERAÇÃO MÍNIMA POR NÍVEL E REGIME - RMNR. INCLUSÃO DO ADICIONAL DE REMUNERAÇÃO PARA AS ATIVIDADES PENOSAS, INSALUBRES OU PERIGOSAS PREVISTA NO ART. 7.º, XXIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL NO CÁLCULO DA RMNR. Demonstrada possível violação do art. 7.º, XXVI, da Constituição Federal em face de sua má-aplicação, impõe-se o provimento do agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento provido. II - RECURSO DE REVISTA. INTERPRETAÇÃO CONFERIDA PELA PETROBRAS À CLÁUSULA DE ACORDO COLETIVO QUE FIXOU A REMUNERAÇÃO MÍNIMA POR NÍVEL E REGIME -RMNR. INCLUSÃO DO ADICIONAL DE REMUNERAÇÃO PARA AS ATIVIDADES PENOSAS, INSALUBRES OU PERIGOSAS PREVISTA NO ART. 7.º, XXIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL NO CÁLCULO DA RMNR. À luz do art. 7.º, XXVI, da Constituição Federal, é devido o pagamento de compensação financeira em casos de trabalhos insalubres, perigosos ou penosos. Trata-se de norma cogente e indisponível, de modo que, em face da supremacia das normas de ordem pública, deve prevalecer sobre as normas negociadas. Com efeito, conquanto a Constituição Federal tenha consagrado a negociação coletiva, em seu art. 7.º, XXVI, não implica dizer que autorizou que as normas negociadas colidam, tampouco afastem direitos trabalhistas indisponíveis, ainda que a pretexto de implementação do princípio da isonomia entre seus empregados, quando, na verdade iguala situações desiguais, frustrando o escopo do legislador constituinte, na norma insculpida no art. 7.º, XXIII, da Constituição Federal que foi compensar os trabalhadores em virtude da prestação de serviços em área de risco, sobretudo em face da necessidade de se resguardar a igualdade material. No caso vertente, é inválida a interpretação conferida pela Petrobrás à cláusula coletiva que fixa critério a ser utilizado para o cálculo da parcela denominada RMNR, de modo que o adicional de periculosidade deve ser excluído na base de cálculo da aludida parcela, sob pena de se negar vigência à previsão contida no art. 7.º, XXVI, da Constituição Federal. Isso porque a norma constitucional insculpida no aludido dispositivo não autoriza a negociação coletiva quando ela estabelece regra de isonomia que despreza elementos de discriminação exigidos por lei e pela própria norma constitucional. Recurso de revista conhecido e provido. [grifei] (TST, 7ª Turma, RR - 484-42.2011.5.03.0027, Relatora Ministra: Delaíde Miranda Arantes, Data de Julgamento: 20/02/2013, Data de Publicação: 08/03/2013).
No mesmo sentido, aliás, decisão desta Turma Julgadora em acórdão da lavra da Exma. Desembargadora Tânia Maciel de Souza:
EMENTA PETROBRAS. CÁLCULO DO COMPLEMENTO DE RMNR - REMUNERAÇÃO MÍNIMA POR NÍVEL E REGIME. Inválida a cláusula normativa que autoriza tratamento discriminatório a integrantes da categoria profissional, ao estabelecer o mesmo padrão salarial aos empregados que exercem atividade perigosa e àqueles que não a exercem. (TRT da 4ª Região, 2a. Turma, 0001767-36.2011.5.04.0201 RO, em 18/04/2013, Desembargadora Tânia Maciel de Souza - Relatora. Participaram do julgamento: Desembargador Alexandre Corrêa da Cruz, Desembargador Raul Zoratto Sanvicente)
Assim, constatada a incorreção no pagamento da parcela Complemento de RMNR, são devidas as diferenças salariais resultantes da necessária exclusão do valor pago a título de adicional de periculosidade na apuração do valor da rubrica, nos exatos termos da sentença proferida, a qual mantenho, inclusive por seus próprios fundamentos.
Relativamente à alegação da existência de erro de fato, dispõe o art. 966, § 1º, do CPC em vigor: "Há erro de fato quando a decisão rescindenda admitir fato inexistente ou quando considerar inexistente fato efetivamente ocorrido, sendo indispensável, em ambos os casos, que o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o juiz deveria ter se pronunciado." Na lição de Francisco Antonio de Oliveira (Ação rescisória: enfoques trabalhistas: doutrina, jurisprudência, súmulas. 4 ed. São Paulo, LTr, 2012, p. 205):
Tem-se, pois, que quatro presupostos devem estar presentes para que o erro permita a rescindibilidade: a) que a sentença seja fundada em erro de fato. Vale dizer, se tal não ocorresse o resultado da sentença seria outro; b) o erro de fato deverá ser apurável por simples constatação, não se admitindo, jamais, produção probatória; c) não tenha havido controvérsia, vale dizer que a matéria em si, erro de fato (existência ou inexistência) não pode haver sido objeto de discussão. Se assim ocorreu, não há falar em erro de fato, mas quando o muito em má apreciação de prova. E nesse caso não desafiaria rescisória; d) que não tenha havido pronunciamento judicial sobre o tema. Vale dizer, que "não tenha havido controvérsia sobre o fato", isto é, que uma parte não haja contestado a alegação da outra e o fato não seja revelável de ofício. "Existindo controvérsia, o juiz terá errado in judicando, o que não alimenta a ação rescisória. E nesta não se pode corrigir vício decorrente da avaliação do fato" (COQUEIJO COSTA, ob. cit., p. 81)
Ainda, nos termos da OJ 136 da SDI-II do TST: "A caracterização do erro de fato como causa de rescindibilidade de decisão judicial transitada em julgado supõe a afirmação categórica e indiscutida de um fato, na decisão rescindenda, que não corresponde à realidade dos autos. [...]". Não é esse, contudo, o caso dos autos, em que houve a expressa manifestação da Turma acerca das normas coletivas que instituíram a parcela, tendo sido concluído pela invalidade da interpretação conferida pela autora quanto à forma de cálculo do Complemento de RMNR. A questão não é de não pronunciamento ou pronunciamento errôneo sobre um fato, mas de inconformidade da autora com a interpretação conferida pela Turma às normas coletivas, que colide com seu entendimento. Não há, portanto, fundamento para a rescisão do julgado por erro de fato.
Também não identifico dolo do réu apto a ensejar a desconstituição do acórdão rescindendo. Segundo ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, "[...] Haverá dolo processual sempre que uma das partes, agindo sem observar o dever de lealdade e boa-fé, tenta influir no convencimento do julgador para obter um resultado que lhe seja favorável." (Ação rescisória. 2 ed. São Paulo, Atlas, 2012, p. 45). Como percebo, no presente caso, o ora réu apenas exerceu seu direito de ação no processo subjacente, questionando a forma de cálculo de parcela entabulada em acordo coletivo de trabalho. Registro que a inconformidade com o critério de pagamento do Complemento de RMNR era tão plausível que a demanda originária foi julgada procedente, estando embasada em julgados do TST e do TRT acerca da matéria. Nada a deferir.
Por fim, não verifico a alegada violação às normas jurídicas invocadas. A questão ora em debate é tormentosa, permanecendo controvertida nos tribunais, como refere a própria autora na peça inicial (ID. ca2af24 - Pág. 9) ao mencionar o ajuizamento de incidente buscando a uniformização de jurisprudência no TST acerca da matéria. A pretensão de corte rescisório, portanto, encontra óbice na Súmula 83 do TST e na Súmula 343 do STF. Saliento que mesmo a uniformização da jurisprudência no particular não irá alterar a solução da presente demanda, considerando o entendimento consubstanciado na Sumula 83, II, do TST: "O marco divisor quanto a ser, ou não, controvertida, nos Tribunais, a interpretação dos dispositivos legais citados na ação rescisória é a data da inclusão, na Orientação Jurisprudencial do TST, da matéria discutida."
Examinando questão idêntica à dos presentes autos, nesse sentido já decidiu esta 2ª SDI:
DA PRETENSÃO RESCISÓRIA. DA ALEGAÇÃO DE ERRO DE FATO. Não configura erro de fato ensejador da rescisão do acórdão impugnado, o entendimento nele consignado de que apenas devem ser deduzidas da RMNR, para fins de cálculo do "complemento RMNR", além do salário base, a VP-ACT e a VP-SUB, na medida em que devidamente fundamentado, tendo por base o conjunto de elementos constantes dos autos do processo. O pronunciamento expresso, neste sentido, pela Turma Julgadora, afasta a hipótese de erro de fato, como tal entendido aquele que resulta da ausência de apreensão de fato que transparece dos autos ou de documento da causa. Improcedente a ação. DA ALEGAÇÃO DE MANIFESTA VIOLAÇÃO À NORMA JURÍDICA. MATÉRIA CONTROVERTIDA. O fato de o acórdão rescindendo refletir o entendimento da Turma Julgadora sobre a matéria a ela trazida a exame, acerca da qual deu a interpretação que entendeu ser a mais acertada, e que, no caso, não corresponde àquela pretendida pela autora, afasta, por si só, a possibilidade do corte rescisório vindicado com fundamento no inciso V do artigo 966 do CPC/2015, o qual pressupõe manifesta violação à norma jurídica. A interpretação razoável de preceito legal não dá ensejo à ação rescisória sob este alegado fundamento. Trata-se, além disso, de matéria controvertida nos Tribunais, atraindo a incidência das Súmulas nº 343 do STF e nº 83 do TST. Improcedente a ação. (TRT da 4ª Região, 2ª Seção de Dissídios Individuais, 0021302-93.2016.5.04.0000 AR, em 28/06/2017, Desembargadora Rosane Serafini Casa Nova)
AÇÃO RESCISÓRIA. PETROBRAS. REMUNERAÇÃO MÍNIMA POR NÍVEL E REGIME - RMNR. ERRO DE FATO. ART. 966, VIII, DO CPC DE 2015. O erro de fato configura-se nas hipóteses em que a decisão admite como existente um fato que não ocorreu ou considera inexistente um fato que aconteceu, o que não se verifica no caso dos autos, em que o julgamento limitou-se a analisar e interpretar as disposições normativas acerca da parcela à luz do princípio da isonomia. DOLO DA PARTE VENCEDORA EM DETRIMENTO DA AUTORA. ART. 966, III, DO CPC DE 2015. O fato de a parte pretender discutir na ação matriz os critérios de cálculo da parcela RMNR não significa dizer que agiu com dolo, antes disso, trata-se de mero exercício do direito de ação. VIOLAÇÃO MANIFESTA À NORMA JURÍDICA. ART. 966, V, DO CPC DE 2015. O acórdão rescindendo conferiu solução possível e razoável ao caso, não se configurando manifesta violação à norma jurídica. (TRT da 4ª Região, 2ª Seção de Dissídios Individuais, 0021944-66.2016.5.04.0000 AR, em 11/04/2017, Desembargador Herbert Paulo Beck)
Nesse sentido, ainda, o parecer do Ministério Público do Trabalho:
II.1 Do dolo processual da parte vencedora em detrimento da parte vencida
[...]
Não se verifica neste caso concreto elementos capazes de evidenciar que o réu tenha se utilizado do processo para alcançar resultado diverso daquele previsto em lei. Conforme referido pelo Relator na decisão que indeferiu a suspensão da execução, a condenação contra a qual se insurge a parte autora está devidamente embasada em julgados do TST e deste TRT acerca da matéria (ID 82127f1 - Pág. 12-14), estando ausente prova inequívoca de dolo do réu, bem como a intenção de prejudicar direitos de terceiros.
Nesta senda, à míngua de provas da alegada má-fé do demandado, não se configura a hipótese do inciso III do art. 966 do NCPC.
II.2 Da violação manifesta de norma jurídica
A parte autora alega ter ocorrido a violação dos arts. 5º, e I, XXXVI, caput e 7º, XXVI, da CF, ao art. 611, § 1º, da CLT e aos arts. 112, 113 e 114 do CC.
Não procede a ação. Não se verifica a violação dos dispositivos de lei acima transcritos. Consoante é sabido, o acolhimento da ação rescisória, no caso de apontada violação manifesta de norma jurídica, somente se torna viável quando a decisão rescindenda portar afirmativa contrária ao texto expresso em lei, atentando, deste modo, contra a ordem jurídica, o que não se verifica no caso dos autos. Para a desconstituição de uma decisão é necessário que ela se mostre maculada por um vício de tal gravidade que justifique a sua rescisão, para fazer prevalecer o interesse da Justiça sobre o interesse da segurança, obtido com a coisa julgada. É o julgamento do julgamento. No presente caso, contudo, não se verifica o vício alegado pela parte autora. Em apertada síntese, o que há é decisão que não favorece a parte autora, analisando e valorando a prova produzida em seu desfavor, o que não é hábil a ensejar o corte rescisório pretendido.
No presente caso, a análise de eventuais "diferenças de Remuneração Mínima por Nível e Regime - RMNR, pela incorreção no pagamento da parcela, decorrente da consideração dos valores pagos a 5 título de adicional de periculosidade na apuração da rubrica" demandaria o reexame da matéria e da prova produzida nos autos da reclamatória trabalhista originária, o que é incabível em sede de ação rescisória. Nesse sentido, analogicamente, a redação da Súmula nº 410, do TST: "A ação rescisória calcada em violação de lei não admite reexame de fatos e provas do processo que originou a decisão rescindenda."
A decisão rescindenda deu interpretação possível e razoável aos fatos ocorridos, não restando caracterizada qualquer tipo de violação a dispositivos legais e constitucionais, inexistindo elementos suficientes para que ocorra o pretendido corte rescisório.
II.3 Do erro de fato
Quanto à alegação de ocorrência de erro de fato, também não merece provimento a insurgência da parte autora.
O artigo 966, §1°, do novo CPC, define que o erro de fato ocorre quando a sentença admite um fato inexistente ou quando considera inexistente um fato efetivamente ocorrido. Não é o que ocorre na presente decisão rescindenda, vez que o erro de fato não pode ser aquele que resultou de uma escolha ou opção do juiz diante de uma controvérsia. Note-se que em nenhum momento a decisão considerou que a RMNR corresponde a um valor único, segundo sugere a Petrobrás como erro de fato. Na verdade, o julgado limitou-se a interpretar a cláusula nº 28 do Acordo Coletivo de 2007, concluindo que a criação da RMNR se deu, justamente, para eliminar disparidades salariais e garantir remuneração idêntica a trabalho idêntico, o que não estava sendo observado pela Companhia em relação aos empregados submetidos a condições especiais de Trabalho (ID. 82127f1 - página 12). Ou seja, não há qualquer manifestação sobre eventuais fatos ocorridos nos autos, mas mera análise e interpretação das disposições normativas acerca da parcela à luz do princípio da isonomia.
O que a autora quer é o reexame das provas da ação rescindenda e a reanálise da prova juntada aos autos, não servindo a ação rescisória para 6 tanto, vez que inservível para reanalisar a percepção do julgador sobre o caso posto sub judice.
Não se encontra, portanto, configurada a hipótese prevista no art. 966, VIII, do novo CPC.
Neste contexto, impende sublinhar que a ação rescisória constitui ação autônoma excepcional, de cabimento restrito às hipóteses previstas no artigo 966 do Novo Código de Processo Civil, não podendo ser utilizada como sucedâneo recursal. Portanto, a desconstituição da coisa julgada prescinde da comprovação, de forma robusta e incontestável, da ocorrência das hipóteses arroladas no referido dispositivo, não bastando, para tanto, o mero inconformismo da parte com a interpretação realizada pelo Juízo, tal como ocorre na hipótese dos autos.
Por esses fundamentos, o parecer é pela improcedência da presente pretensão desconstitutiva.
Indefiro, assim, o corte rescisório pretendido.
2. Honorários advocatícios. Custas processuais. Depósito prévio
Entendo devidos os honorários advocatícios em razão da mera sucumbência, nos termos do art. 5º da Instrução Normativa nº 27/05, bem como da Súmula 219, item II, do TST, segundo a qual "É cabível a condenação ao pagamento de honorários advocatícios em ação rescisória no processo trabalhista".
Assim, condeno a autora ao pagamento de honorários advocatícios ao réu, os quais fixo em 15% sobre o valor dado à causa, bem como de custas, no valor de R$ 1.624,47, calculadas sobre o valor atribuído à causa de R$ 81.223,43.
Após o trânsito em julgado, libere-se o depósito prévio ao réu.
3. Requerimento constante na defesa do réu. Litigância de má-fé da autora
O réu requer a aplicação de multa por litigância de má-fé à autora, conforme arts. 79, 80 e 81 do CPC atual, alegando que, contrariamente ao referido pela autora, não recebeu valores relativos à diferença da RMNR do período de junho/2007 a julho/2016, apenas tendo sido implementada em folha de pagamento a diferença do Complemento da RMNR deferida na ação subjacente. Diz ter a autora agido de má-fé ao trazer elementos ao Juízo que não correspondem à realidade dos fatos.
Sem razão.
Entendo que não há falar na aplicação de multa por litigância de má-fé à autora, conforme requerido na defesa do réu, porquanto, embora não tenha sido efetuado o "'o pagamento de todo o crédito atrasado", como referiu equivocadamente a autora na peça inicial (ID. ca2af24 - Pág. 9), o réu admite na defesa que "houve a implementação da diferença do Complemento da RMNR em sua folha de pagamento" (ID. 513318f - Pág. 2), de forma que, efetivamente, havia elementos para caracterizar o alegado perigo da demora com o provimento judicial, conquanto este, ao final, não tenha se confirmado.
Rejeito.
4. Requerimento constante na defesa do réu. Benefício da justiça gratuita
Indefiro ao réu o benefício da justiça gratuita, pois não junta declaração de pobreza, tampouco tendo seu procurador declarado a hipossuficiência econômica da parte ou possuindo poderes específicos para tanto (ID. 87bac82 - Pág. 1), conforme requisitos da Súmula 463 do TST, tendo se limitado a requerer "f) O Deferimento do beneficio da gratuidade ao Contestante" (ID. c47b5a4 - Pág. 26).
É contra tal decisão que o presente apelo se volta.
Com efeito, de modo a distanciar da causa de rescindibilidade prevista no art. 966, V, do CPC de 2015, o eminente Ministro Antônio Jose de Barros Levenhagen, enquanto membro da SBDI-2/TST, vaticinava com propriedade:
[...] não é demais lembrar que a expressão 'literal disposição de lei' inserta no referido preceito do CPC não comporta a acanhada ilação de se referir unicamente a direito expresso, abrangendo antes o princípio de direito subjacente à literalidade do texto legal. É o que se depreende da lição de Pontes de Miranda, para quem 'em todos os casos em que as justiças decidem contra legem, desde que exista a regra de lei que se deixou de aplicar, cabe a rescisória por violação de dispositivo legal'. Por isso é que Odilon de Andrade, o secundando, ensina que tal ocorre não só quando o juiz, sem negar a aplicabilidade do preceito de lei, realmente não o aplica ou aplica outro dispositivo previsto para hipótese diferente, mas também quando lhe dá uma interpretação errônea. Mas aqui, lembra o autor, com o concurso da communis opinio doctorum, não basta seja a interpretação errônea, sendo preciso que o seja, manifestamente, no sentido de não estar apoiada em argumentação digna de consideração.
Depois de citar denso arcabouço doutrinário, Sua Excelência, com a erudição que lhe é própria, concluía que, ao contrário de uma mera pretensão recursal em que se aponta a má aplicação da lei, a ação rescisória fundada no art. 485, V, do CPC de 1973 e 966, V, do CPC de 2015 somente se viabiliza caso a interpretação da norma jurídica não esteja "apoiada em argumentação digna de consideração". De acordo com esse entendimento, esta Corte Superior elegeu critérios objetivos para que a ação rescisória calcada no art. 485, V, do CPC de 1973 e 966, V, do CPC de 2015 não se transforme em fase recursal não prevista em lei. A condensação desses precedentes está representada na Súmula nº 83 do TST:
AÇÃO RESCISÓRIA. MATÉRIA CONTROVERTIDA (incorporada a Orientação Jurisprudencial nº 77 da SBDI-II) - Res. 137/2005, DJ 22, 23 e 24.08.2005
I - Não procede pedido formulado na ação rescisória por violação literal de lei se a decisão rescindenda estiver baseada em texto legal infraconstitucional de interpretação controvertida nos Tribunais. (ex-Súmula nº 83 - alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)
II - O marco divisor quanto a ser, ou não, controvertida, nos Tribunais, a interpretação dos dispositivos legais citados na ação rescisória é a data da inclusão, na Orientação Jurisprudencial do TST, da matéria discutida. (ex-OJ nº 77 da SBDI-II - inserida em 13.03.2002)
Posteriormente, a SBDI-2/TST passou a flexibilizar o item II da Súmula nº 83/TST apenas na hipótese em que a decisão rescindenda estivesse em conflito com a jurisprudência da SBDI-1/TST ou das 8 (oito) Turmas do TST, pois, em tal hipótese, estaria configurada a interpretação da norma não "apoiada em argumentação digna de consideração":
RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELA AUTORA. AÇÃO RESCISÓRIA SOB A ÉGIDE DO CPC DE 1973. ARTIGO 485, V, DO CPC/73 (ARTIGO 455 DA CLT). RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA - DONO DA OBRA - OJ Nº 191 DA SBDI-1/TST - AMPLIAÇÃO DE MALHA FERROVIÁRIA - INTERPRETAÇÃO CONTROVERTIDA - SÚMULA Nº 83/TST. Ação rescisória ajuizada com fundamento no art. 485, V, do CPC de 1973, pretendendo desconstituir sentença que condenou subsidiariamente a ora autora. Por se tratar de ação rescisória calcada em violação de lei (artigo 485, V, do CPC/73), deve ser analisada, preliminarmente, a incidência do óbice contido na Súmula nº 83, I, desta Corte, qual seja, se a interpretação do artigo 455 da CLT, aplicável ao caso em análise, era controvertida nos Tribunais à época em que transitada em julgado a decisão rescindenda. Cabe destacar que esta C. SBDI-2, em sua composição plena, em sessão do dia 12/06/2018, por maioria, em voto em que fiquei como Redator Designado, sob o número ROAR nº 8573-11.2011.5.04.0000, firmou entendimento no sentido de flexibilizar o contido na Súmula nº 83, I e II, do TST, restando firmada a tese no sentido de que, o marco divisor para afastar a controvérsia acerca da interpretação de norma infraconstitucional é que, no momento do trânsito em julgado da decisão rescindenda, a matéria já se encontre pacificada na SBDI-1 ou nas 8 Turmas do TST, mesmo que ainda não editada Súmula ou Orientação Jurisprudencial a respeito do tema. Entretanto, em pesquisa realizada na jurisprudência do TST à época em que transitado em julgado a v. sentença rescindenda, a matéria não se encontrava pacificada nas 8 (oito) Turmas ou na SBDI-1 desta Corte. Portanto, a pretensão rescisória calcada no artigo 485, V, do CPC/73, em razão de suposta ofensa ao artigo 455 da CLT, encontra óbice na Súmula 83 desta Corte, inclusive levando em consideração a interpretação ampliativa que lhe foi dada por esta SBDI-2. Recurso ordinário conhecido e desprovido. (RO-246-86.2012.5.06.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Renato de Lacerda Paiva, DEJT 08/05/2020).
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. SÚMULA 83/TST. Hipótese em que a autora pretende o reexame da matéria e a reforma do julgado, o que é inviável em sede de embargos de declaração, nos termos dos artigos 1. 022 do NCPC e 897-A da CLT. Embora a SBDI-2/TST já tenha, de fato, flexibilizado o rigor da Súmula 83/TST, o que fica claro no acórdão embargado, somente o fez de forma excepcionalíssima, desde que à época da decisão rescindenda, em todas as Turmas e na SBDI-1/TST desse Tribunal Superior, houvesse convergência em relação à tese jurídica debatida na ação rescisória. Com efeito, a ação rescisória não pode ser utilizada como recurso de natureza extraordinária, voltado à unificação de jurisprudência e, por isso, havendo teses dissonantes entre as Turmas dessa Corte - ainda que em apenas uma delas -, cabe somente à SBDI-1/TST, por meio do recurso de embargos, pacificar a controvérsia. Nesse sentido, o emblemático precedente dessa Subseção firmado no ROAR nº 762-65.2014.5.05.0000. Embargos de declaração rejeitados. (ED-RO-311-87.2015.5.02.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 05/04/2019).
Por isso, sem embargos de respeitável compreensão em sentido diverso, o corte rescisório decorrente da LITERAL violação de lei (art. 485, V, do CPC de 1973) ou da MANIFESTA violação de norma jurídica (art. 485, V, do CPC de 2015) não decorre de mera exegese equivocada do ordenamento jurídico, mas somente se faz possível quando a interpretação do direito abrigada na coisa julgada, desviando-se de qualquer interpretação possível da norma à época em que proferida a decisão rescindenda, já se revelava heterodoxa ou mesmo teratológica. Nessa linha de raciocínio, data maxima venia, a decisão rescindenda proferida em harmonia com a jurisprudência plácida de uma corte de sobreposição, de jurisdição nacional, não poderia ser considerada manifestamente ilegal, "no sentido de não estar apoiada em argumentação digna de consideração".
Exatamente por guardar tal compreensão, esta relatora ficou vencida no julgamento da AR - 15902-12.2016.5.00.0000 (Redator Ministro Renato de Lacerda Paiva, DEJT 13/10/2017) e do RO - 10465-40.2015.5.03.0000 (Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 13/10/2017). Nesses dois casos paradigmas, o Colegiado se viu diante de situações em que as decisões rescindendas foram proferidas com base em remansosa jurisprudência, inclusive cristalizada em enunciados de Súmula e Orientação Jurisprudencial, a qual restou superada após o trânsito em julgado, seja em razão de manifestação da Suprema Corte, seja em virtude de mera evolução jurisprudencial no âmbito deste Tribunal Superior. Em tais hipóteses, guardei a compreensão de que não seria possível o corte rescisório. Prevaleceu, todavia, a compreensão capitaneada pelo Ministro Renato de Lacerda Paiva, segundo a qual "eventual manutenção de decisões das instâncias ordinárias divergentes da interpretação constitucional firmada pelo STF revela-se afrontosa à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional".
Do extenso voto que lancei na ocasião, peço vênia para repisar que, em sede de repercussão geral, a Suprema Corte já admitiu a incidência dos óbices da Súmula nº 343/STF (equivalente à Súmula nº 83/TST) mesmo em se tratando de controvérsia em torno de norma constitucional, desde que a coisa julgada esteja em consonância com a jurisprudência prevalecente à época em que foi proferida:
[...] o Supremo Tribunal Federal não admite a utilização de ação rescisória como mero instrumento de uniformização de jurisprudência. Ao tratar de matéria essencialmente constitucional, a Suprema Corte já decidiu que, 'o Verbete nº 343 da Súmula do Supremo deve de ser observado em situação jurídica na qual, inexistente controle concentrado de constitucionalidade, haja entendimentos diversos sobre o alcance da norma. (RE 590809, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 22-10-2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-230 DIVULG 21-11-2014 PUBLIC 24-11-2014 RTJ VOL-00230-01 PP-00505).
Desse modo, sobretudo quando ausente declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, os arts. 485, V, do CPC de 1973 ou 966, V, do CPC de 2015 não dão suporte à desconstituição da coisa julgada em virtude de superveniente evolução da jurisprudência, ainda que verificada no âmbito do Supremo Tribunal Federal, sob pena de não se ter nunca uma decisão definitiva da lide. Por isso, esta relatora guarda a compreensão de que as decisões rescindendas proferidas em harmonia com jurisprudência uníssona das Cortes de sobreposição, dotadas de jurisdição nacional e cuja existência decorre de manifestação do poder constituinte originário, não podem ser consideradas LITERALMENTE ilegais ou MANIFESTAMENTE violadoras de norma jurídica, "no sentido de não estar[em] apoiada[s] em argumentação digna de consideração". A tradição jurídica da Suprema Corte é nesse sentido:
[...] sob pena de desprezo à garantia constitucional da coisa julgada, a recusa apriorística do mencionado verbete, como se a rescisória pudesse 'conformar' os pronunciamentos dos tribunais brasileiros com a jurisprudência de último momento do Supremo, mesmo considerada a interpretação da norma constitucional. RE 590809, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 22-10-2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-230 DIVULG 21-11-2014 PUBLIC 24-11-2014 RTJ VOL-00230-01 PP-00505
Veja-se que, no indigitado precedente qualificado da Suprema Corte, não é possível desprezar o papel constitucional dos Tribunais Superiores na missão compartilhada pelos órgãos do Poder Judiciário de trazer segurança jurídica e previsibilidade para as pessoas. A compreensão segundo a qual a estabilização da coisa julgada depende da ratificação da tese nela consagrada pela Suprema Corte lança por terra qualquer expectativa de estabilização dos pronunciamentos judiciais. A esse respeito, Marinoni e Mitidiero vaticinam com propriedade:
Chega-se, assim, ao momento propício para se desnudar equívoco. Se a ação rescisória é proposta com base em precedente [superveniente à coisa julgada] do Supremo Tribunal Federal, o seu fundamento não é violação de norma constitucional. O fundamento encontrado, mas não expressamente revelado, é ius superveniens ou direito superveniente. Porém, como é curial, o ius superveniens não pode ter efeito retroativo sobre a coisa julgada.
Portanto, a Súmula 343, STF, também deve ser aplicada nos casos de resolução de questão constitucional. A tentativa de eliminar a coisa julgada que resultou de uma dúvida de constitucionalidade não só elimina o mínimo que o cidadão pode esperar do Poder Judiciário, que é a estabilização da sua vida após o encerramento do processo, como também desconsidera a legitimidade dos juízes e tribunais para o controle incidental da constitucionalidade. (MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Ação rescisória: do juízo rescindente ao juízo. São Paulo: Thomson Reuters Brasil. 2017, p. 234).
De acordo com a lição doutrinária, a preservação do "sistema de precedentes" não tem como pressuposto a desconstituição da coisa julgada sempre que ela se mostrar em desacordo com decisões supervenientes da Suprema Corte. Muito ao contrário disso, em um sistema de tradição common law, jurisprudência superveniente equivale a "ius superveniens", e, como tal, não pode retroagir (tal como a lei, em regra, não retroage em sistemas de civil law). Se a interpretação das normas jurídicas pelos Tribunais Superiores e, notadamente, pelo Supremo Tribunal Federal são praticamente cogentes - como se tem defendido após a edição dos arts. 926 e 927 do CPC de 2015 -, a superveniência de nova intepretação do direito por essas Cortes equivale a "direito novo". Por sua vez, em um estado democrático de direito, a norma jurídica não retroage para alcançar situações consolidadas no passado.
Nessa mesma toada, os professores Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha (para quem, após a vigência do art. 927, IV, do CPC de 2015, os enunciados das chamadas "súmulas persuasivas" de tribunais de sobreposição não podem ter a sua aplicação recusada) negam a possibilidade de desconstituição de decisão calcada em súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ainda que a ratio do verbete seja superada por decisão da Suprema Corte após o trânsito em julgado. Conquanto a compreensão dos indigitados professores acerca da natureza jurídica das súmulas não tenha sido abraçada in totum pela SBDI-2/TST (RO-38-86.2018.5.17.0000, Redatora Ministra Morgana de Almeida Richa, DEJT 22/03/2024), não há como negar que, em alguma medida, a tese é prestigiada no item II da Súmula nº 83 do TST. E, sob essa perspectiva, é útil ao presente debate a lição doutrinária relativamente à edição de precedentes posteriores à consumação da preclusão máxima:
a) Divergência na interpretação do Direito entre tribunais, sem que existisse, ao tempo da prolação da decisão rescindenda, precedente vinculante do STF ou STJ (art. 927, CPC) sobre o tema: não há direito à rescisão, pois não se configura a manifesta violação de norma jurídica. Aplica-se o n. 343 da súmula do STF.
b) Divergência na interpretação do Direito entre tribunais, sem que existisse, ao tempo da prolação da decisão rescindenda, precedente vinculante do STF ou STJ (art. 927, CPC) sobre o tema; após o trânsito em julgado, sobrevém precedente obrigatório do tribunal superior: observado o prazo da ação rescisória, há direito à rescisão, com base nesse novo precedente, para concretizar o princípio da unidade do Direito e a igualdade. Note que o do art. 525, examinado mais à frente, reforça a tese de que cabe ação rescisória para fazer prevalecer posicionamento de tribunal superior formado após a coisa julgada.
c) Divergência na interpretação do Direito entre tribunais, havendo, ao tempo da prolação da decisão rescindenda, precedente vinculante do STF ou do STJ sobre o tema: se a decisão rescindenda contrariar precedente vinculante, há direito à rescisão, pois se configura a manifesta violação de norma jurídica. Violam-se, a um só tempo, a norma do precedente e norma que decorre do art. 927, CPC.
d) Divergência na interpretação do Direito entre tribunais, havendo, ao tempo da prolação da decisão rescindenda, precedente vinculante do STF ou STJ; após o trânsito em julgado, sobrevém novo precedente do tribunal superior, alterando o seu entendimento: não há direito à rescisão, fundado nesse novo precedente, tendo em vista a segurança jurídica, tal como decidido pelo STE, no RE n. 590.809, rel. Min. Marco Aurélio, j. em 22.10.2014. (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil - Volume 3. Salvador: JusPodivm. 2022. P. 635-636)
Mutatis mutandis, esta relatora guarda a compreensão de que não pode ser considerada manifesta a violação de norma jurídica contida em decisão passada em julgado que se escorava na jurisprudência pacífica (e até mesmo sumulada) do Tribunal Superior do Trabalho. Aliás, o raciocínio em sentido contrário, data venia, destrói qualquer pretensão de instalar no País um sistema de precedentes funcional porque, em que pese a imposição do art. 927 do CPC, notadamente no sentido de que os magistrados devem observar "os enunciados das súmulas [...] do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional", esses mesmos julgadores podem incorrer em manifesta violação de norma jurídica (arts. 485, V, do CPC de 1973 e 966, V, do CPC de 2015), desde que ocorra eventual e superveniente decisão da Suprema Corte em sentido contrário após a preclusão máxima.
Relativamente à questão de fundo tratada na presente ação rescisória, consagrou-se em 2013 na SBDI-1/TST deste Tribunal Superior do Trabalho a compreensão de que as vantagens decorrentes de condições especiais de trabalho devidas aos empregados por força de norma estatal não serão consideradas no valor a ser subtraído da Remuneração Mínima por Nível e Regime - RMNR, quando da apuração da importância devida a título de "Complemento da RMNR" (Processo E-RR - 848-40.2011.5.11.0011, Redator para o Acórdão: Ministro Augusto César Leite de Carvalho, DEJT de 07/02/2014). À época prevaleceu a seguinte interpretação da norma autônoma:
EMBARGOS DECLARATÓRIOS. EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. CÁLCULO DA COMPLEMENTAÇÃO DA RMNR. EXCLUSÃO DOS ADICIONAIS DECORRENTES DE CONDIÇÕES ESPECIAIS DE TRABALHO. Concluiu esta e. Subseção que, não obstante o objetivo definido pela norma coletiva ao instituir a RMNR - Remuneração Mínima por Nível e Regime - seja a implementação do princípio da isonomia, o cálculo do complemento da RMNR proposto pelo empregador, incluindo-se os adicionais decorrentes de condições especiais de trabalho (considerados vantagem pessoal), resulta em valor sempre menor para aqueles que trabalham nessas situações. Representa, na prática, verdadeira ofensa àquele princípio, na medida em que nivela empregados que trabalham em condições desiguais. Conforme expressamente registrado no acórdão embargado, a Turma excluiu do cálculo do "Complemento de RMNR" apenas os adicionais decorrentes de condições especiais de trabalho previstos em lei, não tendo o autor interposto recurso contra essa decisão. Embargos declaratórios conhecidos e desprovidos. (ED-E-RR-177-32.2011.5.11.0006, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 19/12/2014).
Cerca de um ano após a Corte ter fixado firme jurisprudência quanto ao tema, vale dizer, em 2015, o Plenário do Supremo Tribunal Federal considerou que a matéria não envolvia interpretação de norma constitucional, negando-lhe, pois, repercussão geral (Tema nº 795 da Tabela de Repercussão Geral). Assim se decidiu:
CONSTITUCIONAL, TRABALHISTA E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INFRINGÊNCIA À SÚMULA VINCULANTE 10. INOCORRÊNCIA. PETRÓLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRÁS). VALIDADE DO CÁLCULO DO COMPLEMENTO DE REMUNERAÇÃO MÍNIMA POR NÍVEL E REGIME (RMNR). CLÁUSULA 35ª DO ACORDO COLETIVO DE TRABALHO DE 2007/2009. OFENSA CONSTITUCIONAL REFLEXA. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. 1. A controvérsia relativa à legitimidade da forma de cálculo da verba denominada Complemento de Remuneração Mínima por Nível e Regime (RMNR), fundada na interpretação de cláusulas de acordo coletivo de trabalho, não enseja a interposição de recurso extraordinário, uma vez que eventual ofensa à Constituição Federal seria meramente reflexa. 2. É cabível a atribuição dos efeitos da declaração de ausência de repercussão geral quando não há matéria constitucional a ser apreciada ou quando eventual ofensa à Carta Magna se dê de forma indireta ou reflexa (RE 584.608 RG, Min. ELLEN GRACIE, DJe de 13/3/2009). 3. Ausência de repercussão geral da questão suscitada, nos termos do art. 543-A do CPC. (ARE 859878 RG, Relator(a): TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 05-03-2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-050 DIVULG 13-03-2015 PUBLIC 16-03-2015)
A jurisprudência em torno da matéria infraconstitucional, que já era firme, passou a ser vinculante a partir de 2018 com o julgamento da questão sob a sistemática de recurso de revista repetitivo:
INCIDENTE DE RECURSOS REPETITIVOS. COMPLEMENTO DA REMUNERAÇÃO MÍNIMA POR NÍVEL E REGIME - RMNR. CÁLCULO. POSSIBILIDADE DE INCLUSÃO DE ADICIONAIS PREVISTOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, EM LEI, NORMAS COLETIVAS, REGULAMENTOS EMPRESARIAIS E CONTRATOS INDIVIDUAIS DE TRABALHO. NORMA COLETIVA - INTERPRETACÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO. EFEITOS DOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA, DA RAZOABILIDADE, DA PROPORCIONALIDADE. DEVIDO PROCESSO LEGAL. LIMITAÇÕES À AUTONOMIA DA VONTADE COLETIVA. EFICÁCIA DE NORMAS DE ORDEM PÚBLICA. RESGUARDO DA DIRETRIZ DO ART. 7º, XXVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TESE JURÍDICA. 1. A questão submetida ao rito de recursos repetitivos está assim formulada: "levando em conta os antecedentes à negociação coletiva que instituiu a RMNR (remuneração mínima por nível e regime), os conteúdos das normas coletivas e a forma de apuração do título, a parcela ' complementação da RMNR' considera, exclui ou inclui e poderia considerar, excluir ou incluir, para os trabalhadores que os merecem, os adicionais previstos na Constituição da República e em Lei ou convencionais e contratuais?" 2. O dissenso pretoriano hábil a animar o microssistema de formação de precedentes obrigatórios decorre, basicamente, da interpretação merecida por cláusulas inscritas em instrumentos normativos, negociados pela Petrobras e empresas do grupo, com similares teores: "Cláusula 35ª - Remuneração Mínima por Nível e Regime - RMNR. A Companhia praticará para todos os empregados a Remuneração Mínima por Nível e Regime - RMNR, levando em conta o conceito de remuneração regional, a partir do agrupamento de cidades onde a Petrobrás atua, considerando, ainda, o conceito de microrregião geográfica utilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Parágrafo 1° - A RMNR consiste no estabelecimento de um valor mínimo, por nível e região, de forma a equalizar os valores a serem percebidos pelos empregados, visando o aperfeiçoamento da isonomia prevista na Constituição Federal. Parágrafo 2° - Os valores relativos à já mencionada RMNR estão definidos em tabelas da Companhia e serão reajustados em 6,5% (seis vírgula cinco por cento) a partir de 01/09/2007. Parágrafo 3° - Será paga sob o título de ' Complemento da RMNR' a diferença resultante entre a ' Remuneração Mínima por Nível e Regime' de que trata o caput e: o Salário Básico (SB), a Vantagem Pessoal - Acordo Coletivo de Trabalho (VPACT) e a Vantagem Pessoal - Subsidiária (VP-SUB), sem prejuízo de eventuais outras parcelas pagas, podendo resultar em valor superior a RMNR. Parágrafo 4° - O mesmo procedimento, definido no parágrafo antecedente, aplica-se aos empregados que laboram em regime e/ou condições especiais de trabalho em relação às vantagens devidas em decorrência destes" (redação dada ao acordo coletivo de trabalho celebrado com a Petrobras, para vigorar entre 2007 e 2009). 3. A edição de tal regramento sucede a longa inquietação, no âmbito das empresas, em relação à isonomia, basicamente decorrente do fato de haver histórico pagamento de adicional de periculosidade, indiscriminadamente, a todos os seus empregados, prática, inclusive, proibida pelo Tribunal de Contas da União, após denúncia do Ministério Público do Trabalho. Em tal ambiente, são apresentadas cartas remetidas aos entes sindicais e informativos internos, destinados aos empregados, em cuja análise, constata-se que, em nenhum deles, está demonstrado, matematicamente, que o fato de a RMNR considerar ou levar em consideração as parcelas, vantagens ou adicionais neles mencionados significaria que os trabalhadores teriam os valores a eles correspondentes inseridos na operação destinada à apuração do valor correspondente ao complemento da RMNR. 4. Aliás, extrai-se do universo dos autos afetados que a RMNR foi concebida e divulgada como valor mínimo a ser pago aos empregados das empresas do Sistema Petrobras: não é teto. 5. No exame da questão, não se põe em discussão o merecimento da remuneração mínima por nível e regime (RMNR) ou o fato de a respectiva complementação ser paga em valores diversificados, conforme a situação de cada empregado. O debate está centralizado na possibilidade de a parcela absorver, ao ser calculada, os adicionais com origem em regras constitucionais, legais, convencionais, regulamentares e contratuais. 6. Na leitura do parágrafo terceiro da cláusula sob enfoque, não se pode afirmar que a vírgula colocada antes de "sem prejuízo" (na expressão "..., sem prejuízo de eventuais outras parcelas pagas, podendo resultar em valor superior a RMNR") tem a função de adição. Ela, a vírgula, nesse texto, tem o valor de exclusão. Isso, porque o sintagma preposicional ou sintagma preposicionado que a ela se segue - sem prejuízo -, cujo núcleo é a preposição "sem", tem o valor semântico de "sem embargo", de "sem prejudicar o recebimento". Tanto assim é que a inclusão da vírgula e da ressalva ocorreu em momento posterior à negociação, a pedido dos sindicatos profissionais, com o intuito de evitar, exatamente, que a soma de remunerações que ultrapassasse a RMNR fosse impactada com este suposto teto - a RMNR. Em outras palavras, o pedido de inclusão desse trecho e da vírgula teve a finalidade de impedir que a cláusula fosse interpretada na forma defendida pelas empresas do Sistema Petrobras. 7. Independentemente da intenção inicial das empresas, que, ao que tudo indica, era a de somar as eventuais outras parcelas pagas e os adicionais e vantagens devidos em decorrência de regime ou condições especiais de trabalho, o que restou acordado, com a inserção do texto após a vírgula, foi a exclusão dessas parcelas da base de cálculo para apuração do complemento da RMNR. Dentro desse quadro e dos antecedentes e fatos contemporâneos à negociação coletiva, apurados nos autos e em audiência pública, não há como se conceber a ideia de que os trabalhadores tenham cedido à pressão das empresas, aceitando manter o tratamento discriminatório - em vários níveis - historicamente praticado. 8. É inegável, no entanto, que se trata de regra polissêmica ou plurissignificativa. Frente a tal categoria de regras, onde ao menos um sentido se revele compatível com a Carta Magna, procede-se à interpretação conforme a Constituição, técnica de origens americana e alemã, que nada mais é do que forma de controle de constitucionalidade. A ferramenta atende aos necessários princípios da segurança jurídica, da proporcionalidade, da razoabilidade e do respeito à autonomia privada coletiva, uma vez que preserva a norma, em lugar de a suprimir ("avoidance doctrine"). Impõe-se, portanto, aqui, utilizar a Constituição como vetor hermenêutico: as normas constitucionais não são apenas parâmetro, mas normas de conteúdo (Konrad Hesse). 9. Entra, então, em cena o princípio da isonomia, positivado no art. 5º, "caput", da Constituição Federal, representando um protoprincípio, com força e densidade normativas suficientes para acionar o controle de constitucionalidade. Tem, também, caráter suprapositivo, de forma que, ainda que implícito, há de ser observado (Ernest Forsthoff). 10. Sua eficácia é não só vertical, vinculando o Estado, como horizontal, entre particulares. Mas não basta a igualdade perante a lei (formal), desvinculada da obrigação de se a fazer efetiva. Para Hannah Arendt, ela "não é um dado, mas um construído". Isonomia, portanto, implica igualdade construída, em que se atribua tratamento desigual a situações fáticas distintas. Joaquim José Calmon de Passos afirma que, "se trato desigualmente os iguais, discrimino. Se trato igualmente os desiguais, discrimino". O tratamento diferenciado que a igualdade assegura não é fruto de mera arbitrariedade, devendo ser aplicado com razoabilidade, em função de necessidades específicas, de modo a evitar perseguições odiosas ou concessão de privilégios injustificados, como leciona Bernard Schwartz: "o direito à proteção isonômica é direito de não ser tratado diferentemente de outros na comunidade, a menos que a diferenciação de tratamento seja baseada em uma classificação que seja, ela própria, razoável. O princípio não significa que a legislação não possa impor fardos especiais ou garantir privilégios especiais; significa que nenhuma norma deva fazê-lo sem boa razão". 11. Importante pontuar, com Fredie Didier Jr, que "o devido processo legal aplica-se, também, às relações jurídicas privadas. Na verdade, qualquer direito fundamental pode aplicar-se ao âmbito das relações jurídicas privadas, e o devido processo legal é um deles. A palavra "processo", aqui, deve ser compreendida em seu sentido amplo, conforme já visto: qualquer modo de produção de normas jurídicas (jurisdicional, administrativo, legislativo ou negocial)." Tanto implica revolver os conceitos de proporcionalidade e, como propõe a doutrina americana, de razoabilidade. A proporcionalidade, embutida em outro princípio dos princípios, é valiosa, no caso, "por funcionar como a medida com que uma norma deve ser interpretada no caso concreto para a melhor realização do fim constitucional nela embutido ou decorrente do sistema" (Ministro Luís Roberto Barroso). Além de demandarem proporcionalidade e razoabilidade em sua edição (o devido processo legal, nos termos do art. 8º do CPC), recorde-se que as normas coletivas de origem autônoma não reclamam métodos interpretativos diversos daquelas de origem heterônoma. Assim sendo, subsiste a indagação: se a isonomia era o propósito patronal, estar-se-ia atendendo ao princípio quando a empresa dá igual tratamento tanto a quem se expõe a condições gravosas de trabalho como àqueles que desfrutam dos confortos do escritório? Não se estaria, definitivamente, igualando os desiguais? Respeitar-se-ia a Constituição Federal e as garantias impostas pelos seus arts. 5º e 7º? A resposta se afirma negativa. Em verdade, sonegar vantagens àqueles que a merecem, por submetidos a condições especiais de trabalho, não pode ser, em boa razão jurídica e sob o mínimo de bom senso, fardo que se equipare ao privilégio de estender, por exemplo, o adicional de periculosidade a quem não está exposto a riscos. 12. No campo do Direito do Trabalho, o princípio da igualdade mostra uma de suas faces pela isonomia salarial (art. 7º, XXX, da CF). Contudo, isso não significa que se possa pretender, de forma irrestrita, a obrigatoriedade de pagamento de salários iguais a todos os trabalhadores de uma mesma empresa, independentemente de suas diferenças. Assim, o adicional de periculosidade, por exemplo, foi criado como norma de ordem pública, para remunerar empregados que trabalhem em situações tipificadamente mais gravosas (art. 7º, XXX, da Constituição Federal). Esta Corte firmou posicionamento no sentido de considerar infensas à negociação coletiva medidas de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantidas por norma de ordem pública (art. 193 da CLT e art. 7º, XXII e XXIII, da Constituição Federal). 13. Por argumento, ainda sob a chamada "reforma trabalhista", tratando-se de direitos sociais, não podem jamais ter seu núcleo suprimido na vigência da Constituição. A reformada CLT, embora divise a predominância do negociado sobre o legislado, veda, expressamente, no art. 611-B (com a redação da Lei nº 13.467, de 13.7.2017), incisos VI, X, XVIII (sim, irretroativos), respectivamente, que se pactue em torno de "remuneração do trabalho noturno superior à do diurno"; "remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% (cinquenta por cento) à do normal"; "adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas". Nisto, andou bem a Lei, ao dar guarida à Carta Magna, blindando direitos que oferece e que são imunes à supressão ou modificação, quer pelo legislador ordinário, quer (e muito mais) por particulares. Se tais direitos já não podiam ser objeto de avença coletiva sob a convivência com o ambiente decorrente dos preceitos inscritos na CLT até a edição da referida Lei, nota-se que, agora, em visão prospectiva, com muito maior razão, positivou-se a vedação. 14. Diante disso, as cláusulas normativas, seguidos os critérios defendidos pelas empresas, podem ter partido de uma premissa de igualdade formal, mas incorrem em discriminação inconstitucional, por ofensa ao princípio da igualdade material. Os que trabalham em situações mais gravosas, embora recebam, virtualmente, seus adicionais, não são, na prática, diferenciados dos que não têm direito às parcelas. As remunerações de ambos os grupos foram niveladas pela RMNR, igualando onde deveria desigualar. 15. É de se dizer que a interpretação dada pela Petrobras à norma peca pelo que se intitula superabrangência, pois inclui situações que merecem diferenciação positiva. Trata-se de circunstância segundo a qual a norma "regula indivíduos que não estão similarmente situados - o que significa... abrange mais pessoas do que necessitaria para alcançar seu propósito" (Erwyn Chemrerinsky). Em tal caso, rompe-se a isonomia material e a norma está quebrada pela força da Constituição. 16. A interpretação conforme a Constituição, no caso sob apreço, não leva à nulidade integral das cláusulas em pesquisa, mas à sua aplicação de acordo com os preceitos de ordem pública que as devem orientar. 17. O respeito à negociação coletiva não é livre de restrições e, para o caso, as cláusulas interpretadas jamais nomearam, expressamente, os adicionais de origem constitucional ou legal, tratando-se, a absorção de ditas parcelas, no cálculo da complementação de RMNR, de procedimento instituído e praticado pelas empresas, sem explícita autorização nas normas coletivas. Porque não se discute a validade da RMNR, é irrelevante que o título tenha base convencional. Isto não se discute ou condena. 18. Considerando o universo da Petrobras Distribuidora S.A., rememore-se que não há como se legitimar, pela via da negociação coletiva, a supressão de direito definido em norma imperativa e de ordem pública, sob pena de se negar vigência, eficácia e efetividade de regras instituídas pelo Poder Legislativo, competente para tanto, e de se ofender os limites constitucionalmente oferecidos. Ainda que os instrumentos de direito coletivo aplicáveis à empresa façam referência ao adicional de periculosidade, pela interpretação que inclui os demais adicionais de caráter constitucional e legal na base de cálculo para apuração do "complemento da RMNR", resultam em inconstitucional contaminação do princípio da igualdade material, não podendo prevalecer. 19. Considerando os fatos pretéritos e contemporâneos às negociações coletivas que levaram à criação da remuneração mínima por nível e regime - RMNR, pela Petrobras e empresas do grupo, pode-se concluir, sem que tanto conduza a vulneração do art. 7º, XXVI, da Constituição Federal, que os adicionais de origem constitucional e legal, destinados a remunerar o trabalho em condições especiais ou prejudiciais (adicionais de periculosidade e insalubridade, adicionais pelo trabalho noturno, de horas extras, repouso e alimentação e outros), não podem ser incluídos na base de cálculo, para apuração do "complemento da RMNR", sob pena de ofensa aos princípios da isonomia, da razoabilidade, da proporcionalidade, da realidade e pela ínsita limitação à autonomia da vontade coletiva. Por outro lado, os adicionais criados por normas coletivas, regulamento empresarial ou descritos nos contratos individuais de trabalho, sem lastro constitucional ou legal, porque livres do império do "jus cogens", podem ser absorvidos pelo cálculo em testilha. 20. Sem alteração da jurisprudência predominante na Corte, não há que se cogitar de modulação. (IRR-21900-13.2011.5.21.0012, Tribunal Pleno, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 20/09/2018).
Em 2023, passados pouco mais de dez anos a partir da estabilização da jurisprudência em torno do tema no TST e nove desde a decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal no sentido de que os critérios de cálculos da parcela RMNR possuem índole infraconstitucional, ao apreciar o RE 1.251.927/RN, a Primeira Turma do Supremo Tribunal, sob a relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, conheceu do apelo extremo a ele deu provimento para reformar decisão do Tribunal Pleno desta Corte Superior acerca da questão. Na oportunidade, o órgão fracionário do Supremo Tribunal Federal deixou de aplicar o precedente segundo o qual a questão não possui repercussão geral sob o argumento de que "não há identidade entre a questão debatida nestes autos e a matéria do Tema 795 da Repercussão Geral", pois, naquele caso específico, "o TST deu interpretação que desnaturou o Acordo Coletivo". Concluiu, assim, que a equivocada exegese atribuída à norma infraconstitucional autônoma importou no automático desrespeito da jurisprudência fixada no RE 590.415 (Tema nº 1.046 da Tabela de Repercussão Geral), razão por que o recurso extraordinário deveria ser provido. Confira-se a ementa do julgado:
AGRAVOS INTERNOS. INADMISSÃO DE AMICUS CURIAE. IRRECORRIBILIDADE. RECURSOS DOS AMICI CURIAE. INADMISSIBILIDADE (ART. 138 DO CPC/2015). PRECEDENTES. COMPLEMENTO DA RMNR. PARCELA SALARIAL EXTENSAMENTE DEBATIDA EM ACORDO COLETIVO. RESPEITO AO ACORDADO. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. O Agravo Interno de ANA LÚCIA CUNHA NERVA, inadmitida no processo na condição de amicus curiae não comporta conhecimento. Decisão irrecorrível. Precedentes. 2. Os amici curiae admitidos no processo não têm legitimidade para interpor Agravo Interno da decisão que julga os REs. 3. José Maurício da Silva ajuizou Reclamação Trabalhista em face da Petróleo Brasileiro S/A - Petrobras, postulando o pagamento de valores a título de COMPLEMENTO DA RMNR. 4. O TST acolheu parcialmente os pedidos iniciais, para condenar a Petrobras ao pagamento de diferenças do complemento de RMNR e reflexos, determinando que, quando do cálculo da parcela denominada complemento de RMNR, os adicionais de origem constitucional ou legal sejam excluídos, considerados dedutíveis apenas os adicionais criados por normas coletivas, por regulamento de empresa ou meramente contratuais. 5. Sobrevieram quatro Recursos Extraordinários: Petrobras; Petrobras Distribuidora S/A; Petrobras S. A. - Transpetro; e União, apontando ofensa aos arts. arts. 5º, caput, XXXVI, § 2º; 7º, IV, XVI, XXIII, XXVI; 8º, VI; 170, caput; todos da Constituição, bem como à Súmula Vinculante 37. 6. Não há identidade entre a questão debatida nestes autos e a matéria do Tema 795 da repercussão geral. Nesse precedente paradigma, examinou-se a alegada incorreção no pagamento do COMPLEMENTO DA RMNR com base unicamente na interpretação da legislação ordinária e nas cláusulas do acordo coletivo; no presente processo, o TST deu interpretação que desnaturou o Acordo Coletivo, objeto de livre deliberação pelos atores envolvidos. 7. O acórdão do TST desrespeita a jurisprudência desta CORTE fixada no RE 590.415, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Tema 152 da repercussão geral, bem como no RE 895.759 AgR-segundo, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, e ainda, na ADI 3423, Rel. GILMAR MENDES, pelos quais confirmou-se a constitucionalidade do art. 7º, XXVI, da CF, que reconheceu as convenções e acordos coletivos de trabalho com direito dos trabalhadores. 8. A jurisprudência deste SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL é pacífica no sentido de que o indeferimento de recursos inadmissíveis pelo Relator não viola o princípio da colegialidade. Precedentes. 9. Desnecessidade de remessa dos autos à Procuradoria-Geral da República, pois o acórdão recorrido decidiu em confronto com a jurisprudência firmada nesta CORTE (art. 52, § 1º, do RISTF). 10. Ante o exposto, NÃO CONHEÇO DOS AGRAVOS INTERNOS INTERPOSPOS PELOS AMICI CURIAE e por ANA LÚCIA CUNHA NERVA, e NEGO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO de JOSÉ MAURÍCIO DA SILVA (RE 1251927 AgR-sexto, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 13-11-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 16-01-2024 PUBLIC 17-01-2024).
Em embargos de declaração, a Primeira Turma declarou expressamente que "não há identidade entre a questão debatida nestes autos e a matéria do Tema 795 da repercussão geral", razão porque "não houve mudança de orientação jurisprudencial" (RE 1251927 AgR-sexto-ED-quintos, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 04-03-2024, PUBLIC 11-03-2024). A rigor, então, atualmente coexistem dois padrões decisórios quanto à forma de cálculo da verba denominada Complemento de Remuneração Mínima por Nível e Regime (RMNR) no Supremo Tribunal Federal: aquele consagrado em Plenário nos autos do ARE 859.878 RG, segundo o qual a matéria possui índole infraconstitucional; e aquele fixado pela Primeira Turma por ocasião do julgamento do RE 1.251.927/RN, válido apenas para as hipóteses em que a matéria é enfrentada sob o enfoque do art. 7º, XXVI, da Constituição Federal, com interpretação conferida pela Tese nº 1.046 da Tabela de Repercussão Geral.
Realmente, ainda hoje, parece não existir consenso em torno do alcance do julgamento realizado nos autos do RE 1.251.927/RN, notadamente em relação a decisões de mérito passadas em julgado de acordo com a compreensão que era dominante no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho:
De início, em relação à alegada violação ao RE 1.251.927-AgR-sexto, tem-se que a presente ação é inviável por esbarrar na firme jurisprudência desta Suprema Corte que considera incabível seu manejo fundado em afronta a paradigma sem efeito vinculante e relativo a processo do qual o reclamante não participou. Vejam-se, por todos, os seguintes julgados:
[...]
Como bem destacado pela Procuradoria Geral da República em seu parecer, "o que se verifica é que o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, em interpretação sistêmica, aplicou o artigo 525, §§ 12 a 15, do CPC, tendo em vista que a aplicação imediata de entendimento firmado pelo STF no RE nº 1.257.927/RN encontra limitação no princípio da coisa julgada" (eDoc 32, p. 8). (Rcl 71.026, Rel. Min. Edson Fachin, DJe 27/09/2024).
Seja como for, o certo é que, ao julgar o RE 1.251.927/RN, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal substituiu exatamente o precedente qualificado desta Corte Superior relativo ao tema, vale dizer, aquele proferido de acordo com a sistemática de recurso repetitivo e que corroborava a compreensão abraçada na decisão rescindenda (IRR-21900-13.2011.5.21.0012, DEJT 20/09/2018).
Nesse contexto, com respeitosas vênias, conquanto a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal tenha declarado que não houve superação de jurisprudência em relação ao quanto decidido no ARE 859.878 RG (Tema n. 795 da Tabela de Repercussão Geral), a sinalização advinda do referido órgão fracionário é de que há uma tendência na Suprema Corte de, em todo e qualquer caso examinado a partir de agora, considerar que o debate possui índole constitucional e que são indevidas as diferenças decorrentes dos critérios interpretativos da RMNR consagrados em 2013 e 2018 por este Tribunal Superior. A situação talvez se aproxime do instituto da transformação (ou transformation), a qual é defendida pelo jurista norte-americano Melvin Eisenberg:
A transformação (transformation), portanto, consiste justamente na afirmação de que se está aplicando determinado precedente ou lhe dando continuidade, quando, o que se faz é, na verdade, a prolação de nova norma jurídica. Há uma distinção essencial entre o que o tribunal afirma e o que ele faz.
Pode-se dizer, portanto, que a transformação ocorre quando um tribunal supera completamente um precedente, mas não anuncia que o fez. Seria uma superação implícita, realizada em várias oportunidades pelos tribunais. Nela, embora o tribunal cumpra seu dever de autorreferência, isto é, lide diretamente com sua história institucional tratando do precedente incidente no caso, ele trata apenas formalmente do precedente, pois, em substância, atribui-lhe um significado que não possui.
A transformação é uma forma de, por qualquer razão, evitar fazer formalmente uma superação de precedente (overruling), embora substancialmente existam poucas diferenças - a transformação e a superação são duas diferentes realidades da revogação das normas dos precedentes. Muito embora o tribunal afirme que está a aplicar a regra de determinado precedente, ao reconstruí-la equivocadamente, acaba por aplicar uma nova norma, ou seja, ele origina uma ratio decidendi distinta daquela do precedente que se afirma aplicar. Trata-se, na verdade, de uma superação de precedente disfarçada, é uma nova norma sob a capa do antigo precedente. Assim, cria-se uma falsa aparência de que há consistência entre a nova decisão e o precedente ou a linha de precedentes que se diz aplicar.
Desta forma, na transformação há uma completa dissociação entre o que o tribunal anuncia, e o que efetivamente acontece no plano normativo. Isto é, muito embora a Corte afirme que está aplicando o precedente, ou seja, mantendo a sua história institucional, um olhar mais apurado - e menos preocupado com o que ela disse que fez do que com o que ela efetivamente fez - demonstrará que houve uma modificação no plano normativo. Então, o tribunal afirma que está aplicando uma ratio decidendi quando, na verdade, aplica uma nova ratio, incompatível com a anterior (MACÊDO, Lucas Buril de. Transformação, Sinalização e Superação Antecipada e sua Pertinência ao Sistema de Precedentes Brasileiro. Revista de Processo Comparado, vol. 3/2016, p. 89 - 120).
Diante dessa realidade, assim venho me manifestando no âmbito da 2ª Turma desta Corte Superior:
AGRAVO. RECURSO DE REVISTA. PEDIDO DE MANUTENÇÃO DO SOBRESTAMENTO DO FEITO. A matéria posta nos autos (base de cálculo para apuração do complemento da RMNR) já foi definida pelo STF no julgamento do RE 1.251.927/RN. Logo, não há mais motivo para manter o sobrestamento do feito. Agravo não provido. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. A decisão regional, ainda que contrária aos interesses da parte, está devidamente fundamentada no tocante à inclusão do adicional de periculosidade na base de cálculo para apuração do complemento da RMNR, não havendo falar em sua nulidade. Agravo não provido. COMPLEMENTO DA RMNR. BASE DE CÁLCULO. NORMA COLETIVA. ENTENDIMENTO VINCULANTE DO STF. 1. Cinge-se a controvérsia em definir se os adicionais constitucionais e legais devem integrar a base de cálculo para apuração do complemento da RMNR (Remuneração Mínima por Nível e Regime), pago pela Petrobras aos seus empregados. 2. O Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, ao julgar em 21/6/2018 o IRR - 21900-13.2011.5.21.0012, de relatoria do Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, entendeu que "os adicionais de origem constitucional e legal, destinados a remunerar o trabalho em condições especiais ou prejudiciais (adicionais de periculosidade e insalubridade, adicionais pelo trabalho noturno, de horas extras, repouso e alimentação e outros), não podem ser incluídos na base de cálculo, para apuração do ' complemento da RMNR', sob pena de ofensa aos princípios da isonomia, da razoabilidade, da proporcionalidade, da realidade e pela ínsita limitação à autonomia da vontade coletiva. Por outro lado, os adicionais criados por normas coletivas, regulamento empresarial ou descritos nos contratos individuais de trabalho, sem lastro constitucional ou legal, porque livres do império do "jus cogens", podem ser absorvidos pelo cálculo em testilha". 3. Contudo, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 1.251.927/RN, transitado em julgado em 1º/3/2024, com relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, concluiu que os critérios de cálculo adotados pela Petrobras em relação ao complemento da RMNR atendem aos princípios da isonomia, proporcionalidade e razoabilidade, razão pela qual deve ser reconhecida a negociação coletiva no aspecto, nos termos do art. 7.º, XXVI, da CF. Prevaleceu, portanto, o entendimento de que os adicionais percebidos pelo empregado devem ser incluídos no cálculo da parcela. 4. No caso, o Tribunal Regional entendeu que o adicional de periculosidade percebido pelo empregado deve ser incluído na base de cálculo para apuração do complemento da RMNR, o que está em consonância com o entendimento vinculante do STF sobre o tema. Agravo não provido. (Ag-RR-1283-83.2011.5.20.0004, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 30/08/2024).
Todavia, em se tratando de ação rescisória aviada contra decisão de mérito passada em julgado em harmonia com a diretriz jurisprudencial que já se havia instalado neste Tribunal Superior do Trabalho, a qual, ao menos em alguma medida, foi ratificada pelo Supremo Tribunal Federal no ARE 859.878 RG (Tema n. 795 da Tabela de Repercussão Geral), data maxima venia, considero não ser viável o corte rescisório com base no art. 485, V, do CPC de 1973 ou 966, V, do CPC de 2015. Nessas hipóteses, se violação de norma jurídica houve na decisão rescindenda, ela não pode ser tida como "manifesta" ou "literal".
Veja-se que o caso em tela não dá ensejo nem mesmo à invocação do art. 525, §§ 12 e 15 do CPC de 2015, porque a norma não se encontra em vigor no momento em que se deu o trânsito em julgado, o que ocorreu sob a égide do CPC de 1973.)
Ocorre que, por ocasião do julgamento da AR - 22453-08.2016.5.00.0000 e AR - 0022457-45.2016.5.00.0000 e do ROT - 0001770-38.2018.5.05.0000 e ROT - 0000285-20.2017.5.20.0000 ocorrido em 26/11/2024, a SBDI-2/TST, por ampla maioria, reiterou a sua jurisprudência, no sentido de que, conquanto a decisão de mérito transitada em julgado acerca da metodologia do cálculo da Remuneração Mínima por Nível e Regime (RMNR) tenha sido proferida de acordo com a jurisprudência tranquila do Tribunal Superior do Trabalho à época, a superveniência do julgamento do Supremo Tribunal Federal em sentido contrário revela que o decisum foi proferido em literal violação de lei (art. 485, V, do CPC de 1973) ou em manifesta violação de norma jurídica (art. 966, V, do CPC de 2015). Por isso, é impositivo o corte rescisório. Destaque-se que, na ocasião, a SBDI-2/TST reiterou a inaplicabilidade dos óbices das Súmulas nº 343/STF e 83/TST, bem assim a tese circunscrita no Tema nº 136 da Tabela de Repercussão Geral do STF. São muitos os julgados nesse sentido:
AÇÃO RESCISÓRIA. ACÓRDÃO RESCINDENDO TRANSITADO EM JULGADO SOB A VIGÊNCIA DO CPC/73. [...] BASE DE CÁLCULO DA RMNR - INCLUSÃO DOS ADICIONAIS - DIFERENÇAS SALARIAIS - PRETENSÃO RESCISÓRIA FUNDAMENTADA EM VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO DE LEI (ARTIGOS 5°, II e XXXVI, 7°, XXVI, da CF/88, 611, §1°, DA CLT, 112,113 e 114, do CCB ). A questão concernente à base de cálculo da Remuneração Mínima por Nível e Regime - RMNR foi objeto de intensos debates não apenas no âmbito dos Tribunais Regionais, como também entre as Turmas desta Corte. Trata-se de uma verba instituída pela Petrobrás, por meio de Acordo Coletivo de Trabalho, com objetivo de estabelecer um patamar remuneratório mínimo para cada nível e região de atuação da empresa, de modo a garantir a isonomia dos valores recebidos pelos empregados. Essencialmente, a controvérsia centrou-se em duas correntes divergentes: uma reconhecendo a validade da interpretação conferida pela Petrobrás para efeito de cálculo da RMNR e outra em sentido contrário, daí advindo o reconhecimento de diferenças salariais pleiteadas. A matéria foi submetida ao Pleno desta Corte, no julgamento do IRR-21900-13.2011.5.21.0012 (Tema 13), em 21/06/2018, pelo qual foi sedimentada a tese jurídica de que, "Considerando os fatos pretéritos e contemporâneos às negociações coletivas que levaram à criação da remuneração mínima por nível e regime - RMNR, pela Petrobras e empresas do grupo, positiva-se, sem que tanto conduza a vulneração do art. 7º, XXVI, da Constituição Federal, que os adicionais de origem constitucional e legal, destinados a remunerar o trabalho em condições especiais ou prejudiciais (adicionais de periculosidade e insalubridade, adicionais pelo trabalho noturno, de horas extras, repouso e alimentação e outros), não podem ser incluídos na base de cálculo, para apuração do complemento da RMNR, sob pena de ofensa aos princípios da isonomia, da razoabilidade, da proporcionalidade, da realidade e pela ínsita limitação à autonomia da vontade coletiva. Por outro lado, os adicionais criados por normas coletivas, regulamento empresarial ou descritos nos contratos individuais de trabalho, sem lastro constitucional ou legal, porque livres de tal império, podem ser absorvidos pelo cálculo do complemento de RMNR". Não obstante, a controvérsia foi ainda submetida à apreciação do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Agravo Regimental interposto no RE 1251927, cujo trânsito em julgado ocorreu em 05/03/2024. No aspecto relevante à presente controvérsia, firmaram-se, na ementa do julgado, as assertivas segundo as quais "O TST acolheu parcialmente os pedidos iniciais, para condenar a Petrobras ao pagamento de diferenças do complemento de RMNR e reflexos, determinando que, quando do cálculo da parcela denominada complemento de RMNR, os adicionais de origem constitucional ou legal sejam excluídos, considerados dedutíveis apenas os adicionais criados por normas coletivas, por regulamento de empresa ou meramente contratuais." e "O acórdão do TST desrespeita a jurisprudência desta CORTE fixada no RE 590.415, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Tema 152 da repercussão geral, bem como no RE 895.759AgR-segundo, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, e ainda, na ADI 3423, Rel. GILMAR MENDES, pelos quais confirmou-se a constitucionalidade do art. 7º, XXVI, da CF, que reconheceu as convenções e acordos coletivos de trabalho com direito dos trabalhadores.". Consoante se depreende, a ratio decidendi extraída do referido julgado reside na necessidade de reconhecimento e observância das cláusulas firmadas em acordos coletivos, nos termos do artigo 7º, XXVI, da CF/88, e conforme já decidido pelo STF no julgamento do Tema nº 152 da Tabela de Repercussão Geral. Portanto, prevaleceu, a teor do art. 987, §§ 1º e 2º, do CPC/2015, a tese vinculante e erga omnes de que adicionais devem compor o cálculo da parcela RMNR, a qual considera o nível da carreira, a região e o regime de trabalho de cada empregado, nos termos das cláusulas previstas em acordo coletivo que a instituiu. No caso dos autos, dentre os diversos fundamentos consignados no acórdão rescindendo, destacam-se os seguintes: a) "A RMNR não pode igualar nos casos nos quais a Constituição exige desigualdade. Essa constatação, a qual é bastante per si, ganha agravamento quando se infere da própria cláusula normativa que a observância da remuneração mínima ocorre "sem prejuízo de eventuais outras parcelas pagas, podendo resultar em valor superior a RMNR". A isonomia, a qual se mostra assim deliberadamente parcial, ressalva apenas os elementos de discriminação que a tabela de níveis remuneratórios da empresa entende razoáveis, sem qualquer parâmetro na lei. É como dizer: há parcelas, criadas aparentemente no âmbito da empresa, as quais não seriam absorvidas pela RMNR, enquanto os adicionais previstos em norma estatal o seriam. O discrímen legal ou mesmo constitucional é pretensiosamente desconsiderado pelo modelo exegético proposto pela defesa, em proveito da forma discriminatória de remunerar supostamente criada pela norma coletiva. Como visto, não o foi, nem poderia ter sido."; b) "O artigo 7º, XXVI, da Constituição não autoriza a negociação coletiva quando ela estabelece regra de isonomia que despreza elementos de discriminação exigidos por lei e pela norma constitucional."; e c) "De tal forma, encontra-se a decisão da Turma em perfeita consonância com a jurisprudência atual desta SBDI-1 em sua composição plena, no sentido de não se incluir no cômputo do cálculo da parcela RMNR, os adicionais oriundos da Constituição ou de lei imperativa devidos em razão de condições especiais do trabalho.". Diante disso, é certo que o acórdão rescindendo não se encontra em sintonia com a ratio decidendi do julgamento proferido pelo STF no julgamento do RE 1251927, estando ainda em dissonância com a tese firmada no Tema nº 152 da Tabela de Repercussão Geral e em contraposição ao disposto no artigo 7º, XXVI, da CF/88, razão pela qual deve-se admitir o pedido de corte rescisório fundamentado no artigo 485, V, do CPC/73. Ação rescisória julgada procedente para excluir da condenação as diferenças salariais decorrentes dos critérios de cálculo da parcela RMNR. Há precedentes desta SBDI-2 em casos análogos. Ação rescisória procedente. (AR-1000208-49.2017.5.00.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relatora Ministra Liana Chaib, DEJT 06/12/2024).
RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA AJUIZADA SOB A ÉGIDE DO CPC DE 1973. [...] ART. 485, V, DO CPC DE 1973. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 5º, II E XXXVI, E 7º, XXVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PETROBRÁS. COMPLEMENTO DA RMNR. DECISÃO VINCULANTE DO STF NO AG. REG. NO RE 1.251.927/RN. VIOLAÇÃO LEGAL NÃO CONFIGURADA NO ACORDÃO RESCINDENDO, NO QUAL A CORTE REGIONAL REPUTOU CORRETA A FORMA DE CÁLCULO ADOTADA PELA PETROBRAS. IMPROCEDÊNCIA DO CORTE RESCISÓRIO. 1. Em julgamento proferido no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 1.251.927/RN, com trânsito em julgado em 05/03/2024, a 1ª Turma do STF conferiu validade à fórmula utilizada pela Petrobras para o cálculo da Remuneração Mínima por Nível e Regime - RMNR, assinalando que o cômputo dos adicionais destinados a remunerar o trabalho em condições especiais ou prejudiciais para a apuração da referida parcela, tal como ajustado na norma coletiva da categoria, não viola os princípios da isonomia, da proporcionalidade e da razoabilidade. Invocando a jurisprudência da própria Corte Suprema quanto à tutela constitucional do direito coletivo dos trabalhadores (RE 590.415 - Tema 152 -, RE 895.759 AgR-segundo e ADI 3423), pronunciou-se, no julgamento, sobre o respeito aos acordos coletivos de trabalho e à inexistência de ofensa aos aludidos princípios constitucionais. Desse modo, consoante o decidido pelo STF, sem modulação de efeitos, por força do princípio insculpido no art. 7º, XXVI, da Carta de 1988, deve ser respeitada a forma de cálculo do complemento da RMNR adotada pela Petrobras e empresas do grupo, em conformidade com os critérios definidos em acordo coletivo de trabalho celebrado pelos trabalhadores (via sindicatos) e empregadores. Afinal, num contexto de negociação coletiva, sem que tenha havido transação em torno de normas de proteção à saúde e segurança no trabalho, não é dado ao Poder Judiciário autorizar o afastamento da cláusula normativa pela simples circunstância de alguns empregados terem auferido maiores ganhos que outros. 2. In casu , no acordão rescindendo, a Corte Regional reformou a sentença proferida nos autos da reclamação trabalhista matriz, reputando correta a fórmula de cálculo adotada pela Petrobras, ora Ré/recorrida, para pagamento do "Complemento de RMNR", razão pela qual não há espaço para o acolhimento da pretensão desconstitutiva. Recurso ordinário conhecido e não provido. (RO-27-30.2015.5.11.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 29/11/2024).
RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA. TRÂNSITO EM JULGADO DO ACÓRDÃO RESCINDENDO OCORRIDO NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. [...] II. PETROBRAS. COMPLEMENTO DE REMUNERAÇÃO MÍNIMA POR NÍVEL E REGIME - RMNR. PARCELA INSTITUÍDA POR NORMA COLETIVA. FORMA DE CÁLCULO. VIOLAÇÃO DO ART. 7º, XXVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL RECONHECIDA. NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA À NORMA COLETIVA FIRMADA ENTRE AS PARTES. ENTENDIMENTO FIRMADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 1.251.927/RN. CORTE RESCISÓRIO DEVIDO. 1. O Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, no julgamento do Incidente de Recursos Repetitivos, nos autos dos processos nº IRR-21900-13.2011.5.21.0012 e IRR-118-26.2011.5.11.0012 (Tema Repetitivo nº 13), fixou tese jurídica, no sentido de que " (...) os adicionais de origem constitucional e legal, destinados a remunerar o trabalho em condições especiais ou prejudiciais (adicionais de periculosidade e insalubridade, adicionais pelo trabalho noturno, de horas extras, repouso e alimentação e outros), não podem ser incluídos na base de cálculo, para apuração do complemento da RMNR, sob pena de ofensa aos princípios da isonomia, da razoabilidade, da proporcionalidade, da realidade e pela ínsita limitação à autonomia da vontade coletiva. (...)". 2. Em decisão diametralmente oposta, o Supremo Tribunal Federal, no exame da tese firmada no referido incidente de recursos repetitivos, nos autos do RE nº 1.251.927/RN (trânsito em julgado em 5/3/2024), à luz do art. 7º, XXVI, da CF/1988, conferiu validade à fórmula utilizada pela Petrobras para o cálculo da Remuneração Mínima por Nível e Regime - RMNR, julgando, em consequência, totalmente improcedente o pleito de diferenças do complemento de RMNR, sob o fundamento de que o cômputo dos adicionais destinados a remunerar o trabalho em condições especiais ou prejudiciais para a apuração da referida parcela não viola os princípios da isonomia, da proporcionalidade e razoabilidade, " uma vez que foram observadas as necessárias proporcionalidade, justiça e adequação no acordo coletivo realizado; acarretando sua plena constitucionalidade, pois presente a racionalidade, a prudência, a indiscriminação, a causalidade, em suma, a não-arbitrariedade ". 3. Nesse cenário, à luz da diretriz estabelecida no julgamento adrede referido, verifica-se que o acórdão rescindendo, ao não reconhecer validade à norma coletiva que pactuou a forma de cálculo da parcela em questão, importou em manifesta violação ao disposto no art. 7º, XXVI, da CRFB. Recurso ordinário conhecido e provido, no particular. [...]. (RO-161-64.2017.5.19.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 08/11/2024).
RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA SOB A ÉGIDE DO CPC/1973. PETROBRAS. COMPLEMENTO DA RMNR. BASE DE CÁLCULO. VALIDADE DA NORMA COLETIVA. 1. Discute-se nos autos a forma de cálculo do complemento da Remuneração Mínima por Nível e Regime - RMNR, a partir do critério fixado em norma coletiva firmada com a Petrobras. 2. A questão trazida no acórdão rescindendo (e reiterada nesta ação rescisória) diz respeito a definir se a exclusão dos adicionais pagos em decorrência de condições especiais ou prejudiciais de trabalho (periculosidade, noturno, HRA), retirando-os da base de cálculo do complemento da RMNR, representa mera interpretação do conteúdo da norma coletiva ou se, ao contrário, afronta a literalidade do que fora pactuado com a entidade sindical, em hipótese de afronta ao art. 7º, XXVI, da CF. 3. Na ocasião, a multiplicidade de recursos ensejou a afetação da matéria à sistemática dos recursos de revista repetitivos (Tema 13), com fixação de tese vinculante no âmbito da Justiça do Trabalho, pelo Tribunal Pleno do TST, no sentido de que a autonomia da vontade coletiva não poderia retirar a eficácia dos adicionais de origem legal ou constitucional, sob pena de violação dos princípios da isonomia, da razoabilidade, da proporcionalidade e da realidade. 4. Contudo, o julgamento do incidente foi objeto de recurso extraordinário (RE 1251927), provido pelo Supremo Tribunal Federal para reformar a decisão desta Corte e assentar a validade da norma coletiva que estabeleceu o critério de cálculo do complemento da RMNR, a partir do art. 7º, XXVI, da CF. 5. De acordo com o entendimento assentado pela Suprema Corte, extrai-se que a exclusão dos adicionais legais da base de cálculo do complemento da RMNR não representa mera interpretação do conteúdo da norma coletiva, mas verdadeiro desvirtuamento daquilo que havia sido livremente pactuado entre a Petrobras e as entidades de representação dos trabalhadores. 6. Conforme consignado na ementa de julgamento, " houve franca negociação com os sindicatos, os quais foram esclarecidos a respeito das parcelas que compõem a remuneração mínima, RMNR (salário básico, periculosidade, VP/ACT, VP/SUB e Adicionais de Regime/Condições de Trabalho) ". 7. Ademais, o STF não imprimiu modulação temporal de efeitos ao julgado, uma vez que " não houve mudança de orientação jurisprudencial ", justamente por se tratar da primeira vez em que a matéria chegou ao exame da Corte Constitucional. 8. Assentada a premissa de que a alteração dos critérios de cálculo do complemento da RMNR implica afronta ao art. 7º, XXVI, da CF, impõe-se o exame de seus efeitos sobre as ações rescisórias em curso. 9. Com efeito, tratando-se de matéria de índole constitucional, esta Subseção possui entendimento pacífico de que a existência de divergência interpretativa, à época em que proferida a decisão rescindenda, não constitui impedimento à incidência do corte rescisório, quando posteriormente verificada efetiva e manifesta afronta a preceitos da Constituição Federal. Inaplicável, portanto, o óbice da Súmula 83, I, do TST, em relação a temas constitucionais. 10. No caso concreto, o acórdão rescindendo traz registro do teor da norma coletiva e adota tese de que o " procedimento geral diz respeito à apuração da RMNR, com inclusão, apenas, do salário básico e das vantagens especificadas ", sem abarcar o adicional de periculosidade. 11. Constata-se, portanto, que a decisão rescindenda, ao afastar os adicionais legais da base de cálculo do complemento da RMNR, incorreu em violação do art. 7º, XXVI, da CF, ao negar vigência aos exatos termos pactuados em acordo coletivo. 12. Ação rescisória julgada procedente. Recurso ordinário conhecido e provido. (RO-490-73.2016.5.06.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relatora Ministra Morgana de Almeida Richa, DEJT 25/10/2024).
Destarte, com ressalva de entendimento pessoal, dou provimento ao recurso ordinário para julgar procedente a ação rescisória e, em juízo rescindente, desconstituir o ACÓRDÃO proferido nos autos da RT nº 0001744-84.2011.5.04.0203 no tocante aos critérios de cálculos da parcela complemento da RMNR.
Em juízo rescisório, julgo improcedente o pedido atinente às diferenças salariais decorrentes do afastamento dos adicionais legais da base de cálculo do complemento da RMNR.
Invertido o ônus da sucumbência.
Custas processuais e honorários advocatícios, ora arbitrados em 10% do valor atribuído à causa, de responsabilidade do réu.
Após o trânsito em julgado, devolva-se a quantia depositada a título de depósito prévio à autora. Atribui-se a este acórdão força de alvará.
PEDIDO DE DEVOLUÇÃO DE VALORES EXENTUALMENTE PAGOS. PRINCÍPIO DA IRREPETIBILIDADE DA PARCELA DE CONTEÚDO ALIMENTAR PERCEBIDA DE BOA-FÉ.
Ante o efeito devolutivo em profundidade do recurso ordinário, convém examinar o pedido de devolução de valores formulado pela autora.
Na petição inicial, a autora pleiteou o seguinte:
d) Em caso de provimento, devolver à PETROBRAS todos os valores pagos ao reclamante oriundos da decisão condenatória proferida nos autos da Reclamação Trabalhista nº 0001744-84.2011.5.04.0203, com o devido acréscimo de juros e correção monetária;
Ao exame.
Como se sabe, a cumulação de pedidos no processo civil brasileiro está regida pelo art. 327 do CPC:
Art. 327. É lícita a cumulação, em um único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão.
§ 1º São requisitos de admissibilidade da cumulação que:
I - os pedidos sejam compatíveis entre si;
II - seja competente para conhecer deles o mesmo juízo;
III - seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento.
A ação rescisória consiste em demanda constitutiva-negativa e, como tal, é capaz de criar uma situação jurídica nova a partir do desfazimento da coisa julgada e com o rejulgamento da pretensão matriz. A demanda é de competência originária dos tribunais.
De outro lado, as ações de repetição de indébito possuem natureza jurídica condenatória. Nesse tipo de demanda, busca-se declarar o direito a uma determinada prestação (no caso, a devolução que ensejaram o enriquecimento sem causa da parte ré) e abre caminho para a execução, quando se busca concretizar o cumprimento da obrigação estabelecida na decisão judicial. Trata-se de ação de competência originária do juízo de primeiro grau de jurisdição.
Está claro, pois, que é descabida a declaração acerca da existência de quantia a ser repetidas no bojo da ação rescisória, pois a medida encontra óbice no art. 327, II, do CPC. Ainda assim, na hipótese de procedência da pretensão desconstitutiva, a SBDI-2/TST, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal vêm admitindo que, ao se criar uma nova relação jurídica pela procedência do corte rescisório, o tribunal estabeleça o regime jurídico que deve norteá-la. Nesse cenário, não há óbice legal para a indicação abstrata da possibilidade de reconhecimento de valores a serem devolvidos em razão da recém-desconstituída decisão de mérito passada em julgado.
Nessa senda, a tradição jurídica que vem sendo trilhada pela SBDI-2/TST aponta para a irrepetibilidade de verbas alimentares percebidas de boa-fé, senão confira-se:
"RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA AJUIZADA SOB A ÉGIDE DO CPC DE 2015. DIFERENÇAS SALARIAIS DECORRENTES DA INCORPORAÇÃO DE ABONOS FIXOS. PEDIDO DE CORTE JULGADO PROCEDENTE. RESTITUIÇÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ PELA PARTE RÉ. DESCABIMENTO. PRECEDENTES DO STF, TST E SJT. 1. Cuida-se de Recurso Ordinário interposto contra acórdão que julgou procedente o pedido de corte rescisório contra decisão que deferiu à ré diferenças salariais com fundamento em isonomia em razão da incorporação de abonos fixos. 2. A controvérsia recursal cinge-se em averiguar a possibilidade de restituição dos valores recebidos pela recorrida em função do título executivo judicial desconstituído nestes autos. 3. É fato que os valores em debate foram pagos à recorrida em função de título executivo judicial que não mais subsiste no plano jurídico. Todavia, revela-se ponderoso o argumento acenado pela recorrida, no sentido de que tais valores foram recebidos em boa-fé, de modo a justificar a manutenção do acórdão recorrido. Isso porque se deve consignar que os valores recebidos pela recorrida, referentes a diferenças salariais, ostentam inquestionável natureza alimentar, além de terem sido, de fato, percebidos de boa-fé, com amparo em decisão judicial transitada em julgado. 4. Nesse cenário, torna-se indevida a restituição pretendida pelo recorrente ante a necessidade de se preservar o fundamento basilar da dignidade da pessoa humana, esteio do próprio Estado Democrático de Direito (art. 1.º, III, da Constituição da República), ao qual se subordina inclusive a supremacia do interesse público. Afinal, não é por outra razão que somente se pode cogitar da repetição nos casos em que se comprove a má-fé, o que não é o caso dos autos - os valores em discussão, friso, foram recebidos pela recorrida com amparo na coisa julgada, que, muito embora desconstituída nestes autos, tinha força suficiente para afetar o patrimônio jurídico da ré, à luz do princípio da segurança jurídica. 5. A natureza inquestionavelmente alimentar das verbas recebidas pela recorrida, alusivas a diferenças salariais, constitui o embasamento do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, ao qual se alinha a jurisprudência do STF, desta SBDI-1 e do STJ. 6. Portanto, tendo em conta os eventos ocorridos no feito primitivo e amparado na jurisprudência uniforme sobre o tema, é imperioso concluir pelo descabimento da restituição de valores recebidos de boa-fé por força de decisão judicial transitada em julgado posteriormente desconstituída em ação rescisória, impondo-se, por conseguinte, a manutenção do acórdão regional. 7. Recurso Ordinário não provido no tema. [...] 4. Recurso Ordinário conhecido e não provido" (ROT-5602-66.2019.5.15.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Luiz Jose Dezena da Silva, DEJT 19/05/2023).
"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS PELO SINDICADO OBREIRO. AÇÃO RESCISÓRIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. PEDIDO DE CORTE JULGADO PROCEDENTE. JUÍZO RESCISÓRIO. APURAÇÃO DOS HAVERES DOS LITISCONSORTES LIMITADA À DATA DE 11/12/1990. RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS. INCABÍVEL. OMISSÃO Caso em que são providos os Embargos de Declaração, sem efeito modificativo, para, suprindo omissão, consignar ser indevida a restituição dos valores pagos no cumprimento da decisão rescindenda, quando presente a boa-fé objetiva daquele que recebeu o crédito trabalhista, cuja natureza é alimentar [...]" (ED-RO-2049-87.2009.5.14.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Luiz Jose Dezena da Silva, DEJT 19/08/2022).
"RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA FUNDADA EM VIOLAÇÃO MANIFESTA DE NORMA JURÍDICA (ART. 966, V, DO CPC/2015). ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. BASE DE CÁLCULO. DECISÃO RESCINDENDA QUE DEFERE DIFERENÇAS DECORRENTES DA CORREÇÃO DO GRAU DE INSALUBRIDADE. DETERMINAÇÃO DE UTILIZAÇÃO DO SALÁRIO-MÍNIMO. INEXISTÊNCIA DE LEI OU NORMA COLETIVA QUE ESTIPULEM PADRÃO DISTINTO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 192 DA CLT OU DE AFRONTA À SÚMULA VINCULANTE Nº 4 DO STF. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO RESCISÓRIA. [...] 7. Não é demais ressaltar que é cediça no âmbito deste Tribunal Superior do Trabalho a impossibilidade de devolução -ou mesmo de criação de crédito, de qualquer natureza, em favor da empregadora- de valores recebidos de boa-fé, decorrentes de parcelas de natureza alimentar. Assim, tendo em vista que os valores auferidos pela trabalhadora decorriam do cálculo do adicional de insalubridade, em grau médio (20%) sob o salário-base, pagas pela Reclamada espontaneamente, e que estes foram recebidos de boa-fé, não há que se cogitar devolução de valores. Precedentes das Turmas deste Eg. TST. Recurso ordinário conhecido e desprovido. [...]" (ROT-33-12.2020.5.20.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Alberto Bastos Balazeiro, DEJT 20/05/2022).
"RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA . DECISÃO RESCINDENDA QUE RECONHECEU DIREITO AO RECEBIMENTO DE QUINQUÊNIOS. ART. 129 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. CORTE RESCISÓRIO JULGADO PROCEDENTE. IRREPETIBILIDADE DOS VALORES RECEBIDOS COM RESPALDO EM DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO. Trata-se de recurso ordinário interposto pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto contra acórdão do TRT que declarou a irrepetibilidade dos valores recebidos com respaldo na decisão desconstituída em ação rescisória. Com efeito, a percepção dos valores pelo réu, no período anterior à desconstituição da ação rescisória, teve respaldo em título executivo judicial definitivo, decorrente de decisão transitada em julgado. A proteção à coisa julgada é resultado da consagração, pela Constituição Federal de 1988, da segurança jurídica como princípio fundante do ordenamento jurídico, notadamente quando se trata de parcelas de natureza alimentar. Precedentes específicos da SBDI-2/TST. Recurso ordinário a que se nega provimento" (ROT-8313-78.2018.5.15.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 03/12/2021).
"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA AJUIZADA SOB A ÉGIDE DO CPC DE 2015. OMISSÃO CONFIGURAÇÃO. PROVIMENTO. Detectada a existência de omissão, imperioso conceder provimento aos embargos de declaração, em respeito ao disposto no artigo 93, IX, da Constituição Federal, mas sem imprimir efeito modificativo ao julgado. Na esteira dos mais recentes julgados desta SBDI-2 do TST, do STF e do STJ, descabe a devolução de valores que ostentem natureza alimentar e que tenham sido recebidos de boa fé por força de decisão transitada em julgado, posteriormente desconstituída em ação rescisória. Embargos de declaração conhecidos e providos" (AR-1000863-84.2018.5.00.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 19/03/2021).
"RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 966, V, DO CPC. PROCEDÊNCIA. DEVOLUÇÃO DE VALORES. No tocante à devolução de valores eventualmente já pagos na ação original, esta SbDI-2 possui firme entendimento de que em sede de ação rescisória, não se determina a devolução de valores de natureza alimentar recebidos de boa-fé por força da decisão rescindenda. Julgados. Recurso ordinário a que se nega provimento. [...]" (ROT-7342-59.2019.5.15.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relator Desembargador Convocado Marcelo Lamego Pertence, DEJT 03/12/2021).
"RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA AJUIZADA SOB A ÉGIDE DO CPC/15 (...) MUNICÍPIO DE GUARULHOS. QUINQUÊNIOS. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 97 DA LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AOS ARTS. 37, X, 61, § 1º, II, "A", E 169, § 1º, I E II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E 5º, § 2º, 24, § 2º, I, 25 E 144 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. CORTE RESCISÓRIO JULGADO PROCEDENTE. DECISÃO RECORRIDA QUE SE MANTÉM. A preliminar de inconstitucionalidade do art. 97 da Lei Orgânica Municipal, por vício de iniciativa, foi afastada de forma explícita na decisão rescindenda, de forma que resta preenchido o requisito exigido pela Súmula 298, I, desta Corte. A declaração de inconstitucionalidade do art. 97 da lei, em sede de controle concentrado, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, ADI nº 2083718-70.2014.8.26.0000 - TJ/SP, tem efeitos ex tunc, erga omnes e vinculante. Não se tratando da excepcionalidade em que a eficácia da declaração deva dar-se apenas "a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado" (art. 27 da Lei 9.868/1999), a decisão em sede de controle concentrado de constitucionalidade, sem modulação de efeitos, passa a ter eficácia desde a sua publicação no órgão oficial (art. 28 da Lei nº 9.868/1999), pelo que não há falar em necessidade de trânsito em julgado para o seu cumprimento. Assim, reconhece-se a nulidade do art. 97 da lei orgânica no município, bem como nulos seus efeitos (sublata causa, tollitur effectus), de maneira que qualquer vantagem daí decorrente deve ser suprimida, sem a necessidade de devolução dos valores já recebidos, porque o foram de boa fé. A decisão recorrida deve ser mantida, porque no mesmo sentido dos precedentes desta c. Corte Superior, em que se julgou devido o corte rescisório. Recurso ordinário do Réu conhecido e desprovido" (RO-1000132-68.2017.5.02.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 12/06/2020)
O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, igualmente, possuem caudalosa jurisprudência no sentido da irrepetibilidade de verbas alimentares percebidas de boa-fé em razão de superveniente corte rescisório:
DIREITO CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO EM AÇÃO RESCISÓRIA. IRREPETIBILIDADE DOS VALORES JÁ RECEBIDOS. PRECEDENTES. 1. Agravo interno contra decisão desta Corte que deu provimento parcial ao pedido formulado na ação rescisória. 2. Não é possível determinar a devolução de valores já recebidos por força de decisão judicial transitada em julgado, por serem de natureza alimentar e auferidos de boa-fé. Precedentes. 3. Agravo interno a qual se nega provimento. (AR 1976 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 11/05/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-135 DIVULG 29-05-2020 PUBLIC 01-06-2020)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 1.022 DO CPC/2015 NÃO CONFIGURADA. SERVIDOR PÚBLICO. VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO, POSTERIORMENTE DESCONSTITUÍDA POR AÇÃO RESCISÓRIA. RESTITUIÇÃO. DESNECESSIDADE. PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ. 1. Não há ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015, pois o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia em conformidade com o que lhe foi apresentado. O aresto vergastado manifestou-se explicitamente sobre a citada necessidade de devolução dos valores pagos indevidamente, afastando-a pelos argumentos expostos ao longo do voto. Além disso, o Tribunal a quo analisou expressamente a suposta ausência de boa-fé ante o julgamento da procedência de Ação Rescisória. 2. O acórdão recorrido decidiu em consonância com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça de que não é devida a restituição dos valores que, por força de decisão transitada em julgado, foram recebidos de boa-fé, ainda que posteriormente tal decisão tenha sido desconstituída em Ação Rescisória. Precedentes: AgRg no REsp 1.428.646/CE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 26/3/2014; e AgRg no AREsp 494.537/CE, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 8/4/2015. 3. Recurso Especial não provido." (STJ-REsp 1801116/RS, Relator Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, DJe 31/05/2019)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ALEGADA OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. RAZÕES DO RECURSO QUE NÃO IMPUGNAM, ESPECIFICAMENTE, OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. SÚMULA 182/STJ. SERVIDOR PÚBLICO. VALORES RECEBIDOS EM RAZÃO DE DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO. AÇÃO RESCISÓRIA. DEVOLUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO EM SINTONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO REGIMENTAL CONHECIDO, EM PARTE, E, NESSA PARTE, IMPROVIDO.
I. Interposto Agravo Regimental com razões que não impugnam, especificamente, os fundamentos da decisão agravada, mormente no ponto relativo à inexistência de violação ao art. 535 do CPC, não prospera o inconformismo, em face da Súmula 182 desta Corte.
II. Na forma da jurisprudência desta Corte, "em virtude da natureza alimentar, não é devida a restituição dos valores que, por força de decisão transitada em julgado, foram recebidos de boa-fé, ainda que posteriormente tal decisão tenha sido desconstituída em ação rescisória" (STJ, AgRg no AREsp 494.537/CE, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 08/04/2015). Nesse sentido: STJ, AgRg no AREsp 494.537/CE, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 08/04/2015; AgRg no REsp 1.428.646/CE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 26/03/2014; AgRg no AREsp 140.051/RO, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 07/05/2013; EDcl no AgRg no AREsp 268.509/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 09/05/2013.
III. Estando o acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência sedimentada nesta Corte, afigura-se acertada a decisão ora agravada que, com fundamento na Súmula 83 do STJ, obstou o processamento do Recurso Especial.
IV. Agravo Regimental parcialmente conhecido, e, nessa parte, improvido.
(AgRg no REsp n. 1.528.541/CE, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 18/2/2016, DJe de 1/3/2016.)
RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. VALORES RECEBIDOS EM VIRTUDE DE SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO. RESTITUIÇÃO INCABÍVEL. CARÁTER ALIMENTAR.
1. Não ocorre omissão quando o Tribunal de origem decide fundamentadamente todas as questões postas ao seu crivo.
2. Prestações alimentícias, assim entendidos os benefícios previdenciários, percebidas de boa-fé não estão sujeitas à repetição.
3. Recurso a que se nega provimento.
(REsp n. 697.768/RS, relator Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 17/2/2005, DJ de 21/3/2005, p. 450.)
Destaque-se que, na espécie, o corte rescisório não decorreu de qualquer ação culposa ou dolosa da parte ré, mas de mera evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e desta Corte Superior, conforme já se destacou.
Assim sendo, em atenção ao pedido de repetição de indébito, declaro que não são passíveis de devolução os valores incluídos em folha de pagamento a título de complementação de RMNR bem assim aqueles pagos ou levantados de contas judiciais antes do trânsito em julgado operado nos autos do RE 1.251.927/RN. Já o ressarcimento de eventuais valores auferidos de má-fé deve ser objeto de ação própria perante o juízo competente para tanto, o de primeira instância.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros e Ministras da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade e com ressalva de entendimento da relatora, conhecer do recurso ordinário e, no mérito, dar-lhe provimento para julgar procedente a ação rescisória e, em juízo rescindente, desconstituir o ACÓRDÃO proferido nos autos da RT nº 0001744-84.2011.5.04.0203 no tocante aos critérios de cálculos da parcela complemento da RMNR. Por unanimidade, em juízo rescisório, julgar improcedente o pedido atinente às diferenças salariais decorrentes do afastamento dos adicionais legais da base de cálculo do complemento da RMNR. Invertido o ônus da sucumbência. Quanto ao pedido de repetição de indébito, declarar que não são passíveis de devolução os valores incluídos em folha de pagamento a título de complementação de RMNR, bem assim aqueles pagos ou levantados de contas judiciais antes do trânsito em julgado operado nos autos do RE 1.251.927/RN. Já o ressarcimento de eventuais valores auferidos de má-fé deve ser objeto de ação própria perante o juízo competente para tanto, o de primeira instância.
Custas processuais e honorários advocatícios, ora arbitrados em 10% do valor atribuído à causa, de responsabilidade do réu.
Após o trânsito em julgado, devolva-se a quantia depositada a título de depósito prévio à autora. Atribui-se a este acórdão força de alvará.
Brasília, 1 de julho de 2025.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
MARIA HELENA MALLMANN
Ministra Relatora
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