Processo nº 7006357-42.2024.8.22.0002
ID: 262124225
Tribunal: TJRO
Órgão: Ariquemes - 2ª Vara Criminal
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 7006357-42.2024.8.22.0002
Data de Disponibilização:
29/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FERNANDA CAMILA TEIXEIRA DE SOUSA
OAB/RO XXXXXX
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CATIENE MAGALHAES DE OLIVEIRA SANTANNA
OAB/RO XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA Tribunal de Justiça Ariquemes - 2ª Vara Criminal , nº , Bairro , CEP 76872-853, Ariquemes, central_ari@tjro.jus.br Número do processo: 7006357-42.2024.8.22.0002…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA Tribunal de Justiça Ariquemes - 2ª Vara Criminal , nº , Bairro , CEP 76872-853, Ariquemes, central_ari@tjro.jus.br Número do processo: 7006357-42.2024.8.22.0002 Classe: Ação Penal - Procedimento Ordinário Polo Ativo: P. -. A. -. D. E. N. A. À. M. -. D. ADVOGADO DO AUTOR: PCRO - POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE RONDONIA Polo Passivo: R. B. D. S. ADVOGADOS DO REU: FERNANDA CAMILA TEIXEIRA DE SOUSA, OAB nº RO12214, CATIENE MAGALHAES DE OLIVEIRA SANTANNA, OAB nº RO5573A SENTENÇA I - RELATÓRIO: Trata-se de ação penal pública incondicionada, ajuizada pelo representante do Ministério Público do Estado de Rondônia, com fundamento no art. 129, I, da CF/88, c/c art. 24 do CPP, contra R. B. D. S., imputando-lhe a prática do delito capitulado no art. 213, caput, na forma do artigo 14, II, ambos do Código Penal. Narrou a denúncia que (ID 104912886): " No dia 20 de abril de 2024, por volta das 8h03min, na Rua Acre, nº 2160, Centro de Cacaulândia/RO, nesta comarca de Ariquemes/RO, o denunciado R. B. D. S., com consciência e vontade, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, com o fim de satisfazer a sua lascívia, tentou constranger a vítima, G. D. S., sua ex-companheira, mediante violência, consistente em empreender força física contra o corpo da vítima, puxando-a pelo braço, sem a sua anuência, a prática da conjunção carnal, não se consumando por circunstancias alheias a sua vontade. Segundo apurado, a vítima e o denunciado mantiveram uma relação conjugal, e na data do fato, estavam separados há 2 (duas) semanas. Depreende-se dos autos que, na data do fato, o infrator se dirigiu a residência da vítima, e no local chamou pelo seu nome. Consta que, a ofendida se negou a atendê-lo, azo em que o imputado tentou arrombar a porta da residência, e não conseguiu. Após muita insistência, a vítima abriu a porta para atendê-lo. Ato contínuo, o infrator adentrou na residência da ofendida, trancou a porta, pegou a vítima pelos braços, levando-a à força para o quarto, à jogou contra uma cama, na tentativa de manter relações sexuais, sem o consentimento dela, chegando a tirar a sua roupa de baixo. Nas declarações da ofendida, na p. 20, ela relata que o infrator apertou seu peito com força. Nesse momento, a vítima começou a gritar por socorro, oportunidade em que o infrator a soltou. A vítima então, acionou seu genitor e a polícia militar, que compareceu ao local dos fatos, e ao tomar ciência dos fatos, conduziu o denunciado para a delegacia de polícia para as devidas providências. Apurou-se que, a vítima apresenta lesões corporais consistentes em “equimose avermelhada em antebraço esquerdo medindo 6,0 x 2,0 cm; e escoriação linear em região mamária direita medindo 3.0 cm de extensão” descritas no laudo de exame de corpo de delito, acostado aos autos na p. 27. Ao final da peça acusatória, o representante ministerial requereu o seu recebimento e regular processamento para que, finalizada a instrução, seja o réu condenado às sanções previstas nos dispositivos legais violados, com observância das formalidades legais, tendo arrolado 4 testemunhas. O acusado foi preso em flagrante em 20/04/2024. No dia seguinte, realizou-se audiência de custódia, ocasião em que a prisão foi convertida em preventiva (ID 104445756). Em 23/04/2024, a defesa requereu a revogação da custódia cautelar (ID 104574406). O Ministério Público manifestou-se contrariamente (ID 104664394). Apesar disso, o juízo acolheu o pedido, substituindo a prisão por medidas cautelares diversas, incluindo o monitoramento eletrônico (ID 104900963). A denúncia foi oferecida em 29/04/2024 (ID 104912886), com base no inquérito policial n. 6176/2024 (ID 104912511), acompanhado do laudo de exame de corpo de delito (págs. 28/29) e do relatório policial (págs. 64/65). Na mesma data, a denúncia foi recebida (ID 104917958), com a determinação de citação do réu para apresentar resposta à acusação no prazo legal. Citado (ID 104975782), o acusado apresentou resposta (ID 105849913), arguindo, em sede preliminar, cerceamento de defesa durante o interrogatório na fase investigativa, fragilidade das provas e inconsistências entre o relato da vítima e o laudo pericial. No mérito, impugnou a acusação e apresentou rol de testemunhas. Diante da inexistência de causa para absolvição sumária (art. 397 do CPP), designou-se audiência de instrução e julgamento (ID 106045084), realizada em 31/08/2024. Na ocasião, foram ouvidos a vítima G.D.S., seu genitor Isaias da Silva, o policial militar João Marcelo de Lima, e as testemunhas Valdir Martinho da Silva e Adailton de Jesus Batista. A oitiva do PM Gilson Sote Filipe foi dispensada pelas partes, o que foi homologado pelo juízo. Ao final da instrução, o acusado foi interrogado (ID 110190056). Nas alegações finais, o Ministério Público requereu a condenação do réu nos termos do art. 213, caput, combinado com o art. 14, II, do Código Penal (ID 112946399). A defesa, por sua vez, reiterou as preliminares de nulidade dos atos investigativos, apontando contradições no relato da vítima, ausência de provas de materialidade e autoria, bem como vícios no interrogatório policial. No mérito, pleiteou: (a) absolvição com fundamento no art. 386, VII, do CPP; (b) subsidiariamente, a desclassificação da conduta para o crime do art. 215-A, caput, combinado com o art. 14, II, do Código Penal; e (c) aplicação da pena no mínimo legal, com fixação de regime inicial aberto. É o relatório. DECIDO. II - FUNDAMENTAÇÃO: II.I - PRELIMINARES: a) Da nulidade dos depoimentos dos policiais na fase de inquérito: A preliminar de nulidade dos depoimentos prestados por policiais militares na fase inquisitorial não merece acolhimento. É pacífico, conforme jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, que os relatos de agentes de segurança pública devem ser valorados como qualquer outra prova testemunhal, especialmente quando coerentes entre si e alinhados aos demais elementos probatórios. Não há vedação legal quanto à colheita ou validade desses depoimentos, sendo plenamente admissíveis para a formação do convencimento judicial. O precedente invocado pela Defesa (AgRg no AREsp 2.153.167/SP) não sustenta a tese de nulidade. No caso citado, a absolvição decorreu da ausência de provas produzidas sob contraditório judicial, pois os policiais, em juízo, não rememoraram os fatos. O julgado não declara a nulidade dos relatos do inquérito, mas sua insuficiência, quando isolados, para fundamentar uma condenação. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. POLICIAIS MILITARES DECLARARAM NÃO SE RECORDAR DA OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROVAS JUDICIALIZADAS DA AUTORIA DELITIVA . ÔNUS DA ACUSAÇÃO. IN DUBIO PRO REO. 1. "A teor do art . 155 do Código de Processo Penal, é inadmissível que a condenação do réu seja fundada exclusivamente em elementos de informação colhidos durante o inquérito e não submetidos ao crivo do contraditório e da ampla defesa, ressalvadas as provas cautelares e irrepetíveis" (AgRg no AREsp n. 2.365.210/MG, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 5/9/2023, DJe de 12/9/2023 .) 2. No caso, apesar de evidenciada a materialidade delitiva, não foi produzida prova judicializada apta a comprovar a autoria do delito, porquanto as testemunhas policiais, quando ouvidas em juízo, declararam não se recordar dos fatos, tendo apenas ratificado o teor das declarações prestadas perante a Autoridade policial, mediante confirmação de suas assinaturas no termo de depoimento de condutor.3. Não foram, portanto, apresentadas provas produzidas em juízo que apontassem os agravantes como autores do delito de tráfico .4. Reconsideração da decisão monocrática proferida às fls. 380-382, tornando-a sem efeito, para conhecer do agravo e dar provimento ao recurso especial, a fim de absolver os agravantes do delito de tráfico de drogas, porquanto ausente prova judicializada, produzida sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, apta a sustentar uma condenação. (STJ - AgRg no AREsp: 2153167 ES 2022/0190147-2, Relator.: Ministro JESUÍNO RISSATO DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT, Data de Julgamento: 14/05/2024, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/05/2024) Ainda, a alegação de que os depoimentos foram prestados com diferença de apenas um minuto e seriam “idênticos” não configura, por si só, vício de forma. A similitude dos relatos decorre da atuação conjunta dos agentes e da natural convergência de percepções. Não há qualquer nulidade na ordem de oitiva ou no conteúdo dos testemunhos. A participação parcial de um dos policiais nos eventos também não o impede de relatar os fatos que efetivamente presenciou ou aqueles que acompanhou posteriormente, como a lavratura do boletim ou a condução dos envolvidos, constituindo elemento probatório complementar. Importa destacar que eventuais vícios na fase inquisitiva, de natureza administrativa, não se estendem à ação penal. Assim já decidiu o STJ ao afirmar que, mesmo nulidades absolutas, demandam demonstração de efetivo prejuízo (art. 563 do CPP): AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXTORSÃO DUPLAMENTE MAJORADA. NULIDADES. AUSÊNCIA . PARCIALIDADE DO ESCRIVÃO DE POLÍCIA. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. EVENTUAL FALHA OCORRIDA NA FASE POLICIAL NÃO MACULA A AÇÃO PENAL. INVERSÃO DOS ATOS PROCESSUIAIS . CONCORDÂNCIA DA DEFESA. DOSIMETRIA. PRO PORCIONALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO . 1. Firme a orientação jurisprudencial desta Corte, segundo a qual a decretação da nulidade processual, ainda que absoluta, depende da demonstração do efetivo prejuízo, à luz do art. 563 do Código de Processo Penal, ex vi do princípio pas de nullité sans grief. 2 . Eventuais nulidades ocorridas no inquérito policial, dada a natureza inquisitiva do procedimento policial, não se comunicam com a ação penal dela subsequente. Nessa linha: AgRg no HC n. 849.007/MG, desta Relatoria, DJe de 8/9/2023 .3. Também não procede a alegação de nulidade decorrente do inversão nos atos processuais, isso porque segundo o acórdão recorrido (e-STJ fl. 1.352), fora oportunizado às partes, na ocasião da audiência de oitiva das testemunhas, manifestarem discordância, o que não fizeram; pelo contrário, concordaram com o ato .4. Este Tribunal entende que tendo a defesa contribuído para a ocorrência da alegada nulidade, não lhe é lícito, depois, suscitar o vício, observada a vedação à proibição de atos contraditórios, consubstanciado no princípio do "Venire Contra Factum Proprium". A propósito: AgRg no HC n. 784 .940/MS, relatora Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, DJe de 29/3/2023.5. A pena basilar foi exasperada em razão da valoração desfavorável de duas circunstâncias judiciais (circunstâncias e consequências do delito), não sendo desproporcional o aumento em 12 meses, considerando que a pena para o delito varia entre 4 e 10 anos de reclusão.6 . O magistrado não está obrigado a seguir um critério matemático rígido, de modo que não há direito subjetivo do réu à adoção de alguma fração específica para cada circunstância judicial, seja ela de 1/6 sobre a pena-base, 1/8 do intervalo entre as penas mínima e máxima ou mesmo outro valor. Tais frações são parâmetros aceitos pela jurisprudência do STJ, mas não se revestem de caráter obrigatório, exigindo-se apenas que seja proporcional e devidamente justificado o critério utilizado pelas instâncias ordinárias.7. Agravo regimental não provido . (STJ - AgRg nos EDcl no AREsp: 2436138 SP 2023/0297483-3, Relator.: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 21/11/2023, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/11/2023) APELAÇÕES CRIMINAIS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRELIMINAR DE NULIDADE. RELATÓRIO POLICIAL CONFECCIONADO POR APENAS UM AGENTE DE POLÍCIA . NÃO ACOLHIMENTO. EVENTUAL IRREGULARIDADE DO INQUÉRITO NÃO CONTAMINA A AÇÃO PENAL. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE . MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE. CONDENAÇÃO MANTIDA. PENA-BASE . REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. CONDUTA SOCIAL. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA . QUANTUM RAZOÁVEL E PROPORCIONAL. RECURSOS NÃO PROVIDOS. I - Não há falar em nulidade no Relatório policial confeccionado por um agente de polícia, pois tal elemento informativo de prova não se confunde com a perícia realizada por especialista descrita no artigo 159 do CPP. II - Eventuais irregularidades em sede de inquérito policial não contaminam o processo judicial, notadamente quando não se verifica a comprovação de prejuízo, como na hipótese . III - Mantém-se a condenação por tráfico de drogas quando as circunstâncias do caso concreto, evidenciadas pelos elementos informativos e probatórios constantes dos autos, comprovam de forma suficiente a materialidade e a autoria delitivas. IV - A prática de novo crime no curso do livramento condicional ou do cumprimento de pena no regime semiaberto, por crime anterior, constitui motivação idônea para demonstrar conduta social inadequada. V - Não se afigura desproporcional a fração de 1/5 para exasperação da pena-base, pois devidamente fundamentada pelo magistrado, que sopesou as circunstâncias dos artigos 59 do CP e 42 da Lei 11.343/2006 e as considerou desfavoráveis ao Apelante . VI - Recursos não providos. APELAÇÃO CRIMINAL, Processo nº 7005245-40.2021.822 .0003, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, 1ª Câmara Criminal, Relator (a) do Acórdão: Des. Osny Claro de Oliveira, Data de julgamento: 20/06/2023 (TJ-RO - APR: 70052454020218220003, Relator.: Des. Osny Claro de Oliveira, Data de Julgamento: 20/06/2023) Por fim, a valoração dos elementos informativos como prova é questão a ser analisada no mérito. Portanto, ausentes vícios formais ou materiais, rejeito a preliminar de nulidade. b) Da divergência do depoimento da vítima: A preliminar defensiva confunde-se com o mérito da causa. A suposta fragilidade do relato da vítima e as alegadas contradições não constituem vício formal. Trata-se de argumento a ser enfrentado na valoração do conjunto probatório, própria da fase meritória. Nos crimes contra a dignidade sexual, o depoimento da vítima tem especial relevância, desde que prestado com coerência e harmonia com os demais elementos dos autos. Eventuais imprecisões pontuais, como as apontadas pela Defesa, não caracterizam nulidade. A tese de que a vítima teria se lesionado em momento anterior aos fatos também se insere na análise do mérito e será apreciada à luz das provas produzidas. Dessa forma, rejeito a preliminar. c) Da ausência de materialidade e autoria e exame de corpo de delito: A alegação de ausência de materialidade e autoria também não comporta exame em sede preliminar. A análise da compatibilidade entre os relatos, o laudo pericial e demais provas deve ocorrer na fase de julgamento, no exame do mérito. Eventuais inconsistências ou dúvidas sobre autoria e materialidade não configuram nulidade processual, mas elementos de convencimento judicial. A preliminar, portanto, deve ser rejeitada. d) Do cerceamento de defesa do interrogatório do acusado na fase de inquérito: A preliminar defensiva de nulidade por suposto cerceamento de defesa, em razão de o interrogatório do acusado ter ocorrido antes da assinatura da nota de culpa, não merece prosperar. Primeiramente, não há nulidade sem a demonstração de prejuízo, conforme estabelece o artigo 563 do Código de Processo Penal (princípio do pas de nullité sans grief). No caso dos autos, o acusado foi regularmente preso em flagrante, conduzido à delegacia e interrogado na fase inquisitorial, estando acompanhado de advogado, ocasião em que teve a oportunidade de prestar sua versão dos fatos, inclusive negando expressamente as acusações que lhe foram imputadas. A nota de culpa, por sua vez, tem como finalidade garantir ao preso a ciência formal dos motivos da prisão e da autoridade responsável pela lavratura do auto. A lavratura posterior da nota de culpa em relação ao interrogatório policial não configura, por si só, qualquer vício capaz de ensejar nulidade, sobretudo quando não demonstrado que tal ordem tenha causado prejuízo ao exercício da autodefesa. Ademais, o interrogatório policial possui natureza meramente informativa e não é ato essencial para a validade da ação penal. Eventuais vícios ocorridos na fase inquisitorial não contaminam a instrução processual, tampouco têm o condão de ensejar nulidade do feito, conforme reiteradamente reconhecido pela jurisprudência. Dessa forma, rejeito a preliminar arguida. II.II - Mérito: Não há outras questões prejudiciais ou preliminares a serem conhecidas, seja por provocação das partes, seja de ofício. Verifica-se a presença dos pressupostos processuais e das condições da ação penal. Passo à análise do mérito. Antes, no entanto, cabe registrar breves considerações introdutórias. As ações penais que versam sobre crimes contra a dignidade sexual, por sua própria natureza, apresentam notória complexidade. Em regra, os fatos ocorrem em ambientes reservados, sem a presença de testemunhas diretas, o que dificulta sobremaneira a reconstrução fática. Quando há vestígios, geralmente são escassos, e as circunstâncias do delito se revelam de forma fragmentada e subjetiva. Diante desse cenário, a jurisprudência pátria tem conferido especial relevância à palavra da vítima, desde que coerente, firme e harmônica com os demais elementos de prova constantes dos autos. A materialidade do delito de estupro tentado restou comprovada através do auto de prisão em flagrante nº. 6176/2024/DEAM-ARIQUEMES (ID 104912511), boletim de ocorrência policial nº. 00060399/2024 (ID 104912511 – pág. 10/12), termo de depoimento dos policiais que atenderam à ocorrência (ID 104912511 - pág. 13/18), termo de declarações da vítima (ID 104912511 – pág. 21/22), Laudo de Exame de Corpo de Delito – Lesão Corporal (ID 104912511 – pág. 28/29), bem como nas demais provas documentais e orais colhidas na instrução criminal. Do mesmo modo, a autoria restou indubitavelmente comprovada através da prova oral colhida nas fases inquisitorial e judicial. Na fase inquisitorial, foram colhidos os seguintes depoimentos: Vítima (G.D.S.): “Que estou separada de meu ex marido, e ele foi foi casa e tentou me agarrar; faz duas semanas que nós estamos separados; ele queria ter relação sexual comigo a força mas não tocou em mim, não foi mais a frente, Que não me lembro o que ele falou ele fica me perturbando o tempo todo; Que desejo medida protetiva de urgência; Que estou com marca no braço e peito; Que ele tava bêbado, ele apertou meu. peito; ele apertou a força que pedi socorro e gritei;” Réu (R. B. D. S.): “Que esteja acompanhado do meu advogado o Dr. Paulo Pedro de Carli OAB 6628/2024; Que desejo falar com meu advogado; Que ontem a noite nós tava numa festa eu com meus parentes e ela também; Que estava na mesa ela meu primo e todo mundo se divertiu, que depois ela passou em frente casa e nos gritou ela ela olhou e foi embora; Que o rapaz que mora no mesmo quintal de nome VALDIR me chamou para tomar cerveja e ele tava dormindo e eu bati porta e ela respondeu e eu disse quem tá aqui é eu, Que passou um colega meu na rua e eu perguntei se tinha fumo e ela abriu a porta e nós conversamos eu e ela e nos trocou um beijo e eu pensei que nós tava entendendo e ela disse que nao dava e eu sai e ela saiu e ligou para o pai deia e os homens chegou, a polícia; Que sobre a marca não tenho nada a falar; Que dada a palavra ao advogado para apresentar quesitos ou razões se deu por satisfeito.” Em juízo, a vítima confirmou o relato em sede de inquérito, descrevendo os fatos com detalhes. Inicialmente, informou que era casada com o réu, mas havia se separado cerca de duas semanas antes dos acontecimentos. Contou que, na data dos fatos, estava em uma festa e, ao retornar para casa na manhã seguinte, entrou, trancou a porta e foi tomar banho. Logo depois, seu ex-marido chegou e começou a pedir que ela abrisse a porta. Ela recusou, dizendo que não tinha nada a falar com ele e que ele deveria ir embora. Mencionou que ambos estavam alterados, pois haviam consumido bebida alcoólica. Em seguida, um conhecido passou pelo local e pediu que ela abrisse a porta, o que ela fez, conversando com ele. Após encerrar a conversa e fechar a porta, o réu “empurrou a porta e entrou pra dentro da minha casa e trancou a porta, ai ele me jogou em cima da cama, tentou tirar minha roupa, ele tirou a parte de baixo da minha roupa, ai eu comecei gritar porque eu morava numa casa onde era, a residência era junto do quintal, tinha duas casas, a casa que eu morava e a casa do dono da casa né, ai eu comecei a gritar e falaram que escutaram, ai eles foram e ligaram pro meu pai, ai meu pai ligou pra polícia, ai a polícia foi lá na minha casa, quando a polícia chegou lá, ele estava lá ainda, no lugar, no local”. Ao ser questionada pelo Ministério Público, detalhou que estava sozinha em casa antes da chegada do infrator. Relatou que Valdir, proprietário do imóvel, e sua família estavam na residência vizinha no momento dos fatos. Explicou que ambas as casas tinham acesso à rua. Disse que o réu chegou, bateu várias vezes na porta e, em seguida, deitou-se na rede, continuando a pedir que ela abrisse, mesmo diante da negativa. Contou que ele passou a empurrar e forçar a porta, enquanto ela pedia que parasse, pois não queria conversar com ele. Após algum tempo, ele desistiu. Nesse momento, Adailton, um conhecido da vítima, pediu para conversar com ela, o que foi aceito. Quando voltou a fechar a porta, o réu entrou na residência. Mencionou que Adailton tentou chamar Rodrigues para que fosse embora, mas ele se recusou. Afirmou que o réu forçou a porta e, ao entrar, trancou-a, assim como a porta do quarto. Disse que ele a empurrou até o quarto, ocasião em que “me jogou em cima da cama, abriu a minha bermuda, que eu tava de bermuda jeans, abriu tirou, tirou minha calcinha também, e eu comecei gritar”. Mencionou que o réu dizia “que queria ficar comigo, que queria ficar comigo, só isso que ele falava o tempo todo”, momento em que ela reafirmava que não queria, mas ele persistia. Informou que Rodrigues “abriu o zíper da roupa, ele abriu, botou tudo pra fora lá, as partes íntimas dele, ele abaixou a bermuda, a cueca, ele tava sem camisa”. Esclareceu ainda que ele apertava seus seios para impedi-la de se levantar, causando-lhe lesões, além de machucar seu braço com força. Relatou que ele não conseguiu consumar nenhum ato, pois “eu me debatia, eu empurrava ele com o pé, com os braços, o que eu pude fazer, eu fiz”. Disse que gritou por socorro, ciente de que seu vizinho estava em casa. Detalhou que, ao gritar, o vizinho ligou para seu pai, que acionou a Polícia Militar, que chegou rapidamente. Informou que, ao ouvir barulhos externos, o réu saiu de cima dela e correu até a porta, onde encontrou os policiais. Ressaltou que o policial conhecia Rodrigues, pois ele era muito estressado, e, quando bebia, ficava agressivo. Relatou que o relacionamento era conturbado, com brigas frequentes, ameaças, agressões e tentativa de homicídio em ocasiões anteriores. O informante Isaias da Silva, genitor da vítima, em juízo, esclareceu que antes dos acontecimentos, já havia informado ao quartel da Polícia Militar sobre a relação conturbada da filha com o réu. Explicou que morava longe e queria que os policiais soubessem da situação, pois tinha certeza de que era perigosa. Afirmou que Rodrigues não respeitava limites e costumava incomodar a filha. Relatou conhecer o réu desde a infância e que já o havia aconselhado a deixá-la em paz. Sobre o dia dos fatos, relatou que estava trabalhando no curral do sítio onde mora quando o dono da residência onde sua filha vivia ligou. Como não atendeu, o vizinho contatou sua esposa, que o avisou. Ele então acionou a polícia. Disse que o réu “chegou lá, deitou numa rede, não chamou ninguém, ele entrou pra dentro, tem, tinha uma porteirinha até de… feita lá de coisa de tela né, não segurava nada na verdade né, ai ele chegou, deitou na rede, ai eu acho que deitou e chegou não sei o horário, que eu não sei esse horário, eles que sabem né, deitou, ai esperou uma oportunidade pra ela abrir a porta pra ele entrar pra dentro né, no caso seria pra entrar pra dentro, ele não tinha forçado nado antes, quando chamou ela, diz que depois que chamou ela, ai ela respondeu, e falou pra ele: o que cê tá fazendo ai? E mandou ele ir embora, ele não quis ir embora, ai pediu pra conversar com ela, foi aonde que ela passou esse detalhe pra nós, e os meninos lá também, que dai eles viram né, pessoal lá viu, ai foi aonde que ele pegou empurrou a porta, entrou pra dentro, trancou, trancou a porta do quarto, e tentou abusar dela, coisa que eu nem imaginava que ele ia fazer isso né”. Detalhou que, diante dos gritos da filha, o vizinho ligou para ele, o que levou à intervenção da polícia. Comentou que um rapaz, ao passar em frente à casa da vítima, pediu que Rodrigues fosse embora, mas ele se recusou. Quando chegou ao local, a equipe policial já levava o réu algemado. Ressaltou que sua neta estava na casa da vizinha no momento dos fatos. Por fim, informou que o réu já tinha falado de matar a filha algumas vezes. A testemunha PM João Marcelo de Lima, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, afirmou que já conhecia as partes por outras ocorrências. Disse que soube dos fatos por meio de ligação ao quartel, dirigindo-se ao local. A vítima relatou que “o Rodrigues Bispo foi até sua residência, e bateu na porta, chamou, pediu pra ela que abrisse a porta, aí ela não abriu a porta, conforme o relato dela a guarnição, ele começou bater na porta, tentou inclusive até arrombar, e não conseguiu mas continuou batendo insistentemente, nisso Graciane foi e abriu essa porta conforme ela nos relatou, que seguida o seu Rodrigues Bispo adentrou na residência, trancou a porta, e pegou a Graciane e levou até o quarto, jogou ela em cima de uma cama, e tentou tirar a roupa dela, despir ela né, e conseguindo tirar a parte de baixo, isso aí é conforme relato da Graciane, e tentou fazer sexo a força, sem consentimento de Graciane, que ela começou a gritar e pedir por socorro, nisso ele soltou ela, ai momento esse, Graciane ligou para o pai, que conversou com a mãe, foi onde ela entrou em contato, ai conforme a Graciane nos relatou, ele soltou né, e já no quartel, a própria Graciane falou que ela estava assim com uma lesão nos seios né, tipo um riscado de unha, e uma lesão no pulso esquerdo, e reclamava de dor no pescoço”. Informou que o réu permaneceu em silêncio, limitando-se a dizer que o corte em sua mão era anterior ao ocorrido. Confirmou ter visto as lesões nos seios e no pulso da vítima, embora não tenha notado vermelhidão no pescoço. Disse que a mãe da vítima entrou em contato com a guarnição, e que outra equipe policial foi ao local por conta do horário de troca de plantão. A testemunha Valdir Martinho da Silva, proprietário do imóvel, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, informou que a vítima residia ao lado de sua casa, em imóvel alugado. Afirmou que não ouviu barulhos e só percebeu a situação quando a polícia já chegava e o réu estava do lado de fora. Negou ter ligado para o pai da vítima e disse que sua esposa também não ouviu nada. Afirmou que, se alguém ligou, foram outros vizinhos. Confirmou que a filha da vítima estava sob seus cuidados, já que a mãe havia ido a uma festa. A testemunha Adailton de Jesus Batista relatou em juízo que passava pela rua quando o réu, deitado na rede da área externa da casa de Graciane, pediu um “fumo”, que ele forneceu. Em seguida, chamou Graciane para saber se tinha papel, e ela respondeu que não. Disse que foi embora após isso. Afirmou não ter visto o réu entrar na residência e negou ter pedido que ele fosse embora. Disse ter visto os dois conversando, ela do lado de dentro e ele do lado de fora. O réu, por sua vez, em interrogatório judicial negou os fatos, afirmando que, na data, estava deitado na rede da casa de Graciane quando pediu um “fumo” a um amigo. Alegou que a conversa com Graciane se limitou a confirmar que não havia papel. Negou ter tentado qualquer ação contra ela. Afirmou não ter ingerido álcool naquele dia e que, apesar da separação, conviviam em paz. Disse não saber por que está sendo acusado e que, ao tentar sair, a polícia chegou. Alegou que esteve com a vítima na noite anterior. No caso em apreço, a vítima apresentou seu relato com clareza e riqueza de detalhes, sem que se identifiquem elementos capazes de comprometer a veracidade de suas declarações. A alegação defensiva de divergência entre os depoimentos não merece acolhida. Observa-se que a vítima confirmou, de forma coerente, os fatos descritos no boletim de ocorrência, reiterando em juízo que as informações prestadas aos policiais coincidem com aquelas repassadas à autoridade policial. A eventual variação redacional no termo de declarações não compromete a essência da narrativa, que permanece firme ao afirmar a tentativa de abuso sexual perpetrada pelo réu. A suposta contradição entre a existência de arranhões nos seios da vítima e sua afirmação de que o réu teria apertado essa região do corpo é irrelevante. É perfeitamente plausível que o uso de força, especialmente com as mãos, provoque lesões do tipo descrito, inclusive escoriações causadas pelo atrito das unhas com a pele. O Laudo de Exame de Corpo de Delito reforça a versão da vítima ao afirmar que houve lesão corporal produzida por meio mecânico, compatível com a violência narrada. Em crimes contra a dignidade sexual, sobretudo quando praticados em contexto de vulnerabilidade da vítima, sua palavra assume especial relevância como meio de prova. Isso se deve à própria natureza dessas condutas, frequentemente praticadas sem testemunhas. Tal entendimento é pacífico tanto na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia quanto em âmbito nacional: Apelação criminal. Estupro. Materialidade e autoria. Conjunto probatório. Absolvição. Impossibilidade. 1. A palavra da vítima, quando encontra apoio em outros elementos de prova coletados nos autos, mostra-se suficiente para manter a condenação, não subsistindo a tese da fragilidade probatória. 2. Responde por estupro de vulnerável o agente que, produzindo incapacidade de resistência na vítima, pratica atos para satisfazer sua lascívia” (TJ-RO - APL: 00095927520168220501 RO 0009592-75.2016.822.0501, Data de Julgamento: 28/05/2020, Data de Publicação: 10/06/2020). Recurso ministerial. Estupro. Ato libidinoso. Autoria e materialidade . Comprovação. Palavra da vítima. Depoimento de testemunhas. Laudo pericial . Conjunto probatório harmônico entre si. Condenação. Recurso provido. 1 . Nos crimes de natureza sexual, a palavra da vítima, em especial quando encontra apoio em outros elementos de provas produzidas nos autos, mostra-se suficiente para manter a condenação, não subsistindo a tese de fragilidade das provas. 2. Recurso que se dá provimento. Apelação, Processo nº 0011654-59 .2014.822.0501, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, 2ª Câmara Criminal, Relator (a) do Acórdão: Des. Álvaro Kalix Ferro, Data de julgamento: 23/02/2022 (TJ-RO - Apelação: 00116545920148220501, Relator.: Des . Álvaro Kalix Ferro, Data de Julgamento: 23/02/2022, Data de Publicação: 21/03/2022) APELAÇÃO CRIMINAL – ESTUPRO DE VULNERÁVEL – PLEITO DE ABSOLVIÇÃO – INVIABILIDADE – RELEVANTE VALOR PROBANTE – PALAVRA DA VÍTIMA – INTELIGÊNCIA DO ENUNCIADO ORIENTATIVO N. 10, DA TCCR/TJMT – DESCLASSIFICAÇÃO PARA A MODALIDADE TENTADA OU PARA O CRIME DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL – IMPOSSIBILIDADE – PRECEDENTE DO STJ – RECURSO DESPROVIDO. 1. Nos termos do Enunciado Orientativo n . 10, da Turma de Câmaras Criminais Reunidas do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, em se tratando de crimes contra a dignidade sexual, a palavra firme e coerente da vítima assume especial relevo no contexto probatório, uma vez que delitos dessa natureza são comumente praticados às ocultas, como no caso dos autos. 2. Descabida a desclassificação para a modalidade tentada, ou para o crime de importunação sexual (art. 215-A, do CP), tendo em vista que efetivamente restou configurado o delito de estupro de vulnerável (art . 217-A, do CP), decorrente de ato libidinoso diverso da conjunção carnal praticado em desfavor de vítima, menor de 14 (catorze) anos, que teve sua dignidade sexual invadida/violada quando o acusado a levou para dentro de sua casa, “levantou sua saia” e “encostou o pênis em sua vagina”, na tentativa de realizar o ato sexual (REsp n. 1.954.997/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, julgado em 8/6/2022, DJe de 1/7/2022) . 3. Recurso desprovido. (TJ-MT - APELAÇÃO CRIMINAL: 0018114-48.2014 .8.11.0055, Relator.: LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO, Data de Julgamento: 14/05/2024, Quarta Câmara Criminal, Data de Publicação: 17/05/2024) PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME DE ESTUPRO. PLEITO ABSOLUTÓRIO . INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. PALAVRA DA VÍTIMA CORROBORADA POR OUTROS ELEMENTOS DE PROVA. DECISÃO MANTIDA. 1 . Em crimes contra a liberdade sexual, a palavra da vítima possui especial relevância, uma vez que, em sua maioria, são praticados de modo clandestino, não podendo ser desconsiderada, notadamente quando corroborada por outros elementos probatórios. 2. Tendo o depoimento prestado pela vítima sido corroborado por outros elementos de prova, colhidos sob o crivo do contraditório, a revisão do julgado, com vistas à absolvição, esbarra no óbice da Súmula 7/STJ. 3 . Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no AREsp: 2456937 AP 2023/0300336-3, Relator.: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 07/10/2024, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/10/2024) Eventuais contradições em aspectos periféricos — como a identidade da pessoa que acionou a polícia — não afetam o núcleo da acusação, centrado na tentativa de violência sexual. A narrativa da ofendida, G.D.S., é firme, coesa e reiterada com consistência, inclusive no tocante à dinâmica dos fatos: invasão domiciliar, tentativa de desnudamento, resistência física e intervenção policial. O depoimento de seu pai, Isaias da Silva, corrobora com similaridade e firmeza os elementos centrais da acusação. A convergência desses relatos confere verossimilhança à versão apresentada, não sendo desqualificada por divergências secundárias ou subjetividades de testemunhas indiretas. A alegação de que os policiais que atenderam à ocorrência não foram os mesmos que redigiram o boletim não compromete a validade do documento, tratando-se de prática comum em períodos de troca de turno. O boletim de ocorrência tem valor subsidiário, sendo os relatos da vítima, corroborados por exame pericial, o núcleo da prova. Igualmente irrelevante é o argumento de que a vítima teria antecipado os fatos ou descrito episódios anteriores. Em delitos dessa natureza, é comum que a vítima traga elementos do histórico de agressividade, os quais auxiliam na contextualização do comportamento do agressor. Essa dinâmica foi corroborada por testemunhas e reconhecida por policiais que já conheciam o casal. As negativas do réu são isoladas, vagas e dissociadas do conjunto probatório. Sua versão, segundo a qual teria apenas conversado pacificamente com a vítima, confronta diretamente o relato detalhado e espontâneo da ofendida, prestado sob o crivo do contraditório. Quanto à tipicidade, a conduta do réu subsume-se ao tipo penal previsto no art. 213, caput, do Código Penal: Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. A pretensão defensiva de desclassificação da conduta para o delito de importunação sexual, previsto no art. 215-A do Código Penal, mesmo em sua forma tentada, não merece acolhida. O tipo penal do art. 215-A exige a prática de ato libidinoso contra alguém e sem o seu consentimento, mas dissociado de violência ou grave ameaça. Em geral, trata-se de condutas menos invasivas, cometidas em contextos públicos ou sem constrição física relevante. Não é o que se verifica nos autos. Nesse sentido: Penal. Apelação. Estupro. Conjunto probatório harmônico . Palavra da vítima. Desclassificação. Importunação sexual. Impossibilidade . Violência e grave ameaça. Recurso não provido. A palavra da vítima, nos crimes sexuais, aliada aos demais elementos de provas coligidos nos autos, dando conta da existência do fato e a sua autoria, é suficiente para autorizar a condenação do réu. Inviável a desclassificação do crime de estupro (art . 213 do CP) para importunação sexual (art. 215-A do CP) quando comprovados pela palavra da vítima e testemunhas que a conduta do apelante foi praticada mediante violência e ameaça (TJ-RO - APL: 10010608220178220009 RO 1001060-82.2017.822 .0009, Data de Julgamento: 06/05/2021, Data de Publicação: 18/05/2021) EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - ROUBO - TENTATIVA DE ESTUPRO - PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO OU CONGRUÊNCIA - VIOLAÇÃO - NÃO OCORRÊNCIA - PRELIMINAR AFASTADA - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - DEPOIMENTO DA VÍTIMA - COERÊNCIA - CONDENAÇÃO MANTIDA - DESCLASSIFICAÇÃO PARA IMPORTUNAÇÃO SEXUAL - IMPOSSIBILIDADE. Estando os fatos expressamente narrados na peça acusatória, possibilitando ao agente a defesa do que lhe foi imputado, deve ser afastada a preliminar de violação ao princípio da correlação. Não ofende o princípio da correlação a sentença que condena o Réu por tentativa de estupro narrada na denúncia. Comprovado que o Réu tentou, mediante violência e grave ameaça, constranger a vítima a praticar ou permitir a prática de ato libidinoso, deve ser mantida a condenação pelo delito de estupro tentado . A palavra da vítima assume especial relevância, notadamente quando narrado com riqueza de detalhes todo o fato, de maneira coerente, coesa e sem contradições. Constitui importunação sexual a prática contra alguém e sem a sua anuência de ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro, se o ato não constitui crime mais grave. A diferença precípua do delito de estupro e o de importunação sexual é a ocorrência de violência. Exercida a violência contra a vítima não há que se falar em desclassificação do crime previsto no art . 213 do CP para o do art. 215-A do CP. (TJ-MG - APR: 00065503420238130271, Relator.: Des.(a) Anacleto Rodrigues, Data de Julgamento: 26/10/2023, 8ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 27/10/2023) A narrativa da vítima é clara ao demonstrar que o réu invadiu sua residência, trancou portas para impedir sua fuga, empurrou-a até o quarto, jogou-a na cama, despiu-lhe parcialmente, imobilizou-a com uso de força e manifestou a intenção inequívoca de consumar ato sexual, sendo contido apenas pela resistência da vítima e pela chegada da polícia. Essas ações revelam não apenas violência física direta, mas também inequívoco dolo de conjunção carnal contra a vontade da vítima, elementos que afastam a incidência do art. 215-A e justificam a tipificação pelo art. 213 do Código Penal. A tentativa de estupro se configura quando, iniciada a execução do crime, sua consumação é frustrada por circunstâncias alheias à vontade do agente, conforme dispõe o art. 14, inciso II, do Código Penal. No caso concreto, o réu percorreu grande parte do iter criminis. Já havia retirado as próprias vestes e parte das roupas da vítima, a dominava fisicamente e se encontrava em pleno ato de execução do estupro, interrompido apenas pela reação da vítima, que gritou e conseguiu se desvencilhar, e pela intervenção policial. Tais circunstâncias demonstram claramente que a não consumação decorreu de fatores externos à vontade do acusado. A jurisprudência é pacífica ao reconhecer a tentativa de estupro quando há início de execução com potencial consumativo, frustrado por resistência da vítima ou intervenção de terceiros. Assim, mostra-se juridicamente adequada a incidência do artigo 14, inciso II, do Código Penal, em concurso com o artigo 213, caput, do mesmo diploma: Apelação criminal. Estupro. Menor de 18 anos. Conjunto probatório . Evidência de prática de tentativa de estupro. Absolvição. Impossibilidade. Palavra da vítima . Outros elementos. Desclassificação. Viabilidade. Redução da pena-base . Inviabilidade. Circunstâncias judiciais parcialmente desfavoráveis. Agravante da reincidência. Não configuração . Exclusão. Recurso parcialmente provido. I - A palavra da vítima, nos crimes sexuais, mormente quando em harmonia com os demais elementos de provas coligidos aos autos dando conta da existência do fato e respectiva autoria, é suficiente para autorizar a condenação do réu, sobretudo quando a versão deste está isolada e sem esteio nos autos. II - Evidenciada nos autos que a intenção do acusado era praticar relações sexuais com a vítima e que tal crime não se consumou ante a existência de circunstâncias alheias à sua vontade, está configurado o crime de tentativa de estupro de menor de 18 anos . III - 2. Havendo uma só circunstância judicial desfavorável ao réu é o quanto se basta para que a pena-base se afaste do mínimo legal, desde que o magistrado o faça com moderação e razoabilidade. IV - Ultrapassado o período de cinco anos, não poderá a condenação anterior ser considerada para efeito de reincidência, prevalecendo tão somente para configuração dos maus antecedentes. V - Recurso parcialmente provido . (TJ-RO - APL: 00028594620148220701 RO 0002859-46.2014.822.0701, Relator.: Desembargadora Marialva Henriques Daldegan Bueno, Data de Julgamento: 28/10/2015, 2ª Câmara Criminal, Data de Publicação: Processo publicado no Diário Oficial em 09/11/2015 .) PENAL E PROCESSUAL PENAL - TENTATIVA DE ESTUPRO - FRAGILIDADE PROBATÓRIA - INOCORRÊNCIA - PALAVRA DA VÍTIMA - PROVA DE VALOR - CARACTERIZAÇÃO DA TENTATIVA DE ESTUPRO - AGENTE QUE, POR CIRCUNSTÂNCIAS ALHEIAS À SUA VONTADE, NÃO CONSUMOU O CRIME DE ESTUPRO PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL POSSIBILIDADE. 1) Se as provas produzidas nos autos se mostram conclusivas e em sintonia com a dinâmica e a dedução dos fatos, firmando, por força de raciocínio lógico, a convicção do Magistrado segundo o direito aplicável, não se há de falar em fragilidade de prova com vista à pretendida absolvição; 2) Nos crimes contra os costumes, a palavra da vítima possui relevante importância para formar a convicção do julgador, mormente quando corroborada pelos demais elementos probatórios dos autos; 3) A ausência de contato sexual atestado pelos Exames de Conjunção Carnal e de Ato Libidinoso, não impede, por si só, o reconhecimento da tentativa de estupro, mormente quando as circunstâncias e a conduta do apelante evidenciaram o manifesto propósito de conjunção carnal, não consumada por fatos alheios a sua vontade, notadamente pela resistência apresentada pela vítima, comprovada através dos Exames de Lesão Corporal e de Constatação e que atestam a ocorrência de ofensa à sua integridade física; 4) Segundo última orientação do STF, o regime previsto para os crimes hediondos é o inicialmente fechado, cabendo progressão. 5) Recurso provido parcialmente. (TJ-AP - ACR: 229506 AP, Relator.: Desembargador DÔGLAS EVANGELISTA, Data de Julgamento: 21/03/2006, Câmara Única, Data de Publicação: DOE 3786, página (s) 24 de 16/06/2006) Dessa forma, a autoria e a materialidade estão devidamente comprovadas. O conjunto probatório é coeso, reitera a versão apresentada desde a fase inquisitorial e afasta a aplicação do princípio do in dubio pro reo. Não se identificam causas excludentes de ilicitude ou de culpabilidade. O réu é plenamente imputável, possuía consciência da ilicitude do que fazia e lhe era exigível conduta diversa. Impõe-se, portanto, sua condenação como incurso no artigo 213, caput, combinado com o artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal. III - DISPOSITIVO: Diante do exposto, julgo procedente o pedido formulado na denúncia para CONDENAR o acusado R. B. D. S., devidamente qualificado nos autos, como incurso nas sanções do artigo 213, caput, combinado com o artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal. Passo à dosimetria da pena, conforme dispõe o artigo 68 do Código Penal. Na primeira fase, à luz das diretrizes do artigo 59 do mesmo diploma legal, verifico que a culpabilidade do réu não ultrapassa o grau de reprovabilidade ordinariamente associado ao tipo penal. O acusado possui antecedentes criminais, que serão considerados na fase seguinte. Não há nos autos elementos que autorizem valoração negativa da conduta social ou da personalidade do agente. Os motivos, as circunstâncias e as consequências do crime são inerentes à infração penal praticada. Quanto ao comportamento da vítima, inexiste fator que demande consideração específica. Fixo, assim, a pena-base em 6 (seis) anos de reclusão. Na segunda fase, reconheço a agravante da reincidência, nos termos do artigo 61, inciso I, do Código Penal, uma vez que o réu possui condenação anterior registrada nos autos SEEU nº 0000368-58.2016.8.22.0002. Ainda que essa execução tenha sido arquivada, a extinção da punibilidade ocorreu em 19 de maio de 2022, e os fatos deste processo datam de 20 de abril de 2024, respeitando-se, portanto, o período depurador de cinco anos previsto no artigo 64, inciso I, do Código Penal. Inexistem atenuantes a considerar. Em razão da agravante, elevo a pena para 7 (sete) anos de reclusão. Na terceira fase, não há causas de aumento. Todavia, reconheço a causa de diminuição de pena relativa à tentativa, prevista no artigo 14, inciso II, do Código Penal, pois o crime não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do agente. Segundo consta, o réu já havia despido a si próprio e à vítima, sendo impedido de consumar o ato pela reação desta, que gritou e conseguiu se desvencilhar. Considerando que o agente percorreu grande parte do iter criminis, aplico a fração de redução de 1/2. Reduzo, assim, a pena para 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão. Fixo, portanto, a pena definitiva em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão. Estabeleço o regime semiaberto para o início do cumprimento da pena, nos termos do artigo 33, §2º, alínea “b”, do Código Penal, e conforme orientação da Súmula 269 do Superior Tribunal de Justiça. Deixo de substituir a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, pois o condenado não preenche os requisitos legais, notadamente por tratar-se de crime doloso cometido com violência, além de ser reincidente, nos termos do artigo 44 do Código Penal. Pelas mesmas razões, é inviável a suspensão condicional da pena, conforme dispõe o artigo 77 do mesmo diploma. Nos termos do artigo 387, §1º, do Código de Processo Penal, e inexistindo qualquer requisito que justifique a decretação da prisão preventiva, concedo ao condenado o direito de recorrer em liberdade. Deixo de fixar indenização mínima com fundamento no artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, ante a ausência de pedido expresso na denúncia. Condeno o réu ao pagamento das custas processuais, considerando que está assistido por advogado constituído, presumindo-se que possui condições financeiras para arcar com as despesas do processo. Após trânsito em julgado: 1) oficie-se o Instituto Nacional de Identificação (INI), nos termos do art. 809 do CPP; 2) oficie-se ao TRE/RO para fins do art. 15, III, da CF/88; 3) oficie-se ao Instituto de Identificação Civil do Estado, informando a condenação; 4) expeça-se carta de guia e oficie-se à VEP; 5) concluídas as providências, inexistindo pendências, arquive-se. Publique-se. Sentença registrada eletronicamente. Intimem-se na forma do art. 392, inciso II, do CPP. Ariquemes/RO, 16 de janeiro de 2024. Marina Murucci Monteiro Juíza Substituta
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