Processo nº 1000400-31.2018.8.11.0051
ID: 259157793
Tribunal: TJMT
Órgão: 2ª VARA CÍVEL DE CAMPO VERDE
Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL
Nº Processo: 1000400-31.2018.8.11.0051
Data de Disponibilização:
23/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARCIANO XAVIER DAS NEVES REGISTRADO(A) CIVILMENTE COMO MARCIANO XAVIER DAS NEVES
OAB/MT XXXXXX
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Processo nº 1000400-31.2018.8.11.0051 Ação de improbidade administrativa. Vistos etc. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO ajuizou a presente ação de improbidade administrativa em face de MA…
Processo nº 1000400-31.2018.8.11.0051 Ação de improbidade administrativa. Vistos etc. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO ajuizou a presente ação de improbidade administrativa em face de MARIONILDES MARTINS DE SIQUEIRA DOS SANTOS, já devidamente qualificada nos autos. Argumenta, em síntese, que a parte ré ocupava o cargo de escrivã de polícia judiciária civil, lotada na delegacia deste Município de Campo Verde/MT e, em razão de tal condição, era responsável pelo recebimento de valores pagos a título de fianças arbitradas pela autoridade policial e realizar seu repasse à conta judicial, além da lavratura dos respectivos termos para formação dos cadernos investigativos instaurados para apurar o cometimento de crimes preconizados pelo Código de Trânsito Brasileiro, Estatuto do Desarmamento e aqueles com incidência da Lei nº 11.340/2006. Relata que a parte requerida, diante da posição que ocupava, apropriou-se de valores pagos a título de fiança, por seis (6) vezes, eis que os numerários foram devidamente entregues pelos investigados e as guias de depósitos judiciais expedidas, porém, tais não foram compensadas, em que pese passados vários anos das respectivas emissões. Nesse contexto, asseverando que a parte ré agiu em desconformidade com os princípios que regem a Administração Pública e, via de consequência, trouxe dano ao erário, imputa à própria a prática dos atos ímprobos previstos no art. 9º, art. 10, caput, e art. 11, caput e inciso I, todos da LIA, postulando pela procedência da ação para impingir à requerida a sanção prevista no art. 12, inciso III, da já citada legislação. Regularmente notificada, nos termos do art. 17, § 7º da LIA, a requerida apresentou defesa por escrito. Ato contínuo, as teses defensivas foram afastadas e, portanto, recebida a inicial. Citada, a parte requerida contestou a ação argumentando que não houve a comprovação da prática de ato ímprobo, notadamente em razão da ausência do elemento subjetivo, e, também porque os valores supostamente subtraídos pela ré teriam sido depositados judicialmente. Assevera, ainda, ter sido instaurado incidente de insanidade mental em sede do juízo criminal, argumentando, pois, ser necessária a suspensão da ação até sua conclusão. Sobreveio impugnação à contestação. Oportunizada a especificação de provas, o parquet opinou pelo julgamento antecipado da lide, ao passo que a demandada pugnou pela inquirição de testemunhas e requereu a juntada de documentos, os quais foram apresentados na ocasião de sua manifestação. A lide teve seu mérito julgado imediatamente, ocasião em que os pedidos formulados na ação foram acolhidos, com ressalvas. Irresignada, a parte requerente interpôs recurso de apelação, o qual foi provido para cassar a sentença e determinar a instrução processual, mediante a produção da prova testemunhal pleiteada pela parte requerida. Baixados os autos, proferiu-se decisão de saneamento, ocasião em que se pontuou sobre a questão de ordem não apreciada pelo juízo ad quem (direito subjetivo ao acordo de não-persecução civil), sendo designada audiência instrutória. Após diversas redesignações, quer seja por impossibilidade de comparecimento das testemunhas, quer seja pelos reiterados pedidos formalizados pela parte requerida, a audiência foi realizada, sendo, pois, colhidos os depoimentos de FERNANDO VASCO SPINELLI PIGOZZI, SERGIO PAULO DE OLIVEIRA e TANEA HENRIQUE DA SILVA e encerrada a instrução processual. Em suas razões finais o Ministério Público ratificou os pedidos formulados na exordial, contudo, ante a superveniente alteração da LIA, adequou seus requerimentos para pleitear pelo reconhecimento da prática do ato ímprobo previsto no art. 9º, inciso XI, da Lei nº 8.429/1992 e impostas as penalidades previstas no art. 12, inciso I, da mesma legislação. Por seu turno, a parte requerida deixou transcorrer in albis o prazo para apresentar suas alegações finais. Os autos vieram-me conclusos. É o relato do essencial. FUNDAMENTO E DECIDO. Registra-se, de início, que foi preservado no presente feito, a garantia constitucional do contraditório, além da ampla defesa, de modo que não paire dúvidas sobre qualquer irregularidade que possa ser apontada para macular o procedimento. I – DO MÉRITO. De elementar conhecimento que o tema improbidade administrativa suportou diversas alterações em nosso ordenamento jurídico ao longo do tempo, pois, nota-se que desde o ano de 1941, o assunto já era tratado no Decreto-Lei nº 3.240/41. Contudo, esse diploma normativo previa a possibilidade de sequestro dos bens apenas dos agentes indiciados por crimes que resultassem em prejuízo à Fazenda Pública e apenas como uma consequência da sentença penal condenatória. Dessa forma, naquela época, os efeitos civis da prática de atos de improbidade administrativa dependiam exclusivamente da condenação criminal e, se por qualquer motivo a punibilidade do agente fosse extinta, não havia possibilidade de aplicação de qualquer medida ressarcitória em benefício do Poder Público lesado. Frisa-se, por necessário, que foi apenas com a chegada da Constituição Federal de 1946 que os efeitos da prática de atos de improbidade administrativa passaram a independer de qualquer condenação criminal, haja vista que o sequestro e o perdimento de bens em razão da prática de atos ímprobos começaram a depender da demonstração de enriquecimento ilícito, experimentado em razão de influência ou abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica, conforme previa o art. 141, § 31, daquela Carta. Anote-se, a respeito do tema, que a regulamentação do dispositivo constitucional retro mencionado ficou a cargo da Lei nº 3.164/57, que passou a prever expressamente a possibilidade de decretação daquelas medidas no juízo cível, porém, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que tenha incorrido o agente. Dessa forma, surgiu no ordenamento jurídico pátrio a ideia de que os atos de improbidade administrativa às vezes podem não estar tipificados como crimes sem que isso implique em impossibilidade de aplicação de sanções de outras naturezas diversas da penal. De igual modo, se um ato de improbidade estiver ao mesmo tempo tipificado como crime, o agente estará sujeito também às sanções de ordem criminal. Convém explicar, ainda, que na vigência da Constituição Federal de 1967, não houve nenhum progresso em relação à matéria, tanto que continuou a ser regulamentada pela Lei nº 3.164/57, plenamente recepcionada por aquela Constituição. De outro norte, na atual Constituição da República (1988), a questão da improbidade administrativa tem seu nascedouro no art. 37, § 4º, que desde a sua promulgação estabelece que “os atos de improbidade administrativa importarão em suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”. Vislumbra-se que mesmo com a nova ordem constitucional surgida com a promulgação da Carta de 1988, o Direito brasileiro permaneceu fiel à separação das responsabilidades criminal e civil em razão da prática de atos ímprobos contra o Poder Público. E, considerando não ser o dispositivo constitucional autoaplicável, foi promulgada a Lei nº 8.429/92, denominada Lei de Improbidade Administrativa que, divorciando-se da sistemática constitucional anterior, ampliou as hipóteses de configuração de atos de improbidade administrativa, passando a considerar dessa natureza não apenas os atos que importem em enriquecimento ilícito, mas também os atos que causem prejuízo ao erário ou que vulnerem quaisquer dos princípios da administração pública. Com efeito, no art. 9º, a Lei nº 8.429/92 elencou exemplificativamente 12 (doze) incisos tipificando condutas capazes de importar em enriquecimento ilícito do agente ímprobo; já no art. 10, arrolou 21 (vinte e uma) hipóteses caracterizadoras de atos que causam prejuízo ao erário e, por fim, no art. 11, com redação dada Lei nº 14.230/2021, especifica em oito (8) incisos vigentes as condutas que atentam contra os princípios da Administração Pública. Logo, percebe-se que a atual legislação considera atos de improbidade administrativa não só os atos ímprobos que acarretam alguma consequência de ordem patrimonial em detrimento do Poder Público, mas também os atos lesivos aos abstratos conceitos dos princípios da administração pública. Averba-se, por necessário, que MARCELO ALEXANDRINO e VICENTE PAULO mencionam a existência de hierarquia entre os artigos 9º, 10 e 11, da Lei de improbidade no que pertine a gravidade das condutas neles descritas, ao lecionarem que: [...] É fácil perceber que a lei estabeleceu uma ideia de hierarquia entre os grupos de atos de impunidade administrativa no que se refere a sua gravidade e lesividade social. Os atos do primeiro grupo – os que importam enriquecimento ilícito – são os mais lesivos e juridicamente reprováveis, os atos enquadrados na segunda categoria – os que causam lesão ao erário, sem importar enriquecimento ilícito do agente – ocupam uma posição intermediária e os atos pertencentes ao terceiro grupo – os que atentam contra os princípios da administração pública – são considerados menos graves do que os demais; [...]. (in Direito Administrativo Descomplicado, 22ª edição, Editora Método, ano 2014, sem grifos no original) Não obstante, é de trivial sabença que a Lei de Improbidade Administrativa sofreu substancial alteração por força da edição da Lei nº 14.230/2021, notadamente se considerado que a exclusão da possibilidade do reconhecimento da prática de ato de improbidade administrativa em virtude do outrora denominado “dolo genérico” ao dispor, expressamente, que não basta “a voluntariedade do agente” ou “o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito” para a configuração da prática de ato ímprobo (LIA, art. 1º, §§ 1º e 2º). Nesta linha de raciocínio, diante do atual panorama normativo regulador da espécie, forçoso analisar cada um dos requisitos de observância obrigatória para a imposição de uma ou de algumas das sanções cominadas na Lei nº 8.429/92. Feitos tais esclarecimentos, passa-se a analisar se cada um desses elementos se faz presente no caso em comento. I.1 – DO SUJEITO PASSIVO. Na dicção do art. 1º da Lei nº 8.429/92, são sujeitos passivos dos atos de improbidade administrativa a Administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Podem ainda ser sujeito passivo de um ato de improbidade administrativa, as entidades que recebam subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público. A presente ação civil pública versa sobre o enriquecimento ilícito da parte requerida, pois, supostamente, teria desviado os valores pagos por autuados a título de fianças arbitradas pelo delegado de polícia local. Logo, o sujeito passivo de tais atos foi o Estado de Mato Grosso, pessoa jurídica de direito público, de modo que, perfeitamente preenchido o primeiro requisito exigido pela lei para a configuração do ato de improbidade administrativa. I.2 – DO SUJEITO ATIVO. Em um segundo momento, é preciso verificar o sujeito ativo do ato imputado e a sua perfeita adequação à previsão legal. Nesta questão, ainda é o art. 1º da Lei nº 8.429/92 quem fornece os contornos necessários para a caracterização do sujeito ativo que, necessariamente, deve ser agente público, servidor ou não, ainda que exerça sua função transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades que podem ser consideradas sujeitos ativos dos atos de improbidade. Como se vê, a Lei de Improbidade Administrativa contempla como sujeito ativo de atos de improbidade administrativa todas as categorias de agentes públicos, quais sejam: os agentes políticos, os servidores públicos (independentemente da natureza do vínculo com a administração) e os particulares em colaboração com o Poder Público. A requerida MARIONILDES MARTINS DE SIQUEIRA DOS SANTOS se encaixa com perfeição à noção de servidor público, espécie do gênero agente público, já que na época dos fatos relatados na inicial ocupava a posição de escrivã da polícia civil da delegacia de Campo Verde/MT. Em outras palavras, a requerida pode perfeitamente ser sujeito ativo dos atos de improbidade relatados na peça inicial e receber as sanções pertinentes. Neste ponto, ademais, cumpre anotar que deve ser afastada a tese de defesa da ré no sentido de que pende de conclusão o incidente de insanidade mental instaurado em sede do juízo criminal, pois além da independência entre as instâncias administrativo-sancionadora e a penal, é certo que a incapacidade da requerida foi afastada após ser submetida a perícia realizada pela POLITEC/MT (processo nº 0008769-65.2017.8.11.0051, id. 71688790, p. 64-72). I.3 – ATO DANOSO. Dando seguimento à análise do feito, tem-se que o próximo e mais essencial requisito para a configuração do ato de improbidade administrativa é o ato danoso, ou seja, aquele que implica em enriquecimento ilícito do agente em detrimento do sujeito passivo do ato ímprobo; que cause prejuízo ao erário; ou que vulnere os princípios da administração pública. In casu, o Ministério Público relatou na exordial a ocorrência dos seguintes atos danosos: 1) o enriquecimento ilícito do agente público (art. 9º, Lei nº 8.429/92); 2) o prejuízo ao erário (art. 10, “caput”, Lei nº 8.429/92); e, 3) a violação aos princípios da Administração pública (art. 11, “caput” e inc. I, da Lei nº 8.429/92). Segundo a peça de ingresso, na primeira e segunda hipóteses, a parte ré teria se enriquecido ilicitamente causando dano ao erário porquanto apropriou-se indevidamente dos valores pagos por autuados a título de fianças arbitradas pelo delegado de polícia e, embora tenha restituído parte de tais numerários com atraso, não o fez em relação ao primeiro fato – R$ 1.356,00 (um mil, trezentos e cinquenta e seis reais); ao segundo fato – R$ 678,00 (seiscentos e setenta e oito reais); e ao quarto fato – R$ 362,00 (trezentos e sessenta e dois reais). Já na terceira hipótese, está apontada como ímproba a postura ofensora dos princípios da Administração pública, na medida em que a conduta da parte demandada teria afrontado à honestidade, legalidade e lealdade. Entrementes, o acolhimento do pedido inicial deve se limitar à prática da conduta descrita no art. 9º, da LIA. Deveras, o precitado dispositivo legal dispõe em seu caput que “Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas no art. 1º desta Lei” destacando, ainda, em seu inciso XI que ato é sobrelevando na hipótese em que o agente público “incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei” (sem grifos no original). Na espécie, a parte requerida, ocupante do cargo de escrivã da polícia civil da delegacia de Campo Verde/MT, apropriou-se, ainda que por um lapso temporal, dos valores pagos por indiciados a título de fianças arbitradas pelo delegado de polícia civil. Com efeito, ao que se denota do caderno processual, embora os numerários indicados aos seis (6) fatos narrados na peça vestibular tenham sido efetivamente transferidos à conta judicial para os fins necessários, exsurge-se que tal providência foi aperfeiçoada muito após a data em que deveria. À guisa de ilustração, verifica-se que a notícia de vinculação do valor de fiança referente: a) ao inquérito nº 108/2013, paga na data de 16-3-2013, somente foi noticiado em 22-7-2016; b) no que pertine ao inquérito nº 481/2013, cuja fiança foi recolhida em 25-12-2013, somente foi transferida à conta judicial aos 6-5-2019; c) em relação ao inquérito nº 192/2014, a fiança paga na data de 20-6-2014, somente foi transferida na data de 28-6-2016; d) no tocante ao inquérito nº 380/2014, cuja fiança foi paga em 28-11-2014, a vinculação à conta judicial somente ocorreu em 6-5-2019 (após o ajuizamento desta ação); e) já no que tange ao inquérito nº 238/2015, cuja fiança foi paga em 16-8-2015, sua transferência se perfectibilizou apenas em 28-6-2016; e, f) quanto ao inquérito nº 195/2015, de fiança paga em 21-6-2014, a transferência apenas ocorreu em 28-6-2016. A propósito, deflagrada a instrução processual para fins da produção da prova testemunhal pleiteada pela parte ré, as testemunhas inquiridas em juízo – os delegados de polícia civil FERNANDO VASCO SPINELLI PIGOZZI e SERGIO PAULO DE OLIVEIRA e a escrivã da polícia civil TANEA HENRIQUE DA SILVA – corroboraram a narrativa inicial, no sentido de que o longo interregno havido entre o recolhimento da fiança e o efetivo depósito dos respectivos valores não é circunstância normal na rotina da delegacia de polícia. Em verdade, as testemunhas arroladas pela própria parte ré asseveraram que, caso não fosse possível a emissão da guia de fiança na mesma data em que arbitrada, o recolhimento e guarda dos valores era de responsabilidade do escrivão até o primeiro dia com expediente bancário, quando efetivamente o numerário deveria ser depositado em conta bancária. Ademais, conquanto a parte ré tenha lançado a narrativa de que o depósito dos valores das fianças fosse de responsabilidade dos investigadores, os delegados inquiridos como testemunhas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa foram categóricos ao afirmar que tal mister incumbia essencialmente ao escrivão. Aliás, dessume-se da narrativa de SERGIO PAULO DE OLIVEIRA que “na época, os procedimentos eram físicos e o próprio escrivão, após relatado o inquérito policial, levava ao Cartório Distribuidor do fórum junto com as apreensões [...] às vezes, tal incumbência era delegada para o investigador de polícia, mas essa questão ficava a critério do próprio escrivão [...]”, o que converge as informações prestadas pela testemunha TANEA HENRIQUE DA SILVA, segundo a qual, nas delegacias em que trabalhou, o investigador era responsável por realizar tais diligências, o que acontecia, intuitivamente, por critério dos próprios escrivães. Destarte, à míngua de prova em contrário, verifica-se a relação de causalidade entre a ação da servidora pública ora requerida e o enriquecimento ilícito auferido mediante a prática de ato doloso, uma vez que ao apropriar-se indevidamente dos valores pagos a título de fiança, ainda que temporariamente, e em desconformidade com a lei, a parte ré incorreu na prática do ato ímprobo descrito pelo art. 9º, caput e seu inciso XI. Sobre o tema, colhe-se da jurisprudência pátria os seguintes precedentes, mutatis mutandi: AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – Requerido, na condição de Escrivão de Polícia, que se apropriou indevidamente de câmara fotográfica e de valores em dinheiro, em poder de terceiro por ocasião de sua prisão – Demanda proposta anteriormente à edição da Lei 14.230/2021 – Conduta do ex-servidor que se enquadra como crime de peculato (art. 312, CP) – Aplica-se à hipótese dos autos o prazo prescricional do art. 109, II, do Código Penal – Prescrição afastada – Extinção da punibilidade, ante o reconhecimento da prescrição pela 13ª Câmara de Direito Criminal deste E . Tribunal de Justiça, que não vincula o julgamento da presente demanda de improbidade – A prova nos autos não deixa dúvidas de que o apelante se apropriou indevidamente dos bens de terceiro, na condição de servidor público, e que somente foram restituídos após a investigação da Corregedoria da Polícia Civil – Dolo configurado – Manutenção das sanções determinadas em Primeiro Grau. R. sentença mantida. Recurso improvido. (TJSP, Ap nº 10168549220208260053, 9ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Carlos Eduardo Pachi, j. 14-2-2024, sem grifos no original) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. JUSTIÇA GRATUITA. DEFERIDA. HIPOSSUFICIÊNCIA COMPROVADA. ART. 9º, INCISOS I, XI E XII, DA LEI 8 .429/92. APROPRIAÇÃO DE VALORES RELATIVOS À FIANÇA. FALSIFICAÇÃO DA GUIAS DE DEPÓSITO E DAS AUTENTICAÇÕES BANCÁRIA. CONDUTAS IMPROBAS COMPROVADAS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. DECISÃO COM O PARECER. Deve ser deferido o benefício da justiça gratuita quando comprovada a hipossuficiência da parte. Mantém-se a sentença que julgou procedente a ação civil pública por ato de improbidade administrativa, porquanto devidamente comprovado que o requerido, na função de Escrivão de Polícia Civil, se apropriou de valores relativos ao pagamento de fiança, utilizando-se de falsificação de guias de depósito e das autenticações bancárias, condutas estas que configuram ato improbidade administrativa, nos termos do artigo 9ª, incisos I, XI e XII, da Lei n. 8.429/92. (TJMS, Ap nº 08007867920188120001, 1ª Câmara Cível, Rel. Des. Sérgio Fernandes Martins, j. 31-3-2021, sem grifos no original) Lado outro, não há falar-se em configuração de atos ímprobos em relação às demais condutas imputas à parte ré (art. 10, caput, e art. 11, caput e inc. I, da Lei nº 8.429/1992). E o primeiro argumento a legitimar tal assertiva centraliza-se no fato de que, supervenientemente ao ajuizamento desta ação, a Lei nº 8.429/1992 sofreu substancial alteração por força da Lei nº 14.230/2021, tanto que revogada a hipótese de ato ímprobo anteriormente prevista no art. 11, inciso I, o qual foi imputado à parte ré. Não menos cediço que a nova redação da LIA incorporou normas benéficas ao agente público denunciado pela prática de improbidade administrativa, a exemplo, aliás, da própria revogação do inciso I do art. 11, de modo que se consagrou a necessidade de observância ao princípio da retroatividade preconizado pelo art. 5º, inciso XL, da Constituição da República[1]. E tal conclusão resulta do fato de que o Tribunal Cidadão já consignou a imperiosidade de observância de tal pressuposto na seara do Direito Administrativo sancionador, consoante bem elucidam as ementas que se seguem: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO [...]. 2. O processo administrativo disciplinar é uma espécie de direito sancionador. Por essa razão, a Primeira Turma do STJ declarou que o princípio da retroatividade mais benéfica deve ser aplicado também no âmbito dos processos administrativos disciplinares [...]. (STJ, AgInt no RMS nº 65.486/RO, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 17-8-2021, sem grifos no original) DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA AO ACUSADO. APLICABILIDADE. EFEITOS PATRIMONIAIS. PERÍODO ANTERIOR À IMPETRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 269 E 271 DO STF. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE [...]. III – Tratando-se de diploma legal mais favorável ao acusado, de rigor a aplicação da Lei Municipal n. 13.530/03, porquanto o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, insculpido no art. 5º, XL, da Constituição da República, alcança as leis que disciplinam o direito administrativo sancionador. Precedente [...]. (STJ, RMS nº 37.031/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Regina Helena Costa, j. 8-2-2018, sem grifos no original) Portanto, se não mais subsiste um dos tipos ímprobos imputado à parte requerida (art. 11, inc. I), por óbvio que ao juízo é defeso incursionar neste sentido, notadamente porque a revogação legislativa, por ser mais benéfica ao agente público, deve retroagir em seu favor. Outrossim, considerando ter sido exaustivamente apurado que os valores indevidamente retidos pela parte requerida foram pagos por particulares a título de fiança, não há falar-se em dano ao erário, na medida em que a referida medida cautelar constitui garantia patrimonial ofertada pelo particular preso ao Estado, com vistas a responder o processo criminal em liberdade. Equivale dizer, portanto, que a conduta ímproba efetivamente praticada pela requerida se limita à hipótese do art. 9º, caput e inciso XI, da LIA, porquanto os valores indevidamente retidos pela própria na condição de agente pública (escrivã da polícia judiciária civil) integravam o patrimônio de particulares e não do Estado, afastando o tipo descrito no art. 10 da referida Lei. I.4 – ELEMENTO SUBJETIVO – DOLO. Elucidadas as questões fáticas e jurídicas envolvendo o ato ímprobo descrito na inicial, é necessária a análise quanto à presença do elemento subjetivo da conduta do agente. E, de logo, convém explicitar que o legislador ordinário, por intermédio das alterações introduzidas pela Lei nº 14.230/2021, excluiu a possibilidade de se considerar a culpa como elemento subjetivo da prática do ato de improbidade administrativa. Significa falar, em outras palavras, que o ato somente é reputado como ímprobo se praticado mediante dolo do agente, assim entendido como a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11, todos da LIA, não bastando a voluntariedade ou o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas. Sobre o tema, pontua o Tema de Repercussão Geral nº 1.199, do Supremo Tribunal Federal, que “É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se – nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA – a presença do elemento subjetivo – DOLO”. Nesse sentido, ainda, veja-se recente julgado propalado pela Corte Constitucional: AGRAVO INTERNO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE DOLO. ATO ÍMPROBO NÃO CONFIGURADO. 1. A ilegalidade, por si só, não é suficiente para configurar a conduta ímproba. No caso, o próprio Tribunal de origem concluiu que o agente público atuou sem o especial fim de agir, sem intenção clara de burlar as regras de contratação temporária. 2. Não demonstrada a existência clara do elemento subjetivo doloso, qualificado pela má-fé, não é possível responsabilizar o agente público por de ato de improbidade administrativa. 3. Agravo Interno a que se nega provimento. (STF, ARE nº 1.436.192/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 22-8-2023, sem grifos no original) No caso dos autos, interessante se faz referir que a parte requerida tinha pleno conhecimento da ilegalidade de sua conduta, já que enquanto escrivã da polícia judiciária civil é conhecedora da legislação penal brasileira e, consequentemente, de que apropriar-se de valores pagos a título de fiança configura ilícito penal (CP, art. 312[2]), aliado ao fato de que não é dado a ninguém se escusar de cumprir a lei, notadamente aos agentes públicos. Nesse panorama, deve ser assinalado que a conduta da parte requerida foi praticada mediante plena ciência da ilegalidade e, mais que isso, o agente público desejava o resultado, sem importar-se com os prejuízos decorrentes de sua postura tempestuosa. Como visto, a própria conduta da parte requerida denuncia o dolo, uma vez que se encontra estampada nos autos a prática reiterada de condutas ilegais e lesivas com o intuito de obter vantagem indevida (enriquecimento ilícito), as quais foram cometidas com a vontade consciente de assim proceder, sobretudo se considerado que o exame de insanidade mental realizado na seara criminal atestou a plena consciência da parte requerida ao tempo dos atos ímprobos. E não é só, o início das ilicitudes remontam ao ano de 2013 e somente vieram a encerrar-se em 2019, quando efetivada a última transferência à conta judicial da fiança referente ao inquérito nº 481/2013, a evidenciar a plena intenção dolosa em se favorecer do cargo público para a obtenção de enriquecimento ilícito, eis que inadmissível se cogitar haver razoabilidade da apropriação dos numerários. Não se pode olvidar, também, que ao apresentar sua defesa a requerida reconhece a proibição legal, justificando seu ato em um suposto debilitado quadro clínico, o que não se admite, sobretudo porque, repisa-se, o incidente de insanidade mental instaurado na seara criminal foi rejeitado após a demandada ter sido submetido à perícia, cujo laudo apontou que o “Quadro psicopatológico que acomete a periciada, não afeta, até o momento atual (2-12-2019), suas funções mentais a ponto de prejudicar seu entendimento ou sua determinação. Periciada era, ao tempo dos fatos, totalmente capaz de entender o caráter ilícito de seus atos e de se determinar de acordo com esse entendimento” (processo nº 0007869-65.2017.8.11.0051, id. 71688790, p. 70, sem grifos no original). Inegável, portanto, concluir que a parte ré, enquanto servidora pública, deveria obedecer aos imperativos legais quando do repasse das fianças pagas pelos autuados à conta judicial, sob pena de incorrer em ato de improbidade. Ora, não se mostra acertado permitir que o agente público ímprobo pretenda que o direito de um indivíduo seja sobreposto à maioridade, em total detrimento do interesse da coletividade, valendo-se da suposta debilitada condição de saúde em que se encontrava. Assenta-se, com a intenção de esgotar a matéria em debate, que as disposições legais não se afiguram contrárias com os vetores constitucionais, sobretudo a dignidade da pessoa humana, fundamento da República inscrito no art. 1º, inciso III, da CRFB/1988, eis que tal postulado deve ser interpretado como o mínimo existencial, o conjunto de direitos e garantias inalienáveis de cada pessoa dentro da ordem constitucional. Com essas explanações, não restam dúvidas acerca da completa configuração dos atos de improbidade administrativa perpetrados pela parte requerida (sujeito ativo) que valeu-se do cargo público para obter vantagem indevida (sujeito passivo e dano), o que se aperfeiçoou com evidente má-fé, dado o pleno conhecimento das ilegalidades cometidas (elemento subjetivo - dolo). I.5 – DAS SANÇÕES. De proêmio, cabe explicar que na aplicação das penalidades previstas na Lei de Improbidade, é necessário que o julgador atue com moderação, atento aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sob pena de punir ações de forma extremamente severa e sem observar a regra da proporcionalidade quanto ao ilícito cometido. Neste sentido, eis a orientação jurisprudencial do egrégio Tribunal de Justiça deste Estado de Mato Grosso: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - ALEGADA SUSPEIÇÃO DO ÓRGÃO MINISTERIAL - PRECLUSÃO E AUSÊNCIA DE PROVAS - INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS CIVIL, CRIMINAL E ADMINISTRATIVA - RECONHECIDA - ASSÉDIO DE PROFESSOR DA REDE PÚBLICA ESTADUAL A ALUNOS MENORES - PROVA TESTEMUNHAL SUFICIENTE - VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - DOLO DO AGENTE - ATO ÍMPROBO CARACTERIZADO - OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE - MULTA CIVIL REDUZIDA - SANÇÕES ARBITRADAS DE ACORDO COM A GRAVIDADE DO FATO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. [...] 4. As sanções previstas no art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa devem ser arbitradas de acordo com a gravidade do fato e o proveito patrimonial do réu, observando-se os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 5. A multa civil arbitrada em 50 (cinquenta) vezes sobre o valor da remuneração percebida pelo apelante mostra-se desproporcional e desarrazoada, portanto, necessária sua redução para 20 (vinte) vezes sobre o valor da mesma remuneração. (TJMT, Ap nº 8988/2016, 2ª Câmara de Direito Público e Coletivo, Rel. Desa. Antônia Siqueira Gonçalves Rodrigues, j. 25-4-2017, sem grifos no original) É cediço que existem diversas penas aplicáveis ao responsável pelo ato de improbidade, cabendo ao juiz decidir pela cominação isolada ou conjunta das sanções, atentando para as circunstâncias peculiares do caso concreto, a gravidade da conduta e a medida da lesão, em observância ao princípio da razoabilidade, sem se deixar resvalar para a impunidade. A propósito, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DOSIMETRIA DA PENA. DECISÃO FUNDAMENTADA. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO E PROBATÓRIO CONSTANTE DOS AUTOS. INVIABILIDADE NA VIA RECURSAL ELEITA. SÚMULA 7/STJ. 1. O art. 12 da Lei n. 8.429/1992, em seu parágrafo único, estabelece que na fixação das penas relativas à prática de atos de improbidade administrativa, devem ser levados em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente. 2. A esse respeito, a jurisprudência deste Sodalício prescreve que é preciso analisar a razoabilidade e a proporcionalidade em relação à gravidade do ato ímprobo e à cominação das penalidades, as quais podem ocorrer de maneira cumulativa ou não. Precedentes do STJ [...]. (STJ, AgRg no REsp nº 1.319.480/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 15-8-2013, sem grifos no original) Além disso, cumpre observar, dada à importância do assunto, que o mesmo ato praticado pelo agente pode enquadrar-se em uma, duas ou nas três hipóteses de improbidade previstas em lei, sendo um bom exemplo o caso de dano ao erário previsto no art. 10, caput, da LIA, eis que poderá incidir também em lesão aos princípios da Administração (art. 11). Inadequado seria esquecer que malgrado o parquet tenha postulado pela aplicação da sanção prevista no art. 12, inciso III, da Lei de Improbidade Administrativa, ao julgador é possibilitada a aplicação das sanções de ofício, dado o seu caráter sancionador. A propósito do tema: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONDUTAS E SANÇÕES DESCRITAS NOS ARTIGOS 11, INCISO I, E 12, INCISO III, DA LEI N. 8.429/92. REVISÃO DE OFÍCIO. DOSIMETRIA DA PENA. POSSIBILIDADE. QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA. DIREITO SANCIONADOR. GRAVIDADE DO ATO ILÍCITO. PROPORCIONALIDADE [...] 7. É possível a revisão da dosimetria das sanções aplicadas em ação de improbidade administrativa quando, da leitura do ato judicial recorrido, verificar-se a desproporcionalidade entre os atos praticados e as sanções impostas, por se tratar de matéria de Direito Sancionador. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMA DE OFÍCIO. APELOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. (TJGO, Ap nº 00542149420058090112, 3ª Câmara Cível, Rel. Des. Fábio Cristóvão de Campos Faria, j. 24-9-2020) Desta forma, mister se faz o exame da propriedade das penas, individualizando-se aquelas que deverão ser aplicadas como consequência do reconhecimento da prática dos atos de improbidade administrativa previsto no art; 9º, caput e inciso XI, da Lei nº 8.429/92. E, de logo, conforme fundamentação já expendida nesta decisão, ficou cabalmente demonstrada a prática do ato de improbidade administrativa previsto no art. 9º, caput e inciso XI, da Lei nº 8.429/92, para o qual o art. 12, inciso I, da Lei nº 8.429/92, comina as seguintes sanções: a) perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; b) perda da função pública; c) suspensão dos direitos políticos até 14 (quatorze) anos; d) pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial; e, e) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 14 (quatorze) anos. No presente caso, é indene de dúvidas que a conduta da requerida foi extremamente grave, pois gerou enriquecimento ilícito, praticado mediante a prática de crimes cometidos nas dependências da delegacia de polícia judiciária civil e que perdurou por vários anos. Ademais, foram seis (6) infrações distintas, o que, apesar de impedir a cumulação, torna razoável a pena acentuada, no caso, a perda da função pública. Ora, não se pode cogitar desproporcionalidade na perda da função pública, pois a requerida é escrivã da polícia civil, ou seja, atuava dentro de uma delegacia de polícia, a demonstrar a incompatibilidade de sua conduta com a função pública que desempenhava. Outro não é entendimento do Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONFIGURAÇÃO DE DOLO. INSUFICIÊNCIA DOS ARGUMENTOS PARA AFASTAR O CONJUNTO FÁTICO DELIMITADO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE SANÇÃO DE PERDA DO CARGO PÚBLICO DE PROMOTOR DE JUSTIÇA. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RESPONSABILIZAÇÃO DE TERCEIRO QUE SE BENEFICIOU DO ATO. REVISÃO DE MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 7/STJ. APLICAÇÃO DE SANÇÃO DE SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS. I - O Tribunal de origem, após minucioso exame dos elementos fáticos contidos nos autos, consignou pela existência de dolo apto a configurar a improbidade administrativa. II - Ato de improbidade consistente na solicitação pelo promotor de justiça de inquérito policial, extraoficialmente, no qual se apurava a prática de crime ambiental, tendo sido tais autos localizados após cinco anos em sua gaveta, em correição extraordinária. Demonstração de vínculo de amizade entre os réus. Ato que ocasionou a prescrição da pretensão punitiva do crime investigado. III - Insuficiência de argumentos para afastar a delimitação fática fixada pelo Tribunal de origem. IV - Razoabilidade na aplicação da sanção de perda do cargo público, tendo em vista a gravidade do ato e sua incompatibilidade com a função pública exercida. V - Possibilidade de aplicação da sanção, porquanto a demissão ou a perda do cargo de promotor de justiça por ato de improbidade administrativa pode decorrer do trânsito em julgado de sentença condenatória em ação específica, ajuizada pelo Procurador-Geral de Justiça, como também pelo trânsito em julgado de sentença condenatória em ação de improbidade administrativa. Precedente da 1ª Turma do STJ. VI - O Tribunal de origem consignou que a responsabilização do corréu decorreria do art. 3º, da Lei n. 8.429/92, por ter se beneficiado da ocultação dos autos de inquérito policial, diante da prescrição da pretensão punitiva. Revisão da matéria fática que encontra óbice na Súmula 7/STJ. VII - Recurso do Parquet estadual que merece provimento, diante da sedimentada jurisprudência desta Corte no sentido de que a dosimetria das sanções em matéria de improbidade pode ser revista, excepcionalmente, quando demonstrada afronta aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. VIII - A gravidade da conduta permite, além da aplicação de perda do cargo público, a suspensão dos direitos políticos dos corréus pelo prazo de três anos. IX - Recursos especiais de P.J.C.K. e G.N. improvidos e recurso especial do Ministério Público do Estado de São Paulo provido. (STJ, REsp nº 1.298.092/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Regina Helena Costa, j. 9-8-2016, sem grifos no original) Logo, essa deve ser a sanção aplicada à parte requerente ante o reconhecimento da prática do ato de improbidade administrativa. II – DISPOSITIVO. Diante do exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil[3], JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na ação, razão pela qual CONDENO a requerida MARIONILDES MARTINS DE SIQUEIRA DOS SANTOS à PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA ante a prática de ato de improbidade administrativa previsto no art. 9º, caput e inciso XI, da Lei nº 8.429/1992. CONDENO a parte requerida, ainda, ao pagamento de custas e despesas processuais, nos termos do art. 23-B, § 1º, da LIA[4]. Desnecessária a fixação de honorários advocatícios, uma vez que a ação foi patrocinada pelo MPE, havendo, inclusive, vedação expressa na Constituição Federal, em seu art. 128, § 5º, II, “a”[5], acerca da percepção de honorários advocatícios pelo parquet. PUBLIQUE-SE. INTIMEM-SE. Com o trânsito em julgado, e nada sendo requerido pelas partes, ARQUIVEM-SE os autos, com as baixas e anotações de praxe. CUMPRA-SE, expedindo o necessário. Campo Verde/MT, 22 de abril de 2025. MARIA LÚCIA PRATI Juíza de Direito [1] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu; [...]. [2] Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa. § 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário. § 2º - Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano. § 3º - No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta. [3] Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: I -acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na reconvenção; [...]. [4] Art. 23-B. Nas ações e nos acordos regidos por esta Lei, não haverá adiantamento de custas, de preparo, de emolumentos, de honorários periciais e de quaisquer outras despesas. § 1º No caso de procedência da ação, as custas e as demais despesas processuais serão pagas ao final. [...]. [5] Art. 128 (omissis) § 5º § 5º Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros: [...] II - as seguintes vedações: a) receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais; [...].
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