Processo nº 5009494-35.2025.4.03.6100
ID: 339139759
Tribunal: TRF3
Órgão: 5ª Vara Cível Federal de São Paulo
Classe: MANDADO DE SEGURANçA CíVEL
Nº Processo: 5009494-35.2025.4.03.6100
Data de Disponibilização:
31/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LUIS EDUARDO VEIGA
OAB/SP XXXXXX
Desbloquear
MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) Nº 5009494-35.2025.4.03.6100 / 5ª Vara Cível Federal de São Paulo IMPETRANTE: BUS SERVICOS DE AGENDAMENTO S.A. Advogado do(a) IMPETRANTE: LUIS EDUARDO VEIGA - SP26197…
MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) Nº 5009494-35.2025.4.03.6100 / 5ª Vara Cível Federal de São Paulo IMPETRANTE: BUS SERVICOS DE AGENDAMENTO S.A. Advogado do(a) IMPETRANTE: LUIS EDUARDO VEIGA - SP261973 IMPETRADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, DELEGADO DA DELEGACIA DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL (DERAT/SPO), DELEGADO DA DELEGACIA DE FISCALIZAÇÃO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM SÃO PAULO (DEFIS/SPO) FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP S E N T E N Ç A I RELATÓRIO Trata-se de mandado de segurança impetrado por BUS SERVIÇOS DE AGENDAMENTO S/A contra ato do DELEGADO DA DELEGACIA ESPECIAL DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA (DERAT/SP) e DELEGADO ESPECIAL DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL DE FISCLALIZAÇAO EM SÃO PAULO (DEFIS) no qual busca obter provimento jurisdicional para garantir que a IMPETRANTE continue a se beneficiar do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (“PERSE”), mesmo após a sua extinção, comunicada, ilegalmente, por meio do Ato declaratório RFB nº 02/2025, em razão das arbitrariedades contidas no cálculo do teto orçamentário estabelecido no art. 4º-A da Lei nº 14.859/2024, além da não observância do princípio da anterioridade (ID. 360390522 – fl.2). Sustenta o impetrante que o PERSE foi um programa criado pelo Governo Federal para o auxílio dos setores da economia mais assolados pelas restrições governamentais para o enfrentamento da Pandemia da COVID-19, benefício este concedido sob condições onerosa (ter sido economicamente atingido pelas restrições da Pandemia especificamente ao seu setor por ter tido seu estabelecimento fechado de maneira forçada por meio de portarias sanitárias) e por prazo certo (60 meses), não podendo agora, sob pena de fazer letra morta todo o Ordenamento Jurídico, ser revogado a bel prazer, sem que seja comprovado os requisitos para tanto (ID. 360390522 – fl.2). Alega que a Lei nº 14.859/2024, trazendo novas diretrizes para o benefício fiscal, abalou todo o planejamento das empresas do setor, que já contavam com a fruição do benefício por mais de três anos, implantando diversas mudanças, em especial, a previsão de um teto orçamentário de R$ 15.000.000.000,00 (quinze bilhões de reais), cujo atingimento importaria na extinção do benefício. Argumenta que, na ânsia de preencher o teto orçamentário o quanto antes e enfim acabar com o benefício, a impetrada se utilizou de manobras ilegais como forma de inflar os cálculos, e ao final, por meio do Ato Declaratório nº 02/2025, comunicou o atingimento teto orçamentário, com a consequente extinção do benefício fiscal para os fatos geradores a partir do mês de abril de 2025 (ID. 360390522 – fl.5). Defende que, por conta das artimanhas contábeis utilizadas para inflar de forma ilegal a renúncia fiscal, o teto orçamentário não foi atingido, o que impede que o benefício seja extinto, pela inobservância da condição de supressão do benefício estipulada na própria Lei nº 14.859/2024 (ID. 360390522 – fl.5). Assevera, ainda, que o princípio da anterioridade também não foi observado para o aumento de um tributo repentino, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, motivo pelo qual busca pronunciamento judicial para afastar o ato coator praticado para continuar fruindo do benefício fiscal. Juntou documentos. Determinada a emenda da inicial (ID. 360441925), a impetrante apresentou a petição de ID. 361043257. Em atenção aos artigos 9º e 10 do Código de Processo Civil, a impetrante foi instada a manifestar-se sobre a adequação da via eleita (ID. 361596603), oferecendo a petição de ID. 361815218. O exame da liminar foi postergado para momento posterior ao das informações (ID. 363045195), prestadas no ID. 365558369. A União requereu seu ingresso na lide, na forma do artigo 7º, inciso II da Lei nº 12016/2009 (ID. 363652704). Por intermédio da decisão de ID. 366622605, restou parcialmente deferida a medida liminar postulada. Em Agravo de Instrumento, a antecipação de tutela foi indeferida (ID 369323361 - AI 5014595-20.2025.4.03.0000, 3.ª Turma). Manifestação do Ministério Público Federal opinando pela falta de interesse público indisponível (ID 370757891). É o relatório. Fundamento e decido. II FUNDAMENTAÇÃO Em síntese, busca a impetrante obter provimento judicial destinado a reconhecer o direito a usufruir da redução a zero das alíquotas de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins na forma como previsto na Lei nº 14.148/2021 (“Lei do Perse”) pelo prazo originalmente previsto de 60 (sessenta) meses, sem as limitações impostas pelo atingimento do limite de custo fiscal de R$ 15 bilhões. A plausibilidade do direito invocado passa pela análise da redação do artigo 178, CTN, e, nos termos do pedido subsidiário, da compatibilidade da política com o princípio da anterioridade tributária, em seu viés geral e nonagesimal. II. 1 (NÃO) VIOLAÇÃO AO ARTIGO 178, CTN O Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – PERSE – foi instituído pela Lei nº 14.148/2021 com o objetivo de mitigar as perdas do setor de turismo e eventos oriundas do estado de calamidade pública da COVID 19. Foram criados incentivos fiscais, alíquota zero para PIS/PASEP, Cofins, CSLL e IRPJ (“pelo prazo de 60 meses, contado do início da produção de efeitos desta Lei”, conforme previsto no art. 4º), além de descontos em dívidas com a Fazenda Nacional para empresas do setor de eventos. Por exigência do § 2º, do art. 2º do mencionado diploma, o Ministério da Economia editou a Portaria ME nº 7.163/2021, trazendo os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas - CNAE considerados do setor de eventos, definindo no Anexo I as atividades econômicas que estão enquadradas no PERSE, e no Anexo II as atividades cujo enquadramento é permitido, desde que na data da publicação da Lei nº 14.148/2021, estivessem registradas no Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos - CADASTUR. Vale ressaltar que a exigência de inscrição prévia no CADASTUR para usufruir dos benefícios do PERSE não se mostra desarrazoada, na medida em que as atividades descritas nos incisos do parágrafo único do art. 21 da Lei 11.771/2008 (como restaurantes e bares, por exemplo) não são, necessariamente, qualificadas como pertencentes ao setor turístico. Posteriormente, com as alterações introduzidas pela Medida Provisória nº 1.147/2022, na forma do §4º do art. 4º da Lei nº 14.148/2021, sobreveio a Portaria/ME nº 11.266, de 29 de dezembro de 2022, que manteve a previsão de regularidade do registro no Cadastur para as empresas que pretendessem fruir do referido benefício fiscal e reduziu o rol dos beneficiários indicados na portaria ministerial anterior, excluindo o código CNAE 56.20-1-02 das atividades consideradas do setor de eventos. Na sequência, diante das alterações introduzidas pela Lei nº 14.592/2023 (fruto da conversão da Medida Provisória nº 1.147/2022), a exigência do registro prévio e regular no Cadastur passou a constar da própria Lei nº 11.148/2021, sendo que a atividade prevista no código CNAE 56.20-1-02 foi novamente inserida como atividade do setor de eventos. E, com o advento da Lei nº 14.859/2024, a Lei nº 14.148/2021 foi novamente alterada, passando a constar do §5º do art. 4º que também teriam direito ao referido benefício fiscal as pessoas jurídicas cuja regularidade no Cadastur fosse adquirida entre 18/03/2022 e 30/05/2023, nos termos dos arts. 21 e 22 da Lei nº 11.771/2008. Importante anotar que, antes do término do prazo de 60 meses, a MP nº 1.202/23 revogou o dispositivo que estabeleceu a alíquota zero, com efeitos a partir de 01/01/2025, para o IRPJ, e a partir de 01/04/2024, para o PIS/Pasep, a Cofins e a CSLL. Entretanto, a lei fruto da conversão da referida medida provisória (Lei nº 14.873/2024) não confirmou a revogação e, durante a tramitação da referida medida provisória, foi aprovada a Lei nº 14.849/2024, que deu nova disciplina ao Perse, submetendo o benefício fiscal a novo regime, com novo rol de atividades abarcadas, estipulação de limite global de renúncia fiscal e necessidade de prévia habilitação junto à Receita Federal. A Lei nº 14.849/2024 modificou a redação do art. 4º-A da Lei nº 14.148/2021 nos seguintes termos (grifos nossos): Art. 4º Ficam reduzidas a 0% (zero por cento) pelo prazo de 60 (sessenta) meses, contado do início da produção de efeitos desta Lei, as alíquotas dos seguintes tributos, incidentes sobre o resultado auferido pelas pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos abrangendo as seguintes atividades econômicas, com os respectivos códigos da CNAE: hotéis (5510-8/01); apart-hotéis (5510-8/02); serviços de alimentação para eventos e recepções - bufê (5620-1/02); atividades de exibição cinematográfica (5914-6/00); criação de estandes para feiras e exposições (7319-0/01); atividades de produção de fotografias, exceto aérea e submarina (7420-0/01); filmagem de festas e eventos (7420-0/04); agenciamento de profissionais para atividades esportivas, culturais e artísticas (7490-1/05); aluguel de equipamentos recreativos e esportivos (7721-7/00); aluguel de palcos, coberturas e outras estruturas de uso temporário, exceto andaimes (7739-0/03); serviços de reservas e outros serviços de turismo não especificados anteriormente (7990-2/00); serviços de organização de feiras, congressos, exposições e festas (8230-0/01); casas de festas e eventos (8230-0/02); produção teatral (9001-9/01); produção musical (9001-9/02); produção de espetáculos de dança (9001-9/03); produção de espetáculos circenses, de marionetes e similares (9001-9/04); atividades de sonorização e de iluminação (9001-9/06); artes cênicas, espetáculos e atividades complementares não especificadas anteriormente (9001-9/99); gestão de espaços para artes cênicas, espetáculos e outras atividades artísticas (9003-5/00); produção e promoção de eventos esportivos (9319-1/01); discotecas, danceterias, salões de dança e similares (9329-8/01); restaurantes e similares (5611-2/01); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, sem entretenimento (5611-2/04); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, com entretenimento (5611-2/05); agências de viagem (7911-2/00); operadores turísticos (7912-1/00); atividades de jardins botânicos, zoológicos, parques nacionais, reservas ecológicas e áreas de proteção ambiental (9103-1/00); parques de diversão e parques temáticos (9321-2/00); atividades de organizações associativas ligadas à cultura e à arte (9493-6/00): [...] § 5º Terão direito à fruição do benefício fiscal de que trata este artigo, condicionada à regularidade, em 18 de março de 2022, ou adquirida entre essa data e 30 de maio de 2023, de sua situação perante o Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur), nos termos dos arts. 21 e 22 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008 (Política Nacional de Turismo), as pessoas jurídicas que exercem as seguintes atividades econômicas: restaurantes e similares (5611-2/01); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, sem entretenimento (5611-2/04); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, com entretenimento (5611-2/05); agências de viagem (7911-2/00); operadores turísticos (7912-1/00); atividades de jardins botânicos, zoológicos, parques nacionais, reservas ecológicas e áreas de proteção ambiental (9103-1/00); parques de diversão e parques temáticos (9321-2/00); atividades de organizações associativas ligadas à cultura e à arte (9493-6/00)” [...] § 7º Apenas terão direito à redução de alíquota de que trata este artigo as pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos que possuíam como código da CNAE principal ou atividade preponderante, em 18 de março de 2022, uma das atividades econômicas descritas nos códigos da CNAE referidos no caput ou no § 5º deste artigo. § 8º Para fins do disposto no § 7º deste artigo, considera-se preponderante a atividade cuja receita bruta decorrente de seu exercício seja a de maior valor absoluto, apurado dentre os códigos da CNAE componentes da receita bruta total da pessoa jurídica. § 9º Para fins do disposto neste artigo, considerar-se-á o somatório das receitas brutas auferidas nas atividades com código da CNAE descritas no caput, dentre os componentes da receita bruta da pessoa jurídica, para a aferição de atividade preponderante, estando elegíveis ao Perse as empresas cuja soma descrita neste artigo contemple o disposto no § 7º. § 10. A transferência da titularidade de pessoa jurídica pertencente ao setor de eventos beneficiária do Perse, ou não beneficiária dele que atenda aos requisitos e pretenda fazer uso da redução de alíquotas prevista no Programa, importará responsabilidade solidária e ilimitada do cedente e do cessionário das quotas sociais ou ações, bem como do administrador, pelos tributos não recolhidos em função do Perse, na hipótese de uso indevido do benefício para atividades não contempladas pelo Programa. § 11. A fruição do benefício fiscal previsto neste artigo não se aplica às pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos que estavam inativas e por essa razão não foram submetidas às condições onerosas decorrentes da pandemia de Covid-19, assim consideradas aquelas que, nos anos-calendários de 2017 a 2021, não tenham efetuado nenhuma atividade operacional, não operacional, patrimonial ou financeira, inclusive aplicação no mercado financeiro ou de capitais, em todos os seus códigos da CNAE. § 12. Às pessoas jurídicas beneficiárias do Perse tributadas com base no lucro real ou no lucro arbitrado, a alíquota reduzida de que trata este artigo será restrita aos incisos I e II do caput, durante os exercícios de 2025 e 2026. Art. 4º-A. O benefício fiscal estabelecido no art. 4º terá o seu custo fiscal de gasto tributário fixado, nos meses de abril de 2024 a dezembro de 2026, no valor máximo de R$ 15.000.000.000,00 (quinze bilhões de reais), o qual será demonstrado pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil em relatórios bimestrais de acompanhamento, contendo exclusivamente os valores da redução dos tributos das pessoas jurídicas de que trata o art. 4º que foram consideradas habilitadas na forma do art. 4º-B desta Lei, com desagregação dos valores por item da CNAE e por forma de apuração da base de cálculo do IRPJ, sendo discriminados no relatório os valores de redução de tributos que sejam objeto de discussão judicial não transitada em julgado, ficando o benefício fiscal extinto a partir do mês subsequente àquele em que for demonstrado pelo Poder Executivo em audiência pública do Congresso Nacional que o custo fiscal acumulado atingiu o limite fixado.” “Art. 4º-B. A fruição do benefício fiscal previsto no art. 4º desta Lei é condicionada à habilitação prévia, no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da regulamentação deste artigo, restrita exclusivamente à apresentação, por plataforma eletrônica automatizada da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, dos atos constitutivos e respectivas alterações. § 1º As pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real ou no lucro arbitrado informarão, no procedimento de habilitação prévia de que trata o caput deste artigo, se, durante a vigência do Perse, farão uso: I - de prejuízos fiscais acumulados, de base de cálculo negativa da CSLL e do desconto de créditos da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins em relação a bens e serviços utilizados como insumo nas aquisições de bens, de direitos ou de serviços para auferir receitas ou resultados das atividades do setor de eventos; ou II - da redução de alíquotas de que trata o art. 4º desta Lei. Assim, a Lei nº 14.859/2024 revogou os dispositivos da Medida Provisória n. 1.202/2023 e prorrogou pelo prazo de 60 meses, ou seja, até o ano de 2029, os benefícios de redução de alíquota às pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos, previsto pela Lei n. 14.148/2021. Por outro lado, o referido diploma normativo trouxe algumas restrições à fruição do benefício, dentre as quais se destacam aquelas previstas no artigo 4º, §12, que limitou o benefício da alíquota zero exclusivamente ao PIS e à COFINS somente durante os exercícios de 2025 e 2026; artigo 4-A, que fixou teto de 15 bilhões de reais para o total de incentivos concedidos; e artigo 4-B, §1º, que impôs condições à fruição da redução de alíquota. Anoto, neste ponto, que não verifico ilegalidade na estipulação de limite máximo de gasto tributário, por ser medida situada na esfera de discricionariedade político-administrativa dos Poderes Executivo e Legislativo. Recentemente, a Receita Federal do Brasil publicou o Ato Declaratório Executivo - ADE nº 2/2025, em audiência pública promovida pelo Congresso Nacional, noticiando o atingimento do limite e o encerramento do Perse a partir de abril de 2025. Como primeiro ponto a destacar está que o benefício da redução de alíquotas do Perse, seja em sua primeira versão com a promulgação das partes vetadas da Lei nº 14.148/2021, ou na segunda após o advento da Lei nº 14.849/2024, não está sujeito à incidência do art. 178 do Código Tributário Nacional. Isso porque os benefícios da isenção e da alíquota zero, embora semelhantes, não se confundem. A isenção corresponde à dispensa legal de tributo devido. Ou seja: há incidência da norma tributária sobre o fato gerador que efetivamente ocorre no mundo fenomênico. Todavia, por força de uma norma secundária – isencional – que atua sobre a norma de tributação, tem-se a remissão do montante devido. Já a alíquota é o elemento do critério quantitativo do consequente da regra-matriz de incidência e, quando há a atribuição de valor nominal igual a zero, torna inexistente o próprio dever tributário. Ademais, nada obstante a redação original da lei tenha previsto prazo certo de 60 (sessenta) meses, o benefício era concedido de forma incondicionada, pois, ainda que tenha restringido o universo de contribuintes destinatários da benesse, não se exigiu dos beneficiários nenhuma contrapartida específica. Nesse sentido (grifos nossos): AGRAVO INTERNO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA– HIPÓTESE DE APLICAÇÃO DO ARTIGO 932 DO CPC – MANDADO DE SEGURANÇA – BENEFÍCIOS TRIBUTÁRIOS PREVISTOS NO PROGRAMA EMERGENCIAL DE RETOMADA DO SETOR DE EVENTOS - PERSE - LEI Nº 14.148/2021 - MP Nº 1.202/2023 - POSSIBILIDADE DE REVOGAÇÃO DOS BENEFÍCIOS FISCAIS - AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. O mandado de segurança é meio processual destinado à proteção de direito dito líquido e certo da parte impetrante, aferível de imediato. 2. Dos termos da Lei nº 14.148/2021, extrai-se que, muito embora o benefício fiscal do PERSE tenha sido concedido por prazo determinado, não houve a imposição de condição onerosa ao contribuinte. 3. A condição onerosa mencionada pelo CTN, a qual ensejaria a irrevogabilidade do benefício, relaciona-se à contrapartida por parte contribuinte. Entretanto, a norma instituidora do PERSE previu como requisito para a obtenção da isenção o desempenho de determinadas atividades no setor de eventos, o que não se confunde com a imposição de ônus para as partes. 4. Observa-se da leitura dos termos da Medida Provisória impugnada a observância ao princípio da anterioridade. 5. Agravo interno improvido. (TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5007142-41.2024.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MAIRAN GONCALVES MAIA JUNIOR, julgado em 06/03/2025, Intimação via sistema DATA: 12/03/2025) Portanto, o Perse podia ser alterado por lei posterior ou por ato do Poder Executivo praticado nos limites da lei, como o foi, tanto pela Lei nº 14.849/2024, quanto pelo ADE RFB nº 02/2025. Assim, não há que se falar em violação ao artigo 178, do CTN, ou em direito adquirido que impeça a revogação ou alteração do benefício. II. 2 MAJORAÇÃO INDIRETA E PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE TRIBUTÁRIA A segurança jurídica não se limita ao respeito à anterioridade, irretroatividade, direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada – ela também exige que o Estado proteja a legítima expectativa do contribuinte. Nesse sentido, o STF já pacificou o entendimento de que as reduções e/ou revogações de benefícios fiscais se equiparam à majoração de tributo, atraindo a necessidade de observância da anterioridade (grifos nossos): IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – BENEFÍCIO FISCAL – REDUÇÃO – ANTERIORIDADE – OBSERVÂNCIA – PRECEDENTES. Alcançado aumento indireto de tributo mediante redução de benefício fiscal, cumpre observar o princípio da anterioridade, geral e nonagesimal, versado nas alíneas b e c do inciso III do artigo 150 da Constituição Federal. Precedente: medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade nº 2.325/DF, Pleno, da minha relatoria, acórdão publicado no Diário da Justiça de 6 de outubro de 2006”. (STF - ARE: 1116443 SP 1001324-87.2016.8.26 .0053, Relator.: MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 28/06/2021, Primeira Turma, Data de Publicação: 02/07/2021) Esse é o mesmo entendimento do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (grifos nossos): PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS POR AMBAS AS PARTES. PROGRAMA EMERGENCIAL DE RETOMADA DO SETOR DE EVENTOS – PERSE. LEI 14.148/2021. PORTARIA 7.163/2021. LEGALIDADE. PORTARIA 11.266/2023. EXCLUSÃO DE ATIVIDADE QUE ANTERIORMENTE ESTAVA INSERIDA NO PERSE SEM NECESSIDADE DE REGISTRO NO CADASTUR. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA ANTERIORIDADE. HIPÓTESES DO ART. 1.022, I, II E III NÃO CARACTERIZADAS. PREQUESTIONAMENTO. REJEIÇÃO. (...) (TRF 3ª Região, 3ª Turma, 5029814-44.2023.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal CONSUELO YATSUDA MOROMIZATO YOSHIDA, julgado em 23/08/2024) MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO DE APELAÇÃO. TRIBUTÁRIO. LEI 14.148/21, ART. 4º. PROGRAMA EMERGENCIAL DE RETOMADA DO SETOR DE EVENTOS (PERSE). EXIGÊNCIA, POR MEIO DE PORTARIA DO MINISTÉRIO DA ECONOMIA, DE REGULAR PRÉVIA INSCRIÇÃO NO CADASTRO DO MINISTÉRIO DO TURISMO (CADASTUR), EM 18/03/2022, PARA QUE AS PESSOAS JURÍDICAS ELENCADAS NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 21 DA LEI 11.771/08 POSSAM GOZAR DO BENEFÍCIO. ILEGALIDADE. NÃO PREVISÃO DAS ATIVIDADES DOS IMPETRANTES NA PORTARIA ME 11.266/22, DE 02/01/2023. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, DA ISONOMIA E SEPARAÇÃO DOS PODERES. REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIO SUJEITA AOS PRINCÍPIOS DA ANTERIORIDADE ANUAL (IRPJ) E NONAGESIMAL (CSLL, PIS E COFINS). - Cinge-se a controvérsia em definir: (i) se as apelantes possuem o direito de usufruir o benefício referente ao Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE), criado pela Lei 14.148/21, considerando que suas inscrições no Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos (CADASTUR), do Ministério do Turismo, são posterior a 18/03/2022, conforme exigido inicialmente pelo Decreto 7.163/21 e posteriormente pela Lei 14.592/23; e, em caso positivo, (ii) se as apelantes possuem o direito a usufruir o benefício após a publicação da Portaria ME 11.266/22, que excluiu os seus CNAEs das atividades sujeitas ao benefício. - A Lei 14.148/21 criou o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE), com o objetivo de compensar os efeitos decorrentes das medidas de combate à pandemia da Covid-19. - Dentre os benefícios previstos na referida Lei, está a redução à alíquota zero, pelo prazo de 60 meses, do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), bem como das contribuições ao Programa de Integração Social (PIS) e Financiamento da Seguridade Social (COFINS) às pessoas jurídicas que exercem atividades elencadas em seu art. 4º. - Dentre os contribuintes contemplados pelo benefício estão as pessoas jurídicas que exerçam atividades de prestação de serviços turísticos, conforme o art. 21 da Lei 11.771/08. [...] - Note-se, ainda, que o benefício do PERSE não se trata de modalidade de isenção onerosa, a teor do art. 178 do CTN, pois a lei não estabeleceu qualquer contraprestação por parte do contribuinte para fruição do benefício, de modo que não há impedimento algum para sua revogação. - Da mesma forma, não há violação aos princípios da legalidade e da igualdade, como alegam as apelantes. Como se trata de um benefício fiscal, tal benefício pode ser a qualquer momento revogado, desde que, a partir dessa data, seja observado os princípios constitucionais da anterioridade anual, em relação ao IRPJ (CF/88, art. 150, III, b), e nonagesimal, em relação às contribuições sociais (CSLL, PIS e COFINS, nos termos do art. 195, § 6º). - Assim, deve ser reconhecido o direito das apelantes de usufruir o benefício fiscal concedido pelo art. 4º da Lei 14.148/21, sobre suas receitas auferidas relacionadas ao setor de eventos, sem a exigência da prévia inscrição no CADASTUR, desde o início de sua vigência em 18/03/2022 até a publicação da Portaria ME 11.266/22 (02/01/2023), observando-se, a partir dessa data, o princípio da anterioridade anual em relação ao IRPJ e o princípio da anterioridade nonagesimal em relação às contribuições ao PIS, COFINS e CSLL, restando à apelante o direito de repetição dos valores pagos indevidamente ou a maior durante esse período. - Recurso de apelação parcialmente provido. (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001523-52.2023.4.03.6105, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS ALEXANDRE ELIAS CALIXTO, julgado em 07/03/2025, Intimação via sistema DATA: 10/03/2025) No caso analisado, a extinção da alíquota zero do PERSE foi comunicada pela Receita Federal em 24/03/2025, com vigência já em 1º de abril do mesmo ano – ou seja, apenas oito dias após a publicação do ato. Não se respeitou, portanto, o princípio da anterioridade anual (art. 150, §1º, CF), em relação ao Imposto de Renda (art. 153, III, CF), e o princípio da anterioridade nonagesimal (art. 195, §6º, CF) em relação às contribuições sociais (art. 195, CF). Conclui-se, por fim, que tanto a anterioridade anual, no caso concreto, aplicável para o IRPJ, quanto a anterioridade nonagesimal, aplicável para as contribuições sociais ao PIS/COFINS e à CSLL, devem ser aplicadas em situações envolvendo revogação ou término de isenção tributária, especialmente quando essa mudança acarreta elevação do ônus tributário para o contribuinte, tal como aquele pretendida com o Ato Declaratório Executivo RFB de n°. 2/2025, prevendo a extinção do Perse, e, por conseguinte, do respectivo benefício fiscal. III DISPOSITIVO Diante do exposto, com fulcro no art. 487, I do CPC, CONCEDO EM PARTE A SEGURANÇA para que seja assegurada à impetrante a aplicação da anterioridade anual para extinção do benefício previsto na Lei nº 14.148/2021 em relação ao IRPJ, bem como a nonagesimal em relação a CSLL, PIS e COFINS, suspendendo-se, por conseguinte, a exigibilidade do IRPJ até 31/12/2025 e da CSLL, PIS e COFINS por 90 (noventa) dias a partir de 24/03/2025 (data da publicação do Ato Declaratório Executivo RFB nº 2, de 21 de março de 2025, no DOU), nos moldes do art. 151, inciso IV do CTN. Honorários advocatícios indevidos por expressa disposição do art. 25 da Lei 12.016/09. Custas a serem repartidas em 50% para cada parte, ante a sucumbência recíproca (art. 86 do CPC). À CPE: 1 - Publique-se e intime-se; 2 - Decorrido o prazo recursal, subam ao E. TRF3, em remessa necessária (art. 496 do CPC). 3 – Comunique-se o teor da presente sentença à C. 3.ª Turma do E. TRF da 3.ª Região, para fins de instrução do agravo de instrumento de n.º 5014595-20.2025.4.03.0000 São Paulo, na data da assinatura eletrônica. - assinado eletronicamente - Mayara de Lima Reis Juíza Federal Substituta
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear