Processo nº 1016400-21.2025.8.11.0000
ID: 330143000
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara Criminal
Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL
Nº Processo: 1016400-21.2025.8.11.0000
Data de Disponibilização:
21/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1016400-21.2025.8.11.0000 Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Assunto: [Homicídio Qualificado, Habeas Corpus - Cabimento,…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1016400-21.2025.8.11.0000 Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Assunto: [Homicídio Qualificado, Habeas Corpus - Cabimento, Promoção, constituição, financiamento ou integração de Organização Criminosa] Relator: Des(a). PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA Turma Julgadora: [DES(A). PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA, DES(A). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO] Parte(s): [EBER DOS SANTOS - CPF: 606.483.842-68 (ADVOGADO), JOSE JUNIOR HONORIO - CPF: 939.548.671-68 (PACIENTE), JUIZA DE DIREITO DA TERCEIRA VARA DE PONTES E LACERDA (IMPETRADO), EBER DOS SANTOS - CPF: 606.483.842-68 (IMPETRANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (TERCEIRO INTERESSADO), JOSILAINE DA SILVA RAIMUNDO - CPF: 041.495.951-51 (TERCEIRO INTERESSADO), LUCIO DOS SANTOS SOARES - CPF: 007.244.921-78 (TERCEIRO INTERESSADO), JOSE APARECIDO DOS SANTOS - CPF: 912.426.901-82 (VÍTIMA), JUÍZO DA 3ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE PONTES E LACERDA (IMPETRADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, CONCEDEU A ORDEM. E M E N T A Direito penal e processual penal. Habeas corpus. Revogação da prisão preventiva. Viabilidade. Ausência de fundamentação idônea. Paciente que permaneceu em liberdade durante toda a etapa investigativa. Contemporaneidade não demonstrada. Ordem concedida, com a fixação de medidas cautelares menos onerosas. I. Caso em exame 1. Habeas corpus impetrado em face de decisão judicial que decretou a prisão preventiva do paciente, pela suposta prática dos delitos previstos no art. 2º, da Lei 12.850/2013 (organização criminosa) e art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente (corrupção de menores). 2. O impetrante sustenta que não há nos autos suporte probatório mínimo capaz de indicar, com segurança, a autoria delitiva. 3. Aduz, ainda, que não houve fato contemporâneo que ensejasse a decretação da custódia cautelar, ressaltando que o paciente permaneceu em liberdade durante toda a fase investigativa, sem o surgimento de qualquer elemento novo que legitimasse a adoção da medida extrema. 4. Acrescenta que a custódia cautelar foi decretada sem a devida observância dos requisitos legais previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, uma vez que inexiste periculum libertatis. 5. Por fim, sustenta a viabilidade de substituição da prisão por medidas cautelares diversas, previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal, por considerá-las suficientes e adequadas ao caso concreto. II. Questão em discussão 6. Há três questões em discussão: (i) apreciar se existem indícios mínimos da autoria delitiva que denotem a legalidade da prisão; (ii) verificar se estão preenchidos os requisitos da prisão preventiva, contemplados pelos art. 312 e art. 313, do Código de Processo Penal; e (iii) analisar se a imposição de medidas cautelares diversas da prisão são suficientes para resguardar a ordem pública. III. Razões de decidir 7. Considerando que a liberdade provisória foi concedida ao paciente na audiência de custódia, que ele permaneceu em liberdade durante toda a fase investigativa e que não sobreveio fato novo a embasar a alteração de seu status libertatis, impõe-se a revogação da prisão preventiva, mantendo-se, contudo, as medidas cautelares anteriormente impostas. IV. Dispositivo e tese 8. Ordem concedida. Tese de julgamento: “A ausência de contemporaneidade da medida cautelar extrema, aliada ao considerável lapso temporal decorrido entre os fatos investigados e a atual fase processual, revela-se suficiente para autorizar a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas, nos termos do art. 319 do Código de Processo Penal”. ________________ Dispositivos relevantes citados: art. 312, § 2º, e art. 313, ambos do CPP. Jurisprudência relevante citada: STJ - AgRg no RHC: 142.909 ES 2021/0052945-4, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, j. 15/03/2022; TJMT - HC 1014746-96.2025.8.11.0000, Rel. Des. Wesley Sanchez Lacerda, Primeira Câmara Criminal, j. 26/06/2025. R E L A T Ó R I O Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado em favor de José Júnior Honório, apontando-se como autoridade coatora o Juízo da Terceira Vara da Comarca Pontes e Lacerda, que decretou sua prisão preventiva na Ação Penal nº 1001038-71.2024.8.11.0013, pela suposta prática dos delitos previstos no art. 2º da Lei 12.850/2013 (organização criminosa) e art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente (corrupção de menores). O impetrante sustenta que não há nos autos suporte probatório mínimo capaz de indicar, com segurança, a autoria delitiva. Ressalta, ainda, que o paciente permaneceu em liberdade durante toda a fase investigativa, sem que tenha sobrevindo qualquer fato apto a justificar a adoção da medida extrema. Pontua, também, que a custódia cautelar foi decretada sem a devida observância dos requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, na medida em que inexistem elementos que evidenciem risco à ordem pública, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal. Por fim, defende que a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão é suficiente para resguardar a ordem pública. Documentos foram anexados no Id. n. 288156369 e seguintes. A liminar foi indeferida (Id. n. 288652862). Informações foram prestadas pelo Juízo impetrado (Id. n. 291892891). A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do eminente Procurador Amarildo Fachone, manifestou-se pela denegação da ordem, nestes termos: “Habeas corpus. Organização criminosa majorada pelo emprego de arma de fogo e participação de adolescente e corrupção de menores (artigo 2º, § 2º e § 4º, inciso I, da Lei nº 12.850/2013 e artigo 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente) – Pretendido o relaxamento da prisão por alegado constrangimento ilegal ante a ausência de participação nos atos executórios – Inviabilidade – Tese que necessita de análise fático-probatória não comportada na via estreita do habeas corpus – Presença de indícios suficientes do envolvimento do paciente com organização criminosa para a manutenção de sua prisão preventiva – 2. Pretendida a fixação de medidas cautelares diversas – Inviabilidade – Reincidência do paciente e cometimento do fato criminoso durante o cumprimento de pena em regime semiaberto – Periculosidade concreta demonstrada – Inadequação das medidas alternativas – Pela denegação da ordem” (Id. n. 293705379). É o relatório. V O T O R E L A T O R O paciente foi preso em flagrante delito no dia 30.8.2023, por supostamente integrar organização criminosa e corromper os adolescentes A.K.D.S.M., G.F.D.S. e K.G.M.B. Por oportuno, extrai-se da denúncia o seguinte trecho: “Infere-se dos autos que, em data não especificada, mas até o dia 30/08/2023, Josilaine Da Silva Raimundo, José Junior Honório, Lucio dos Santos Soares e os adolescentes Antony Kaiky da Silva Morais, Gustavo Ferreira Dos Santos e Kaio Gabriel Macedo Barroso, todos integrantes da facção criminosa Comando Vermelho, uniram-se, de forma estável, com divisão de tarefas e estruturalmente ordenados para a prática de ilícitos penais. Conforme apurado, todos são integrantes da facção criminosa Comando Vermelho e, nessa condição, ditam regras a serem seguidas por membros e simpatizantes e, quando entendem ter havido desrespeito as regras, aplicam castigos físicos ou ‘decretam’ a morte de indivíduos. Consoante o apurado, no dia 30/08/2023, após ser informado pela denunciada Josilaine da Silva Raimundo que José Aparecido dos Santos, vulgo ‘Tidinha’ supostamente estaria ‘cabritando’, ou seja, realizando a venda de entorpecentes sem a autorização do Comando Vermelho, o réu Lucio dos Santos Soares (Luciano), que exercia a função de ‘disciplina’ dentro da organização criminosa Comando Vermelho, decidiu matá-lo. Nesse contexto, Lucio contatou os adolescentes Kaio Gabriel, Gustavo e Antony para que matassem José Aparecido dos Santos (‘Tidinha’), mediante pagamento. (...) Naquela noite, por volta das 3h, com uma arma de fogo fornecida por Lucio e em seu veículo Fiat Palio de cor branca, os adolescentes foram até a casa da vítima. No local, José Aparecido dormia em companhia da sua esposa e filhos quando foi surpreendido pelos menores adentrando sua residência com a arma em punho, momento em que os adolescentes passaram a revistar a casa e a todo momento indagavam o ofendido a respeito de eventuais entorpecentes por ele escondidos. (...) Após o homicídio, os adolescentes de idade evadiram-se deste distrito de culpa conduzido pelo corréu José Junior Honório, também integrante da facção criminosa e o responsável por prestar apoio logístico aos demais. Na fuga, foram abordados e apreendidos pela Polícia Rodoviária Federal quando estavam chegando na cidade de Cuiabá/MT, sendo localizado no interior do veículo o aparelho celular pertencente à vítima Tayná Eduarda da Silva Moraes (...) Ante o exposto, o Ministério Público denuncia: (...) José Junior Honório, vulgo ‘Juninho’, como incurso, na forma do art. 69 do Código Penal (concurso material), nas sanções do artigo 2º, §2º e § 4º, I, da Lei 12.850/2013 (Fato 1) e artigo 244-B do ECA (Fato 5)” (Id. n. 288174395 - p. 364). Contudo, na audiência de custódia realizada em 31.8.2023, foi concedida a sua liberdade provisória, mediante o cumprimento de medidas cautelares alternativas, nestes termos: “Quanto à materialidade delitiva, observo o auto de prisão em flagrante, boletim de ocorrência, bem como os depoimentos prestados pelas testemunhas perante a autoridade policial. Quanto à autoria, há indícios de que o flagranteado praticou os referidos crimes, ao menos numa análise perfunctória. Em análise aos autos, neste momento, sob a ótica da garantia à ordem pública, entendo que não há necessidade da manutenção da segregação cautelar do autuado. Além disso, a conveniência da instrução criminal pode ser assegurada pela aplicação das medidas cautelares diversas da prisão. Assim, sendo incabível a prisão preventiva, impõe-se a concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, acompanhada ou não da imposição de outras medidas cautelares, nos termos do art. 321 do CPP. Ante o exposto, art. 310, inciso III do CPP, homologo o flagrante e concedo a liberdade provisória a Jose Junior Honório, sujeitando-o, ainda, às seguintes medidas cautelares: a) comparecimento em todos os atos processuais, quando intimado (art. 327 do CPP); b) manter endereço e telefone atualizados; c) proibição de ingerir bebidas alcoólicas e frequentar bares, boates, prostíbulos e estabelecimentos congêneres, cometer novos crimes e sair da comarca/estado em prazo superior a 10 dias, sem autorização judicial; d) uso de monitoração eletrônica” (Id. n. 288174395 – p. 137). Ocorre que, em 18.12.2024, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, requereu a prisão preventiva do acusado, sob o argumento de que a gravidade concreta dos crimes justificaria a cautelar extrema, com o objetivo de resguardar a ordem pública. Transcrevo: “Na espécie, a materialidade delitiva e os indícios de autoria estão evidenciados nos autos pelas investigações policiais, termos de depoimento, laudos periciais, relatórios policiais e os demais elementos de provas coligados no inquérito policial. De igual modo, o perigo pelo estado de liberdade dos denunciados (periculum libertatis) restou comprovado nos autos, fazendo-se necessária a decretação da prisão preventiva para garantir a ordem pública, mormente pela gravidade concreta do delito, manifestada pelo modo de execução do crime. (...) Assim, a hipótese dos autos é o caso típico da necessidade cautelar e imperiosa de intervenção firme do Estado, na medida em que chama a si o jus puniendi. Cabe ao Poder Judiciário, pois, as medidas adequadas para proteger o meio social e garantir a aplicação da lei penal, evitando que permaneçam em liberdade cidadãos que causem perigo à ordem pública ou que pretendam se furtar à aplicação do ordenamento jurídico. Logo, a decretação da prisão preventiva dos denunciados é medida imperiosa, uma vez que preenchidos os requisitos normativos exigidos” (Id. n. 288174395 – p. 371). O Juízo singular, por seu turno, em 29.1.2025, deferiu o pleito ministerial, fundamentando que a liberdade do paciente representaria risco à ordem pública, especialmente em razão da gravidade concreta dos delitos a ele imputados. Cito: “Compulsando os autos, verifica-se que a materialidade e os indícios suficientes da autoria dos crimes imputados aos investigados encontram-se demonstrados, conforme depreende-se do constante do inquérito policial, termos de depoimento, relatório policial, imagens das câmeras de segurança e demais elementos constantes da investigação preliminar. Enfim, da prova carreada ao feito, ao menos em cognição sumária, vislumbro presentes provas da existência dos crimes e indícios suficientes da autoria em desfavor dos investigados. Indispensável frisar que o pleito de prisão preventiva mostra-se perfeitamente tempestivo porquanto se constatam, no presente, os fundamentos autorizadores daquela, demonstrando sua atualidade e pertinência (...) Ainda, acerca do amplo lapso temporal transcorrido desde a suposta prática dos fatos ou desde a decretação da prisão, registro, mais uma vez, que na esteira que há se orientado a jurisprudência dos tribunais superiores, a contemporaneidade guarda relação com os fundamentos da prisão preventiva. Na hipótese, conquanto estes subsistam, remanesce atual a medida extrema. Presentes os pressupostos, resta à aferição da existência de pelo menos uma das condições que autorizem a segregação preventiva e que se consubstanciam na sua necessidade em função da garantia da ordem pública, para assegurar a aplicação da lei penal e por conveniência da instrução criminal. A garantia da ordem pública como embasamento legal para a decretação da prisão preventiva reflete na paz e na tranquilidade que poderão ser abaladas caso o representado não seja segregado, possuindo o intuito de acautelar o meio familiar e social e a própria credibilidade da justiça em face da gravidade dos crimes. No presente caso, tenho pela presença dos requisitos legais supramencionados. É cediço que a gravidade abstrata do crime, por si só, não tem o condão de justificar a prisão preventiva. Entretanto, os fatos descritos demonstram a concreta gravidade dos delitos, em tese praticados pelos investigados, com condutas indubitavelmente sérias, aptas a abalar a ordem pública. Tal se infere, sobretudo, que os réus praticaram os delitos por motivo de somenos importância – não que haja qualquer motivação justificável –, todavia, a par das investigações preliminares, a motivação seria pautada em uma suposta 'cabritagem' por parte da vítima, ou seja, comércio de entorpecentes sem anuência de facção criminosa. A par disso, desnecessárias se mostram maiores ilações acerca da repercussão social de crimes desta natureza (homicídio, organização criminosa, tortura, corrupção de menores, roubo), cometido nas circunstâncias já expostas. O abalo na comunidade lhe é intrínseco, de sorte que a segregação cautelar revela-se imprescindível para apaziguar o meio social atingido pelas infrações, já que a comarca é assolada pela forte presença de organização criminosa. Diante de tais motivos, entende-se que nenhuma das outras medidas cautelares previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal será suficiente para acautelar a ordem pública, ou assegurar a aplicação da lei penal e a conveniência da instrução probatória. Acresce dizer, ainda, que a demonstração inconteste da necessidade da prisão preventiva já evidencia a insuficiência das medidas cautelares. Deste modo, presentes os pressupostos que autorizam a medida, quais sejam, prova da existência de crimes, indícios suficientes da autoria e a demonstração do perigo gerado pelo estado de liberdade do acusado; aliados à necessidade de apaziguar a ordem pública, imperativa a decretação da prisão preventiva. Em face do exposto, e por tudo mais que dos autos consta, havendo necessidade de garantir a ordem pública, defiro a representação formulada pelo Ministério Público (id. 179257825), e, assim, decreto a prisão preventiva de Lúcio dos Santos Soares, Josilaine da Silva Raimundo e José Junior Honório, já qualificados nos autos, o que faço com fundamento nos artigos 311 a 313 do Código de Processo Penal, nos termos da fundamentação” (Id. n. 288174395 – p. 375). A ordem judicial foi cumprida no dia 4.2.2025: “Nesta data a equipe composta pelos investigadores Otávio Luis, Paulo e Paula deram cumprimento ao mandado de prisão nº 1001038-71.2024.8.11.0013.01.0002-24, expedido pela Terceira Vara Criminal de Pontes e Lacerda em desfavor de José Júnior Honório. Localizado o suspeito, ele foi conduzido à delegacia de polícia sem lesões” (Id. n. 288174395 - p. 442). De proêmio, consigna-se que a gravidade específica do delito, apontada pela Magistrada singular como fundamento para a decretação da prisão preventiva — consistente no fato de o homicídio ter sido motivado pela compra de drogas da facção rival à dos réus — não se revela aplicável ao paciente. Isso porque ele não foi denunciado pelo crime de homicídio, tendo, conforme o Ministério Público, apenas auxiliado os autores do delito a se evadirem do distrito da culpa. Não se questiona a gravidade do crime cometido no contexto de contenda entre facções criminosas. Todavia, se nem mesmo o representante ministerial imputou ao paciente a prática do crime de homicídio, não é juridicamente admissível que o Magistrado assim o faça, ainda que com a exclusiva finalidade de fundamentar a prisão preventiva. Sob outro enfoque, importante destacar que a própria Juíza singular, na fase policial, entendeu cabível a concessão da liberdade provisória ao paciente. Assim, eventual decretação da prisão preventiva somente se legitimaria mediante a ocorrência de fato contemporâneo, apto a demonstrar risco efetivo à ordem pública, à ordem econômica, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal. Contudo, no caso, não houve qualquer menção de fato superveniente que justificasse a alteração do status libertatis do acusado. Pelo contrário, durante o período em que ele permaneceu em liberdade provisória - que perdurou por aproximadamente um ano e quatro meses – inexistem indicativos da prática de novo delito ou do descumprimento das medidas cautelares outrora impostas. O Código de Processo Penal, com a alteração promovida pela Lei 13.964/19, passou a exigir como requisito da prisão preventiva a existência de fato(s) contemporâneo(s): “art. 312, § 2º - A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada”. A jurisprudência adota o mesmo entendimento. Nesse sentido, defrontando-se com casos semelhantes, este egrégio Tribunal tem assim decidido: “DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. FUNDAMENTO SUPERADO. ALTERAÇÃO DO QUADRO FÁTICO-PROCESSUAL. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. (...) A apresentação espontânea do acusado, com constituição de defesa e intenção manifesta de submeter-se ao processo, afasta o fundamento original de prisão preventiva por não localização. A ausência de contemporaneidade da medida cautelar extrema, aliada ao longo lapso temporal entre os fatos e a atual fase processual, autoriza a substituição da prisão por medidas cautelares diversas, nos termos do art. 319 do CPP” (TJMT - HC 1014746-96.2025.8.11.0000, Rel. Des. Wesley Sanchez Lacerda, Primeira Câmara Criminal, julgado em 26/06/2025, publicado em 26/06/2025; destaquei). O Superior Tribunal de Justiça, de igual modo, assim definiu: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA NA SENTENÇA CONDENATÓRIA. INEXISTÊNCIA DE FATOS NOVOS QUE RESPALDEM A SEGREGAÇÃO ANTECIPADA. AUSÊNCIA DE CONTEMPORANEIDADE. OFENSA AO ART. 315, § 1º, DO CPP. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. FLAGRANTE ILEGALIDADE. SUPERAÇÃO. AGRAVO DESPROVIDO. 1. embora a questão relativa à ausência de contemporaneidade da custódia não tenha sido explicitamente debatida no Tribunal de origem, é certo que, a decretação da prisão preventiva deve observar o art. 315, § 1º, do CPP, razão pela qual, diante da teratologia e da flagrante ilegalidade observada na hipótese, fica justificado o exame de ofício da questão. 2. No caso dos autos, apesar de a sentença condenatória ter apontado elementos que justificariam a necessidade de resguardar a ordem pública, tais elementos já existiam desde o início da ação penal. Assim, não restou evidenciada a existência de fatos contemporâneos que autorizem a prisão preventiva decretada na sentença, especialmente considerando que o recorrente respondia em liberdade por crime que teria ocorrido em 6/11/2018, não havendo notícia de novos envolvimentos em fatos delituosos, nem tampouco de fatos supervenientes que justifiquem a custódia decretada somente em 3/5/2020. 3. É firme o entendimento desta Corte Superior no sentido a obrigatoriedade da demonstração da contemporaneidade dos fundamentos que dão suporte à decretação da prisão preventiva. 4. Agravo Regimental desprovido” (STJ - AgRg no RHC: 142.909 ES 2021/0052945-4, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 15/03/2022, publicado em 21/03/2022). Em suma, por ausência de fundamentação específica e contemporânea, o paciente, por ora, deve retornar ao status quo ante, para responder ao processo em liberdade, mediante as cautelares outrora fixadas, quais sejam: “(i) comparecimento em todos os atos processuais, quando intimado; (ii) manter endereço e telefone atualizados; (iii) proibição de ingerir bebidas alcoólicas e frequentar bares, boates, prostíbulos e estabelecimentos congêneres, cometer novos crimes e sair da comarca/estado em prazo superior a 10 dias, sem autorização judicial; (iv) uso de monitoração eletrônica” (sic). Diante do exposto, em dissonância do parecer apresentado pela Procuradoria-Geral de Justiça, concedo a ordem para que o paciente seja colocado em liberdade, mediante o cumprimento das medidas cautelares supratranscritas, caso não haja outra ordem de prisão em vigor. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 15/07/2025
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