Processo nº 0004460-91.2008.4.01.3813
ID: 298268673
Tribunal: TRF6
Órgão: SECRETARIA DA 1a. TURMA - PREV/SERV
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0004460-91.2008.4.01.3813
Data de Disponibilização:
13/06/2025
Polo Passivo:
Advogados:
ADRIANO MENDES DUARTE
OAB/MG XXXXXX
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GERALDO CLEMENTINO DE SENA
OAB/MG XXXXXX
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Apelação Cível Nº 0004460-91.2008.4.01.3813/MG
APELANTE
: JOAO CORREIA DA SILVEIRA
ADVOGADO(A)
: GERALDO CLEMENTINO DE SENA (OAB MG036651)
APELANTE
: MR CONSULTORIA E EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LT…
Apelação Cível Nº 0004460-91.2008.4.01.3813/MG
APELANTE
: JOAO CORREIA DA SILVEIRA
ADVOGADO(A)
: GERALDO CLEMENTINO DE SENA (OAB MG036651)
APELANTE
: MR CONSULTORIA E EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA.
ADVOGADO(A)
: ADRIANO MENDES DUARTE (OAB MG111219)
DESPACHO/DECISÃO
____________________________________________________
DECISÃO MONOCRÁTICA
I – RELATÓRIO
1. Trata-se de recursos de apelação interpostos por
JOAO CORREIA DA SILVEIRA
(
evento 4, OUT1
, p.232) e
MR CONSULTORIA E EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA
(
evento 4, OUT1
, p.245), contra a sentença (
evento 4, OUT1
, p.210) que julgou procedentes os pedidos formulados nos autos da Ação Civil de Improbidade Administrativa n° 0004460-91.2008.4.01.3813/MG.
Narra a peça vestibular que a prefeitura do município de Tarumirim/MG, representada pelo então prefeito
JOAO CORREIA DA SILVEIRA
, celebrou com a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) o Convênio nº 1793/2001, cujo objeto era a construção de 67 (sessenta e sete) módulos sanitários na cidade.
Previu-se o aporte no valor de R$ 87.269,00 (oitenta e sete mil, duzentos e sessenta e nove reais), sendo R$ 85.167,67 (oitenta e cinco mil, cento e sessenta e sete reais e sessenta e sete centavos) à conta da concedente e R$ 2.101,33 (dois mil, cento e um reais e trinta e três centavos) a título de contrapartida do convenente.
Para executar o objeto do convênio, a municipalidade realizou procedimento licitatório na modalidade Carta Convite, registrada sob o n°027/2002, do qual se sagrou vencedora a empresa
MR CONSULTORIA E EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA
.
Diante de irregularidades na execução do ajuste noticiadas a partir do Relatório de Inspeção do Tribunal de Contas da União — TCU (
evento 2, OUT1
, p.125), o Ministério Público Federal instaurou o P.A.C. 1.22.009.000143/2007-01(
evento 2, OUT1
, p.20), que serviu de suporte probatório para a confecção de peça pórtica da presente Ação Civil de Improbidade Administrativa (
evento 2, OUT1
, p.04).
Após regular instrução do feito, o caso foi apreciado pelo d. juízo de primeiro grau, oportunidade em que se concluiu (
evento 4, OUT1
, p.225),
in verbis:
Nesse passo, tendo sido utilizado o montante de R$ 85.167,67 do convênio, porém executado somente o percentual de 72,24% da obra, o dano verificado alcança o montante de R$ 23.642,55 (vinte e três mil, seiscentos e quarenta e dois reais e cinquenta e cinco centavos), a teor do parecer financeiro de fls. 267/268.
Por todas essas considerações, restou comprovado nos autos que, no tocante à execução do convênio n° 1793/01, o réu JOÃO CORREIA DA SILVEIRA, na qualidade de Prefeito Municipal, efetuou o pagamento por serviço não realizado, não prestou as contas devidas, além de ter desviado recursos em prol da MR CONSULTORIA E EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. (beneficiária da antecipação de receita), a qual os recebeu indevidamente, razão pela qual incorreu o primeiro na conduta descrita no artigo 10, caput e inciso XI, e art. 11, inciso VI, ambos da Lei nº 8.429/92, e o segundo requerido nas sanções do artigo 10, "caput", da referida lei.
Com estes fundamentos, prolatou sentença em que:
Isso posto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado pelo Ministério Público Federal, nos termos do art. 487, I, do CPC para condenar JOÃO CORREIA DA SILVEIRA e a sociedade MR CONSULTORIA E EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA.
a) ao ressarcimento do dano, do montante correspondente a R$ 23.642,55 (vinte e três mil, seiscentos e quarenta e dois reais e cinquenta e cinco centavos), em favor da FUNASA, o qual deverá ser atualizado pela SELIC, desde 25/11/2002 (data do último pagamento), conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal;
b) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;
c) aplicação de multa civil, fixada em R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para cada réu, nesta data, que deverá ser atualizada até o pagamento pela SELIC, a qual abrange a mora, conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal.
JULGO ainda PROCEDENTE O PEDIDO para aplicar a JOÃO CORREIA DA SILVEIRA a suspensão dos direito políticos pelo prazo de seis anos.
Irresignados,
JOAO CORREIA DA SILVEIRA
e
MR CONSULTORIA E EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA
interpuseram os presentes apelos no intuito de ver reformado o
decisum
.
Em seu recurso (
evento 4, OUT1
, p.232),
JOAO CORREIA DA SILVEIRA
, a título preliminar, sustentou a ocorrência de prescrição e requereu a apreciação do agravo de instrumento retido interposto. No mérito, reiterou a integral execução do convênio. Ao fim, aviou requerimento para a concessão de assistência judiciária gratuita.
MR CONSULTORIA E EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA
(
evento 4, OUT1
, p.245), por sua vez, postulou o reconhecimento da prescrição e inépcia da inicial por ausência de causa de pedir. No mérito, rogou pela inexistência de irregularidade na execução do objeto e, subsidiariamente, requereu a redução da multa civil aplicada.
Sobrevieram contrarrazões do MPF (
evento 4, OUT1
, p.275) e parecer da Procuradoria Regional da República da 1ª Região (
evento 4, OUT1
, p.287), nos quais se afirmou a inocorrência de prescrição; a regularidade da exordial e a comprovação de ato ímprobo por parte dos apelantes.
Instadas a se manifestarem acerca das alterações operadas pela Lei 14.230/2021(
evento 36, OUT1
) e sobre a possibilidade de oferecimento de Acordo de Não Persecução Cível, a FUNASA (
evento 43, OUT1
) e o MPF (
evento 51, PARECER_MPF1
) entabularam as condições da sobredita transação.
Intimados a respeito das propostas de acordo (
evento 54, DESPADEC1
),
JOAO CORREIA DA SILVEIRA
e
MR CONSULTORIA E EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA
, entretanto, não se manifestaram.
Vieram os autos conclusos a este gabinete.
É o relatório.
Decido
.
II
–
FUNDAMENTAÇÃO
2. Como visto, trata-se de recursos de apelação interpostos contra sentença que julgou procedentes os pedidos de condenação dos requeridos, ora apelantes, nas sanções da Lei 8.429/92 (LIA), diante de suposta prática de atos de improbidade que atentem contra os princípios da Administração Pública (art.11,
caput
e VI, da LIA) e causem lesão ao erário (art. 10,
caput
, e XI, da LIA).
Antes de adentrar ao mérito, urge, todavia, analisar as preliminares arguidas nos apelos.
2.1. DAS PRELIMINARES
Da alegação de Prescrição
JOAO CORREIA DA SILVEIRA
e
MR CONSULTORIA E EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA
se insurgem contra a r. sentença proferida pelo juízo
a quo
ao argumento de estar o feito prescrito.
No que tange à prescrição em matéria de improbidade administrativa, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o ARE 843989 – que foi proferido com efeitos vinculantes (Tema 1.199) e incidentes a esta causa, ainda não transitada em julgado, fixou a tese de que
Na aplicação do novo regime prescricional – novos prazos e prescrição intercorrente –, há necessidade de observância dos princípios da segurança jurídica, do acesso à Justiça e da proteção da confiança, com a IRRETROATIVIDADE da Lei 14.230/2021, garantindo-se a plena eficácia dos atos praticados validamente antes da alteração legislativa.
18. Inaplicabilidade dos prazos prescricionais da nova lei às ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa, que permanecem imprescritíveis, conforme decidido pelo Plenário da CORTE, no TEMA 897, Repercussão Geral no RE 852.475, Red. p/Acórdão: Min. EDSON FACHIN.
(STF. ARE 843989, Relator Ministro ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 18-08-2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-251 DIVULG 09-12-2022 PUBLIC 12-12-2022)
Entabulado este entendimento, resta evidente que a questão da prescrição tal como alegada pelos apelantes deve ser medida à luz dos marcos temporais erigidos na Lei nº 8429/92, com sua redação original.
Nesse diapasão, dispunha o artigo 23, inciso I, que as ações civis públicas de improbidade administrativa se sujeitam ao lapso prescricional de cinco anos, cujo termo
a quo
é o término do mandato eletivo ou do cargo em comissão ou função de confiança.
Em relação ao ex-prefeito,
JOAO CORREIA DA SILVEIRA
, convém realçar que o período de sua gestão se estendeu até 31/12/2004, e, portanto, eventual prescrição seria ultimada somente em 31/12/2009.
Considerando que a presente ação fora distribuída em 16/09/2008, não há que se falar em consumação do lustro prescricional.
Para mais, ciente da sobredita irretroatividade dos marcos prescricionais da Lei nº 14.230/2021, à luz do Tema 1199/STF, e a ausência de previsão de prescrição intercorrente na redação original da LIA, descabe cogitar da aplicação do instituto entre a data do ajuizamento (16/09/2008) e a data da sentença (16/06/2016).
Por fim, em relação à ré
MR CONSULTORIA E EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA
, ora apelante, ressalto que, nos termos da jurisprudência pacificada do C. Superior Tribunal de Justiça, aplica-se o mesmo prazo prescricional do agente público aos particulares envolvidos na conduta ímproba.
Nesse sentido,
Súmula n. 634
Ao particular aplica-se o mesmo regime prescricional previsto na Lei de Improbidade Administrativa para o agente público. (Súmula n. 634, Primeira Seção, julgado em 12/6/2019, DJe de 17/06/2019.)
No que tange ao ato doloso de improbidade administrativa, a ação de ressarcimento ao erário correlata é imprescritível, conforme já decidido no Tema de Repercussão Geral n° 897 do Pretório Excelso:
TEMA 897/ STF
"São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa."
Traçadas essas considerações, afasto a preliminar de prescrição arguida nos apelos.
Da alegação de inépcia da inicial
Em sede de razões recursais, esforçam-se os apelantes em esboçar suposta inépcia do petitório inicial ante à ausência de causa de pedir.
Segundo afirmam,
Reiteramos que a peça vestibular é inepta, conquanto ausente a causa de pedir, por não trazer em seu bojo a conduta improba especifica na qual teria incorrido a empresa requerida. Ou seja, pretende o Apelado condenação da Apelante nas penalidades previstas no art. 12, da Lei de Improbidade Administrativa, sem contudo descrever minimamente em qual conduta teria incorrido a mesma.
Entretanto, ao contrário do que alegam os requeridos, quanto ao aspecto formal, a petição inicial veicula narrativa coerente e lógica, com imputação de atos de improbidade aos apelantes e pedido de condenação nas penas previstas na legislação.
Com efeito, "
não se configura inépcia da inicial se a petição contiver a narrativa dos fatos configuradores, em tese, da improbidade administrativa e, para o que importa nesta demanda, do prejuízo aos cofres públicos. Sob pena de esvaziar a utilidade da instrução e impossibilitar a apuração judicial dos ilícitos nas ações de improbidade administrativa, a petição inicial não precisa descer a minúcias do comportamento de cada um dos réus. Basta a descrição genérica dos fatos e imputações".
(STJ. RESP 200701485462. Relator Herman Benjamin. 2a Turma. DJE de 13/03/2009).
Os excertos abaixo, extraídos da própria peça vestibular, corroboram o afirmado (
evento 2, OUT1
, p. 07; 08 e 09).
Os analistas do TCU informam também que os pagamentos realizados pelo ex-prefeito à empresa MARCELO & RANDY configuram liqüidação indevida de despesa (v. item 35 do Relatório de Fiscalização do TCU às fls. 105/124). Ao término do mês de agosto do ano de 2002, a contratada já havia recebido o equivalente à construção de 60 (sessenta ) módulos sanitários, mas em vistoria in loco realizada após os pagamentos, constatou-se que apenas 48 (quarenta e oito) unidades estavam sendo construídas, isto é, nenhuma unidade estava finalizada.
(...)
Como dito anteriormente, a empresa MARCELO & RANDY CONSULTORIA E ÉMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. não executou por completo a obra objeto do Convênio n° 1793/2001 (v. Parecer Técnico às fls. 234/235).
(...)
O Requerido JOÃO CORREIA DA SILVEIRA e a empresa MARCELO À RANDY CONSULTORIA E EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. devem ser responsabilizados pela inexecução parcial das obras objeto do Convênio n° 1.793/01 e por desvio de dinheiro público.
Perceba que a propositura da presente ação de improbidade foi precedida de instauração do procedimento administrativo cível n° 1.22.009.000143/2007-01, apenso, onde apurados indícios da prática de improbidade administrativa pelos requeridos.
Logo, conclui-se que houve instrução consistente e com elementos suficientes à propositura da ação,
razão pela qual rejeito a alegação de inépcia tal como deduzida pelos apelantes.
Do Agravo de Instrumento Retido - Prova Pericial
O juízo sentenciante, em provimento que fixou os marcos probatórios da lide, indeferiu o pleito de produção de prova pericial (
evento 4, OUT1
, p.44) formulado por
JOAO CORREIA DA SILVEIRA
.
Em sede de fundamentação, consignou-se a desnecessidade do procedimento ante à
"
farta documentação emitida pela Fundação Nacional de Saúde - FUNASA acerca da execução física das obras referentes ao convênio 1.793/01, merecendo destaque o Parecer Técnico de 'fls. 261/262, elaborado pelo Engenheiro André Luiz de,O. Carvalho em 25.10.2007, e o relatório de vistoria "in loco" elaborado pela equipe do TCU (Fls. 139/143)".
Para mais, houve apontamento acerca da inocuidade da prova dado o extenso lapso temporal (aproximadamente 10 anos) decorrido desde a execução do objeto do convênio - que se encerrou em 2004.
Inconformado,
JOAO CORREIA DA SILVEIRA
interpôs, à época,
agravo retido
, cujas razões recursais apontavam a necessidade de deferimento da prova para comprovar a regularidade dos módulos sanitários construídos (
evento 4, OUT1
,
p.52)
.
Como não houve juízo de retração, cabe a este juízo conhecer da alegação como preliminar de apelação, pelo que passo a apreciar a matéria.
Pois bem.
Verifico que o recorrente justifica a necessidade do procedimento ao argumento de que a visita "
in loco
" realizada pelo agente da FUNASA, o Sr. ROMAGNO ALVES COSTA, em 12/08/2004, teria noticiado que os "módulos em sua totalidade foram construídos satisfatoriamente".
Dessa forma, sustenta:
Se a visita do agente feita na data acima, aconteceu, há 02 meses e 27 dias, do vencimento do convênio (29/10/04), certificando, o agente, que os módulos em sua totalidade foram construídos satisfatoriamente, portanto, não pode ser considerada a execução parcial do convênio, logo, não cometeu o denunciado o tipo da improbidade administrativa buscada na ação.
Dito isso, cumpre salientar, em primeiro lugar, que na notificação sobredita (
evento 6, OUT1
, p.155), está consignado que "os módulos ESTÃO SENDO construídos de forma satisfatória", o que denota que as obras, à época (12/08/2004), se encontravam em curso, e não que estavam concluídas, como faz crer o agravante.
Ademais, não há necessidade de eventual perícia judicial para verificar se houve ou não a conclusão da obra no período de 02 meses e 27 dias entre a diligência da Funasa (12/08/2004) (
evento 6, OUT1
, p.155) e a data final do convênio (29/10/2004), porquanto
após este termo final, novas vistorias foram realizadas no local para avaliar a situação física do empreendimento, como o Parecer Técnico (
evento 6, OUT1
, p.15) elaborado em 25.10.2007
, oportunidade em que se constatou:
O objetivo do convênio foi parcialmente atingido, perfazendo um percentual de 72,24%. Alguns dos módulos não foram localizados, outros tiveram aproveitamento de paredes, alguns não tiveram a calçada de proteção executada e outros não foram executados.
Por fim, certo é que qualquer constatação "
in loco
", após quase 10 (dez) anos do encerramento das obras, de fato não traria informações fidedignas à situação fática existente à época do encerramento do ajuste (29/10/2004).
Isso posto, não carece de reparos a acertada decisão proferida pelo juízo
a quo
que, calcada na permissiva processual do
art. 370, do CPC/2015
, indeferiu a prova pericial pretendida pelo réu
JOAO CORREIA DA SILVEIRA
.
Nesse sentido,
PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDEFERIMENTO DA PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL E TESTEMUNHAL. DESNECESSIDADE. DECISÃO FUNDAMENTADA. CARÁTER PROCRASTINATÓRIO. INEXISTÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO JUÍZO. ARTIGOS 370 E 443, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. PRECEDENTES DA CORTE. WRIT DENEGADO. 1. O pedido genérico de produção de provas realizado pelo requerido, ora impetrante, não auxilia na elucidação da questão posta nos autos principais, pois os fatos que lhe foram imputados prescindem da produção da prova indeferida, sobretudo porque foram produzidos laudos periciais e provas documentais aptas a subsidiar o convencimento do magistrado a quo. 2. In casu, o fato relevante apto a configurar ou afastar eventual prática dos atos ímprobos descritos na inicial da ação civil pública em referência, prescinde da produção de novas
provas,
pois a documentação carreada aos autos se mostra suficiente. 3. Depreende-se da leitura das informações prestadas nos autos pelo juízo de origem, a ausência do alegado cerceamento de defesa pelo indeferimento da produção de prova testemunhal no decisum promanado pela autoridade apontada como coatora. Salta aos olhos a inexistência da fumaça do bom direito, apta à concessão do mandamus. 4. A negativa para realização de novas
provas,
no caso vertente, afigura-se acertada, ante seu caráter protelatório, além da inexistência de comprovação por parte do ora impetrante acerca de sua necessidade, eis que não justificou, satisfatoriamente, os fatos que pretendiam demonstrar, limitando-se a alegar, genericamente, sua relevância. 5.
Não constitui ilegalidade o indeferimento da realização de perícia, oitiva de testemunha ou qualquer outro tipo de prova se os diversos documentos juntados aos autos, somados à perícia técnica realizada, forem suficientes para o esclarecimento e análise da demanda. 6. Descabe falar em cerceamento de defesa. Diante do princípio do livre convencimento, previsto no art. 370 c/c o 473 do Código de Processo Civil de 2015 , o magistrado pode considerar desnecessária a produção de outras provas, sendo-lhe permitido, inclusive, rever seu posicionamento e determinar a realização daquelas que julgar necessárias, até mesmo porque, o juiz não está adstrito ao resultado dos laudos periciais.
7. "Cabe ao juiz, na qualidade de destinatário da prova, determinar a produção daquelas que entender necessárias para a formação do seu convencimento, bem como indeferir as consideradas irrelevantes para o julgamento da causa. A observância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa não implica o deferimento de toda e qualquer diligência requerida pelas partes, mas apenas daquelas realmente úteis para o deslinde da causa" (TRF1. AG 0038607-29.2014.4.01.0000/DF, Terceira Turma, Rel. Des. Federal Mônica Sifuentes, e-DJF1 de 29/10/2015). 8. Do bem lançado parecer ministerial, extrai-se que, "de acordo com o art.
370
do Código de Processo Civil, ao juiz cabe a determinação de produção de novas
provas
e o descarte daquelas que são
inúteis.
Assim, o indeferimento de prova testemunhal ou documental, desde que fundamentado, não é capaz de caracterizar o cerceamento da defesa, consoante remansoso entendimento do TRF1. Conforme verifica-se dos autos, inexistiu cerceamento de defesa, uma vez que o julgador constatou que para o julgamento das questões submetidas ao crivo judicial, seriam necessárias apenas o cotejo de documentos. Nota-se, assim, que o juiz a quo indeferiu o requerimento de produção de prova testemunhal por entender que os documentos juntados aos autos são suficientes para o deslinde da causa, especialmente porque a questão versada nos autos é de natureza técnica: comprovação da aquisição de medicamentos, materiais e produtos hospitalares sem a realização de licitação ou mesmo celebração de contrato, pagando preços superfaturados pelos bens, com o objetivo de abastecer os estoques da Secretaria de Saúde do Estado do Tocantins. 9. Mandado de segurança denegado.
(MS 1028950-07.2018.4.01.0000, DESEMBARGADOR FEDERAL NEY BELLO, TRF1 - SEGUNDA SEÇÃO, PJe 03/08/2020 PAG - grifei).
2.2. DO MÉRITO
Em razão das alterações promovidas pela Lei 14.230/2021, destaco o resultado do julgamento realizado pelo STF no ARE 843.989 – que foi proferido com efeitos vinculantes (
Tema 1.199
) e incidentes a esta causa, ainda não transitada em julgado:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. IRRETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA (LEI 14.230/2021) PARA A RESPONSABILIDADE POR ATOS ILÍCITOS CIVIS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI 8.429/92). NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DE REGRAS RÍGIDAS DE REGÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS CORRUPTOS PREVISTAS NO ARTIGO 37 DA CF. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 5º, XL DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL AO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR POR AUSÊNCIA DE EXPRESSA PREVISÃO NORMATIVA. APLICAÇÃO DOS NOVOS DISPOSITIVOS LEGAIS SOMENTE A PARTIR DA ENTRADA EM VIGOR DA NOVA LEI, OBSERVADO O RESPEITO AO ATO JURÍDICO PERFEITO E A COISA JULGADA (CF, ART. 5º, XXXVI). RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO COM A FIXAÇÃO DE TESE DE REPERCUSSÃO GERAL PARA O TEMA 1199.
1. A Lei de Improbidade Administrativa, de 2 de junho de 1992, representou uma das maiores conquistas do povo brasileiro no combate à corrupção e à má gestão dos recursos públicos.
2. O aperfeiçoamento do combate à corrupção no serviço público foi uma grande preocupação do legislador constituinte, ao estabelecer, no art. 37 da Constituição Federal, verdadeiros códigos de conduta à Administração Pública e aos seus agentes, prevendo, inclusive, pela primeira vez no texto constitucional, a possibilidade de responsabilização e aplicação de graves sanções pela prática de atos de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da CF).
3. A Constituição de 1988 privilegiou o combate à improbidade administrativa, para evitar que os agentes públicos atuem em detrimento do Estado, pois, como já salientava Platão, na clássica obra REPÚBLICA, a punição e o afastamento da vida pública dos agentes corruptos pretendem fixar uma regra proibitiva para que os servidores públicos não se deixem “induzir por preço nenhum a agir em detrimento dos interesses do Estado”.
4. O combate à corrupção, à ilegalidade e à imoralidade no seio do Poder Público, com graves reflexos na carência de recursos para implementação de políticas públicas de qualidade, deve ser prioridade absoluta no âmbito de todos os órgãos constitucionalmente institucionalizados.
5. A corrupção é a negativa do Estado Constitucional, que tem por missão a manutenção da retidão e da honestidade na conduta dos negócios públicos, pois não só desvia os recursos necessários para a efetiva e eficiente prestação dos serviços públicos, mas também corrói os pilares do Estado de Direito e contamina a necessária legitimidade dos detentores de cargos públicos, vital para a preservação da Democracia representativa.
6. A Lei 14.230/2021 não excluiu a natureza civil dos atos de improbidade administrativa e suas sanções, pois essa “natureza civil” retira seu substrato normativo diretamente do texto constitucional, conforme reconhecido pacificamente por essa SUPREMA CORTE (TEMA 576 de Repercussão Geral, de minha relatoria, RE n° 976.566/PA).
7. O ato de improbidade administrativa é um ato ilícito civil qualificado – “ilegalidade qualificada pela prática de corrupção” – e exige, para a sua consumação, um desvio de conduta do agente público, devidamente tipificado em lei, e que, no exercício indevido de suas funções, afaste-se dos padrões éticos e morais da sociedade, pretendendo obter vantagens materiais indevidas (artigo 9º da LIA) ou gerar prejuízos ao patrimônio público (artigo 10 da LIA), mesmo que não obtenha sucesso em suas intenções, apesar de ferir os princípios e preceitos básicos da administração pública (artigo 11 da LIA).
8. A Lei 14.230/2021 reiterou, expressamente, a regra geral de necessidade de comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação do ato de improbidade administrativa, exigindo – em todas as hipóteses – a presença do elemento subjetivo do tipo – DOLO, conforme se verifica nas novas redações dos artigos 1º, §§ 1º e 2º; 9º, 10, 11; bem como na revogação do artigo 5º.
9. Não se admite responsabilidade objetiva no âmbito de aplicação da lei de improbidade administrativa desde a edição da Lei 8.429/92 e, a partir da Lei 14.230/2021, foi revogada a modalidade culposa prevista no artigo 10 da LIA.
10. A opção do legislador em alterar a lei de improbidade administrativa com a supressão da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa foi clara e plenamente válida, uma vez que é a própria Constituição Federal que delega à legislação ordinária a forma e tipificação dos atos de improbidade administrativa e a gradação das sanções constitucionalmente estabelecidas (CF, art. 37, §4º).
11. O princípio da retroatividade da lei penal, consagrado no inciso XL do artigo 5º da Constituição Federal (“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”) não tem aplicação automática para a responsabilidade por atos ilícitos civis de improbidade administrativa, por ausência de expressa previsão legal e sob pena de desrespeito à constitucionalização das regras rígidas de regência da Administração Pública e responsabilização dos agentes públicos corruptos com flagrante desrespeito e enfraquecimento do Direito Administrativo Sancionador.
12. Ao revogar a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, entretanto, a Lei 14.230/2021, não trouxe qualquer previsão de “anistia” geral para todos aqueles que, nesses mais de 30 anos de aplicação da LIA, foram condenados pela forma culposa de artigo 10; nem tampouco determinou, expressamente, sua retroatividade ou mesmo estabeleceu uma regra de transição que pudesse auxiliar o intérprete na aplicação dessa norma – revogação do ato de improbidade administrativa culposo – em situações diversas como ações em andamento, condenações não transitadas em julgado e condenações transitadas em julgado.
13. A norma mais benéfica prevista pela Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa –, portanto, não é retroativa e, consequentemente, não tem incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes. Observância do artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal.
14. Os prazos prescricionais previstos em lei garantem a segurança jurídica, a estabilidade e a previsibilidade do ordenamento jurídico; fixando termos exatos para que o Poder Público possa aplicar as sanções derivadas de condenação por ato de improbidade administrativa.
15. A prescrição é o perecimento da pretensão punitiva ou da pretensão executória pela INÉRCIA do próprio Estado. A prescrição prende-se à noção de perda do direito de punir do Estado por sua negligência, ineficiência ou incompetência em determinado lapso de tempo.
16. Sem INÉRCIA não há PRESCRIÇÃO. Sem INÉRCIA não há sancionamento ao titular da pretensão. Sem INÉRCIA não há possibilidade de se afastar a proteção à probidade e ao patrimônio público.
17. Na aplicação do novo regime prescricional – novos prazos e prescrição intercorrente –, há necessidade de observância dos princípios da segurança jurídica, do acesso à Justiça e da proteção da confiança, com a IRRETROATIVIDADE da Lei 14.230/2021, garantindo-se a plena eficácia dos atos praticados validamente antes da alteração legislativa.
18. Inaplicabilidade dos prazos prescricionais da nova lei às ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa, que permanecem imprescritíveis, conforme decidido pelo Plenário da CORTE, no TEMA 897, Repercussão Geral no RE 852.475, Red. p/Acórdão: Min. EDSON FACHIN.
19. Recurso Extraordinário PROVIDO. Fixação de tese de repercussão geral para o Tema 1199: “1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se – nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA – a presença do elemento subjetivo – DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa –, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei”.
(STF. ARE 843989, Relator Ministro ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 18-08-2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-251 DIVULG 09-12-2022 PUBLIC 12-12-2022)
De acordo com o respeitável julgamento proferido pelo STF, acima indicado, o
ato de improbidade administrativa é um ato de ilícito civil qualificado que exige, para a sua consumação, um desvio de conduta do agente público, devidamente tipificado em lei.
"
A Lei 14.230/2021
reiterou
, expressamente, a regra geral de necessidade de comprovação de
responsabilidade subjetiva
para a tipificação do ato de improbidade administrativa, exigindo – em todas as hipóteses – a presença do elemento subjetivo do tipo – DOLO, conforme se verifica nas novas redações dos artigos 1º, §§ 1º e 2º; 9º, 10, 11; bem como na revogação do artigo 5º”
(sublinhei).
Mais que isso, com as alterações legislativas sobre a matéria, positivou-se a
exigência de
dolo específico
, ou seja, exige-se não apenas a demonstração da voluntariedade do agente na sua conduta, mas também a
intenção de cometer o ato enquanto ato ímprobo
.
Veja-se a redação do novo §2º do art. 1º da Lei 8.429/92:
“Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente.
Dada a aplicabilidade das indigitadas alterações aos processos em curso, sem trânsito em julgado, para que os requeridos incorressem nas sanções do artigo 12, II e III, da Lei 8.429/92, seria necessária a demonstração cabal de
dolo específico
em macular os princípios da Administração Pública e/ou causar dano ao erário, o que, todavia, não
ocorreu em relação a
JOAO CORREIA DA SILVEIRA
.
Da conduta atribuída a
JOAO CORREIA DA SILVEIRA
à luz do art.10, da LIA, com a redação dada pela Lei 14.230/2021.
No tocante a
JOAO CORREIA DA SILVEIRA
, o incurso do recorrente nas sanções da lei de improbidade administrativa deriva de sua suposta conduta consciente e direcionada de obrar para a malversação dos recursos públicos (art. 10, da LIA) e malferir os princípios regentes da Administração Pública (art. 11, da LIA), conforme consta do
decisium
recorrido
(
evento 4, OUT1
, p.225
),
in verbis
:
Por todas essas considerações, restou comprovado nos autos que, no tocante à execução do convênio n° 1793/01, o réu JOÃO CORREIA DA SILVEIRA, na qualidade de Prefeito Municipal, efetuou o pagamento por serviço não realizado, não prestou as contas devidas, além de ter desviado recursos em prol da MR CONSULTORIA E EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. (beneficiária da antecipação de receita), a qual os recebeu indevidamente, razão pela qual incorreu o primeiro na conduta descrita no artigo 10, caput e inciso XI, e art. 11, inciso VI, ambos da Lei nº 8.429/92, e o segundo requerido nas sanções do artigo 10, "caput", da referida lei.
Não obstante a percuciente análise empreendida pelo d. juízo primevo, com as alterações legislativas operadas pela Lei 14.230/2021 sobre a matéria, algumas ponderações se fazem necessárias.
Conforme visto, a imputação de responsabilidade ao ex-prefeito por ato de improbidade que cause dano ao erário (art.10, da LIA) se ancorou no
"flagrante descompasso entre os desembolsos financeiros e a execução física da obra".
Com base nas informações colhidas da sentença (
evento 4, OUT1
, p.222), verifica-se que "
realizado o contrato no início do mês de julho de 2002
", em "
08/ago/2002 já havia feito a liberação de R$ 60.348,00 (fl. 74) e no dia 28 do mesmo mês houve novo pagamento de R$ 17.178,16 (fl. 80), totalizando R$ 77.526,16. Isso implica 90,1% do valor do convênio
".
Entretanto, do relatório do Tribunal de Contas da União constou que no período sobredito
"não havia nenhum módulo efetivamente concluído que pudesse ser utilizado pelo morador do imóvel, apenas 8 (oito) módulos se encontravam próximos de ficarem prontos, faltando a instalação do vaso sanitário, a parte elétrica e a pintura. Outros 19 (dezenove) módulos sequer haviam sido iniciados, e os 40 (quarenta) módulos restantes tinham tão somente os serviços de alvenaria e chapisco finalizados" (
evento 2, OUT1
,p.132).
Ao cabo do prazo para a execução do ajuste (29/10/2004), constatou-se ter sido "utilizado o montante de R$ 85.167,67 do convênio, porém executado somente o percentual de 72,24% da obra", de modo que "o dano verificado alcança o montante de R$ 23.642,55 (vinte e três mil, seiscentos e quarenta e dois reais e cinquenta e cinco centavos)" (
evento 4, OUT1
, p.224).
Não obstante o exposto, cumpre observar que os pagamentos autorizados pelo então prefeito,
JOAO CORREIA DA SILVEIRA
, se basearam nos Relatórios de Execução (
evento 2, OUT1
, 60-72) elaborados a partir de
medições inverídicas realizadas pelos engenheiros responsáveis pelo acompanhamento da execução do convênio.
O próprio juízo
a quo
reconheceu essa condição, conforme trecho colacionado abaixo,
in verbis
:
Aliás, nesse ponto a desonestidade é evidente, pois, para possibilitar o pagamento e consequente recebimento pela contratada de quase totalidade da quantia objeto do convênio, foram elaboradas medições com informações inverídicas. Basta ver que o plano de trabalho não previa a construção de sumidouro (fossa absorvente) nem tampouco de tanque séptico, visto que o ajustado é a ligação à rede coletora de esgoto (fl. 59). Entretanto a vistoria referente à medição dos serviços executados para fins de liberação do pagamento relata a execução de fossa séptica e sumidouro, conforme Relatório de Execução de fls. 75/78 (período de 10/07/2002 a 08/08/2002), o qual aponta a execução de 70% dos módulos, e também no Relatório de Execução de fls. 75/78 (período de 09/08/2002 a 27/08/2002), onde indica a execução de mais 20% dos módulos, ambos assinados pelos requeridos, deixando flagrantes o desvio e a má-fé na execução do convênio, somado ao fato de que nos períodos informados não havia nenhum módulo efetivamente pronto.
Vale lembrar que a responsabilização por improbidade administrativa constitui campo particularizado, distinto das demais searas do direito,
a reclamar a presença de dolo específico.
Dessa forma, não subsiste, ante as alterações providas da Lei 14.230/2021, as malsinadas responsabilidades supostas.
Conforme determina o art. 17-C da LIA, a “sentença proferida nos processos a que se refere esta Lei deverá, além de observar o disposto no art. 489 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil)”, indicar “de modo preciso os fundamentos que demonstram os elementos a que se referem os arts. 9º, 10 e 11 desta Lei,
que não podem ser presumidos
”
(sublinhei).
Outrossim, à luz da PACÍFICA JURISPRUDÊNCIA do STF, a condenação em razão de dever de vigilância (culpa
in vigilando
) ou dever de escolha adequada daquele a quem se confiou a fiscalização das obras públicas (culpa
in eligendo
), não se afigura possível.
Veja que, malgrado a função de comando exercida, para se transpor o umbral que guarnece a probidade administrativa, não é suficiente a suposição de que na qualidade de prefeito, o apelante conhecia ou compactuava com as ilicitudes perpetradas.
Em outras palavras, o ex-prefeito não pode ser penalizado pessoalmente nesta ação por presunções decorrentes da função que exerceu ou por atos que foram praticados por terceiros (engenheiros contratados). Quando muito, poderia ser o caso de ter determinado a instauração de P.A. – procedimento administrativo para apurar eventuais condutas desidiosas.
No caso narrado, não se vislumbram quaisquer irregularidades intrínsecas aos registros assinados pelo ex-gestor, porquanto o valor do pagamento por ele autorizado é consentâneo às medições que lhe foram apresentadas pelos engenheiros responsáveis. A querela, a rigor, cinge-se à correspondência dessas medições com a realidade.
Por essa razão, tenho por não caracterizado o dolo específico do agente no que tange à autorização irregular para pagamento dos valores do convênio, haja vista a não comprovação de que o então prefeito conhecia e compactuava com o teor inverídico das medições indicadas no documento a que apôs sua assinatura.
Convencido de ser este o melhor entendimento, afasto a condenação do ora apelante pela prática de ato de improbidade que lesa o erário, na forma do art. 10, da Lei 8429/92, com redação dada pela Lei 14.230/2021.
Da conduta atribuída a
JOAO CORREIA DA SILVEIRA
à luz do art.11, da LIA, com a redação dada pela Lei 14.230/2021.
Após as alterações legislativas promovidas pela Lei 14.230/2021, os atos de improbidade administrativa que atentem contra os princípios da Administração Pública, para que assim sejam reputados, devem se subsumir a uma das hipóteses legais elencadas no rol do art. 11, da LIA, que, segundo jurisprudência consolidada dos tribunais superiores,
ostenta caráter taxativo
O Supremo Tribunal Federal, ao interpretar a aplicação do Tema nº 1199, concluiu que essas alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021 na Lei nº 8.249/1992, aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior, em que ainda não houve o trânsito em julgado de decisão.
Veja-se o que restou decidido no julgamento do ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED,
in verbis:
EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ADVENTO DA LEI 14.231/2021. INTELIGÊNCIA DO ARE 843989 (TEMA 1.199). INCIDÊNCIA IMEDIATA DA NOVA REDAÇÃO DO ART. 11 DA LEI 8.429/1992 AOS PROCESSOS EM CURSO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROVIDOS PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. 1.
A Lei 14.231/2021 alterou profundamente o regime jurídico dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípio da administração pública (Lei 8.249/1992, art. 11), promovendo, dentre outros, a abolição da hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios discriminados no caput do art. 11 da Lei 8.249/1992 e passando a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, discriminada exaustivamente nos incisos do referido dispositivo legal.
2. No julgamento do ARE 843989 (Tema 1.199), o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações da introduzidas pela Lei 14.231/2021 para fins de incidência em face da coisa julgada ou durante o processo de execução das penas e seus incidentes, mas ressalvou exceção de retroatividade para casos como o presente, em que ainda não houve o trânsito em julgado da condenação por ato de improbidade. 3.
As alterações promovidas pela Lei 14.231/2021 ao art. 11 da Lei 8.249/1992 aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado.
4. Tendo em vista que (i) o Tribunal de origem condenou o recorrente por conduta subsumida exclusivamente ao disposto no inciso I do do art. 11 da Lei 8.429/1992 e que (ii) a Lei 14.231/2021 revogou o referido dispositivo e a hipótese típica até então nele prevista ao mesmo tempo em que (iii) passou a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, imperiosa a reforma do acórdão recorrido para considerar improcedente a pretensão autoral no tocante ao recorrente. 5. Impossível, no caso concreto, eventual reenquadramento do ato apontado como ilícito nas previsões contidas no art. 9º ou 10º da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.249/1992), pois o autor da demanda, na peça inicial, não requereu a condenação do recorrente como incurso no art. 9º da Lei de Improbidade Administrativa e o próprio acórdão recorrido, mantido pelo Superior Tribunal de Justiça, afastou a possibilidade de condenação do recorrente pelo art. 10, sem que houvesse qualquer impugnação do titular da ação civil pública quanto ao ponto. 6. Embargos de declaração conhecidos e acolhidos para, reformando o acórdão embargado, dar provimento aos embargos de divergência, ao agravo regimental e ao recurso extraordinário com agravo, a fim de extinguir a presente ação civil pública por improbidade administrativa no tocante ao recorrente.
(ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22/08/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-09-2023 PUBLIC 06- 09-2023 -grifei)
No mesmo sentido:
SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ADVENTO DA LEI 14.231/2021. INTELIGÊNCIA DO ARE 843.989 (TEMA 1.199). INCIDÊNCIA IMEDIATA DA NOVA REDAÇÃO DO ART. 11 DA LEI 8.429/1992 AOS PROCESSOS EM CURSO. 1. A Lei 14.231/2021 alterou profundamente o regime jurídico dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública (Lei 8.249/1992, art. 11), promovendo, dentre outros, a abolição da hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios discriminados no caput do art. 11 da Lei 8.249/1992 e passando a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, discriminada exaustivamente nos incisos do referido dispositivo legal. 2. No julgamento do ARE 843.989 (tema 1.199), o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações introduzidas pela Lei 14.231/2021, para fins de incidência em face da coisa julgada ou durante o processo de execução das penas e seus incidentes, mas ressalvou exceção de retroatividade relativa para casos como o presente, em que ainda não houve o trânsito em julgado da condenação por ato de improbidade. 3.
As alterações promovidas pela Lei 14.231/2021 ao art. 11 da Lei 8.249/1992 aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado. 4. Tendo em vista que (i) a imputação promovida pelo autor da demanda, a exemplo da capitulação promovida pelo Tribunal de origem, restringiu-se a subsumir a conduta imputada aos réus exclusivamente ao disposto no caput do art. 11 da Lei 8.429/1992 e que (ii) as condutas praticadas pelos réus, nos estritos termos em que descritas no arresto impugnado, não guardam correspondência com qualquer das hipóteses previstas na atual redação dos incisos do art. 11 da Lei 8.429/1992, imperiosa a reforma do acórdão recorrido para julgar improcedente a pretensão autoral.
5. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 6. Agravo regimental desprovido.
(ARE 1.346.594 AgR-segundo, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 24-10-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 30-10-2023 PUBLIC 31-10-2023 - grifei)
No tocante ao posicionamento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, a análise percuciente de seus julgados permite constatar uma alteração de posicionamento recente.
Em um primeiro momento, havia divergência nas turmas do Egrégio Sodalício acerca da aplicação retroativa da nova Lei de Improbidade - como se pode notar do julgamento do AREsp 2.031.414/MG
(AREsp n. 2.031.414/MG, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 13/6/2023, DJe de 15/8/2023).
Após o Pretório Excelso consolidar sua jurisprudência, nos termos da fundamentação supra, o Superior Tribunal de Justiça também firmou entendimento para exigir um juízo de subsunção entre a conduta imputada ao réu e as elencadas taxativamente no art. 11, da LIA, a fim de que se verifique eventual continuidade da proibição frente às alterações legislativas promovidas.
No presente caso, a condenação do apelante remete ao inciso VI, do Art. 11, da Lei de Improbidade Administrativa, que, com a redação conferida pela Lei 14.230/21, passou a exigir o especial fim de agir do agente para a negativa de prestação de contas.
Assim,
Seção III. Dos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da Administração Pública
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas:
(Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
(...)
VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo, d
esde que disponha das condições para isso, com vistas a ocultar irregularidades
;
(Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021
) (grifei).
No caso
sub judice,
de fato
,
houve descumprimento da normativa referente à prestação de contas por parte do ex-alcaide, dando ensejo a instauração da Tomada de Contas Especial n° 25190.015.879/2007-18, Portaria n° 946, de 22/11/2007.
Muito embora tenha faltado com o dever que lhe era exigido como gestor municipal, não há como afirmar que a negativa de prestação de contas estivesse direcionada à vontade consciente e específica de ocultar as irregularidades na execução do convênio em questão.
Conforme restou demonstrado no tópico antecendente, os pagamentos autorizados pelo ora Apelante, à época prefeito do município de Tarumirim/MG, foram baseados em medições realizadas pelos engenheiros responsáveis pelo acompanhamento da obra, das quais não há elementos probatórios que comprovem ter o gestor conhecimento do caráter inverídico que ostentavam.
Para mais,
a assinatura contida no termo de aceitação definitiva não pertence ao recorrente, conforme demonstrado em incidente de falsidade movido pela parte
(
evento 6, OUT1
, p.237).
A bem de se ver, portanto, que padecem os autos de elementos probatórios suficientes para afirmar que
JOAO CORREIA DA SILVEIRA
conhecia e compactuava com as irregularidades presentes na execução do Convênio 1793/2001.
Logo, não será possível enquadrá-lo por ato de improbidade administrativa descrito no VI, do art. 11, da LIA, que, como visto, a par da não prestação das contas, passou a exigir a intenção de não fazê-lo com vistas a ocultar eventuais irregularidades.
Isso posto, afasto a condenação de
JOAO CORREIA DA SILVEIRA
pela prática de ato de improbidade descrito no inciso VI, art. 11, da LIA, com redação dada pela Lei 14.230/21.
Afasto, de igual forma, a condenação do agente por violação genérica aos princípios d
o
caput
do art. 11, da Lei 8.249/1992, porquanto abolida na nova sistemática de improbidade essa modalidade de responsabilização (
ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, com destaque acima).
Da comprovação do dolo específico nas condutas atribuídas a
MR CONSULTORIA E EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA
.
Ao contrário do que se passa em relação aos demais apelantes, nas condutas de
MR CONSULTORIA E EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA
se encontra nitidamente caracterizado o dolo específico refletido na execução deficiente do serviço contratado.
Consoante vasto acervo probatório carreado aos autos, com destaque para o Parecer Técnico emitido pelo engenheiro da FUNASA (
evento 6, OUT1
, p.15); Parecer Financeiro 235/2007 (
evento 6, OUT1
, p.17); Parecer Financeiro nº 135/2008 (
evento 6, OUT1
, p.69); e Relatório de Inspeção na Prefeitura Municipal de Tarumirim/MG emitido pelo TCU - Processo TC nº 013.821/2002-8 (
evento 2, OUT1
, p. 124), conquanto o município tenha efetuado o pagamento por sua execução total (
evento 6, OUT1
, p. 31-33), a obra em questão não foi cumprida na integralidade pela construtora.
A esmerada análise empreendida pelo Juiz Federal (
evento 4, OUT1
, p. 219) acerca do Parecer Técnico Final, emitido em 25/10/2007, pelo Engenheiro da FUNASA (
evento 6, OUT1
, p.15), corrobora o afirmado.
No Parecer Técnico Final decorrente da visita in loco ao município de Tarumirim/MG, emitido em 25/10/2007 pelo Engenheiro da FUNASA, constou, dentre outras, as seguintes observações (fls. 261/262): 1 - o objeto pactuado no convênio foi parcialmente executado, perfazendo um percentual de execução igual a 82,09%; 2 - o objetivo do convênio foi parcialmente atingido, perfazendo um percentual de 72,24%. Alguns dos módulos não foram localizados, outros tiveram aproveitamento de paredes; alguns não tiveram a calçada de proteção executada e outros não foram executados. Isso significa que, fisicamente foram localizados 55 (cinquenta e cinco) módulos sanitários (percentual correspondente a 82,09% da execução física), contudo, apenas 72,24% do objetivo previsto foi atingido, pois nem todos os banheiros foram considerados conformes aos parâmetros de funcionalidade acordados no convênio, dentro do objeto previsto no plano de trabalho. As impropriedades referem-se às obras imperfeitas conforme mencionado, pois alguns módulos não tiveram a construção da calçada de proteção e outros tiveram o aproveitamento de paredes, circunstancias que reduziram o custo, embora não alterada a funcionalidade.
Por tais constatações, o engenheiro concluiu que: "Diante de todos os fatos apurados e vistoriados, como o objetivo do convênio não foi plenamente atendido, salvo melhor julgamento, recomendamos a aprovação parcial da execução física do objeto pactuado bem como o objetivo. Portanto o percentual de 27,76% deverá ser ressarcido aos cofres da FUNASA".
(...)
Nesse passo, demonstrado o desvio de recursos no montante de 23.642,55 (vinte e três mil seiscentos e quarenta e dois reais e cinquenta e cinco centavos), correspondente ao percentual de 27,76% da obra (fl. 268).
Veja que a vontade consciente e direcionada de atingir o fim ilícito deflui das inúmeras irregularidades observadas para quais se exige participação direta do ora apelante, o que se revela bastante para caracterizar o dolo específico exigido do ato ímprobo.
Nesse ponto, definha a força probante da prova testemunhal colhida nos autos ante à robustez dos documentos acostados e que comprovam, com minudeza de detalhes, a execução irregular do Convênio nº 1793.
Por sua irrepreensível acurácia, torna-se conveniente incorporar às razões deste
decisium
o teor das considerações empreeendidas pelo d. juízo sentenciante quando da apreciação da matéria,
in verbis
(
evento 4, OUT1
, p. 220):
A riqueza de detalhes da obra executada retira a força das declarações das testemunhas no sentido de que, ora foram construídos 60 (sessenta) banheiros, ora 67 (sessenta e sete) sanitários, conforme se verifica às fls. 619/620, pois se trata de informações genéricas, sem apoio em outros dados concretos, e por isso não são suficientes para afastar o laudo elaborado pela FUNASA com base em vistoria, sobretudo considerando o decurso de tempo, haja vista a passagem de mais de 10 anos, circunstância que também fragiliza as afirmações das testemunhas.
Conclusão
: Nos termos da fundamentação supra, assiste razão ao apelo interposto por
JOAO CORREIA DA SILVEIRA
, haja vista a não comprovação de fundamentos precisos de dolo atribuíveis ao acusado, incumbência que não se pode considerar como efetivada mediante inferência de responsabilidade ou de tipos de culpa (
in vigilando
ou
in eligendo
).
Razão não assiste, porém, ao recurso interposto por
MR CONSULTORIA E EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA
,
para a qual as irregularidades apontadas são denotativas da participação direta, voluntária e consciente do agente na execução irregular da obra pública.
Constatado o dolo específico, justifica-se a manutenção da condenação da requerida pela prática de ato de improbidade administrativa descrito no art.10, da LIA, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021.
Nesse ponto, cumpre destacar que incumbe ao integrante do Tribunal, titular da relatoria de recursos ou de ações originárias, depois de facultada a apresentação de contrarrazões (em sendo o caso), negar ou lhes dar provimento quando a pretensão ou a decisão recorrida for contrária a:
a)
súmula do Supremo Tribunal Federal – STF, do Superior Tribunal de Justiça – STJ ou do próprio tribunal;
b)
acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
c)
entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; e
d)
jurisprudência consolidada do STF, do STJ ou do próprio TRF6 (tudo cf. artigo 932, V, “a”, “b” e “c”, c/c 1.011, I, do CPC/2015 e inciso I do art. 22 do Regimento Interno deste Tribunal).
Portanto, a apelação deve ser
DESPROVIDA
de plano em relação à ré
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,
e
PROVIDA
em relação ao requerido
JOAO CORREIA DA SILVEIRA
, para absolvê-lo da condenação por prática de ato de improbidade administrativa descrito no artigo 10,
caput
e inciso XI, e art. 11, inciso VI, ambos da Lei nº 8.429/92.
2.3. DA READEQUAÇÃO DAS SANÇÕES APLICADAS
Nos termos da redação conferida ao art.12, II, da LIA, e considerada a aplicabilidade das alterações promovidas pela Lei 14.230/21 aos processos em curso, cumpre readequar as sanções impostas à ré
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aos padrões vigentes.
Nesse sentido:
Art. 12. Independentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo, e das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:
(Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
I - na hipótese do art. 9º desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 14 (catorze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 14 (catorze) anos;
(Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
II - na hipótese do art. 10 desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 12 (doze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 12 (doze) anos;
(Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
III - na hipótese do art. 11 desta Lei, pagamento de multa civil de até 24 (vinte e quatro) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 4 (quatro) anos (grifei).
Como consta da decisão recorrida, a apelante
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foi condenada a) ao ressarcimento do dano, do montante correspondente a R$ 23.642,55 (vinte e três mil, seiscentos e quarenta e dois reais e cinquenta e cinco centavos), em favor da FUNASA, o qual deverá ser atualizado pela SELIC, desde 25/11/2002 (data do último pagamento), conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal; b) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos; c) aplicação de multa civil, fixada em R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para cada réu, nesta data, que deverá ser atualizada até o pagamento pela SELIC, a qual abrange a mora, conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal.
Por estarem em conformidade aos parâmetros descritos no inciso II, do art.12, da Lei de Improbidade Administrativa,
MANTENHO
a aplicação das sanções descritas nos itens "a" e "b", tal como estabelecidas pelo juízo sentenciante.
Contudo, quanto à multa civil, é necessário
alterar o termo inicial para incidência de juros e correção monetária, fixando-o na data do ato ímprobo
, para que se observe a tese recentemente firmada pelo STJ no Tema 1128:
Na multa civil prevista na Lei 8.429/1992, a correção monetária e os juros de mora devem incidir a partir da data do ato ímprobo, nos termos das Súmulas 43 e 54/STJ.
Pontue-se que a alteração do termo inicial dos juros e correção monetária pode ser realizada de ofício por este Tribunal, por se tratar de consectário legal da condenação e matéria de ordem pública. Nesse sentido a consolidada jurisprudência do STJ: AgInt nos EDcl no REsp n. 1.840.583/SP, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 21/9/2020, DJe de 24/9/2020; AREsp n. 1.448.060/SP, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 17/12/2019, DJe de 19/12/2019; REsp 1729768/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/12/2018, DJe 18/12/2018; AgInt no AREsp 832.696/SC, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/12/2016, DJe 02/02/2017; AgInt no REsp 1577634/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/05/2016, DJe 30/05/2016.
2.4. DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA
No que tange à gratuidade de justiça, o artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal, garante assistência jurídica aos hipossuficientes. Ademais, no art. 99, do CPC/2015, está prevista a possibilidade de se requerer a assistência judiciária gratuita em sede de recurso.
Por um lado, não se ignora que o sistema processual vigente atribui presunção de veracidade (relativa, diga-se) à declaração de hipossuficiência formulada por pessoa física.
Por outro lado, e por decorrência, é possível sua desconstituição, dede que modo fundamentado e com base em elementos concretos, sendo vedada pela jurisprudência do STJ a adoção exclusiva de critérios abstratos (AgInt no REsp n. 1.895.814/RJ, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 6/12/2021, DJe de 10/12/2021, AgInt no REsp n. 1.940.053/AL, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 4/10/2021, DJe de 21/10/2021, AgInt no REsp n. 1.916.377/PE, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 7/6/2021, DJe de 1/7/2021; no mesmo sentido: AI 1001033-33.2022.4.06.0000, 1ª Turma, unânime, Desembargador Federal Grégore Moura, j. em 21.03.2023).
Deve-se, contudo, oportunizar à parte que junte aos autos documentos que entender pertinentes para comprovar sua hipossuficiência:
Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.
§ 1º Se superveniente à primeira manifestação da parte na instância, o pedido poderá ser formulado por petição simples, nos autos do próprio processo, e não suspenderá seu curso.
§ 2º O juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos.
(...)
No caso concreto, vê-se que a declaração de hipossuficiência realizada pela parte data de alguns anos, podendo ter havido alteração de panorama fática. Além disso,
o pedido se ampara unicamente na ausência de anotação na CTPS da parte, o que,
notoriamente
, não significa, por si só, que ela não aufira renda proveniente de qualquer outra fonte que não as relações de emprego
(por exemplo, prestação de serviço, benefício previdenciário, renda patrimonial etc.)
Por tudo isso,
indefiro,
por ora
, o pedido de assistência judiciária gratuita,
facultando à parte requerente
, contudo, que, caso mantenha seu intuito de obter tal benefício,
junte aos autos declaração de imposto de renda do último ano-exercício (e demais elementos que julgue pertinentes para a comprovação da sua hipossuficiência financeira)
, reiterando, assim, seu pedido.
III – DISPOSITIVO
3.1.
Nos termos de toda a fundamentação supra, conheço do recurso e
DOU PARCIAL PROVIMENTO
à apelação interposta por
JOAO CORREIA DA SILVEIRA
.
3.2.
Por outro lado, conheço do recurso e
NEGO PROVIMENTO
à apelação interposta por
MR CONSULTORIA E EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA
.
3.3
. Por tê-la como consentânea às balizas legais do art. 12, II, da Lei nº 8429/92, e condizente aos postulados da proporcionalidade e razoabilidade,
MANTENHO
a condenação de
MR CONSULTORIA E EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA
:
a) ao ressarcimento do dano, do montante correspondente a R$ 23.642,55 (vinte e três mil, seiscentos e quarenta e dois reais e cinquenta e cinco centavos), em favor da FUNASA, o qual deverá ser atualizado pela SELIC, desde 25/11/2002 (data do último pagamento), conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal;
b) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos
;
c) multa civil, fixada em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), aplicada individualmente,
acrescida de correção monetária e juros de mora a partir do ato ímprobo
, que deverá ser atualizada até o pagamento pela SELIC, a qual abrange a mora, conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal.
3.4
.
INDEFIRO
,
por ora
, os benefícios da gratuidade de justiça a
JOAO CORREIA DA SILVEIRA
, facultando-lhe a juntada de declaração de imposto de renda do último exercício e demais documentos que julgar pertinentes e a reiteração do pedido.
3.5.
Intimem-se
as partes Apeladas, MPF e FUNASA, para ciência, no prazo legal de 30 (trinta) dias úteis.
3.6.
Intimem-se
os Apelantes para ciência, no prazo de 15 (quinze) dias úteis.
Não havendo interesse em recorrer, solicita-se às partes, em homenagem aos princípios da cooperação, eficiência e razoável duração do processo, que, ao tomarem ciência desta decisão, manifestem expressamente a renúncia ao prazo recursal conforme rotina deste sistema E-Proc (mediante simples "clique").
3.7
.
Proceda a Secretaria à
retificação da autuação quanto ao polo ativo
, não sendo apelante a Fundação Nacional de Saúde - FUNASA.
3.8.
Nada requerido,
certifique-se
o trânsito em julgado e
devolvam-se
os autos à Primeira Instância (sem necessidade de novas intimações quanto a este item).
Cumpra-se.
Belo Horizonte/MG, data no sistema.
Desembargador Federal
GRÉGORE MOURA
Relator
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