Processo nº 1017250-75.2025.8.11.0000
ID: 325395830
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara Criminal
Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL
Nº Processo: 1017250-75.2025.8.11.0000
Data de Disponibilização:
15/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1017250-75.2025.8.11.0000 Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Assunto: [Crimes de Tortura, Crimes Previstos no Estatuto d…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1017250-75.2025.8.11.0000 Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Assunto: [Crimes de Tortura, Crimes Previstos no Estatuto da criança e do adolescente, Homicidio qualificado, Promoção, constituição, financiamento ou integração de Organização Criminosa] Relator: Des(a). PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA Turma Julgadora: [DES(A). PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA, DES(A). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO] Parte(s): [JOSILAINE DA SILVA RAIMUNDO - CPF: 041.495.951-51 (INTERESSADO), TRIBUNAL DE JUSTICA DO ESTADO DE MATO GROSSO (INTERESSADO), DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 02.528.193/0001-83 (IMPETRANTE), JOSILAINE DA SILVA RAIMUNDO - CPF: 041.495.951-51 (PACIENTE), JUÍZO DA 3ª VARA DA COMARCA DE PONTES E LACERDA (IMPETRADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (TERCEIRO INTERESSADO), JOSE JUNIOR HONORIO - CPF: 939.548.671-68 (TERCEIRO INTERESSADO), LUCIO DOS SANTOS SOARES - CPF: 007.244.921-78 (TERCEIRO INTERESSADO), JOSE APARECIDO DOS SANTOS - CPF: 912.426.901-82 (VÍTIMA)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DENEGOU A ORDEM. E M E N T A Direito Processual Penal. Habeas Corpus. Organização Criminosa. Tortura. Homicídio Qualificado pelo Motivo Torpe e pelo Recurso que Dificultou a Defesa ad Vítima. Corrupção de menores. Prisão preventiva. Pedido de revogação. Alegações de ausência de requisitos legais, falta de contemporaneidade, negativa de autoria e ofensa ao princípio da presunção de inocência. pedido de prisão domiciliar. Insubsistência das teses. Fundamentação idônea. Ordem denegada. I. Caso em exame 1. Habeas Corpus impetrado em favor da paciente, presa preventivamente desde do dia 17.3.2025, sob a acusação de integrar Organização Criminosa (Comando Vermelho), de participação nos crimes de Homicídio Duplamente Qualificado, Tortura e Corrupção de Menor. 2. Sustenta-se no writ as seguintes teses: (i) ausência dos requisitos legais da prisão preventiva, (ii) falta de contemporaneidade do decreto cautelar, (iii) negativa de autoria, (iv) violação ao princípio da presunção de inocência e, (v) pedido subsidiário de substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar, em razão da condição de a paciente ser mãe de três crianças menores de 12 anos de idade. II. Questão em discussão 2. Cinge-se em saber: (i) se estão presentes os requisitos do art. 312 do CPP para manutenção da prisão preventiva; (ii) se há ausência de contemporaneidade na medida constritiva; (iii) se é possível o enfrentamento da negativa de autoria na via estreita do Habeas Corpus; (iv) se há ofensa ao princípio da presunção de inocência; e, (v) se é cabível a substituição da prisão preventiva por medidas mais brandas, ou por prisão domiciliar em razão da condição materna da paciente. III. Razões de decidir 3. Revela-se legítima a custódia preventiva, porquanto alicerçada na garantia da ordem pública, diante da gravidade concreta dos fatos, do modus operandi e do elevado grau de periculosidade da paciente, apontada como integrante de organização criminosa dotada de atuação estável e prolongada no tempo. 4. A alegação de ausência de contemporaneidade não prospera, pois, as jurisprudências das Cortes Superiores compreendem que tal requisito se refere à atualidade dos fundamentos da prisão, e não à data da prática do crime. 5. A tese de negativa de autoria não pode ser analisada na via estreita do Habeas Corpus, por demandar revolvimento de matéria fático-probatória, vedado nesta sede de cognição sumária. 6. A prisão preventiva, decretada em conformidade com os parâmetros legais, não configura ofensa ao princípio da presunção de inocência, sendo medida de natureza cautelar, e não pena antecipada. 7. Não se mostra cabível a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas, ante a necessidade da custódia cautelar, evidenciada pela gravidade concreta da conduta. 8. Mostra-se igualmente inviável a conversão da custódia cautelar em prisão domiciliar, por força da vedação categórica do art. 318-A, I, do CPP, que impede a concessão do benefício a imputados por delitos cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, como homicídio e tortura. Ademais, não há nos autos prova de que a paciente, antes da segregação, desempenhasse função imprescindível à rotina ou aos cuidados cotidianos de filhos menores, circunstância que obsta a aplicação do art. 318, V, do mesmo diploma processual. IV. Dispositivo e tese 8. Ordem de Habeas Corpus denegada. Tese de julgamento: “1. A manutenção da prisão preventiva é medida que se impõe quando demonstrados, de forma concreta, os requisitos legais previstos no art. 312 do CPP, especialmente para a garantia da ordem pública, diante da gravidade real dos fatos e da vinculação da agente a organização criminosa de atuação permanente. 2. A ausência de contemporaneidade da prisão não se configura quando permanecem hígidos os fundamentos que autorizam a medida constritiva. 3. A negativa de autoria não pode ser analisada na via estreita do Habeas Corpus, por demandar dilação probatória. 4. A decretação da prisão preventiva, desde que fundamentada, não viola o princípio da presunção de inocência. 5. Inviável a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares ou domiciliar, ante a gravidade concreta da conduta, a vedação do art. 318-A, I, do CPP e a ausência de comprovação de indispensabilidade da paciente nos cuidados dos filhos menores.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LXVIII; CPP, arts. 312, 318, 318-A; Lei nº 9.455/1997, art. 1º, I, “a”; ECA, art. 244-B; CP, art. 121, § 2º, I e IV. Jurisprudência relevante citada: STJ - HC 477.150/SP, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Rel. p/ Acórdão Ministro Antonio Saldanha Palheiro, 6ª Turma, DJE 4.2.2019, AgRg no HC: 889696 GO 2024/0036679-7, Relator.: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 15/04/2024, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/04/2024, AgRg no RHC n. 165.907/RS, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 28/11/2022, DJe de 1/12/2022, HC 794.990, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 05/01/2023, AgRg no HC: 866981 RO 2023/0402398-2, Relator.: Ministro JESUÍNO RISSATO DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT, Data de Julgamento: 26/02/2024, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/03/2024, TJMT- N.U 1013479-89.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 21/05/2025, Publicado no DJE 23/05/2025, N.U 1002115-23.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, HELIO NISHIYAMA, Quarta Câmara Criminal, Julgado em 11/03/2025, Publicado no DJE 14/03/2025, N.U 1015390-39.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO, Quarta Câmara Criminal, Julgado em 13/06/2025, Publicado no DJE 13/06/2025, N.U 1006060-18.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 16/06/2025, Publicado no DJE 16/06/2025, N.U 1030209-15.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, WESLEY SANCHEZ LACERDA, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 11/11/2024, Publicado no DJE 11/11/2024. R E L A T Ó R I O Egrégia Câmara, Trata-se de Habeas Corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de Josilaine da Silva Raimundo, presa preventivamente desde 17.3.2025, apontando-se como autoridade coatora a MM. Juíza de Direito da 3ª Vara da Comarca de Pontes e Lacerda/MT, que decretou e, posteriormente, manteve a prisão preventiva da paciente no bojo da Ação Penal nº 1001038-71.2024.8.11.0013, pela suposta prática dos crimes de Organização Criminosa (arts. 2º, §2º e § 4º, I, da Lei 12.850/2013); Tortura (art. 1º, inc. I, alínea “a”, da Lei nº 9.455/1997); Homicídio Duplamente Qualificado (art. 121, §2°, incisos I (motivo torpe) e IV (recurso que dificultou a defesa da vítima) do Código Penal) e Corrupção de Menor (artigo 244-B da Lei nº. 8.069/1990). Em linhas gerais, alegou-se na impetração constrangimento ilegal decorrente da ausência de requisitos autorizadores da prisão preventiva (art. 312 do CPP), com especial destaque à inobservância do requisito da contemporaneidade dos supostos fatos em relação à custódia cautelar, e que a paciente não cometeu os crimes que lhe foram imputados (negativa de autoria). Frisou, ainda, que ocorreu ofensa ao princípio da presunção de inocência, e que a condição da paciente como genitora de três filhos menores de idade (R.V.S. - 9 anos, R.C.S. – 11 anos e A.V.S. – 2 anos), aliado aos predicados pessoais favoráveis, ensejaria a aplicação da prisão domiciliar com base no art. 318, incisos III e V, do Código de Processo Penal. Desta forma, requereu a concessão liminar da ordem para que a custódia fosse revogada, mediante a fixação ou não de providências cautelares menos gravosas, ou substituída por prisão domiciliar, confirmando-se, de qualquer modo, a tutela de urgência no mérito (ID 289566874). Instruiu-se a petição inicial com documentos (ID 289566875 e ss.). A liminar foi indeferida (ID 290059892). Na sequência, vieram os informes judiciais (ID 291973389). Em seu parecer, a douta Procuradoria-Geral de Justiça, por meio de manifestação subscrita pelo Procurador de Justiça Amarildo César Fachone, opinou pela denegação da ordem (ID 293527389), nos termos do sumário que segue transcrito: “HABEAS CORPUS – PACIENTE INCURSA NA PRÁTICA DOS CRIMES DE ROUBO MAJORADO, INTEGRAR ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA ARMADA, TORTURA, CORRUPÇÃO DE MENORES E HOMICÍDIO QUALIFICADO – DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA AO ARGUMENTO DE PRESERVAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA E GRAVIDADE CONCRETA DOS CRIMES – 1. PLEITO PELA REVOGAÇÃO DA MEDIDA CONSTRITIVA – ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DOS REQUISITOS E PRESSUPOSTOS DA PRISÃO CAUTELAR – INVIABILIDADE – PRESENÇA DE ELEMENTOS CONCRETOS QUE JUSTIFICAM A MANUTENÇÃO DA SEGREGAÇÃO CAUTELAR, COMO GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA, MORMENTE PELA GRAVIDADE CONCRETA DOS CRIMES, QUE FORAM PERPETRADOS DE MODO A CONSTITUIREM O CHAMADO “TRIBUNAL DO CRIME” (JULGAMENTO INFORMAL REALIZADO POR FACÇÕES CRIMINOSAS) – 2. TESE DE AUSÊNCIA DE CONTEMPORANEIDADE – NÃO ACOLHIMENTO – NÃO HÁ QUE SE FALAR EM AUSÊNCIA DE CONTEMPORANEIDADE POIS AINDA SUBSISTEM OS MOTIVOS ENSEJADORES DO DECRETO PRISIONAL – 3. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS DA PACIENTE – EM QUE PESE SEREM FAVORÁVEIS, AS CONDIÇÕES PESSOAIS DA PACIENTE NÃO POSSUEM O CONDÃO, POR SI SÓ, DE CONDUZIR À REVOGAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL – 4. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS – AFIGURA-SE INVIÁVEL A IMPOSIÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO, SOBRETUDO, QUANDO O DECRETO PRISIONAL SE ENCONTRA DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO NA GRAVIDADE CONCRETA DOS DELITOS, COMO GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA – 5. PLEITO DE CONCESSÃO DE PRISÃO DOMICILIAR – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE A PACIENTE É IMPRESCINDÍVEL AOS CUIDADOS DOS FILHOS MENORES – CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. PARECER PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM”. É o relatório. Inclua-se em pauta. V O T O R E L A T O R Egrégia Câmara, Dos elementos constantes nos autos, depreende-se que a paciente, Josilaine da Silva Raimundo, juntamente com seus comparsas — José Junior Honório, Lúcio dos Santos Soares e os adolescentes A.K.S.M., G.F.S. (vulgo “ZK”) e K.G.M.B. (vulgo “Gordinho”) — em Pontes e Lacerda-MT, teria integrado até o dia 30.8.2023, organização criminosa estruturada, com divisão de tarefas e atuação estável, voltada à prática de diversos delitos, inclusive com o uso de arma de fogo, denominada 'Comando Vermelho'. A paciente também foi denunciada, em coautoria com alguns dos referidos comparsas – imputáveis - pela prática dos crimes de Tortura e Homicídio Duplamente Qualificado (art. 121, § 2º, incisos I e IV, do Código Penal, e art. 1º, inciso I, alínea “a”, da Lei nº 9.455/1997), perpetrados supostamente contra a vítima José Aparecido dos Santos (vulgo “Tidinha”), em via pública, no dia 30.8.2023. Atribuiu-se ainda à paciente, o crime de Corrupção de Menor (art. 244-B do ECA), pois, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, ela teria contribuído para o induzimento de adolescentes à prática de atos infracionais análogos a crimes graves, a exemplo do Homicídio anteriormente mencionado (ID 289566875). No dia 29.1.2025 a douta Magistrada, a pedido do Ministério Público, decretou a prisão preventiva da paciente e de seus comparsas, Lúcio e José (ID 289566875 – págs. 8/10 e ID 289566876), mediante os seguintes fundamentos: “No presente caso, tenho pela presença dos requisitos legais supramencionados. É cediço que a gravidade abstrata do crime, por si só, não tem o condão de justificar a prisão preventiva. Entretanto, os fatos descritos demonstram a concreta gravidade dos delitos, em tese praticados pelos investigados, com condutas indubitavelmente sérias, aptas a abalar a ordem pública. Tal se infere, sobretudo, que os réus praticaram os delitos por motivo de somenos importância – não que aja qualquer motivação justificável -, todavia, a par das investigações preliminares, a motivação seria pautada em uma suposta “cabritagem” por parte da vítima, ou seja, comércio de entorpecentes sem anuência de facção criminosa. A par disso, desnecessárias se mostram maiores ilações acerca da repercussão social de crimes desta natureza (homicídio, organização criminosa, tortura, corrupção de menores, roubo), cometido nas circunstâncias já expostas. O abalo na comunidade lhe é intrínseco, de sorte que a segregação cautelar revela-se imprescindível para apaziguar o meio social atingido pelas infrações, já que a Comarca é assolada pela forte presença de organização criminosa. Diante de tais motivos, entende-se que nenhuma das outras medidas cautelares previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal, será suficiente para acautelar a ordem pública, ou assegurar a aplicação da lei penal e a conveniência da instrução probatória. Acresce dizer, ainda, que a demonstração inconteste da necessidade da prisão preventiva já evidencia a insuficiência das medidas cautelares. Deste modo, presentes os pressupostos que autorizam a medida, quais sejam, prova da existência de crimes, indícios suficientes da autoria e a demonstração do perigo gerado pelo estado de liberdade do acusado; aliados à necessidade de apaziguar a ordem pública, imperativa a decretação da prisão preventiva”. Cumpriu-se o mandado de prisão no dia 17.3.2025 (ID 187621421 – autos originais). Pouco depois, a defesa visou à revogação da prisão preventiva que foi indeferida pela douta Juíza, conforme o que segue (ID 289566877): “No que toca aos pressupostos da prisão preventiva, materializam-se na “(...) prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado”, conforme disposto no artigo 312, caput, do Código de Processo Penal. A respeito do fumus comissi delicti, entendo desnecessárias maiores observações, visto que já constatada a materialidade e indícios de autoria delitiva anteriormente e, não tendo sido infirmado (o fumus comissi delicti) até o momento, a análise final do assunto dar-se-á em sentença. Quanto ao periculum in mora, certo que diz com a contemporaneidade dos fatos, aferida a partir da subsistência dos fundamentos da prisão preventiva, e não da data da suposta prática da(s) infração(ões) penal, o que será aferido na sequência. Finalmente, a respeito dos fundamentos da prisão preventiva, tem-se in casu a garantia da ordem pública. Deveras, remanesce acentuada a gravidade concreta da conduta, eis que “(...) os réus praticaram os delitos por motivo de somenos importância – não que haja qualquer motivação justificável -, todavia, a par das investigações preliminares, a motivação seria pautada em uma suposta ‘cabritagem’ por parte da vítima, ou seja, comércio de entorpecentes sem anuência de facção criminosa”. Da análise acurada das decisões que decretaram e mantiveram a prisão preventiva da paciente, constata-se que essas decisões estão adequadamente fundamentadas, em estrita conformidade com o art. 312 do Código de Processo Penal. Ficaram demonstradas, de modo claro e objetivo, a materialidade delitiva e os indícios suficientes de autoria, evidenciando-se a imprescindibilidade da medida extrema para a garantia da ordem pública, diante da gravidade concreta das condutas atribuídas. Nesse ponto, os autos revelam elevada reprovabilidade social e extrema ousadia na conduta imputada à paciente, supostamente praticada em comunhão de desígnios com outros membros de organização criminosa armada, estruturalmente organizada, de atuação estável e vocacionada à prática reiterada de delitos graves na comarca de Pontes e Lacerda-MT. Há, ainda, elementos probatórios robustos que apontam a vinculação da paciente à facção de âmbito nacional Comando Vermelho. Se não bastasse, imputa-se-lhe participação ativa na execução de ‘pena disciplinar’ imposta à vítima José Aparecido dos Santos, em razão da alegada ‘cabritagem’, definida como a venda de entorpecentes sem autorização da organização. Pelo que noto, a segregação cautelar não se apoia em conjecturas, mas em dados objetivos que demonstram que, em liberdade, a paciente pode comprometer a ordem pública e a regular tramitação do processo, seja pela real possibilidade de reiteração criminosa, seja por sua integração em organização criminosa estrutural e permanente. Logo, a decisão impugnada ostenta fundamentação concreta quanto à necessidade de garantia da ordem pública, considerada a possibilidade de reiteração delitiva, o modus operandi empregado, a natureza dos crimes e a repercussão social das condutas. É pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a gravidade concreta do delito, aferida pelo contexto fático, pela forma de execução e pela repercussão social, constitui fundamento idôneo para a prisão preventiva, desde que devidamente motivada, como ocorre no caso. Desse modo, a decisão que determinou e manteve a segregação cautelar não padece de nulidade nem de falta de motivação, estando alicerçada em provas que evidenciam a gravidade das condutas, a efetiva vinculação da paciente à facção nacional e o risco concreto de reiteração. Assim, a prisão provisória mostra-se necessária e adequada para resguardar a ordem pública, assegurar a aplicação da lei penal e garantir a instrução criminal, à vista do risco de reiteração inerente às organizações criminosas. Ademais, não surgiu fato novo apto a justificar a revogação da medida, razão pela qual não procede a alegação de ausência de fundamentação, uma vez que o decreto prisional permanece lastreado em motivação robusta e suficiente, em conformidade com a lei e a jurisprudência dos Tribunais Superiores. Ilustrando o tema: “(...) III. RAZÕES DE DECIDIR 5. Para decretação da prisão preventiva, exige-se apenas a presença de indícios mínimos de autoria, o que se observa na espécie diante das investigações policiais. 6. A gravidade concreta do delito, consistente no suposto modus operandi empregado pelo paciente na empreitada delitiva, é capaz de fundamentar a necessidade da prisão preventiva para a garantia da ordem pública. 7. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a existência de indícios de envolvimento em organização criminosa evidencia a periculosidade social do agente, o que autoriza a medida segregatícia para garantir a ordem pública. IV. DISPOSITIVO 8. Ordem de habeas corpus denegada. (...)” (N.U 1002115-23.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, HELIO NISHIYAMA, Quarta Câmara Criminal, Julgado em 11/03/2025, Publicado no DJE 14/03/2025). Destaquei. Igualmente, não merece prosperar a alegação de ausência de contemporaneidade da prisão preventiva. Com efeito, é pacífico o entendimento jurisprudencial de que o requisito da contemporaneidade não se relaciona, de forma estrita, ao marco temporal da prática do delito, mas, sim, à efetiva subsistência, no momento da decretação ou da manutenção da medida, dos fundamentos que autorizam a prisão cautelar. Nessa perspectiva, a circunstância de o fato criminoso ter ocorrido em momento pretérito, por si só, não compromete a validade da segregação, desde que demonstrada a atual necessidade da medida, a considerar que a contemporaneidade “não está restrita à época da prática do delito, e sim da verificação da necessidade no momento de sua decretação, ainda que o fato criminoso tenha ocorrido em um período passado” (STJ - AgRg no RHC n. 165.907/RS, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 28/11/2022, DJe de 1/12/2022.) No mesmo sentido: STJ, HC 794.990, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 05/01/2023). Outrossim, nota-se que a paciente estaria inserida em organização criminosa de elevada periculosidade, com forte atuação no Estado — facção criminosa nacionalmente conhecida como 'Comando Vermelho', em que a permanência delitiva é elemento inerente à própria dinâmica do grupo, cujas atividades ilícitas se desenvolvem de forma estável, continuada e articulada no tempo, o que, por si só, reforça a atualidade dos motivos que lastreiam a medida constritiva. A esse respeito, colhe-se da jurisprudência o seguinte precedente: “III. Razões de decidir (...) 5. A contemporaneidade exigida para a prisão provisória se refere aos fundamentos que a justificam, não sendo imprescindível que o delito seja recente, desde que presentes indícios atuais de periculosidade do agente. IV. Dispositivo e tese 6. Ordem denegada”. (N.U 1013479-89.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 21/05/2025, Publicado no DJE 23/05/2025). Nessa perspectiva, eventuais condições pessoais favoráveis não são, por si sós, suficientes para afastar a prisão cautelar, sobretudo quando presentes os requisitos e pressupostos legais que justificam a medida, como parece ocorrer na hipótese em exame. Sobre o tema, segue excerto de julgado do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte de Justiça: “4. Constata a legalidade da prisão preventiva, não se mostram suficientes medidas cautelares diversas, tampouco condições pessoais favoráveis podem conduzir à revogação da segregação.5. Agravo regimental improvido”. (STJ - AgRg no HC: 866981 RO 2023/0402398-2, Relator.: Ministro JESUÍNO RISSATO DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT, Data de Julgamento: 26/02/2024, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/03/2024). “3. As condições pessoais favoráveis, como primariedade, residência fixa e ocupação lícita, não são suficientes para afastar a prisão preventiva quando presentes os fundamentos legais, conforme Enunciado n. 43 da TCCR/TJMT”. (N.U 1015390-39.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO, Quarta Câmara Criminal, Julgado em 13/06/2025, Publicado no DJE 13/06/2025). Trilhando o mesmo caminho, o Enunciado nº. 43 da Turma de Câmaras Criminais Reunidas pontua que:=“As condições pessoais favoráveis não justificam a revogação, tampouco impedem a decretação da custódia cautelar, quando presente o periculum libertatis”. Prosseguindo, embora os argumentos defensivos no sentido de que a paciente não teria participado dos delitos na hipótese, por demandar o reexame do conjunto fático-probatório, próprio da instrução criminal, não se mostra viável a análise da tese de negativa de autoria na via estreita do Habeas Corpus, conforme estabelece o Enunciado nº 42 da Turma de Câmaras Criminais Reunidas: “Não se revela cabível na via estreita do habeas corpus discussão acerca da autoria do delito”. Nesse sentido, confira-se: “2.A análise de autoria delitiva exige dilação probatória, sendo incabível em sede de habeas corpus”. (N.U 1006060-18.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 16/06/2025, Publicado no DJE 16/06/2025). Em relação ao pedido de substituição da medida extrema por prisão domiciliar, com efeito, ao julgar o Habeas Corpus coletivo nº 143.641/SP, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a possibilidade de substituição da prisão preventiva por domiciliar às mulheres gestantes, puérperas ou responsáveis por crianças menores de 12 anos, desde que preenchidos determinados requisitos. Contudo, o próprio Órgão Superior delimitou a aplicação da medida, excluindo os casos em que o delito tenha sido cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, contra descendentes ou em situações excepcionalíssimas. Tal entendimento foi, posteriormente, incorporado ao ordenamento jurídico por meio da Lei nº 13.769/2018, que inseriu o artigo 318-A no Código de Processo Penal, prevendo, de forma expressa, que a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar somente será admitida quando a mulher não tiver praticado crime cometido com violência ou grave ameaça à pessoa (inciso I). Dessa forma, ainda que devidamente comprovada a condição da paciente como mãe de três crianças menores de 12 anos de idade, essa circunstância, por si só, não autoriza a substituição da custódia cautelar, haja vista que ela responde pela suposta prática dos crimes de Tortura e Homicídio Duplamente Qualificado, delito cometido com violência contra pessoa, o que afasta, de maneira inequívoca, a incidência do artigo 318, inciso V, do CPP, nos termos do artigo 318-A, inciso I, do mesmo diploma legal, diante de expressa vedação legal Nesse sentido, colhe-se o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte, que corroboram esse entendimento: “Não é ilegal o decreto prisional fundamentado na necessidade de garantia da ordem pública, ante a gravidade concreta da conduta e a periculosidade social da paciente, que teria ceifado a vida de sua própria mãe, enquanto ela dormia e mediante o emprego de intensa violência. 2. Constatado que o caso se enquadra justamente na excepcionalidade apontada na decisão da Suprema Corte (HC Coletivo n. 13769/2018SP), pois se trata de paciente acusada da prática de crime cometido mediante violência ou grave ameaça, não há falar no deferimento da prisão domiciliar. Precedentes. 3. Ordem denegada” (STJ - HC 477.150/SP, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Rel. p/ Acórdão Ministro Antonio Saldanha Palheiro, 6ª Turma, DJE 4.2.2019). Destaquei. “7. A legislação estabelece um poder-dever para o juiz substituir a prisão preventiva por domiciliar de gestante, mãe de criança menor de 12 anos e mulher responsável por pessoa com deficiência, sempre que apresentada prova idônea do requisito estabelecido na norma (art. 318, parágrafo único), ressalvadas as exceções legais. 8. Na hipótese dos autos, a agravante responde pelo crime de tentativa de homicídio qualificado. Nessa perspectiva, o benefício não pode ser concedido considerando a vedação legal (inciso I do art . 318-A do CPP), porquanto o crime em apuração é extremamente grave - praticado mediante violência, aferindo-se, portanto, que o caso não se enquadra na regra geral para a concessão da prisão domiciliar. 9. Agravo regimental desprovido”. (STJ - AgRg no HC: 889696 GO 2024/0036679-7, Relator.: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 15/04/2024, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/04/2024). Destaquei. “5. A substituição da prisão preventiva por domiciliar é vedada à mulher gestante ou que for mãe de criança quando o crime tenha sido cometido com violência ou grave ameaça a pessoa (art. 318-A, inc. I, do CPP)”. (N.U 1030209-15.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, WESLEY SANCHEZ LACERDA, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 11/11/2024, Publicado no DJE 11/11/2024). Destaquei. Além disso, ainda que comprovado nos autos diante de certidões de nascimento (ID 289566880), que a paciente é mãe de três crianças menores de 12 anos de idade, não restou evidenciado que ela exercesse papel essencial e direto na rotina e nos cuidados diários dos filhos, tampouco que sua presença fosse indispensável à manutenção do bem-estar dos menores antes de sua prisão, conforme delineado pela Magistrada de 1º grau (ID 289566877). Por fim, as medidas cautelares mais brandas “previstas no art. 319 do Código de Processo Penal só devem ser aplicadas quando suficientes para assegurar os fins do processo penal, o que não se vê quando outra solução não se mostra mais adequada à garantia da ordem pública do que o encarceramento cautelar do suspeito dotado de periculosidade social”. N.U 1011704-39.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 19/06/2025, Publicado no DJE 19/06/2025). Diante desse cenário, não se vislumbra ilegalidade na manutenção da prisão cautelar, tampouco a ausência dos pressupostos ou dos requisitos legais do art. 312 do CPP. CONCLUSÃO Diante do exposto, e em consonância com o parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça, denego a ordem de Habeas Corpus impetrada em favor de Josilaine da Silva Raimundo. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 08/07/2025
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear