Processo nº 1002082-74.2023.8.11.0009
ID: 261473364
Tribunal: TJMT
Órgão: Primeira Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1002082-74.2023.8.11.0009
Data de Disponibilização:
28/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FLAVIO DE PINHO MASIERO
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1002082-74.2023.8.11.0009 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Crimes do Sistema Nacional de Armas, Crime Tentado, C…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1002082-74.2023.8.11.0009 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Crimes do Sistema Nacional de Armas, Crime Tentado, Contra a Mulher] Relator: Des(a). MARCOS MACHADO Turma Julgadora: [DES(A). MARCOS MACHADO, DES(A). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, DES(A). WESLEY SANCHEZ LACERDA] Parte(s): [POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0029-45 (APELANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), VINICIUS CARRIEL PERRI - CPF: 411.236.538-10 (APELANTE), FLAVIO DE PINHO MASIERO - CPF: 010.284.951-02 (ADVOGADO), KEREN LARISSA BAESSO DE ARAUJO - CPF: 010.506.841-17 (ADVOGADO), ADAO LUIZ DO NASCIMENTO - CPF: 531.275.871-04 (VÍTIMA), CAMILA DE SOUZA CASTRO - CPF: 061.655.331-59 (VÍTIMA), LUCIA DO NASCIMENTO - CPF: 513.841.161-68 (VÍTIMA), SANDRA MARIA DE SOUZA - CPF: 981.925.151-68 (VÍTIMA)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). WESLEY SANCHEZ LACERDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A Ementa: Direito penal e processual penal. Apelação criminal. Vias de fato e lesões em contexto de violência doméstica. Posse ilegal de arma de fogo de uso restrito com numeração suprimida. Lei maria da penha. Agravante do art. 61, ii, “f”, do cp. Manutenção da condenação. Recurso desprovido. I. Caso em exame Apelação criminal interposta contra sentença que condenou o apelante por vias de fato no ambiente doméstico [duas vítimas], lesão corporal [contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino], tentativa de lesão corporal [contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino], e posse ilegal de arma de fogo de uso restrito com numeração suprimida, em concurso material, a 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa, em regime inicial semiaberto, e 30 (trinta) dias de detenção, em regime aberto, visando a desclassificação para posse irregular de arma de uso permitido, afastamento da Lei Maria da Penha e da agravante das relações domésticas. II. Questão em discussão Há três questões: 1) desclassificação do delito de posse ilegal de arma de fogo de uso restrito com numeração suprimida para posse irregular de arma de uso permitido; 2) inaplicabilidade da Lei Maria da Penha; 3) incidência da agravante do art. 61, II, “f”, do CP às contravenções penais. III. Razões de decidir 1. A jurisprudência do c. STJ é pacífica no sentido de que a simples supressão ou raspagem da numeração de arma de fogo configura o crime do art. 16, § 1º, IV, da Lei nº 10.826/2003, ainda que seja possível a recuperação do número por meio de perícia técnica. 2. A Lei Maria da Penha é aplicável sempre que a violência for praticada contra a mulher em ambiente doméstico, familiar ou de relação íntima de afeto, sendo desnecessária a demonstração de motivação baseada em subjugação de gênero. 3. As vítimas [companheira, cunhada e sobrinha do apelante] mantêm vínculo familiar ou afetivo com o agressor, sendo atingidas em contexto doméstico, restando caracterizada a violência de gênero. 4. A agravante do art. 61, II, “f”, do CP, que prevê o aumento da pena nos casos de violência praticada com prevalência das relações domésticas, é aplicável também às contravenções penais, conforme entendimento do c. STJ e deste e. Tribunal. IV. Dispositivo e tese Recurso desprovido. Teses de julgamento: 1. A raspagem da numeração da arma de fogo configura o crime de posse ilegal de arma de uso restrito, ainda que a numeração possa ser recuperada por perícia. 2. A Lei Maria da Penha incide nas hipóteses de violência doméstica e familiar praticada contra mulher, independentemente de motivação específica de gênero. 3. É cabível a aplicação das agravantes elencadas no Código Penal às contravenções tipificadas na Lei de Contravenções Penais, conforme entendimento do c. STJ. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XL; CP, arts. 61, II, “f”; 69; 107; 129, § 13; 14, II; Decreto-Lei nº 3.688/41, art. 21; Lei nº 10.826/2003, art. 16, § 1º, IV; Lei nº 11.340/2006, arts. 5º e 40-A; CPP, arts. 577 e 593, I. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AgRg no AREsp 864.075/SC - Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura - Sexta Turma - j. 21.6.2016; STJ, REsp 1.328.023/RS - Rel. Min. Laurita Vaz - Quinta Turma - j. 13.11.2012; STJ, AgRg no AREsp 1670055/SP - Rel. Min. Rogério Schietti Cruz - j. 18.5.2021; TJMT, AP nº 0001222-07.2020.8.11.0006 - Rel. Des. Paulo da Cunha - Primeira Câmara Criminal - j. 24.10.2022; STJ, AREsp 2457045/MS - Rel. Min. Daniela Teixeira - Quinta Turma - j. 26.11.2024; STJ, REsp 1977124/SP - Rel. Min. Rogério Schietti Cruz - Sexta Turma - j. 5.4.2022; TJMT, AP nº 0000303-84.2017.8.11.0018 - Rel. Des. Orlando de Almeida Perri - Primeira Câmara Criminal - j. 6.7.2021; STJ, AREsp 2726351 - Rel. Min. Messod Azulay Neto - j. 12.3.2025; STJ, AgRg no AREsp 2.555.804/RJ - Rel. Min. Ribeiro Dantas - Quinta Turma - j. 6.8.2024; STJ, REsp 2108991/DF - Rel. Min. Daniela Teixeira - Quinta Turma - j. 18.2.2025; TJMT, AP nº 1000231-66.2021.8.11.0042 - Rel. Des. Lídio Modesto da Silva Filho - Quarta Câmara Criminal - j. 13.8.2024. R E L A T Ó R I O PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO Nº 1002082-74.2023.8.11.0009 - COMARCA DE COLÍDER APELANTE(S): VINICIUS CARRIEL PERRI APELADO(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL R E L A T Ó R I O Apelação criminal interposta por VINICIUS CARRIEL PERRI contra sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara da Comarca de Colíder, nos autos de ação penal (PJe nº 1002082-74.2023.8.11.0009), que o condenou por vias de fato no ambiente doméstico [duas vítimas], lesão corporal [contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino], tentativa de lesão corporal [contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino], e posse ilegal de arma de fogo de uso restrito com numeração suprimida, em concurso material, a 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa, em regime inicial semiaberto, e 30 (trinta) dias de detenção, em regime aberto - art. 21, da Lei nº 3.688/194, art. 129, § 13º c/c Lei nº 11.340/2006, art. 129, § 13º, c/c art. 14, II, ambos do CP, art. 16, § 1º, IV, da Lei n.º 10.826/2003 c/c art. 69 do CP - (fls. 460 - ID 274748465). O apelante sustenta que: 1) “a referida arma de fogo apresentava identificação ainda legível e visível”, a justificar a desclassificação da conduta para posse irregular de arma de fogo de uso permitido; 2) “os fatos ocorreram não em virtude de relação de violência de gênero, mas sim, uma agressão entre familiares”; 3) “os fatos 3 e 4 ocorreram em um contexto distinto, [...] independentemente de gênero ou relação familiar”; 4) “não há como fazer incidir na segunda fase da dosimetria das contravenções penais as agravantes genéricas previstas no art. 61 do Código Penal, uma vez que o referido dispositivo somente faz alusão a crimes, excluindo, portanto, as contravenções”. Requer o provimento para que seja desclassificado a posse ilegal para posse irregular de arma de fogo de uso permitido, “afastada a aplicação da Lei nº 11.340/2006, ou então, subsidiariamente, [...] com relação aos fatos 3 e 4”, bem como “seja afastada a agravante genérica do art. 61, inciso II, alínea “f” do Código Penal” (fls. 514 - ID 274748475). A 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE COLÍDER pugna pelo desprovimento do apelo (fls. 562 - ID 274748482). A i. 15ª Procuradoria de Justiça Criminal opina pelo desprovimento do recurso, em parecer assim sintetizado: “Artigo 21, do Decreto-Lei n.º 3.688/1941 c.c artigo 61, inciso II, alínea “f”, do Código Penal, artigo 129, § 13 do estatuto penal e artigo 16, § 1º, inciso IV, da Lei n.º 10.826/2003. MÉRITO. Desclassificação. Artigo 12 da Lei 10826/2003. Laudo pericial. Utilização de reagente metalográfico. Numeração de série raspada. Agressões físicas e verbais contra as vítimas. Âmbito doméstico e familiar. Declarações das vítimas. Registros de câmeras de segurança. Laudo de exame de corpo de delito. Ofensas de cunho misógino. Embriaguez voluntária. Tipicidade da conduta. Agravante. Artigo 61, inciso II, alínea "f" do Código Penal. Lei nº 11.340/2006. Manutenção da condenação. PARECER PELO DESPROVIMENTO RECURSAL.” (Esther Louise Asvolinsque Peixoto, procuradora de Justiça - ID 277208351) É o relatório. V O T O R E L A T O R VOTO (MÉRITO) EXMO. SR. DES. MARCOS MACHADO (RELATOR) Egrégia Câmara: O recurso é cabível (CPP, art. 593, I), manejado por quem tem interesse (CPP, art. 577) e não se verificam hipóteses de extinção da punibilidade (CP, art. 107). Consta da denúncia que: “[...] FATOS 01 e 02 – Vias de fato e tentativa de lesão em contexto de violência doméstica: Sobressai dos autos do incluso inquérito policial que, no dia 12 de outubro de 2023, por volta das 21h26min, na loja de conveniência do Posto Pit Stop, situado na Avenida do Colonizador, centro, nesta cidade de Colíder, o denunciado VINICIUS CARRIEL PERRI, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, praticou vias de fato em face de sua companheira Vera Fátima de Souza, consistentes em puxão de cabelo e tapas/apertão no rosto. Consta ainda que, nas mesmas circunstâncias de tempo e local, o denunciado VINICIUS CARRIEL PERRI, consciente e dolosamente, tentou ofender a integridade física da vítima Sandra Maria de Souza, sua cunhada, mediante murros na região da cabeça/rosto, somente não consumando seu intento por circunstâncias alheias à sua vontade, dado que a vítima logrou se desviar dos socos. FATOS 03 e 04 – Lesão corporal qualificada e vias de fato em contexto de violência doméstica: Respalda-se também do apanhado pré-processual que, na mesma data, após perpetrar vias de fato acima narrada contra sua companheira, por volta das 21h50min, na residência particular situada na Rua Arinos, n. 366, bairro Boa Esperança, nesta cidade de Colíder, o denunciado VINICIUS CARRIEL PERRI, consciente e dolosamente, ofendeu a integridade física da vítima Vera Fátima de Souza, sua companheira, nela causando-lhe as lesões corporais descritas no auto de exame de corpo de delito e mapa topográfico para localização de lesões de id. 132366007, p. 51/54. Nas mesmas circunstâncias de tempo e local, o denunciado VINICIUS CARRIEL PERRI, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, por motivo fútil, praticou vias de fato em face de sua sobrinha Camila de Souza Castro, consistentes em tapas/socos em seu rosto, que culminaram com sua queda ao chão. FATO 05 – Posse ilegal de arma de fogo com numeração raspada: Exsurge, por fim, do caderno informativo que, nas mesmas circunstâncias de tempo e local descrito nos fatos 03 e 04, o denunciado VINICIUS CARRIEL PERRI, ciente do caráter ilícito de sua conduta, possuia e mantinha sob sua guarda, nas dependências da residência acima mencionada, uma arma de fogo do tipo revólver, calibre nominal .38 SPL, marca Taurus, modelo RT85, com numeração suprimida, além de três munições intactas e duas cápsulas do mesmo calibre, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, arma e munições que foram portadas/transportada consigo da cidade de Sinop-MT até Colíder-MT. [...] Diante do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO, por meio de seu agente signatário, denuncia VINICIUS CARRIEL PERRI, acima qualificado, dando-o como incurso nas seguintes tipificações penais: FATOS 01 e 02: Art. 21 do Decreto-Lei n. 3.688/41 c/c art. 61, inc. II, “f” do CP (vítima Vera); Art. 129, § 13 c/c art. 14, inc. II, ambos do CP (vítima Sandra); FATOS 03 e 04: Art. 129, § 13, do Código Penal (vítima Vera); Art. 21 do Decreto-Lei n. 3.688/41 c/c art. 61, inc. II, alíneas “a” (motivo fútil) e “f” do CP (vítima Camila); FATO 05: Art. 16, § 1º, inc. IV, da Lei n. 10.826/03; Todos em concurso material de crimes (CP, art. 69) [...]” (Danilo Cardoso Lima, promotor de Justiça - fls. 264 - ID 274748396) O Juízo singular reconheceu a responsabilidade penal do apelante e dosou as penas, nos seguintes termos: “[...] DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO DE POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. [...] Sustenta que no laudo pericial constante do id 139023146, os experts constaram que: “Após aplicações do reativo metalográfico, foi possível identificar o número de série ADE306415” e que a imagem da arma indica referido sinal identificador que, apesar de raspado, não impossibilitou o controle estatal de circulação do armamento. Ainda, o Decreto nº 9.847/2019, que regulamenta a Lei 10.826/2003, no que toca ao sistema controle de armas de fogo no Brasil, estabelece, em seu artigo 5º, os requisitos necessários para se obter registro de arma de fogo de uso permitido, indicando, em seu inciso I, alínea “j”, que a arma deve ter seu número de série “gravado no cano”. Assim, se a arma apreendida seria passível da solicitação de registro, está autorizada a desclassificação da figura delitiva. [...] Dessa forma, restando suficientemente demonstrado que o acusado possuía e mantinha sob sua guarda, arma de fogo do tipo revólver, com a numeração suprimida, está configurada a figura delitiva prevista no artigo 16, § 1º, inciso IV, da Lei n.º 10.826/2003, vedada qualquer desclassificação. [...] AFASTAMENTO DA LEI N.º 11.340/2006. [...] Os fatos apurados ocorreram em momentos distintos. Inicialmente, no hangar do aeroporto, estava o réu, sua companheira Vera Fátima de Souza, a sobrinha Camila de Souza Castro, acompanhada de seu marido Ivan Carnelós e Sandra Maria de Souza. A confusão iniciou-se com o réu ofendendo Vera, Sandra e Camila com dizeres como “biscate” e “vagabunda”, além de comentários depreciativos ao fato de Sandra não ter se casado, sem registro de qualquer ofensa a Ivan. Já as agressões consumada e tentada, respectivamente, em face de Vera e Sandra praticadas no Posto PIT STOP foram motivadas porque o demandado acreditou que terceiro homem estaria “pagando” cerveja para elas. Por derradeiro, a sessão de violência ocorrida na residência, novamente, dirigiu-se inicialmente às mulheres. A ofendida Camila de Souza Castro informou que após levar dois tapas na cara, seu marido Ivan Carnelós interveio para defendê-la momento em que, então, foi atingido pelo acusado. No mesmo sentido, o informante Adão Luiz do Nascimento narrou que chegou da missa, quando viu o inquirido batendo na companheira Vera, que era sua irmã. Assim, saiu em sua defesa, passando a ser posteriormente agredido. Dessa forma, denota-se a prática reiterada de condutas violentas às mulheres presentes, atingindo os homens somente quando interviram em favor delas, demonstrando misoginia e desprezo à condição de mulher pelo autor, atraindo a incidência da Lei Maria da Penha. Outrossim, com anteriormente destacado pelo Juízo, os artigo 40-A e 5º, incisos I e II, da Lei n.º 11.340/2006, assim determinam: Nessa toada, com relação à vítima Vera Fátima de Souza, há, explicitamente, uma relação de afeto, pois conviventes maritalmente, fazendo caracterizando-se o art. 5°, inciso III da Lei 11.340/06. No tocante às vítimas Sandra Maria de Souza e Camila de Souza Castro, também há incidência da lei, na forma do art. 5º, inciso II, pois vinculados por laços de afinidade e por vontade expressa. [...] Pelo exposto, inafastável a aplicação da Lei Maria da Penha, razão pela qual verifico a adequação da conduta do réu à integralidade dos tipos penais constantes da denúncia. [...] DISPOSITIVO. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal, e assim o faço para CONDENAR o réu VINICIUS CARRIEL PERRI, como incurso no: a) artigo 21, do Decreto-Lei n.º 3.688/1941 c.c artigo 61, inciso II, alínea “f”, do Código Penal e artigo 129, § 13, do estatuto penal, em face da ofendida Vera Fátima de Souza, com as implicações da Lei n.º 11.340/2006; b) artigo 129, § 13, c.c artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal, com a incidência da Lei Maria da Penha, contra a vítima Sandra Maria de Souza; c) artigo 21, do Decreto-Lei n.º 3.688/1941 c.c artigo 61, inciso II, alíneas “a” e “f”, do CP em desfavor da em desfavor da vítima Camila de Souza Castro, no âmbito da Lei n.º 11.340/2006; d) artigo 16, § 1º, inciso IV, da Lei n.º 10.826/2003. [...] CRIMES COM INCIDÊNCIA DA LEI N.º 11.340/2006. [...] a) Vera Fátima de Souza. a.1) Artigo 21, do Decreto-Lei n.º 3.688/1941 c.c artigo 61, inciso II, alínea “f”, do Código Penal. A contravenção penal de vias de fato é punida com prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa. Na primeira fase, a culpabilidade é adequada ao ilícito penal. O acusado não ostenta maus antecedentes. Não há nos autos elementos que desabonem a conduta social e personalidade do réu. Os motivos, circunstâncias e consequências da contravenção são os comuns para a configuração do tipo, não sendo passível de valoração negativa. Não há qualquer prova de que o comportamento da vítima tenha influenciado a ação. Assim, mantenho a reprimenda no mínimo legal. Na segunda fase da dosimetria, incidente a agravante prevista no artigo 61, inciso II, alínea “f”, eis que restou demonstrado a prática com violência contra a mulher, na forma da Lei Maria da Penha, considerando que tal circunstância não qualifica a conduta. [...] Ainda, presente a atenuante da confissão judicial (artigo 65, inciso II, alínea “d” do CP), eis que se deu de forma total. Em face do concurso entre agravantes e atenuantes (art. 67 do Código Penal), impõe-se a compensação integral, porquanto não constatada preponderância de uma sobre a outra Dessarte, mantenho a reprimenda no patamar mínimo. Na derradeira etapa, não há causas de aumento ou diminuição de pena, razão pela qual torno definitiva a reprimenda de 15 (quinze) dias de prisão simples. [...] c) Camila de Souza Castro. A contravenção penal de vias de fato é punida com prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa. Na primeira fase, a culpabilidade é adequada ao ilícito. O acusado não ostenta maus antecedentes. Não há nos autos elementos que desabonem a conduta social e personalidade do réu. Os motivos, circunstâncias e consequências são os comuns para a configuração do tipo, não sendo passível de valoração negativa. Não há qualquer prova de que o comportamento da vítima tenha influenciado a ação. Assim, mantenho a reprimenda no mínimo legal. Na segunda fase da dosimetria, incidente a agravante prevista no artigo 61, inciso II, alínea “f”, eis que restou demonstrado a prática com violência contra a mulher, na forma da Lei Maria da Penha. Ainda, presente a atenuante da confissão judicial (artigo 65, inciso II, alínea “d” do CP), eis que se deu de forma total. Em face do concurso entre agravantes e atenuantes, promovo a compensação tanto por tanto, mantendo a reprimenda no patamar mínimo. Na derradeira etapa, não há causas de aumento ou diminuição de pena, razão pela qual torno definitiva a reprimenda de 15 (quinze) dias de prisão simples. [...] Sendo aplicável a regra disciplinada no art. 69 do CP (concurso material de crimes), fica o sentenciado condenado, definitivamente, às penas de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão, além de 10 (dez) dias-multa e 30 (trinta) dias de prisão simples, devendo aquela ser executada em primeiro lugar, por ser mais gravosa, na forma do art. 69, parte final, do Código Penal. No tocante aos regimes de cumprimento, a pena privativa de liberdade, com fundamento no artigo 33, § 2º, alínea “b”, do Código Penal, deverá ser cumprida em REGIME INICIAL SEMIABERTO. Já a prisão simples será cumprida em REGIME INICIAL ABERTO, com fulcro no artigo 6º, do Decreto-Lei n.º 3.688/1941. [...]” (Paula Tathiana Pinheiro, juíza de Direito - fls. 460 - ID 274748465) Pois bem. A materialidade delitiva está consubstanciada no Auto de Apreensão (fls. 26 - ID 274747977), Auto de Exame de Corpo de Delito (fls. 60 - ID 274747979), Mapa Topográfico para Localização de Lesões (fls. 61 - ID 274747979), Laudo Pericial nº 542.2.13.8987.2023.142973-A01 (fls. 271 - ID 274748399) e Laudo Pericial nº 211.2.13.9067.2024.161500-A01 (fls. 299 - ID 274748419), os quais não sofreram qualquer impugnação. Na fase policial, foram ouvidos Geovani Julião do Nascimento, policial militar (fls. 22), Nilverson Fernandes Gasparetto, policial militar (fls. 24), Vera Fatima de Souza, vítima (fls. 39), Sandra Maria de Souza, vítima (fls. 50), e Camila de Souza Castro, vítima (fls. 54). O apelante VINICIUS CARRIEL PERRI permaneceu em silêncio (fls. 75). Em Juízo, colheram-se as declarações das vítimas Sandra Maria de Souza (ID 274748450), Vera Fátima de Souza (ID 274748451) e Camila de Souza Castro (ID 274748452), dos informantes Lúcia do Nascimento (ID 274748453) e Adão Luiz do Nascimento (ID 274748454), e do policial militar Geovani Julião do Nascimento (ID 274748455), bem como procedeu-se ao interrogatório do apelante (ID 274748464). Dito isso, vejamos. Da desclassificação do delito de posse ilegal de arma de fogo de uso restrito com numeração suprimida (Lei n.º 10.826/2003, art. 16, § 1º, IV): Extrai-se do Laudo Pericial nº 542.2.13.8987.2023.142973-A01, subscrito pelo perito oficial criminal Guilherme Ferreira Ferbonink, que “a arma de fogo não apresentava seus elementos identificadores nos locais habituais” e “após a aplicações de reativo metalográfico foi possível identificar o número de série ADE306415” (fls. 288 - ID 274748406). O c. STJ firmou entendimento no sentido de que “estando o número de série da arma de fogo raspado ou suprimido (situação essa comprovada nos autos), a conduta do agente será equiparada à posse ou porte de arma de fogo de uso restrito, sendo irrelevante a identificação posterior pela perícia técnica da numeração” (AgRg no AgRg no AREsp 864.075/SC - Relatora: Min.ª Maria Thereza de Assis Moura - Sexta Turma - 21.6.2016). Ademais, “é imprópria a desclassificação do delito, sob o fundamento de que exame pericial 'químico-metalográfico' revelou o número de série do armamento então apreendido” (STJ, REsp n. 1.328.023/RS - Relatora: Min. Laurita Vaz - Quinta Turma - j. 13.11.2012). Registre-se, ainda, que a posse ilegal de arma de fogo de uso restrito constitui delito de ação múltipla, de mera conduta e de perigo abstrato, consumado pelo simples fato de estar na posse ou porte de arma de fogo, munição ou acessório (STJ, AgRg no AREsp nº 1670055/SP - Relator: Min. Rogério Schietti Cruz - 18.5.2021). Em situação semelhante, decidiu esta e. Câmara: “[...] o crime disciplinado no art. 16, § 1º, inciso IV, do Estatuto do Desarmamento, se consuma com a simples conduta de raspar a numeração de série impressa na arma, impossibilitando a leitura dos números e letras naquela determinada região, independente se tal número é localizado posteriormente em outra parte do armamento.” (AP nº 0001222-07.2020.8.11.0006 - Relator: Des. Paulo da Cunha - Primeira Câmara Criminal - 24.10.2022) Logo, a responsabilização penal por posse ilegal de arma de fogo de uso restrito com numeração suprimida (Lei n.º 10.826/2003, art. 16, § 1º, IV) deve ser conservada. Do afastamento da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06) e da agravante das relações domésticas (CP, art. 61, II, “f”): Verifica-se que, no dia 12.10.2023, por volta das 21h26min, o apelante VINICIUS CARRIEL PERRI agrediu a vítima Vera Fátima de Souza [sua companheira] “com puxões de cabelo e tapas no rosto”. Ao presenciar as agressões, Sandra Maria de Souza [cunhada do apelante] tentou intervir, oportunidade em que ele tentou agredi-la “com socos na cabeça”. Na sequência, ele agrediu novamente sua companheira [Vera Fátima de Souza] “com mata-leão, enforcamento, puxões de cabelo e socos”. No mesmo contexto, desferiu “tapas e socos” no rosto de Camila de Souza Castro [sua sobrinha], o que provocou sua queda ao chão (ID’ s 274748450/ 274748451/ 274748452). No caso, os delitos imputados ao apelante referem-se às agressões praticadas contra sua companheira Vera Fátima de Souza, sua cunhada Sandra Maria de Souza e sua sobrinha Camila de Souza Castro, a evidenciar relação de parentesco. A assertiva do apelante, no sentido de que a violência ocorreu entre familiares e não por razão de gênero, não se apresenta suficiente para afastar os elementos de convicção produzidos, uma vez que terceiros [Ivan Carnelós e Adão Luiz do Nascimento] foram também agredidos, apenas porque tentaram intervir para defender as vítimas. Assim, afiguram-se preenchidos os requisitos legais para a incidência da Lei Maria da Penha, nos termos do disposto no art. 5º, da Lei nº 11.340/2006: “Configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.” Frise-se que a alegação de ausência de motivação de gênero “não afasta a incidência da Lei 11.340/2006, uma vez que o diploma protetivo tem como objetivo coibir todas as formas de violência contra a mulher no âmbito familiar, sem necessidade de prova específica de subjugação feminina” (STJ, AREsp 2457045 / MS - Relator: Min. Daniela Teixeira - Quinta Turma - j. 26.11.2024). Noutro giro, a aplicação da Lei Maria da Penha “não reclama considerações sobre a motivação da conduta do agressor, mas tão somente que a vítima seja mulher e que a violência seja cometida em ambiente doméstico, familiar ou em relação de intimidade ou afeto entre agressor e agredida” (STJ, REsp: 1977124 SP 2021/0391811-0 - Relator: Min. Rogerio Schietti Cruz - Sexta Turma - j. 5.4.2022). Nesse sentido, colaciona-se aresto desta e. Câmara: “A vulnerabilidade da vítima é legalmente presumida na Lei 11.340/06, de modo que para sua incidência basta a comprovação de que a violência contra a mulher se deu em âmbito doméstico ou qualquer relação íntima de afeto, no qual o agressor conviva ou tenha convivido com ela.” (AP nº 0000303-84.2017.8.11.0018 - Relator: Des. Orlando de Almeida Perri - Primeira Câmara Criminal - j. 6.7.2021) Note-se o estado de embriaguez do apelante não exclui a natureza da violência doméstica e familiar contra a mulher, quando presentes os demais requisitos legais (STJ, AREsp 2726351 - Relator: Min. Messod Azulay Neto - j. 12.3.2025). Sendo assim, a Lei Maria da Penha mostra-se aplicável ao caso. Enfim, “é [...] cabível a aplicação das agravantes elencadas no Código Penal às contravenções tipificadas na Lei de Contravenções Penais” (STJ, AgRg no AREsp nº 2.555.804/RJ - Relator Min. Ribeiro Dantas - Quinta Turma - j. 6.8.2024; REsp 2108991 / DF - Relator: Min. Daniela Teixeira - Quinta Turma - j. 18.2.2025). A respeito, destaca-se julgado deste e. Tribunal: “A agravante prevista no art. 61, II, “f”, do CP, pode ser aplicada aos casos de condenação pela contravenção penal de vias de fato, notadamente quando praticada com prevalência das relações domésticas, por não se tratar de causa de aumento, qualificadora ou elementar do tipo penal.” (AP nº 1000231-66.2021.8.11.0042 - Relator: Des. Lidio Modesto da Silva Filho - Quarta Câmara Criminal - j. 13.8.2024). Portanto, deve ser mantida a agravante prevista no art. 61, II, “f”, do CP. Com essas considerações, recurso conhecido, mas DESPROVIDO. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 22/04/2025
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