Processo nº 1000331-50.2022.8.11.0021
ID: 256241828
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado
Classe: EMBARGOS DE DECLARAçãO CíVEL
Nº Processo: 1000331-50.2022.8.11.0021
Data de Disponibilização:
14/04/2025
Polo Passivo:
Advogados:
TULIO MORTOZA LACERDA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000331-50.2022.8.11.0021 Classe: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL (1689) Assunto: [Ato / Negócio Jurídico] Relator…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000331-50.2022.8.11.0021 Classe: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL (1689) Assunto: [Ato / Negócio Jurídico] Relator: Des(a). DIRCEU DOS SANTOS Turma Julgadora: [DES(A). DIRCEU DOS SANTOS, DES(A). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES] Parte(s): [SERTAO AGROPASTORIL LTDA - CNPJ: 04.827.104/0001-25 (APELADO), THYAGO RIBEIRO DA ROCHA - CPF: 705.484.121-20 (ADVOGADO), JOAQUIM LUIZ BERGER GOULART NETTO - CPF: 993.369.281-04 (ADVOGADO), YENDIS RODRIGUES COSTA - CPF: 036.856.821-05 (ADVOGADO), JOSE VIDAL DE OLIVEIRA - CPF: 181.189.251-53 (APELADO), RAIMUNDA DE ARAUJO OLIVEIRA - CPF: 329.345.131-49 (APELADO), REAL AGRO COMERCIO E REPRESENTACAO DE PRODUTOS AGRICOLAS LTDA - CNPJ: 03.608.055/0001-77 (APELANTE), TULIO MORTOZA LACERDA - CPF: 024.712.611-08 (ADVOGADO), ALINE ESPINDOLA BORBA - CPF: 002.597.061-59 (APELANTE), LORENA DIAS GARGAGLIONE - CPF: 013.793.251-02 (ADVOGADO), LORENA DIAS GARGAGLIONE - CPF: 013.793.251-02 (ADVOGADO), LORENA DIAS GARGAGLIONE - CPF: 013.793.251-02 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, REJEITOU OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. E M E N T A EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO JURÍDICO C/C PEDIDO DE CANCELAMENTO DE AVERBAÇÃO JUNTO AS MATRÍCULAS – RAZÕES DO APELO DISSOCIADAS DOS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA (REPRODUÇÃO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO) – PRELIMINAR DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE – ART. 1.010, II E III, DO CPC – PRELIMINAR PARCIALMENTE ACOLHIDA – VIOLAÇÃO DA COISA JULGADA – PRELIMINAR PREJUDICADA – ALEGAÇÃO DE SIMULAÇÃO – OCORRÊNCIA – ART. 167, CC – CONJUNTO PROBATÓRIO PRODUZIDO NOS AUTOS QUE DEMONSTRA A EXISTÊNCIA DE VÍCIO SOCIAL – AUSÊNCIA DE PROVA EM CONTRÁRIO – ART. 373, INC. II, CPC – ALEGAÇÃO DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO E OBSCURIDADE – INEXISTÊNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 1.022 DO CPC – INCONFORMISMO QUANTO À TESE ADOTADA – IMPOSSIBILIDADE DE REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA – ADVERTÊNCIA – EMBARGOS REJEITADOS. Rejeitam-se os embargos de declaração quando inexiste omissão, contradição, obscuridade e/ou erro material no acórdão. O artigo 1.022 do Código de Processo Civil dispõe que os embargos de declaração têm a finalidade de expungir do julgado eventual omissão, contradição ou obscuridade, além de possibilitar a correção de erro material, não se destinando a sanar eventual inconformismo, tampouco o reexame de matéria já decidida. R E L A T Ó R I O Trata-se de embargos de declaração opostos por REAL AGRO COMERCIO E REPRESENTACAO DE PRODUTOS AGRICOLAS LTDA E OUTRA, em face do acórdão proferido por esta e. 3ª Câmara Cível que, à unanimidade, desproveu o Recurso de Apelação nº 1000331-50.2022.8.11.0021, manejado pelas partes embargantes. O acórdão seguiu assim ementado: “EMENTA – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO JURÍDICO C/C PEDIDO DE CANCELAMENTO DE AVERBAÇÃO JUNTO AS MATRÍCULAS – RAZÕES DO APELO DISSOCIADAS DOS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA (REPRODUÇÃO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO) – PRELIMINAR DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE – ART. 1.010, II E III, DO CPC – PRELIMINAR PARCIALMENTE ACOLHIDA – VIOLAÇÃO DA COISA JULGADA – PRELIMINAR PREJUDICADA – ALEGAÇÃO DE SIMULAÇÃO – OCORRÊNCIA – ART. 167, CC – CONJUNTO PROBATÓRIO PRODUZIDO NOS AUTOS QUE DEMONSTRA A EXISTÊNCIA DE VÍCIO SOCIAL – AUSÊNCIA DE PROVA EM CONTRÁRIO – ART. 373, INC. II, CPC – RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA, DESPROVIDO. O emprego de tese recursal que não ataca a fundamentação da sentença desatende a norma processual inserida no artigo 1.010, incisos II e III, do CPC e importa ao não conhecimento do recurso. Para a configuração da simulação se faz necessária a demonstração de uma das situações previstas no parágrafo primeiro, do art. 167, do CC, quais sejam: a conferência ou transmissão de direito a pessoa diversa; declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; ou data de elaboração de instrumento particular diversa daquela nele indicado. Restando comprovada a simulação de negócio jurídico mediante a celebração de Escritura Pública de Mútuo firmada por representante da empresa alienante, sem a anuência dos adquirentes da empresa e seus ativos, impõe-se a anulação do ato por violação ao artigo 167 do Código Civil. A violação ao princípio da boa-fé objetiva e a configuração do venire contra factum proprium impedem a parte que alienou empresa e seus ativos de posteriormente realizar negócio jurídico envolvendo os mesmos bens, em contrariedade com o contrato de compra e venda previamente firmado e sem consentimento dos adquirentes. In casu, os documentos juntados aos autos, denotam que a escritura de mútuo do qual os apelantes asseveram serem credores, não atende às exigências legais, ante a existência de simulação de negócio jurídico, restando evidente que as partes não lograram comprovaram a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito dos autores, ônus que lhe cabia, nos termos do art. 373, inc. II, do CPC, vez que os elementos probatórios trazidos à baila permitem vislumbrar a ocorrência de vício social.” (Id. 271006885) Em suas razões, de Id. 273724857, as partes embargantes sustentam a ocorrência de omissão e contradição. Para tanto, em síntese, asseveram que o decisum embargado incorreu em omissão relevante, apta a alterar o resultado do julgamento, pois limitou o conhecimento da apelação à suposta violação ao princípio da dialeticidade, sob a justificativa de que os apelantes apenas reproduziram as razões dos embargos de declaração anteriormente opostos. Aduzem, contudo, que houve impugnação específica de todos os termos da sentença apelada, sustentando a nulidade da sentença e o retorno dos autos à primeira instância. Para tanto, apresentam quadro ilustrativo comparativo entre os pontos abordados na contestação e os que foram analisados na sentença, demonstrando que diversas teses não foram examinadas pelo Juízo de primeiro grau. Narram a existência de omissão quanto a análise da cláusula 4.2 do contrato firmado entre as partes, bem como da Escritura Pública de Dação em Pagamento. Prosseguem afirmando a existência de omissão, sob o fundamento de que não foram valorados e nem ao menos enfrentados, a prova de fato, consubstanciada na oitiva do Corretor que intermediou o negócio firmado entre as partes, Sr. José Leão, bem como os pagamentos realizados pelos Embargados em pagamento parcial do mútuo. Requerem, assim, o acolhimento dos embargos para serem sanadas as alegadas omissões e contradições, a fim de prover o recurso apresentado. Sem contrarrazões. É o relatório. Inclua-se em pauta. Des. DIRCEU DOS SANTOS Relator V O T O R E L A T O R Egrégia Câmara. Na forma do artigo 1.022 do Código de Processo Civil, os embargos de declaração são viáveis quando presentes as hipóteses restritas de omissão, obscuridade, contradição ou erro material na decisão. Relevante consignar, ainda, que os embargos de declaração não têm a mesma amplitude recursal destinada aos demais recursos, ou seja, não podem ser utilizados com o fim único de reexame do julgado. Nesse passo, a despeito da tese apresentada pela parte embargante, o fato de haver decisão desfavorável ao posicionamento que adota, não leva ao raciocínio de que houve vício no julgado a legitimar o manejo dos presentes declaratórios. Pela análise do teor das razões ofertadas nos embargos de declaração, tem-se que as partes embargantes entenderam perfeitamente o desfecho dado ao recurso e apenas reagita questão já superada por não se conformar com o resultado obtido, buscando, pela via inadequada, rediscutir a matéria. Nas razões do recurso, as partes embargantes aduzem que há omissões e contradições. Todavia, a irresignação não procede, uma vez que as alegadas omissões foram suficientemente enfrentadas quando do julgamento do recurso. Confiram-se os trechos pertinentes: “Da afronta a dialeticidade recursal. Os apelados aduzem preliminar de afronta ao princípio da dialeticidade recursal. Após detida análise dos autos, verifico que o recurso das partes rés em relação ao item “2” (DOS MOTIVOS PARA CASSAR, ANULAR E/OU REFORMAR A SENTENÇA DE MÉRITO E A SENTENÇA QUE REJEITOU OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS PELAS ORA APELANTES) - subitens A e B” não deve ultrapassar a barreira do juízo de admissibilidade. É assim porque o recurso, das partes recorrentes, simplesmente transcreve, em cópia praticamente fiel, os fundamentos dos embargos de declaração trazidos no Id. 258086819, de forma que, inegavelmente, não enfrenta os fundamentos apreciados pela sentença, como determina o art. 1.010, incisos II, III e IV, do CPC, a seguir: “Art. 1.010. A apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá: (...) II – a exposição do fato e do direito; III – as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade; IV – o pedido de nova decisão.”. Comentando o dispositivo, Nery e Nery lecionam que “o apelante deve dar as razões, de fato e de direito, pelas quais entende deva ser anulada ou reformada a sentença recorrida. Sem as razões do inconformismo, o recurso não pode ser conhecido” (in “Comentários ao Código De Processo Civil”, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, 2ª Tiragem, 2015, Editora Revista dos Tribunais, p. 2055, nota III:7, ao art. 1.010). Segundo os mesmos doutrinadores, “Não preenche o pressuposto de admissibilidade da regularidade formal a apelação cujas razões estão inteiramente dissociadas do que a sentença decidiu, não podendo ser conhecida (JTJ 165/155)” (in nota Fundamentação deficiente, ao art. 1.010). No caso, é evidente a adoção de tese recursal completamente desconectada da fundamentação da decisão hostilizada, não se atentando à parte recorrente aos fundamentos de improcedência da ação. Veja, o apelante pretende a anulação da sentença sob o fundamento de contrariedade e omissões. Em suas razões recursais, fundamenta a pretensão de reforma da sentença nos mesmos argumentos utilizados nos embargos de declaração, a título exemplificativo, vejamos: Embargos de declaração Id. 258086819: Apelo Inexiste, portanto, impugnação específica, como seria de rigor, aos fundamentos da sentença, o que obsta a pretensão recursal, pois, à falta de contrariedade, permanecem incólumes os motivos expendidos na decisão recorrida. A relação entre as razões de reforma da decisão e os motivos desta, convencionou-se chamar de Princípio da Dialeticidade. A propósito, trago à baila os ensinamentos de Fredie Didier Jr., Leonardo J. C. Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira, in verbis: “Princípio da dialeticidade. A doutrina costuma mencionar a existência de um princípio da dialeticidade dos recursos. De acordo com este princípio, exige-se que todo recurso seja formulado por meio de petição pela qual a parte não apenas manifeste sua inconformidade com ato judicial impugnado, mas, também e necessariamente, indique os motivos de fato e de direito pelos quais requer o novo julgamento da questão nele cogitada. Rigorosamente, não é um princípio: trata-se de exigência que decorre do princípio do contraditório, pois a exposição das razões de recorrer é indispensável para que a parte recorrida possa defender-se.” (DIDIER JR., Fredie. CUNHA, Leonardo. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil: Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais. Vol. 3. Salvador: Editora JusPodivm, 2010, p. 62.) Portanto, não merece ser conhecido parte do presente recurso, ante o não preenchimento dos requisitos essenciais de interposição, previstos nos incisos II, III e IV do artigo 1.010 do CPC. Nessa mesma linha de pensamento, já decidiu o colendo Superior Tribunal de Justiça, in verbis: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO. PIS E COFINS. SISTEMÁTICA DOS CINCO MAIS CINCO. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO. FALTA DE ADEQUAÇÃO DAS RAZÕES RECURSAIS. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. (...) 4. Não enseja conhecimento o recurso que apresenta razões dissociadas do julgado recorrido. A deficiência de fundamentação atrai, por analogia, a incidência da Súmula 284/STF. 6. Recurso especial conhecido em parte e provido.” (REsp 1127719/RS, Rel. Min. Castro Meira, 2ª Turma, j. 24-08-2010, DJe 08-09-2010) (grifo nosso) A par de todo o exposto, colaciono julgamento deste Tribunal: “APELAÇÃO CÍVEL – REINTEGRAÇÃO DE POSSE – DETERMINAÇÃO EMENDA – CONTRATO ORIGINAL OU CÓPIA AUTENTICADA – DESATENDIMENTO INJUSTIFICADO – EXTINÇÃO DO PROCESSO - RAZÕES RECURSAIS DISSOCIADAS DOS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA - AUSÊNCIA DO REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE – RECURSO NÃO CONHECIDO. 1. Determinada a emenda à petição inicial e decorrido o prazo sem manifestação da parte, correta sua a extinção processo, sem resolução do mérito. 2. Não se conhece da apelação, por ausência de requisito de admissibilidade, se deixa a parte de atacar especificamente os fundamentos da sentença nas razões recursais, conforme disciplina o art. 514, II, do CPC.” (TJ-MT, 5º Câmara Cível, Apelação Cível nº 83.456/2011, Rel. Sebastião de Moraes Filho, j. em 01.12.2011). (grifo nosso) Assim, não há como superar essa irregularidade, razão pela qual acolho a preliminar de não conhecimento do recurso nestes pontos. (...) Atinente o mérito recursal, este se limita a análise da validade Escritura Pública de Mútuo realizada entre a empresa Real Agro Comércio, representada pela sócia Aline Spindola, ora apelante, no valor de R$14.905.000,00 (quatorze milhões, novecentos e cinco mil reais) celebrado com a Sertão Agropastoril, também representada pela recorrente Aline Spindola. Analisando detidamente os autos, verifico que a pretensão dos apelantes não comporta provimento. É assim, porque, após percorrer todo o caderno processual, em cotejo com os argumentos lançados na sentença que ora se apela, verifico que o juízo monocrático andou bem ao reconhecer a simulação do negócio jurídico envolvendo as partes, declarando-lhe a nulidade. É cediço que os requisitos de validade do negócio jurídico estão relacionados no art. 104 do Código Civil, sendo eles: agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, e forma prescrita ou não defesa em lei. Para além dos citados requisitos, a doutrina e a jurisprudência pátrias, balizados no princípio da autonomia da vontade, têm igualmente considerado o elemento volitivo do agente para aferição quanto à validade do ato jurídico. Desta forma, tem-se que, somente será considerado válido o ato que, além de observar os requisitos previstos no Código Civil, for praticado de forma livre, consciente e desembaraçada. Na lição de Clóvis Bevilaqua, a simulação "é uma declaração enganosa de vontade, visando produzir efeito diverso do ostensivamente indicado" (Teoria Geral do Direito Civil, Campinas: RED Livros, 1999, p. 294). Já na obra de Pablo Stolze: “Segundo noção amplamente aceita pela doutrina, na simulação celebra- se um negócio jurídico que tem aparência normal, mas que, na verdade, não pretende atingir o efeito que juridicamente devia produzir. É um defeito que não vicia a vontade do declarante, uma vez que este se ajusta de livre vontade com o declaratório para atingir fins espúrios, em detrimento da lei ou da própria sociedade. Trata-se, pois, de um vício social, que, mais do que qualquer outro defeito, revela frieza de ânimo e pouco respeito ao ordenamento jurídico” (GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, volume 1: parte geral - São paulo: Saraiva Educação, 2019. 21ª Ed. p. 517). O dispositivo de regência do instituto da simulação se encontra esculpido no art. 167 do Código Civil: “Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. §1o Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados. §2o Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.” Nota-se que para a configuração da simulação é necessária a demonstração de uma das situações previstas no parágrafo primeiro, do art. 167, do CC, quais sejam: a conferência ou transmissão de direito a pessoa diversa; declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; ou data de elaboração de instrumento particular diversa daquela nele indicada. Em detida análise dos autos e, em que pese os judiciosos argumentos expendidos pelos réus/apelantes, assim como o juízo monocrático, estou convicto quanto a existência de simulação no caso em apreço. No caso em análise, verifico do contrato de compra e venda de Id. 258085242, que a empresa Sertão Agropastoril e os imóveis correspondentes, foram alienadas pela apelante Aline, em favor dos apelados José Vidal e Raimunda, na data de 17.04.2019, ao passo que o contrato de mútuo foi firmado em 22.08.2019, conforme consta das matrículas de Id. 258085238 e ss., vejamos: Dito isso, verifico da “Cláusula III” do contrato firmado entre as partes, que os compradores passaram a deter a posse dos ativos rurais da Empresa Sertão Agropastoril, desde a data da assinatura do instrumento, ao passo que a vendedora Aline, ora apelante, não poderia ofertar, prometer, vender, iniciar tratativas, alienar a qualquer título, celebrar contratos, joint ventures, parcerias ou qualquer outro tipo de negociação da empresa alienada, vejamos: Outrossim, consoante item 3.3 do instrumento, a Sra. Aline, não poderia assumir qualquer obrigação perante a terceiros que pudessem impactar os ativos da empresa alienada, até que os trâmites documentais para transferência das cotas da empresa fossem concluídos, vejamos novamente: Lado outro, infere-se do contrato de compra e venda firmada entre as partes, em sua cláusula 5.2, só foi citada a existência de uma dívida, qual seja, junto ao Banco do Brasil (inclusive a que onera a matrícula do imóvel acima), conforme consta do item III, vejamos: Com efeito, não obstante a alegação das partes apelantes, quanto a suposta validade da Escritura Pública de Mútuo, restou demonstrado de forma indene de dúvidas que este foi celebrado na data de 22.08.2019 (Id. 258086719), ao passo que tendo ocorrido a alienação da empresa Sertão Agropastoril Ltda e de seus bens, frisa-se, em data anterior, qual seja, 17.04.2019, não poderia a apelante Aline celebrar qualquer negócio jurídico/obrigação atinente os ativos da empresa alienada (Sertão Agropastoril Ltda). Ademais, verifico do contrato de mútuo, objeto da presente ação (Id. 258086719), que a empresa alienada Sertão Agropastoril Ltda, foi representada pela apelante Aline, ocasião em que outorgou procuração ao Sr. Paulo de Tarso Guimarães Vitoi, de modo que o aludido procurador representou a credora e a devedora no mesmo ato. Quando indagado em juízo, o próprio procurador que representou a requerida Aline Espíndola Borba na assinatura da escritura pública de mútuo, Sr. Paulo de Tarso Guimarães, declarou em juízo que “não sabe dizer se o senhor Jose Vidal e a senhora Raimunda tinha conhecimento dessa escritura” e “não tinha conhecimento da existência do contrato de compra e venda”, e que a Aline havia lhe outorgado poderes para representar as pessoas jurídicas em uma escritura pública de mútuo, o que corrobora a intenção da requerida em simular o negócio jurídico ao fazer declarações não verdadeiras, constituindo ônus e obrigações em favor da empresa já alienada em benefício da empresa requerida, sem a participação e anuência dos novos adquirentes. Ainda, o que mais causa espécie, é que nas razões do apelo, os recorrentes buscam validar a realização da Escritura Pública de Mútuo, em sua visão, antes das alterações do contrato social, sob o argumento de que “o contrato de compra e venda de empresa, não possui força legal assinado apenas por um sócio e antes do registro do ato constitutivo (alteração do contrato social) na junta comercial, o que ocorreu apenas em 13 de março de 2020, bem como que após o pacto inicial, houve inúmeras novações, sendo que o Mútuo existe sim e foi realizado de forma lícita, ou seja, não houve simulação. É cediço que a boa-fé objetiva é o padrão de comportamento ético esperado de todos em sociedade, ao ter um comportamento antiético, a pessoa age com abuso de direito, violando esses deveres anexos. Tais deveres podem ser exemplificados pela confiança, cooperação, lealdade, informação e proteção. Em uma relação obrigacional, credor e devedor não são partes antagônicas, são parceiros para o mesmo fim, de modo que a relação entre eles deve ser regida pela confiança, pela cooperação, pela lealdade, pela informação. A boa-fé objetiva exerce também função limitadora de direitos e, no que importa ao caso presente, tem aplicação o instituto da supressão. Nas palavras de Menezes Cordeiro, “diz-se supressio a situação do direito que, não tendo sido, em certas circunstâncias, exercido durante determinado lapso de tempo, não possa mais sê-lo por, de outra forma, se contrariar a boa-fé” (MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2001, p. 797). Durante toda a celebração do contrato de compra e venda da empresa, a vendedora Aline, ora apelante, não realizou qualquer ressalva quanto a eficácia da alienação por ocasião da conclusão do negócio jurídico, frisa-se, assinado por ela própria, o qual somente foi realizado tão somente após a celebração da Escritura Pública de Mútuo e por ocasião da simulação, quando questionada em juízo, senão de modo bastante tardio. Dessa forma, observa-se o silêncio por parte da apelante Aline, no que toca a suposta ausência de força legal do contrato de compra e venda, o qual não fora questionado, em nenhum momento anterior, inclusive tendo recebido valores da avença por ela mesmo aprovado. Portanto, tenho que é o caso de ocorrência da supressio, pois a vendedora, Aline ora apelante, no que toca o contrato de compra e venda da empresa, não informou de modo incontinenti, a suposta ausência de força legal do contrato de compra e venda, bem como foi a responsável pela aprovação e assinatura do instrumento, revelando sua aquiescência quanto aos termos ali entabulados. Comportamentos esses, execrados pelo ordenamento jurídico, evidenciando o “venire contra factum proprium non potest”, que nada mais é do que a vedação ao comportamento contraditório nas relações jurídicas, de modo que não se pode alterar um comportamento, contraditório em face de conduta anterior, visando obter um ganho pessoal. A respeito leciona Judith Martins-Costa que o princípio que veda o venire contra factum proprium deriva da boa-fé objetiva e "traduz justamente o princípio geral que tem como injurídico o aproveitamento de situações prejudiciais ao alter para a caracterização das quais tenha agido, positiva ou negativamente, o titular do direito ou faculdade" (Comentários ao Novo Código Civil, vol. V, tomo I. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 351). Valendo-se dos ensinamentos de Pontes de Miranda, considerou a Min. Nancy Andrighi, no julgamento do REsp. nº 605.687/AM, j. em 2.6.2005, DJ 20.6.2005, p. 273: [...] nos termos de princípio invocável em nosso sistema jurídico, 'a ninguém é lícito venire contra factum proprium, isto é, exercer direito, pretensão ou ação, ou exceção, em contradição com o que foi a sua atitude anterior, interpretada objetivamente, de acordo com a lei (cfr. PONTES DE MIRANDA, Tratado de direito privado, Campinas: Bookseller, 2000, p. 64). Não é demais citar, ainda, parte do voto que o Min. Ruy Rosado de Aguiar proferiu ao relatar o REsp. nº 95.539/SP, j. em 3.9.96, DJ 14.10.96, p. 39.015, Lex-STJ 91/267, RSTJ 93/314: [...] O Direito moderno não compactua com o venire contra factum proprium, que se traduz como o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente (Menezes Cordeiro, Da Boa-Fé no Direito Civil, II/742). Havendo real contradição entre dois comportamentos, significando o segundo quebra injustificada da confiança gerada pela prática do primeiro, em prejuízo da contraparte, não é admissível dar eficácia à conduta posterior. A propósito, assim já decidiu esta c. Câmara, in verbis: “RECURSOS DE APELAÇÃO CÍVEL – EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – EXTINÇÃO – RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE – CONCORDÂNCIA DO EXEQUENTE QUANTO A OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO – RECURSO EM SENTIDO CONTRÁRIO – VEDAÇÃO DO VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA – IMPOSSIBILIDADE – INTELIGÊNCIA DO ART. 921, §5º, DO CPC - SENTENÇA REFORMADA – RECURSO DO EXEQUENTE DESPROVIDO E DOS EXECUTADOS PARCIALMENTE PROVIDO. O Superior Tribunal de Justiça, já decidiu que “o princípio da boa-fé objetiva proíbe que a parte assuma comportamentos contraditórios no desenvolvimento da relação processual, o que resulta na vedação do venire contra factum proprium, aplicável também ao direito processual" (AgRg no REsp 1.280.482/SC, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 13.4.2012). Nas hipóteses em que extinto o processo com resolução do mérito, em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, é de ser reconhecida a ausência de ônus às partes, a importar na não condenação em custas e honorários sucumbenciais.” (N.U 0000759-48.2011.8.11.0049, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 13/12/2023, Publicado no DJE 16/12/2023) “EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL – ARRESTO DA SOJA DEFERIDO – DEPOSITÁRIO FIEL NOMEADO – PERECIMENTO DE PARTE DO PRODUTO – DOLO E CULPA NÃO DEMONSTRADO – AUSÊNCIA DE PROVA – ALERTA DE PERECIMENTO PELO TEMPO – JUSTIFICATIVA ACEITA – DESÍDIA DA PARTE – VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM – DECISÃO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. No caso, consoante bem anotado pela condutora do feito, não se pode possível atribuir à empresa depositária a responsabilidade pelos prejuízos ocorridos com a perda de parte da soja, mormente pelo fato de ter apresentado provas de que alertou as partes para que retirassem o produto dos seus armazéns, sob risco de perecimento. O princípio da boa-fé objetiva se caracteriza pela imposição de deveres, em especial a honestidade, a probidade e a confiança em um comportamento. Por sua vez, a vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium) obsta que alguém possa contradizer o seu próprio comportamento anterior.” (N.U 1007181-86.2022.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 27/07/2022, Publicado no DJE 02/08/2022) A vedação ao comportamento contraditório obsta que alguém possa contradizer o seu próprio comportamento anterior, ou seja, é a consagração de que ninguém pode se opor ao fato a que ele próprio deu causa. Logo, tendo a parte apelante Aline, alienado a empresa, ciente de que o instrumento de compra e venda previa expressamente a impossibilidade de realizar negociações e assumir obrigações em nome desta, após a assinatura, se mostra abusivo o seu intento de retirar a força legal do pacto celebrado entre as partes, mormente quando a Escritura Pública de Mútuo foi celebrado por procurador nomeado pela apelante, tendo como único beneficiário a empresa REAL AGRO COMERCIO E REPRESENTACAO DE PRODUTOS AGRICOLAS LTDA, ora apelante, da qual a apelante Aline é sócia. Afora isso, durante a instrução processual, restou demonstrado de forma indene de dúvida quanto a existência da simulação, consoante muito bem elucidado pelo juízo a quo, o qual transcrevo os trechos pertinentes abaixo, a fim de evitar desnecessária tautologia, in verbis: “Nesse passo, verifico que o contrato de compra e venda da alienação da empresa Sertão Agropastoril Ltda e seus bens foi celebrado em 17.04.2019, e alguns meses depois, no dia 22.08.2019, foi realizada a Escritura Pública de Mútuo no qual a requerida Aline Espíndola celebrou “negociação a respeito dos ativos rurais da Sertão Agropastoril”, “assumindo obrigações em nome da empresa impactando diretamente seus ativos rurais”, em flagrante confronto às cláusulas dispostas no contrato de compra e venda firmado meses antes com os requerentes. Aliado a isso, ambas as empresas foram representadas na escritura pública pela mesma pessoa, o que claramente sinaliza a celebração de negócio jurídico dissimulado. Ademais, o próprio procurador que representou a requerida Aline Espíndola Borba na assinatura da escritura pública de mútuo, Sr. Paulo de Tarso Guimarães, declarou em juízo que “não sabe dizer se o senhor Jose Vidal e a senhora Raimunda rinha conhecimento dessa escritura” e “não tinha conhecimento da existência do contrato de compra e venda”, e que a Aline havia lhe outorgado poderes para representar as pessoas jurídicas em uma escritura pública de mútuo, o que corrobora a intenção da requerida em simular o negócio jurídico ao fazer declarações não verdadeiras, constituindo ônus e obrigações em favor da empresa já alienada em benefício da empresa requerida, sem a participação e anuência dos novos adquirentes. A requerida argumenta ainda que o contrato de compra era preliminar e estava faltando a assinatura do sócio Fábio Borba, porém as alegações não se sustentam, em razão da existência de procuração com poderes ilimitados outorgados pelo sócio Fábio Borba para a requerida Aline Espindola Borba (Id. 92548598), além de que o contrato de compra e venda constata que a requerida Aline tinha amplos poderes para alienar e negociar a empresa, fazendo menção a 12ª alteração contratual da pessoa jurídica Sertão Agropastoril Ltda (Id. 75207676 - item 4.3 – (iii)), in verbis: 4.3 Diante das premissas, considera-se que: (i) A VENDEDORA é a legítima detentora da empresa Sertão Agropastoril Ltda; (II) Todos os registros necessários para funcionamento e legalidade da empresa estão em dia e devidamente atualizados; (iii) Sua representante, aqui qualificada, tem amplos poderes para alienar e negociar a empresa e, portanto, possui todas as anuências necessárias, conforme cláusula 2ª da 12ª alteração contratual da empresa Sertão Agropastoril Ltda., Anexo II a este contrato de compra e venda. Ademais, a cláusula III – item 3.1 do referido contrato descreve que “os compradores deterão, a partir da assinatura deste instrumento, a posse dos ativos rurais da empresa Sertão Agropastoril Ltda”, logo, os requerentes já detinham a posse dos ativos rurais da empresa desde a assinatura do contrato que se deu em 17.04.2019, de maneira que somente com a anuência destes era possível a realização de negócio jurídico sobre os ativos rurais da empresa. Ainda, muito embora a requerida alegue que os requerentes estavam cientes e anuíram com a escritura de mútuo em razão da “escritura de dação em pagamento” realizada em 11.03.2020 de um imóvel de propriedade da Sertão Agropastoril para a primeira requerida Real Agro, verifico que os requerentes estavam representados por Luciano Alves, o qual detinha poderes apenas para fazer transferência do imóvel em cumprimento ao acordado no contrato de compra e venda pactuado pelos requerentes, e não para assumir obrigações ou confissão de dívidas, conforme procuração juntada em Id. 92543201. Além disso, em audiência a requerida declarou que a dívida teria sido contraída desde o ano de 2003, ou seja, a dívida descrita na escritura de mútuo não originou-se de um empréstimo quando da sua celebração, todavia, não há qualquer comprovação nos autos de sua origem, a forma que foi constituída e os termos ajustados para o seu pagamento, o que corrobora ainda mais com a tese de simulação do negócio jurídico firmado por meio da escritura pública de mútuo em razão da existência de declaração não verdadeira no documento. Outrossim, a requerida deixou de comprovar nos autos a transferência dos recursos declarados na escritura de mútuo em favor da empresa requerente, bem como a ciência dos requerentes acerca do balanço patrimonial da empresa juntado em Id. 87876149, documento que inclusive fora produzido em 05.03.2020, ou seja, posteriormente à data do contrato de compra e venda formulado com os requerentes, o que afasta mais ainda a sua veracidade. Nesse passo, resta evidente nos autos que os requerentes não tiveram conhecimento da existência, tampouco anuíram com a realização da escritura de mútuo formulado por pessoa que estava impedida de realizar qualquer negócio jurídico e contrair ônus sobre os ativos rurais da empresa já alienada. Não bastasse isso, a empresa requerida representada por sua sócia Aline Espindola Borba utilizou ainda da escritura de mútuo simulada para executar a pessoa jurídica, Sertão Agropastoril, de negócio jurídico eivado de nulidade, por meio dos autos da execução de nº 1000957-69.2022.8.11.0021, evidenciando não só o descumprimento das cláusulas dispostas no contrato de compra e venda, como também a má-fé na formulação do negócio simulado.” No que toca a alegação de que os apelados realizaram a dação de pagamento de imóvel e reconhecimento da existência da dívida, verifico que não socorre razão aos apelantes. É assim, porque, a dação em pagamento do imóvel, corresponde a obrigação assumida pelos apelados na cláusula II, item 2.1, subitem b, do contrato firmado entre as partes, vejamos: Lado outro, verifico que os apelados outorgaram procuração por escritura pública, em favor do Sr. Luciano Alves dos Santos (Id. 258086755), com finalidade específica de dar em pagamento o aludido imóvel, frisa-se, em cumprimento ao contrato de compra e venda. Porém, ao realizarem a escritura pública de dação em pagamento do imóvel (Id. 258086728), houve a inserção da aludida dívida do contrato de mútuo, no intuito de aparentar sua regularidade. Ocorre, que o procurador que assinou a escritura de dação em pagamento, não possuia poderes para assumir ou reconhecer obrigações em face dos outorgantes, ora apelados, de modo que tais disposições são ineficazes em relação aos mesmos, mormente quando inexistente qualquer prova documental da aquiescência destes. No mesmo sentido, os comprovantes de pagamentos trazidos no Id. 258086734, somente reforçam o cumprimento do contrato de compra e venda pelos apelados, o qual possui expressa previsão de pagamento em pecúnia. Atinente os balanços da empresa, verifico que após a venda celebrada em 17.04.2019, os ainda sócios e vendedores, ora apelantes, realizaram uma alteração do contrato social da SERTÃO na data de 30.04.2019 (Id. 258086711 - fl. 41), onde lançaram a existência de um empréstimo, vejamos: Entretanto, o que chama a atenção, é que a alteração do contrato social foi feita após a venda da empresa, realizada pelos sócios vendedores, não havendo provas nos autos quanto a aquiescência dos compradores ou sua participação, bem como não há balancete anterior da empresa com o registro da aludida dívida. Ainda, indagada em audiência de instrução, a apelada/sócia/vendedora Aline, declarou que a dívida teria sido contraída desde o ano de 2003, porém, não apresentou qualquer comprovação do alegado mútuo no período, bem como não há qualquer registro da dívida na empresa ou seu balancete, senão, apenas após a venda. Logo, diversamente do quanto alegado pelos apelantes e, consoante já delineado acima, há prova robusta da simulação ocorrida, ao passo que inexiste nos autos qualquer comprovação dos recorrentes, no que tange a validade da Escritura Pública de Mútuo, ônus que lhes competia e do qual não se desincumbiram, nos termos do art. 373, II do CPC. A respeito do negócio jurídico simulado, lecionam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de A. Nery, in Código Civil Comentado, 11ª ed., Ed. Revista dos Tribunais, 2014, p. 537: “O negócio jurídico simulado é produto de uma relação jurídica que não tem conteúdo - inexistente (simulação absoluta) - ou que tem conteúdo diverso do que aparenta (simulação relativa), sempre se constituindo em manifestação de vontades em divergência intencional com as vontades internas. Ele é realizado por acordo de todos os contratantes em emitir declaração de vontade divorciada de que intimamente desejam, com a finalidade de enganar inocuamente (simulação inocente) ou em prejuízo da lei ou de terceiros (simulação fraudulenta ou ilícita). Pode, ainda, ser unilateral ou bilateral.” Já a doutrina de Custódio Miranda, citada na obra de Nelson Nery Junior, o apontado vício pressupõe: "a) intencionalidade da divergência entre a vontade interna e a declarada; b) o intuito de enganar; c) conluio entre os contratantes (acordo simulatório). A intencionalidade da divergência entre a vontade interna e a declarada e a característica fundamental do negócio simulado". (Código Civil Comentado - 8ª Ed. - Revista dos Tribunais: p. 377) Sobre a simulação, Silvio Rodrigues faz as seguintes digressões: "A simulação é, na definição de Beviláqua, uma declaração enganosa da vontade, visando (a) produzir efeito diverso do ostensivamente indicado. Negócio simulado, portanto, é aquele que oferece uma aparência diversa do efetivo querer das partes. Estas fingem um negócio que na realidade não desejam. Encontram-se aí os elementos básicos caracterizadores da simulação, pois nela é elementar a existência de uma aparência contrária à realidade. Tal disparidade é produto da deliberação dos contraentes. De fato, a simulação caracteriza-se quando duas ou mais pessoas, no intuito de enganar terceiros, recorrem a um ato aparente, quer para esconder um outro negócio que se pretende dissimular, quer para fingir uma relação jurídica que nada encobre. Trata-se, portanto, de uma burla, intencionalmente construída em conluio pelas partes que almejam disfarçar a realidade enganando terceiros."(Direito Civil, Vol. 1, Parte Geral, pag. 216). Portanto, estou convicto de que a Escritura Pública de Mútuo realizada entre a apelante Aline, por intermédio de procurador, consistente oneração de bens da apelada SERTAO AGROPASTORIL LTDA, deve ser anulada, ante a existência de simulação, causa de nulidade do negócio jurídico. Nesse sentido já decidiu esta c. Câmara, in verbis: “AÇÃO DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO – ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL URBANO RESIDENCIAL – ALEGAÇÃO DE SIMULAÇÃO – ART. 167, CC – CONJUNTO PROBATÓRIO PRODUZIDO NOS AUTOS QUE DEMONSTRA A EXISTÊNCIA DE VÍCIO SOCIAL – IMÓVEL DOS FALECIDOS VENDIDO A COMPANHEIRA DE UM DOS HERDEIROS POR PREÇO VIL – AUSÊNCIA DE PROVA EM CONTRÁRIO – ART. 373, INC. II, CPC –VALORAÇÃO DA PROVA – LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO – SENTENÇA MANTIDA – HONORÁRIO RECURSAL – RECURSO DESPROVIDO. No caso, os documentos juntados aos autos, aliado aos depoimentos testemunhais, denotam que a escritura de compra e venda de imóvel firmada entre os falecidos e a companheira de um dos herdeiros, mediante procuração outorgada a este, não atende as exigências legais, ante a existência de simulação de negócio jurídico, restando evidente que a parte não comprovou a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito dos autores, ônus que lhe cabia, nos termos do art. 373, inc. II, do CPC, vez que os elementos probatórios trazidos à baila permitem vislumbrar a ocorrência de vicio social. O Código de Processo Civil possui o sistema de valoração do livre convencimento motivado, descrito em seu art. 371, no qual o juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento, consoante visto na espécie. Em razão do trabalho adicional empregado pelo advogado, da natureza e da importância da causa, majoram-se os honorários advocatícios, nos moldes do art. 85, §11, do CPC.” (N.U 1001954-80.2016.8.11.0015, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Vice-Presidência, Julgado em 23/02/2024, Publicado no DJE 25/02/2024) No mesmo sentido: “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO - IMPROCEDÊNCIA - PRELIMINAR - NULIDADE DA SENTENÇA - CITAÇÃO DO ÚLTIMO COMPRADOR - LITISCONSORTE PASSIVO NECESSÁRIO - DESNECESSIDADE - REJEIÇÃO - MÉRITO - SIMULAÇÃO - DECLARAÇÃO FALSA - INDÍCIOS PALPÁVEIS PARA CONCLUSÃO POSITIVA (PARENTESCO, AMIZADE ÍNTIMA, PREÇO VIL PARA COISA VALIOSA E FALTA DE POSSIBILIDADE FINANCEIRA) - ALIENAÇÃO PRATICADA EM FRAUDE CONTRA CREDORES - CONFIGURAÇÃO - PRESENÇA DOS REQUISITOS OBJETIVO (EVENTUS DAMNI) E SUBJETIVO (CONSILIUM FRAUDIS) - ATUAÇÃO MALICIOSA DO DEVEDOR - TRANSFERÊNCIA DO BEM APÓS A CONSTITUIÇÃO DA DÍVIDA - ESTADO DE INSOLVÊNCIA CARACTERIZADO - ANULAÇÃO DA TRANSMISSÃO DO IMÓVEL – POSSIBILIDADE - FRAUDE PROCESSUAL E DOLO NO NEGÓCIO JURÍDICO - PRESENÇA - ARGUIÇÃO DE COISA JULGADA EM FACE DE AÇÃO ANTERIOR DE EMBARGOS DE TERCEIRO - EXTINÇÃO DO PROCESSO - COISA JULGADA INEXISTENTE - SÚMULA 195 DO STJ - SENTENÇA REFORMADA - INVERSÃO DA VERBA DE SUCUMBÊNCIA - RECURSO PROVIDO. Desnecessária a inclusão e a citação do último comprador de imóvel objeto de simulação e/ou fraude contra credores nos autos, uma vez que se procedente a ação anulatória, cabe ao comprador tão somente a evicção, a qual deverá ser oposta em ação autônoma diretamente contra o vendedor e seus antecessores, nos termos do art.450 do Código Civil. A Simulação consiste na celebração de um negócio jurídico que tem aparência normal, mas que não objetiva o resultado que dele juridicamente esperava pois, há manifestação enganosa de verdade, cujo vício sempre é oculto já que as partes simulantes procuram cercar-se de um manto para encobrir a verdade, sendo, contudo, indícios palpáveis: a relação de parentesco; amizade íntima entre os contratantes; preço vil dado em pagamento de coisa valiosa; e a falta de possibilidade financeira do adquirente. Denomina-se fraude contra credores a atuação maliciosa do devedor que, encontrando-se em insolvência ou na iminência de se tornar insolvente, começa a dispor de seu patrimônio de modo gratuito (doação ou remissão de dívidas) ou oneroso (compra e venda), com objetivo de não responder por obrigações assumidas anteriormente à transmissão. Para a configuração de fraude contra credores deve-se apurar a existência de situação de insolvência (eventus damni) e da intenção do devedor e do adquirente do bem de causar o dano por meio de fraude (concilium fraudis). Comprovados tais requisitos, impõe-se a procedência do pedido. A discussão acerca da configuração, ou não de dolo, simulação e de fraude contra credores não pode ser apreciada ou resolvida em embargos de terceiro. Necessidade de ajuizamento de ação própria, na qual devem ser demandados todos os participantes do suposto negócio fraudulento. Inteligência da Súmula 195 do STJ. Sendo reformada a sentença, a inversão do ônus de sucumbência é medida que se impõe.” (N.U 0023810-39.2016.8.11.0041, , MARILSEN ANDRADE ADDARIO, SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Julgado em 21/08/2019, Publicado no DJE 17/10/2019) Ademais, a nulidade absoluta do contrato de mútuo torna inválidas todas as averbações e registros delas decorrentes, conforme dispõe o art. 169 do Código Civil: “Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo.” Portanto, correta a sentença ao determinar o cancelamento das averbações e registros nas matrículas imobiliárias indicadas pelos autores. Por fim, em relação ao prequestionamento, o julgador não é obrigado a examinar exaustivamente todos os dispositivos legais apontados pela parte recorrente, basta que a fundamentação da decisão seja clara e precisa, solucionando o objeto da peça recursal. Ao julgar os feitos que lhe são conferidos, cabe ao magistrado declinar o seu entendimento sobre o caso, expondo os motivos que o levaram a tal desiderato, conforme preleciona o art. 93, IX, da Carta Magna do país. Tem-se o seguinte posicionamento do STJ, in verbis: “O julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão. O julgador possui o dever de enfrentar apenas as questões capazes de infirmar (enfraquecer) a conclusão adotada na decisão recorrida. Assim, mesmo após a vigência do CPC/2015, não cabem embargos de declaração contra a decisão que não se pronunciou sobre determinado argumento que era incapaz de infirmar a conclusão adotada.” (STJ. 1ª Seção. EDcl no MS 21.315-DF, Rel. Min. Diva Malerbi (Desembargadora convocada do TRF da 3ª Região), julgado em 8/6/2016) Assim, diante das provas produzidas nos autos, deve ser mantida a sentença que bem reconheceu a ocorrência de simulação no negócio jurídico celebrado entre as partes, para o fim de julgar procedentes os pleitos da inicial.” Inviável, portanto, a modificação do julgado na ausência de vício sanável. Além do mais, se as partes embargantes não concordam com a fundamentação expendida na decisão embargada, como é de se esperar, já que as decisões judiciais nem sempre satisfazem os interesses daqueles que procuram o Judiciário, deve a sua irresignação, se for o caso, ser deduzida por meio de outra via, que não a dos embargos declaratórios. Outrossim, cabe relembrar que ainda que a parte alegue a intenção de ventilar matéria para fins de prequestionamento, o julgador não é obrigado a examinar exaustivamente todos os dispositivos legais apontados pela recorrente, quando a fundamentação da decisão for clara e precisa, solucionando o objeto da lide. Ademais, é cediço que basta ao magistrado declinar o seu entendimento sobre o caso que lhe é apresentado, expondo os motivos que o levaram a tal desiderato. O Superior Tribunal de Justiça assevera: “PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA ORIGINÁRIO. INDEFERIMENTO DA INICIAL. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE, ERRO MATERIAL. AUSÊNCIA. 1. Os embargos de declaração, conforme dispõe o art. 1.022 do CPC, destinam-se a suprir omissão, afastar obscuridade, eliminar contradição ou corrigir erro material existente no julgado, o que não ocorre na hipótese em apreço. 2. O julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão. A prescrição trazida pelo art. 489 do CPC/2015 veio confirmar a jurisprudência já sedimentada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, sendo dever do julgador apenas enfrentar as questões capazes de infirmar a conclusão adotada na decisão recorrida. 3. No caso, entendeu-se pela ocorrência de litispendência entre o presente mandamus e a ação ordinária n. 0027812-80.2013.4.01.3400, com base em jurisprudência desta Corte Superior acerca da possibilidade de litispendência entre Mandado de Segurança e Ação Ordinária, na ocasião em que as ações intentadas objetivam, ao final, o mesmo resultado, ainda que o polo passivo seja constituído de pessoas distintas.4. Percebe-se, pois, que o embargante maneja os presentes aclaratórios em virtude, tão somente, de seu inconformismo com a decisão ora atacada, não se divisando, na hipótese, quaisquer dos vícios previstos no art. 1.022 do Código de Processo Civil, a inquinar tal decisum.5. Embargos de declaração rejeitados.” (STJ. EDcl no MS 21.315/DF, Rel. Ministra DIVA MALERBI (Desembargadora convocada TRF 3ª região), PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08.06.2016, DJe 15.06.2016). Desse modo, não é exigido que a decisão rebata uma a uma das teses levantadas, ou mencione todos os dispositivos legais que alicerçam o convencimento, devendo apenas mostrar, de forma clara, quais os fundamentos que motivaram a convicção. Assim, não necessita, o julgador, dissecar dispositivo por dispositivo, concedendo-lhe ou negando-lhe vigência. Acerca do assunto, proclamou o Superior Tribunal de Justiça: O Tribunal a quo enfrentou fundamentadamente os pontos essenciais para o deslinde da controvérsia. O julgador não é obrigado a manifestar-se acerca de todos os argumentos apontados pelas partes, se já tiver motivos suficientes para embasar a sua decisão (EDclAg n. 742.465/SP, rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJU de 30-5-2006). Impende considerar, por fim, que o prequestionamento, para eventual interposição de recursos aos Tribunais Superiores só é viável quando o acórdão padece de vícios a que se refere o art. 1.022 do CPC, o que, como já dito, não se verificou na espécie. Os presente embargos de declaração constituem instrumento processual essencial no sistema jurídico brasileiro, previsto no art. 1.022 do Código de Processo Civil (CPC), com a finalidade de corrigir omissões, obscuridades, contradições ou erros materiais nas decisões judiciais. Apesar de serem frequentemente usados no curso do processo, há situações em que a parte adversa ou o julgador pode interpretá-los como medidas protelatórias, especialmente quando sucessivos ou sem justificativa aparente. Todavia, essa interpretação deve ser cautelosa, considerando o direito das partes à ampla defesa e ao contraditório, além do princípio da boa-fé processual. Assim, não vislumbro seu caráter protelatório, no caso concreto. Por fim, advirto o embargante que nova reiteração da tese aqui tratada ensejará a aplicação da sanção descrita no art. 1.026, § 2º, do CPC. Dispositivo. Com tais considerações, REJEITO os embargos de declaração. Ficam as partes desde logo advertidas que nova reiteração da tese aqui tratada ensejará a aplicação da sanção descrita no § 2º do art. 1.026 do CPC. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 02/04/2025
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