Processo nº 1045554-63.2022.8.11.0041
ID: 305003148
Tribunal: TJMT
Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1045554-63.2022.8.11.0041
Data de Disponibilização:
23/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1045554-63.2022.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Empréstimo consignado, Efeitos] Relator: Des(a).…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1045554-63.2022.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Empréstimo consignado, Efeitos] Relator: Des(a). SERLY MARCONDES ALVES Turma Julgadora: [DES(A). SERLY MARCONDES ALVES, DES(A). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO] Parte(s): [AGNALDO PAZ DE OLIVEIRA - CPF: 160.259.381-72 (APELANTE), LUIZA IRACEMA ANTUNES - CPF: 171.583.461-53 (ADVOGADO), BANCO PAN S.A. - CNPJ: 59.285.411/0001-13 (APELADO), RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA - CPF: 444.850.181-72 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). Não encontrado, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: PROVIDO, UNANIME E M E N T A EMENTA DIREITO DO CONSUMIDOR E BANCÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. FRAUDE EM CONTRATAÇÃO ELETRÔNICA. CONSUMIDOR IDOSO E HIPERVULNERÁVEL. CONTRATAÇÃO FRAUDULENTA DE EMPRÉSTIMO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DEVER DE SEGURANÇA. MOVIMENTAÇÃO ATÍPICA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. DANO MORAL CONFIGURADO. RESTITUIÇÃO DESCONTOS INDEVIDOS. APOSENTADORIA. NA FORMA SIMPLES. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelação cível interposta por consumidor idoso visando à reforma de sentença que julgou improcedente ação declaratória de inexistência de débito c/c repetição de indébito e indenização por danos morais, movida contra instituição financeira, sob a alegação de contratação fraudulenta de empréstimo consignado em seu nome. O autor sustenta que não contratou o empréstimo e que foi vítima de golpe, tendo devolvido o valor creditado após orientação recebida por telefone. Pleiteia a restituição dos valores descontados de seu benefício previdenciário e a condenação do banco ao pagamento de danos morais. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há três questões em discussão: (i) definir se houve contratação válida de empréstimo consignado por parte do consumidor; (ii) estabelecer se a instituição financeira pode ser responsabilizada objetivamente pela fraude ocorrida na celebração do contrato; e (iii) determinar se é devida a indenização por danos morais em razão dos descontos indevidos no benefício previdenciário do autor. III. RAZÕES DE DECIDIR A relação jurídica entre as partes se insere no âmbito das relações de consumo, aplicando-se o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Idoso, considerando a hipervulnerabilidade do autor — idoso, de baixa renda e reduzida instrução. A instituição financeira responde objetivamente pelos danos causados por fraudes em contratos bancários, nos termos do art. 14 do CDC, da jurisprudência do STJ e da Súmula 479, uma vez que o risco da atividade econômica inclui a ocorrência de fortuitos internos. A contratação mediante assinatura digital com reconhecimento facial, embora válida em abstrato, exige, no caso concreto, comprovação da manifestação de vontade livre e consciente do consumidor, o que não se verificou. O comportamento do autor — devolução imediata dos valores e alegação de que esperava contratar cartão de crédito — revela ausência de ciência acerca da natureza do contrato, reforçando os indícios de fraude. A responsabilidade da instituição financeira não se afasta pelo fato de a devolução ter sido feita a terceiros, pois isso reforça a ocorrência de golpe no âmbito da cadeia de fornecimento, com possível envolvimento de correspondente bancário. A contratação se deu logo após a concessão do benefício previdenciário, em desconformidade com as normas administrativas do INSS, o que evidencia a negligência da instituição financeira na verificação das condições do consumidor. É devida a restituição simples dos valores descontados, corrigidos monetariamente pelo INPC desde cada desconto e com juros de mora de 1% ao mês desde a citação, não havendo comprovação de má-fé da instituição. O desconto indevido no benefício previdenciário de idoso hipervulnerável, comprometendo sua subsistência, configura dano moral presumido (in re ipsa), sendo razoável e proporcional a fixação de indenização no valor de R$ 10.000,00. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso provido. Tese de julgamento: A contratação de empréstimo consignado realizada mediante biometria facial não comprova, por si só, a manifestação livre e consciente da vontade do consumidor hipervulnerável. A instituição financeira responde objetivamente por fraude praticada por terceiros no processo de contratação, quando não adota medidas eficazes para garantir a segurança da operação. O desconto indevido em benefício previdenciário de idoso, decorrente de contrato fraudulento, configura dano moral presumido e enseja indenização. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 230; CC, arts. 104, I, 406 e 944; CDC, arts. 2º, 6º, I e III, e 14; Estatuto do Idoso, arts. 2º e 3º; CPC, art. 98, § 3º; LGPD, arts. 43, 44 e 45. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp nº 2.052.228/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 12.09.2023, DJe 15.09.2023; STJ, AgRg no REsp 1.378.791/RJ, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, DJe 15.12.2015; STJ, REsp 1.199.782/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 28.08.2013; STJ, Súmula 297 e Súmula 479. R E L A T Ó R I O RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL N. 1045554-63.2022.8.11.0041 AGNALDO PAZ DE OLIVEIRA X BANCO PAN S.A. RELATÓRIO Eminentes pares: Trata-se de Recurso de Apelação cível interposto por AGNALDO PAZ DE OLIVEIRA, com o fito de reformar a sentença, proferida pelo Juízo da 9ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá, que julgou improcedentes os pedidos formulados na Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Pedido de Repetição do Indébito e Condenação em Danos Morais, ajuizada em face do BANCO PAN S/A. Por conseguinte, condenou o requerente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, com as ressalvas do art. 98 ª3º do CPC. Pretende o recorrente, em síntese, a anulação do empréstimo realizado em seu nome de forma fraudulenta, conforme as provas e evidências estampadas nos autos, bem como reconhecida pelo juiz de primeiro grau. Sustenta a necessidade de reforma da sentença, alegando sua hipervulnerabilidade como pessoa idosa, de baixa instrução, "analfabeto funcional" e sem conhecimentos tecnológicos suficientes para compreender que uma "selfie facial" significa uma assinatura digital. Afirma que foi vítima de fraude e que não contratou o empréstimo consignado, tendo apenas concordado com a contratação de cartão de crédito. Argumenta que o juiz de primeira instância não considerou as provas apresentadas em seu contexto, nem a verossimilhança dos fatos narrados, negligenciando sua condição de hipervulnerável. O apelante sustenta ainda que, conforme a Súmula 479 do STJ, as instituições financeiras respondem objetivamente por danos gerados por fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias. Pede seja ressarcido dos valores já descontados da sua aposentadoria em dobro e que o requerido seja condenado ao pagamento dos danos morais causados, diante dos descontos indevidos em seu benefício previdenciário, única fonte de renda que possui. Contrarrazões pelo desprovimento, id 289160495. É o relatório. V O T O R E L A T O R VOTO Eminentes pares: A controvérsia principal reside na validade da contratação do empréstimo consignado objeto da lide (Empréstimo em Consignação nº 352099882-8, firmado em 08/12/2021, no valor de R$ 4.400,72, com previsão de 84 parcelas de R$ 385,00), especificamente se houve ou não manifestação livre, consciente e inequívoca de vontade por parte do apelante na celebração do negócio jurídico. De início, impõe-se reconhecer a condição de hipervulnerabilidade do apelante, pessoa idosa, com 68 anos de idade à época dos fatos, aposentado pelo INSS, recebendo benefício previdenciário de valor mínimo, e com baixo grau de instrução, conforme documentação acostada aos autos. A hipervulnerabilidade do consumidor idoso constitui construção doutrinária e jurisprudencial que reconhece uma condição agravada de fragilidade de determinados consumidores em razão de características pessoais específicas, como a idade avançada, que potencializam a vulnerabilidade inerente a todos os consumidores. Esta condição especial de vulnerabilidade resulta do diálogo entre as normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) e do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), conferindo proteção diferenciada ao idoso nas relações de consumo. O Estatuto do Idoso, em seu artigo 2º, estabelece que "o idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade." No contexto específico das relações de consumo bancárias, essa proteção especial ganha ainda maior relevância quando se considera a complexidade dos produtos e serviços financeiros, a assimetria informacional entre as partes e a dificuldade de compreensão dos termos e condições contratuais, especialmente em operações realizadas por meios digitais. Consoante se extrai dos autos, o apelante possui reduzida familiaridade com tecnologias e sistemas digitais, e baixo grau de instrução formal, tendo completado o ensino médio tardiamente, por volta dos 50 anos de idade, através do programa EJA (Educação de Jovens e Adultos). Trata-se de trabalhador que exerceu atividades predominantemente operacionais (porteiro, serviços gerais e recepcionista), atualmente aposentado e dependente exclusivamente do benefício previdenciário. Tais circunstâncias, analisadas conjuntamente, evidenciam não apenas a vulnerabilidade presumida de todo consumidor, mas uma vulnerabilidade agravada, a demandar especial atenção na análise da formação do vínculo contratual supostamente estabelecido entre as partes. A análise do litígio passa, necessariamente, pela qualificação da relação jurídica travada entre as partes como uma relação de consumo, tornando aplicáveis as disposições da Lei n. 8.078/90 ( Código de Defesa do Consumidor - CDC). A questão se localizava na falha de segurança do serviço bancário, ao permitir acesso dos criminosos aos dados da autora, de modo a entrarem em contato via telefone e, por consequência, obterem êxito na concretização do ato ilícito. Qualifica- se como fato do serviço, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor . Em tais casos, pacífico que ocorreu o vazamento dos dados do contrato, que se deu por falha no sistema interno do banco, na forma do artigo 14 do CDC e artigos 43, 44 e 45 da LGPD. No contexto, se trata de responsabilidade civil de natureza objetiva, que, portanto, dispensa a análise do elemento volitivo. Na hipótese, a responsabilidade objetiva se justifica pela aplicação da teoria do risco do negócio, segundo a qual aquele que se propõe a realizar uma atividade econômica deve arcar com os riscos inerentes ao negócio, o que inclui fraudes e crimes cibernéticos, considerados como fortuito interno. Inclusive, esse o direcionamento emitido pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme o verbete das Súmulas emitidas acerca do tema, nº 297 e 479. In casu, o banco apelado sustenta a validade da contratação do empréstimo consignado mediante assinatura digital por biometria facial, apresentando aos autos prints de telas do sistema que indicariam a realização do procedimento pelo apelante. É inegável que o ordenamento jurídico brasileiro admite a celebração de contratos por meios eletrônicos, incluindo a utilização de assinaturas digitais e biometria facial, em consonância com o princípio da liberdade das formas previsto no artigo 107 do Código Civil, segundo o qual "a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir." Contudo, a validade dos contratos eletrônicos permanece condicionada à observância dos requisitos essenciais de todo negócio jurídico, especialmente a manifestação livre e consciente da vontade, conforme preconiza o ar. 104, I, CC. Quando se trata de contratação com consumidor hipervulnerável, como o idoso com baixa instrução formal e reduzida familiaridade com tecnologias digitais, a análise da manifestação livre e consciente da vontade deve ser ainda mais rigorosa, demandando do fornecedor cautelas adicionais para assegurar a efetiva compreensão dos termos e condições contratuais. No caso em exame, o contrato de empréstimo consignado supostamente celebrado pelo apelante apresenta características que suscitam fundadas dúvidas quanto à validade de sua formação, tais como a ausência de comprovação de que o apelante compreendeu adequadamente a natureza e extensão da operação que estava realizando, os indícios de que o apelante acreditava estar contratando apenas um cartão de crédito, não um empréstimo consignado, razão pela qual confirmou dados e enviou selfie, o comportamento do apelante incompatível com quem contrata conscientemente um empréstimo (devolução imediata dos valores creditados), e, por fim, o contexto temporal suspeito, com a contratação ocorrendo logo após a concessão do benefício previdenciário. Em tais casos, o fornecedor dos serviços responde independentemente de culpa pelos danos causados pelo serviço defeituoso, conforme artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Quando esse é instituição financeira, o risco se eleva em razão da natureza das suas atividades, daí porque o entendimento jurisprudencial é de haver o dever de reparação do dano decorrente das fraudes cometidas no curso de suas operações comerciais. Referida responsabilidade somente poderia ser afastada se demonstrado o serviço foi prestado sem vício e que a culpa seria exclusiva do consumidor ou de terceiro (§ 3º do art. 14) ou decorrente de caso fortuito ou força maior. Assim, tem-se que os elementos probatórios constantes dos autos demonstram, com considerável grau de segurança, a ocorrência de fraude na contratação do empréstimo consignado. O apelante comprovou que, ao verificar o depósito inesperado em sua conta corrente, procurou imediatamente contato com o número de telefone que lhe havia oferecido anteriormente o cartão de crédito, sendo então orientado a devolver os valores para uma determinada conta bancária, o que efetivamente fez, conforme comprovante de transferência anexado aos autos. Este comportamento é absolutamente incompatível com o de alguém que conscientemente contrata um empréstimo. Não é razoável supor que uma pessoa em pleno gozo de suas faculdades mentais e ciente dos termos contratuais, ao receber o valor de um empréstimo que solicitou, proceda à sua imediata devolução. O fato de a devolução ter sido realizada para conta de terceiro (Banco C6 S.A., CNPJ diferente do banco réu) não elide a responsabilidade da instituição financeira, mas, ao contrário, reforça os indícios de fraude, possivelmente perpetrada por correspondente bancário ou terceiro que se apresentou como representante da instituição. A contratação ocorreu em contexto temporal suspeito, logo após a concessão do benefício previdenciário ao apelante (data do despacho do benefício em 22/11/2021, contratação em dezembro/2021), em aparente violação às normas da Instrução Normativa nº 28/2008 do INSS, que veda a oferta de empréstimos consignados nos primeiros 180 dias após a concessão do benefício. Ressalte-se que, conforme a Súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça, "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias." No caso em tela, caracteriza-se o fortuito interno, pois a fraude ocorreu no âmbito do processo de contratação controlado pela instituição financeira, que não adotou as cautelas necessárias para assegurar a autenticidade da manifestação de vontade do consumidor, especialmente considerando sua condição de hipervulnerável. A mera apresentação de prints de sistema com fotografias do rosto do apelante não é suficiente para comprovar a validade da contratação, especialmente considerando que não há elementos nos autos que demonstrem de forma inequívoca que o apelante compreendeu que estava autorizando um empréstimo consignado, e não apenas um cartão de crédito, como alega. Ademais, incontroverso que a transação não condizia com o perfil econômico do requerente, o que deveria ter sido prontamente identificado pela instituição financeira, que tem o dever de monitorar e impedir operações que fujam do padrão habitual. Assim, forçoso reconhecer a nulidade da operação, assim como, a necessidade de devolução dos valores transferidos. No que concerne à repetição do indébito, é decorrência lógica da ilegalidade dos descontos efetuados indevidamente, não se afigurando possível o banimento dessa providência, sob pena de inarredável enriquecimento sem causa por parte da instituição financeira. Todavia, deve ser feita de forma simples, uma vez que não comprovada a má-fé do banco, que, aliás, não se presume. Por versar, a hipótese, responsabilidade contratual, os juros de mora de 1% (um por cento) ao mês (art. 406/CC) devem incidir a partir da citação e a correção monetária deve ser calculada com base no INPC, a contar da data do desembolso. O STJ já reconheceu a responsabilidade objetiva e o dever de segurança das instituições financeiras, diante de movimentações atípicas ao padrão do consumidor, REsp nº 2.052.228/DF, Terceira Turma, relatora a MinistraNANCY ANDRIGHI, julgado em 12/9/2023, DJe de 15/9/2023, destacando-se a seguinte ementa: CONSUMIDOR. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITOS. DEVER DE SEGURANÇA. FRAUDE PERPETRADA POR TERCEIRO. CONTRATAÇÃO DE MÚTUO. MOVIMENTAÇÕES ATÍPICAS E ALHEIAS AO PADRÃO DE CONSUMO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Ação declaratória de inexistência de débitos, ajuizada em 14/8/2020, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 21/6/2022 e concluso ao gabinete em 17/2/2023.2. O propósito recursal consiste em decidir (I) se a instituição financeira responde objetivamente por falha na prestação de serviços bancários, consistente na contratação de empréstimo realizada por estelionatário; e (II) se possui o dever de identificar e impedir movimentações financeiras que destoam do perfil do consumidor.3. O dever de segurança é noção que abrange tanto a integridade psicofísica do consumidor, quanto sua integridade patrimonial, sendo dever da instituição financeira verificar a regularidade e a idoneidade das transações realizadas pelos consumidores, desenvolvendo mecanismos capazes de dificultar fraudes perpetradas por terceiros, independentemente de qualquer ato dos consumidores.4. A instituição financeira, ao possibilitar a contratação de serviços de maneira facilitada, por intermédio de redes sociais e aplicativos, tem o dever de desenvolver mecanismos de segurança que identifiquem e obstem movimentações que destoam do perfil do consumidor, notadamente em relação a valores, frequência e objeto.5. Como consequência, a ausência de procedimentos de verificação e aprovação para transações atípicas e que aparentam ilegalidade corresponde a defeito na prestação de serviço, capaz de gerar a responsabilidade objetiva por parte da instituição financeira.6. Entendimento em conformidade com Tema Repetitivo 466/STJ e Súmula 479/STJ: "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias".7. Idêntica lógica se aplica à hipótese em que o falsário, passando-se por funcionário da instituição financeira e após ter instruído o consumidor a aumentar o limite de suas transações, contrata mútuo com o banco e, na mesma data, vale-se do alto montante contratado e dos demais valores em conta corrente para quitar obrigações relacionadas, majoritariamente, a débitos fiscais de ente federativo diverso daquele em que domiciliado o consumidor.8. Na hipótese, inclusive, verifica-se que o consumidor é pessoa idosa (75 anos - imigrante digital), razão pela qual a imputação de responsabilidade há de ser feita sob as luzes do Estatuto do Idoso e da Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos, considerando a sua peculiar situação de consumidor hipervulnerável.9. Recurso especial conhecido e provido para declarar a inexigibilidade das transações bancárias não reconhecidas pelos consumidores e condenar o recorrido a restituir o montante previamente existente em conta bancária, devidamente atualizado. (STJ - REsp: 2052228 DF 2022/0366485-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 12/09/2023, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/09/2023) Os descontos indevidos no benefício previdenciário do apelante, equivalentes a aproximadamente 35% de sua renda mensal, configuram dano moral in re ipsa, presumido em razão da própria natureza do fato, dispensando a comprovação do prejuízo concreto. A jurisprudência é pacífica no sentido de que o desconto indevido de parcelas de empréstimo não contratado em benefício previdenciário, especialmente quando atinge parcela significativa da renda do consumidor, configura dano moral indenizável. No caso em análise, os descontos indevidos comprometeram substancialmente a subsistência do apelante, pessoa idosa e de baixa renda, que necessitou recorrer à ajuda de familiares para suprir suas necessidades básicas, inclusive para aquisição de medicamentos, conforme narrado na inicial. Quanto ao valor da indenização, considerando as peculiaridades do caso concreto, a condição econômica das partes, a extensão do dano e os parâmetros adotados em casos semelhantes, entendo razoável e proporcional a fixação da indenização por danos morais em R$ 10.000,00 (dez mil reais), montante suficiente para compensar o sofrimento do apelante e desestimular a repetição da conduta ilícita pela instituição financeira. Nesse sentido: “AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. SAQUES FRAUDULENTOS PRATICADOS POR TERCEIROS. CLIENTE FALECIDO. PROCURAÇÃO PÚBLICA. ASSINATURA FALSA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FORTUITO INTERNO. MATÉRIA OBJETO DE RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. DANOS MORAIS DEVIDOS. SUCUMBÊNCIA. SÚMULA 326/TJ. RECURSO DESPROVIDO. (...) 3. A jurisprudência desta Corte, em sede de recurso representativo da controvérsia, solidificou-se no sentido de que em hipóteses de danos causados por fraude mediante a utilização de documentos falsos, as instituições financeiras respondem objetivamente, porquanto a responsabilidade decorre do risco do empreendimento (REsp 1.199.782/PR, da relatoria do eminente Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO). 4. No julgamento do REsp 1.199.782/PR, ficou decidido que, nas hipóteses de danos causados em decorrência de fraude, "o abalo moral é in re ipsa e que é possível a fixação de indenização por danos morais em até 50 (cinquenta) salários-mínimos". (...) 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 1378791/RJ, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe 15/12/2015). A propósito, esse o entendimento que tem sido por esta Câmara, em situações análogas, vejamos: “APELAÇÃO – AÇÃO INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – FRAUDE CARTÃO DE CRÉDITO – FALHA DO BANCO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – SÚMULA N. 479 DO STJ - DEVER DE DEVOLUÇÃO DO MONTANTE E DE REPARAÇÃO – LEGITIMIDADE PASSIVA DA OPERADORA DO CARTÃO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. É assente a jurisprudência do STJ reconhecendo a responsabilidade solidária entre a instituição financeira e a empresa detentora da bandeira/marca do cartão de crédito pelos danos advindos da cadeia de serviços prestados (REsp n. 1.679.126). Configurada a falha na prestação do serviço pelo réu, que não cuidou para que a fraude no cartão de crédito do autor acontecesse, é devido o ressarcimento do que foi gasto, bem como indenização por danos morais. O valor da reparação por danos morais deve ser arbitrado de forma compatível com as especificidades do caso concreto as exigências do artigo 944 do CC, além de atender ao caráter sancionatório e compensatório, aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e estar em conformidade com a jurisprudência”. (N.U 0004488-08.2020.8.11.0004, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 09/08/2023, Publicado no DJE 14/08/2023). No mesmo sentido: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. CONTRATAÇÃO FRAUDULENTA DE EMPRÉSTIMO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSO PROVIDO. (...) IV. Dispositivo e tese 8. Recurso conhecido e provido. Sentença reformada para reconhecer o dano moral e condenar os réus solidariamente à respectiva reparação. Tese de julgamento: “1. Configura dano moral presumido a liberação fraudulenta de empréstimo em nome de consumidor idoso, com base em dados vazados e sem adequada verificação pelas instituições financeiras. 2. As instituições financeiras respondem solidariamente pelos danos decorrentes de falha na prestação do serviço bancário, inclusive quando relacionados a fortuito interno.” (...) (N.U 1000192-88.2024.8.11.0034, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 27/05/2025, Publicado no DJE 29/05/2025) Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso, para declarar a inexistência da relação jurídica referente ao contrato de empréstimo consignado questionado nos autos (nº 352099882-8); condenar o banco à devolução do indevidamente descontado na forma simples, com correção monetária pelo INPC a partir de cada desconto e juros de mora de 1% ao mês desde a citação; condená-lo ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), acrescido de correção monetária a partir desta decisão (Súmula 362/STJ) e juros de mora de 1% ao mês desde o evento danoso (Súmula 54/STJ). Inverto os ônus da sucumbência, condenando o banco apelado ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, considerando o grau de zelo profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e importância da causa, e o trabalho realizado pelo advogado. É como voto. V O T O S V O G A I S Data da sessão: Cuiabá-MT, 18/06/2025
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