Processo nº 0824125-84.2022.8.23.0010
ID: 328563589
Tribunal: TJRR
Órgão: 4ª Vara Cível
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0824125-84.2022.8.23.0010
Data de Disponibilização:
18/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JEFFERSON RIBEIRO MACHADO MACIEL
OAB/RR XXXXXX
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Processo n.º: 0824125-84.2022.8.23.0010
Autor(a): CLEUZA OLIVEIRA SILVA
Réu: BANCO BMG SA
SENTENÇA COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO
I - Relatório:
1.
A parte autora Cleuza Oliveira Silva, pensi…
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Processo n.º: 0824125-84.2022.8.23.0010
Autor(a): CLEUZA OLIVEIRA SILVA
Réu: BANCO BMG SA
SENTENÇA COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO
I - Relatório:
1.
A parte autora Cleuza Oliveira Silva, pensionista do INSS, ajuizou ação de
resolução contratual cumulada com pedido de indenização por danos materiais e
morais em face do Banco BMG S.A., alegando a existência de descontos indevidos
em seu benefício previdenciário decorrentes de contrato que afirmou desconhecer.
2.
A autora verificou a redução substancial em seus proventos e, ao obter extrato de
consignações junto à Previdência Social, constatou o lançamento do contrato nº
14417220, referente a cartão de crédito com reserva de margem consignável (RCM),
cuja contratação negou ter realizado. Alegou nunca ter recebido o cartão ou
assinado qualquer documento, mas, ainda assim, teve parcelas mensais no valor de
R$ 47,70 (quarenta e sete reais e setenta centavos) descontadas de seu benefício,
totalizando 46 parcelas e a quantia de R$ 2.194,20 (dois mil, cento e noventa e
quatro reais e vinte centavos).
3.
Afirmou que houve vício na formação contratual, inexistindo manifestação de
vontade, e pleiteou a nulidade do contrato com base na ausência de concordância
expressa. Argumentou pela incidência do Código de Defesa do Consumidor,
requerendo a inversão do ônus da prova com fulcro no art. 6º, inciso VIII, do CDC, e
a repetição do indébito, em dobro, nos termos do art. 42, parágrafo único, da
mesma norma.
4.
Sustentou a responsabilidade objetiva da instituição financeira (art. 14 do CDC) e a
ocorrência de dano moral decorrente da cobrança indevida, por meio de descontos
mensais realizados sem autorização, o que teria causado constrangimento,
frustração e abalo à sua dignidade.
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5.
Requereu, em sede de tutela antecipada, a suspensão imediata dos descontos, no
prazo de 48 horas, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais), com base
nos arts. 294 e seguintes do Código de Processo Civil.
6.
Ao final, formulou os seguintes pedidos: I – A concessão do benefício da justiça
gratuita, nos termos dos arts. 98 a 102 do CPC; II – A citação do réu para
contestar, sob pena de revelia e confissão quanto à matéria de fato; III – A
declaração de nulidade do contrato e o consequente cancelamento dos
descontos; IV – A condenação do requerido ao pagamento em dobro dos
valores indevidamente descontados, no montante de R$ 4.388,40 (quatro
mil, trezentos e oitenta e oito reais e quarenta centavos), e ao pagamento de
indenização por danos morais no valor de R$ 42.237,60 (quarenta e dois
mil, duzentos e trinta e sete reais e sessenta centavos); V – A condenação do
requerido ao pagamento de honorários sucumbenciais à base de 20%; VI –
A produção de todas as provas admitidas em direito; VII – A inversão do
ônus da prova, com a obrigação do réu de apresentar o suposto contrato e
os comprovantes de transferência dos valores, sob pena de fraude
presumida; VIII – A exibição, pelo demandado, do suposto contrato firmado
com a autora, que afirmou desconhecer; IX - Atribuiu à causa o valor de
R$ 46.626,00 (quarenta e seis mil e seiscentos e vinte e seis reais), etc.
7.
No EP.06 foi indeferido o pedido dos benefícios da justiça gratuita.
8.
O Banco BMG S.A, devidamente citado no processo eletrônico, apresentou sua
contestação no EP.17. Iniciou relatando sobre a regularidade da contratação,
argumentando sobre o que estaria acontecendo na prática sobre o tema. Arguiu
ausência de interesse de agir; das contratações por meio digital; da regularidade da
contratação; presunção da boa-fé nas relações contratuais; dos números de
contratos constantes no extrato da parte autora; demonstração de que a dívida não
se torna infinita; dos danos morais; da impossibilidade de acolher o pleito de
devolução em dobro; etc.
9.
Ao final, requereu: a) o acolhimento das preliminares; b) o julgamento
improcedente da demanda; c) produção de todas os meios de prova em
direito admitidas, etc.
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10. A parte autora apresentou réplica no EP.21. As partes se manifestaram nos EPs. 26
e 28.
11. A suspensão do processo foi determinada no EP.32, enquanto se aguardava a
deliberação do E. Tribunal de Justiça do Estado de Roraima sobre o Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) n.º 5 . A respeitável decisão consta do
EP.44. Decisão da inspeção judicial no EP.46. Decisão saneadora no EP.55.
12. Os autos vieram conclusos no EP.61.
13. É o breve relato. Decido.
II - Fundamentação:
14. O feito prescinde de outras provas, pois bastam aquelas existentes nos autos para
a formação da convicção do julgador. Aliás as partes tiveram o tempo necessário
para apresentação das suas respectivas provas, portanto, foi respeitado o contrário
e a ampla defesa, na forma do art. 5º, LV da CF/88, e arts. 9º e 10 do Código de
Processo Civil, razão pela qual, passo ao julgamento da lide no estado em que se
encontra o processo, nos termos do art. 355, I, do Código de Processo Civil.
15. Como é sabido, cabe ao juiz o exame e valoração judicial dos elementos probantes,
em vista dos fatos expostos na inicial.
16. As partes são legítimas e estão devidamente representadas, não havendo vedação
legal ao pedido e causa de pedir. Outrossim, é necessária a prestação jurisdicional
pretendida por via processual adequada.
17. Verifico que as preliminares foram resolvidas em decisão saneadora do EP.55, da
qual não houve recurso em tempo e modo. Portanto, não há outras preliminares,
passo ao julgamento do mérito.
Do Mérito:
18. Cuida-se de “ação de resolução contratual cumulada com pedido de indenização
por danos materiais e morais”, sob o argumento de que não teria autorizado a
contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC)
emitido em seu favor pelo banco requerido.
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19. O banco requerido, por sua vez, em contestação rechaçou as informações da
exordial, bem como aduziu que a requerente teria contratado e utilizado os seus
serviços de cartão de crédito.
20. Pois bem, o objeto da celeuma é verificar se houve regular contratação de Cartão
de Crédito na modalidade Reserva de Margem Consignável - RMC e, em caso
negativa, se a contratação de serviço em nome da autora, em atitude possivelmente
fraudulenta, gera responsabilidade civil da instituição financeira. Portanto, vejo que
o ponto controverso que se discute nos autos, está em saber se a autora de fato
teria ou não autorizado/realizado empréstimo (RMC) objeto desta lide, digo por livre
e espontânea vontade.
21. Sucede, no entanto, que na peça exordial a parte autora nega a realização da
contratação de cartão de crédito bancário com a empresa ré. Por outro lado,
afirmou que tinha como objetivo outro tipo de serviço bancário, qual seja, a
contratação de empréstimo consignado.
Da Aplicação do Código de Defesa do Consumidor:
22. Com efeito, consigno inicialmente que a relação discutida nos autos enseja a
aplicação das regras do Código de Defesa do Consumidor, vez que presente a
figura do fornecedor de produtos/serviços de um lado e do autor como consumidor
de outro, ainda que de forma equiparada (art. 17 do CDC), sendo aplicável,
especialmente, a norma que estabelece a inversão do ônus da prova como critério
de julgamento da causa, quando possível, ao fornecedor dos produtos/serviços a
produção de prova destinada a refutar os argumentos da parte autora, nos termos
do art. 6º, VIII, do CDC. Evidente a vulnerabilidade como fator determinante para a
caracterização do consumidor e consequente aplicação do regime jurídico da lei
consumerista,consoante orientação do C. STJ (Recurso Especial n° 476.428-SC),
nos termos dos artigos 2º e 3ºdo Código Consumerista, não se olvidando da
Súmula 297 do STJ que já assentou o entendimento que o CDC é aplicável às
instituições financeiras.
23. Portanto, tratando-se de relação de consumo, assevera-se ser nula de pleno direito
a cláusula assumida pelo consumidor, presumidamente vulnerável (art. 4º, I, CDC),
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se abusiva conforme a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes
contratantes, as circunstâncias especiais do caso em concreto (art. 51 e § 1º, CDC)
e os limites impostos pelo fim econômico ou social do objeto contratual, os bons
costumes e a boa-fé subjetiva e objetiva (arts. 113, 187 e 422,CC), que impõe a
todos um dever geral de cuidado, segurança, cooperação, informação, proteção à
confiança, à aparência e à justa expectativa, vedado, portanto, o comportamento
desarrazoado,descuidado, negligente, abusivo ou contraditório.
24. Outrossim, é de se destacar a responsabilidade objetiva da parte ré (art. 12 do
CDC), mesmo para a situação em que o evento danoso não surgir em virtude de
contratação advinda da vontade expressa do consumidor, mas por conduta
unilateral do fornecedor que venha a causar danos ao consumidor ou a terceiros,
ocasião em que estes últimos, na qualidade de vítimas do evento, terão sua
condição equiparada a consumidores, nos termos do art. 17 do CDC.
25. No presente caso, verifica-se que a autora se encontra em condição de
vulnerabilidade, não apenas sob o aspecto econômico, mas também técnico
(EP.01), nos termos do artigo 39, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor
(CDC).
26. Dessa forma, cabe ao fornecedor apresentar prova irrefutável de que adotou todas
as medidas necessárias para aferir a real manifestação de vontade da autora,
observando a boa-fé objetiva contratual, especialmente diante de sua condição
pessoal, que demanda uma proteção legal reforçada.
27. Feita estas importantíssimas considerações iniciais, passo a tratar sobre a
respeitável decisão do Egrégio Tribunal de Justiça Estadual sobre o tema:
Do Incidente de Resolução de Demandas Repetitiva - IRDR sob
o número 9002871-62.2022.8.23.0000:
28. Cumpre destacar que a questão relativa à contratação de cartão de crédito na
modalidade Reserva de Margem Consignável (RMC) já foi objeto de análise pelo
Egrégio Tribunal de Justiça de Roraima, no âmbito do Incidente de Resolução de
Demandas
Repetitivas
(IRDR),
registrado
sob
o
número
9002871-62.2022.8.23.0000, ocasião em que foram fixadas as seguintes teses
jurídicas:
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1. É lícita a contratação de cartão de crédito com reserva de
margem
consignável,
com
fundamento
na
Lei
Federal
n.º
10.820/2003 e nas Instruções Normativas n.º 28/2008 e 138/2022 do
INSS para a categoria de empregados regidos pela CLT e
beneficiários do INSS.
2. A contratação da modalidade de cartão de crédito com reserva de
margem consignável permite cobranças no contracheque, desde que
a instituição bancária comprove que o consumidor tinha pleno e
inequívoco conhecimento da operação, o que deve ser demonstrado
por meio do 'Termo de Consentimento Esclarecido' ou outras provas
incontestáveis.
3. Em caso de vício na contratação causado por informações
inadequadas que induziram o consumidor a erro (questão fática a
ser examinada no caso específico), a anulação deve ser discutida
com base nos defeitos do negócio jurídico e nos deveres legais de
probidade e boa-fé, considerando-se, contudo, a possibilidade de
convalidação do negócio anulável, conforme os princípios da
conservação dos negócios jurídicos. (Grifei)
EMENTA
DIREITO CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS
REPETITIVAS (IRDR). CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO.
LEGALIDADE. DEVER DE INFORMAÇÃO POR PARTE DAS
INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS.
1. O cartão de crédito consignado constitui modalidade contratual
lícita que encontra amparo legal nos arts. 1º, § 1º e 6.º, § 5.º, da Lei
Federal n.º 10.820/2003, assim como nas instruções Normativas n.º
28/2008 e 138/2022 do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS,
aplicável aos empregados regidos pela CLT e beneficiários do INSS.
2. Apesar da existência de regulamentação que legitima o cartão de
crédito consignado sob a perspectiva jurídica, a controvérsia reside
no possível abuso na disponibilização do produto e na alegada
violação
do
dever
de
informação
por
parte
das
instituições
financeiras.
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3. Diante da inversão do ônus da prova nas relações consumeristas,
compete
às
instituições
financeiras
comprovar,
de
maneira
inequívoca, que o consumidor foi devidamente informado sobre os
termos do contrato.
4. Nesse sentido, é imprescindível que os contratos destaquem, de
forma clara, objetiva e em linguagem fácil, as reais condições do
contrato (meios de quitação da dívida; acesso às faturas; cobrança
integral do valor do saque no mês subsequente; débito direto do
valor mínimo da fatura e incidência de encargos rotativos em caso de
não pagamento integral).
5. A falha no dever de informação capaz de induzir o consumidor a
erro constitui questão a ser analisada no caso concreto e a anulação
do contrato decorrente de tal hipótese deve considerar os defeitos do
negócio jurídico e os deveres de probidade e boa-fé, havendo
possibilidade, no entanto, de convalidação do negócio anulável.
6. Tese fixada com a seguinte redação:
6.1. É lícita a contratação de cartão de crédito com reserva de
margem
consignável,
com
fundamento
na
Lei
Federal
n.º
10.820/2003 e nas Instruções Normativas n.º 28/2008 e 138/2022 do
INSS para a categoria de empregados regidos pela CLT e para
beneficiários do INSS.
6.2. A contratação da modalidade de cartão de crédito com reserva
de margem consignável permite a cobrança no contracheque, desde
que a instituição bancária comprove que o consumidor tinha pleno
e
inequívoco
conhecimento
da
operação,
o
que
deve
ser
demonstrado por meio do 'Termo de Consentimento Esclarecido' ou
outras
provas
incontestáveis.
Participaram
do
julgamento
os
Desembargadores Mozarildo Cavalcanti (Relator), Ricardo Oliveira,
Almiro Padilha, Tânia Vasconcelos, Leonardo Cupello, Cristóvão
Suter, Erick Linhares. (Grifei)
29. É notório que não há prova inequívoca da manifestação de vontade da parte autora
quanto à efetiva contratação do serviço, uma vez que, embora tenha a parte
requerida juntado o contrato de adesão, também apresentou comprovante(s) de
depósito(s) disponibilizado(s) para a autora no valor de R$1.224,00 (mil e duzentos
e vinte e quatro reais), e R$255,48 (duzentos e cinquenta e cinco reais e quarenta e
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oito centavos), R$108,77 (cento e oito reais e setenta e sete centavos), totalizando
R$1.588,25 (mil quinhentos e oitenta e oito reais e vinte e cinco centavos), como se
empréstimo fosse. considerando que a controvérsia em questão refere-se à
disponibilização de um cartão de crédito:
30. Assim, trata-se de operações financeiras distintas e independentes entre si, que
pode levar o cliente em confusão sobre o que está sendo oferecido.
31. Com efeito, uma comunicação mais clara e direta poderia ter evitado qualquer
entendimento ambíguo pela autora. Por certo, não foi o que aconteceu, vez que
relata na petição inicial que teria procurado o banco para realizar uma operação de
empréstimo, contudo teria sido contratado um cartão de crédito que não havia
solicitado.
32. Sem prejuízo dessa consideração, ao se analisar as faturas do cartão de crédito
anexadas pelo banco requerido no Evento 17, constata-se, com clareza, que a
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autora sequer utilizou o referido cartão para a realização de compras, contrariando
a afirmação do banco, de que teria utilizado os serviços contratado.
33. No âmbito das relações de consumo, é dever do fornecedor garantir ao consumidor
informações claras, precisas, ostensivas e adequadas sobre os produtos e serviços
oferecidos no mercado. Tal obrigação decorre expressamente do artigo 6º, inciso III,
do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), que estabelece como
direito básico do consumidor o acesso à informação adequada e clara sobre os
diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade,
características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre
os riscos que apresentem.
34. Esse dever de esclarecimento não se limita à fase pré-contratual, mas se estende a
toda a relação de consumo, inclusive no pós-venda, sendo essencial para
assegurar a transparência e o equilíbrio nas relações de consumo, princípios
basilares da legislação consumerista (art. 4º, III).
35. O descumprimento do dever de informar pode configurar vício de informação,
ensejando responsabilização objetiva do fornecedor pelos danos eventualmente
causados ao consumidor (art. 12 e 14 do CDC).
36. Ademais, a ausência ou insuficiência de esclarecimentos pode ser considerada
prática abusiva, conforme previsto no artigo 39, inciso III, do CDC, que veda ao
fornecedor enviar ao consumidor qualquer produto ou prestar qualquer
serviço sem solicitação prévia e clara.
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre
outras práticas abusivas:
(...)
III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia,
qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço; (Grifei)
IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo
em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para
impingir-lhe seus produtos ou serviços;
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(...)
37. Destaca-se ainda que o consumidor é considerado, por presunção legal, a parte
hipossuficiente na relação jurídica, o que impõe ao fornecedor um padrão elevado
de diligência e boa-fé na prestação das informações. Tal orientação é reforçada
pela doutrina e pela jurisprudência, que reconhecem o dever de informar como
elemento essencial para a validade do consentimento do consumidor, evitando
vícios como erro ou dolo.
38. Portanto, é imprescindível que todo produto colocado à disposição do consumidor
venha acompanhado de informações claras quanto ao seu uso, finalidade,
restrições, composição, validade, riscos à saúde ou segurança, origem, entre outros
aspectos relevantes, de forma acessível e em linguagem compatível com o
público-alvo.
39. A inobservância desse dever pode não apenas gerar responsabilidade civil, como
também ensejar sanções administrativas e penais, nos termos do CDC, além de
representar infração aos princípios da dignidade do consumidor e da lealdade nas
relações comerciais.
Do Vício de Consentimento:
40. E oportuno dizer que o vício de consentimento é um defeito da manifestação de
vontade que compromete a validade do negócio jurídico. Embora a vontade tenha
sido expressa, ela foi influenciada por algum fator que impediu o agente de agir com
plena liberdade e consciência. Ou seja, ocorre quando a parte tem uma falsa
percepção da realidade, levando-a a celebrar um negócio que não celebraria se
conhecesse a verdade.
41. Todavia, para além da responsabilização oriunda da inadequação na prestação do
serviço, impõe-se igualmente a análise da validade do negócio jurídico à luz das
disposições do Código Civil, especialmente no que tange à manifestação da
vontade e aos vícios que possam comprometê-la.
42. De fato, conforme estabelece o artigo 171, inciso II, do Código Civil, o negócio
jurídico poderá ser anulado quando maculado por vícios como erro, dolo, coação,
estado de perigo, lesão ou fraude contra credores. Ademais, nos termos do artigo
138 do mesmo diploma legal, são passíveis de anulação os negócios jurídicos cujas
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declarações de vontade resultem de erro substancial, passível de identificação por
pessoa de diligência comum, à luz das circunstâncias que envolvem o negócio.”.
43. A esse respeito, ensina com propriedade o eminente Nestor Duarte:
A manifestação de vontade é elemento essencial do negócio jurídico,
mas se, embora ocorrente a declaração de vontade, esta se deu em
desconformidade com o querer do agente, o negócio jurídico será
viciado. Em regra, os motivos que impelem o agente à realização de
um negócio jurídico são irrelevantes, porém o processo psíquico para
a formação de vontade é relevante, de modo que, se a declaração
decorrer de noção inexata ou de falsa ideia a respeito do objeto
principal ou acerca de pessoa, ou ainda sobre a norma jurídica (art.
139), poderá caracterizar-se erro, que é vício capaz de levar à
anulação do negócio. ( . . . ) Para anular o negócio jurídico, o erro
deve ser essencial, ou seja, incidente sobre o objeto principal da
declaração ou sobre qualidades substanciais do objeto ou essenciais
da pessoa a que se refira. Não é necessário que o erro seja comum a
ambas as partes nos negócios bilaterais, bastando que atinja a
vontade de uma delas. Exige-se, todavia, que, no equívoco ou falsa
representação, possa incidir pessoa de diligência normal (vir medius),
mas não é pacífico que deva ser escusável." (Código Civil comentado:
doutrina e Jurisprudência. Coordenador Cezar Peluso. 5.ed. Barueri,
SP: Manole, 2011, p. 117).
44. Ademais, as movimentações ali registradas nas faturas do cartão, apresentadas
pelo próprio banco, referem-se exclusivamente a cobrança de encargos rotativos,
tarifas, IOF, Seguro Prestamista, outros, o que evidencia, salvo melhor juízo, que
não era intenção da parte autora contratar a referida modalidade de crédito, como
tal afirmou na inicial, o que demonstra vício de consentimento.
45. A seguir, transcreve-se trecho representativo desses documentos:
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46. Com efeito, tratando-se de responsabilidade objetiva do banco réu à situação em
apreço, deveria o réu cercar-se de meios hábeis a comprovar a declaração de
vontade da autora para a contratação dos empréstimos discutidos (o contrato
apresentado nos autos, por certo, conforme sustentando pela requerente, denota
que a parte entendia estar celebrando um contrato de empréstimo, não de cartão de
crédito), deixando-o em situação de responsabilidade pelo dano experimentado
pela autora, pois incumbe-se ao banco o ônus da prova de comprovar a
regularidade da contratação, conforme ônus que lhe cabia (art. 373, inciso II, do
CPC), em razão da relação de consumo.
47. Dessa forma, a controvérsia trazida aos autos configura verdadeiro fortuito interno
a determinar a responsabilidade objetiva do réu quanto à situação alegada, não
tendo o réu, durante todo o trâmite processual, trazido aos autos qualquer
comprovação de que a autora agiu com dolo ou culpa, nos termos do que diz a
Súmula 479 do STJ, a qual prevê que "As instituições financeiras respondem
objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e
delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.". Neste
sentido, in verbis:
"APELAÇÃO CÍVEL – Contratos bancários – Ação de indenização
por danos materiais e morais – Realização de operações financeiras
em valor expressivo, fora do padrão de consumo do correntista –
Não caracterizada a culpa exclusiva de terceiro ou da vítima –
Responsabilidade objetiva do banco nos termos do artigo 14, caput
do Código de Defesa do Consumidor e da Súmula nº 479 do E.
Superior Tribunal de Justiça – Dano moral caracterizado –
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Indenização fixada no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) –
Majoração para R$ 10.000,00 (dez mil reais) em vista das
circunstâncias do caso concreto – Sentença de procedência parcial –
Sentença reformada em parte – Recurso do réu não provido –
Recurso do autor parcialmente provido para majorar a indenização
por dano moral. (TJSP; Apelação Cível 1008008-86.2018.8.26.0302;
Relator (a): Daniela Menegatti Milano; Órgão Julgador: 19ª
Câmara de Direito Privado; Foro de Brotas - 1ª Vara; Data do
Julgamento: 25/10/2019; Data de Registro: 25/10/2019)"
48. Por outro lado, a autora é pessoa vulnerável tecnicamente frente ao banco
requerido, sob a égide da proteção da lei consumerista (art. 39, inciso IV, do CDC),
sendo que o banco não comprovou ter se realizado as medidas de precaução
necessárias ou mesmo comprovado irrefutavelmente a declaração de vontade
emitida pela autora para contratação da forma de empréstimo (cartão de crédito)
discutido.
49. Assim, pelos elementos de convicção já expostos e pela ausência de provas por
parte do requerido, entendo que o réu não conseguiu desincumbir-se de provar
minimamente os fatos modificativos, extintivos ou impeditivos do direito do(a)
autor(a) no tocante ao reconhecimento da nulidade do contrato de cartão de crédito,
objeto dos autos, ônus que lhe competia, nos termos dos artigos 373, inciso II, e
429, inciso II, todos do Código de Processo Civil e a inversão de prova
consubstanciada pelo art. 14 do Código de Defesa do Consumidor.
50. Em vista disso, mostra-se inexistente a dívida e quaisquer efeitos decorrentes do
contrato objeto desta lide, sendo, portanto, negócio jurídico nulo, devido à
ausência de comprovação legal da manifestação de vontade da autora, de acordo
com as exigências legais condizentes a sua situação pessoal, em proceder com a
contratação do serviço/produto.
51. É certo que houve desrespeito à boa-fé objetiva na contratação e na execução dos
termos contratuais, de acordo com as regras legais e mercadológicas, não se
justificando que o fornecedor, dado seu imenso porte financeiro, não adotasse
práticas ou elaborasse mecanismos compatíveis com sua responsabilidade de
ordem objetiva, a fim de que evitasse a cobrança indevida da autora por contrato
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que esta sequer manifestou vontade de contratar. Portanto, verifico que houve falha
na prestação do serviço pelo requerido.
52. Dessa forma, considero que a abordagem adotada foi inadequada, insuficiente e
pouco clara, não permitindo a consumidora/autora uma compreensão plena, precisa
e inequívoca do produto oferecido.
53. Portanto, tenho que a abordagem empregada revelou-se não apenas inadequada e
insuficiente,
mas
também
marcada
por
uma
notável
falta
de
clareza,
comprometendo significativamente a transparência necessária em relações de
consumo. As informações prestadas à consumidora/autora foram apresentadas de
forma genérica, ambígua e carente de detalhamento técnico ou prático, impedindo
uma compreensão efetiva quanto às características, limitações, funcionalidades e
condições de uso do produto ofertado. Tal deficiência informacional inviabilizou a
formação de um juízo de valor consciente e fundamentado por parte da
consumidora, o que afronta diretamente os princípios da boa-fé objetiva e da
proteção à confiança, pilares fundamentais do Código de Defesa do Consumidor. A
ausência de comunicação clara e precisa evidencia um desequilíbrio na relação
contratual, colocando a parte hipossuficiente em situação de vulnerabilidade e
fragilizando seu direito à escolha livre e informada.
54. Com efeito, tratando-se de responsabilidade objetiva do banco réu à situação em
apreço, deveria o réu cercar-se de meios hábeis a comprovar a declaração de
vontade da autora para a contratação dos empréstimos discutidos, deixando-o em
situação de responsabilidade pelo dano experimentado pela autora, pois
incumbe-se ao banco o ônus da prova de comprovar a regularidade da contratação,
conforme ônus que lhe cabia (art. 373, inciso II, do CPC), em razão da relação de
consumo.
55. Em vista disso, mostra-se inexistente a dívida e quaisquer efeitos decorrentes do
contrato objeto desta lide, no que tange ao cartão de crédito, (exceto os
valores dos saques efetuados pela autora, os quais deverão ser devolvidos à
instituição), sendo, portanto, negócio jurídico nulo, devido à ausência de
comprovação legal da manifestação de vontade da autora, de acordo com as
exigências legais condizentes a sua situação pessoal, em proceder com a
contratação do serviço/produto.
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56. É certo que houve desrespeito à boa-fé objetiva na contratação e na execução dos
termos contratuais, de acordo com as regras legais e mercadológicas, não se
justificando que o fornecedor, dado seu imenso porte financeiro, não adotasse
práticas ou elaborasse mecanismos compatíveis com sua responsabilidade de
ordem objetiva, a fim de que evitasse a cobrança indevida da autora por contrato
que esta sequer manifestou vontade de contratar. Portanto, verifico que houve falha
na prestação do serviço pelo requerido.
Do Ressarcimento em Dobro dos Valores:
57. No que toca ao pedido de restituição em dobro, dispõe o art. 42, parágrafo único,
do Código de Defesa do Consumidor: "o consumidor cobrado em quantia
indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do
que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais,
salvo hipótese de engano justificável".
"EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR
DANOS MATERIAIS E MORAIS - FRAUDE BANCÁRIA - SAQUES
E EMPRÉSTIMO INDEVIDO - DANO MATERIAL - VERIFICAÇÃO
- QUESTÃO SANADA PELO REQUERIDO EM CUMPRIMENTO
DE LIMINAR - CONFIRMAR - DANO MORAL - CONFIGURADO -
REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO - IMPOSSIBILIDADE -
INEXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ DO REQUERIDO. - Comprovada a
fraude bancária perpetrada por terceiro, há que se ter como devida a
devolução do valor sacado, bem como declarado inexistente o
empréstimo realizado em nome da parte autora. - Não há que se falar
em devolução em dobro se inexistente a má-fé. - A fraude perpetrada
por terceiro que obtém, com uso de documentação falsa, acesso à
conta destinada ao recebimento de benefício previdenciário, em
instituição
financeira,
e,
por
conseguinte
realiza
saques
e
empréstimos em detrimento do verdadeiro beneficiário, acarreta o
dever de indenizar a título de danos morais. - Na fixação da
indenização por danos morais deve se levar em conta, além do nexo
de
causalidade
(art.
403,
do
Cód.
Civil),
os
critérios
de
proporcionalidade
e
razoabilidade
na
apuração
do
quantum,
atendidas as condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico
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lesado." (TJMG, Ap. Cível 1.0687.13.006053-0/001, 17ª C. Cív., rel.
Des. Evandro Lopes da Costa Teixeira, j. 28.08.2014, DJ 09.09.2014)
(Destaquei).
58. Assim, em razão da impossibilidade de conversão conforme requerido pela parte
autora em empréstimo consignável, deverá ser devolvido à parte autora todo e
qualquer valor indevidamente descontado de seu benefício previdenciário e/ou
contracheque por virtude do contrato, ora objeto desta lide, de forma dobrada, o
valor de R$ 4.388,40 (quatro mil, trezentos e oitenta e oito reais e quarenta
centavos), a título de repetição de indébito, devidamente corrigidos a juros de 1%
(um por cento) ao mês (a partir da citação art. 405 do CC c/c 240 do CPC) e
correção monetária (a partir do desembolso na forma do art. 389 do CC e
Súm. 43 do STJ) de acordo com a Tabela de Índices e Correção do Egrégio
Tribunal de Justiça do Estado de Roraima.
Da Devolução dos Valores Recebidos:
59. A parte autora deverá devolver ao banco requerido o valor total do saque via cartão
de crédito no valor de R$1.224,00 (mil e duzentos e vinte e quatro reais), e
R$255,48 (duzentos e cinquenta e cinco reais e quarenta e oito centavos),
R$108,77 (cento e oito reais e setenta e sete centavos), totalizando R$1.588,25
(mil quinhentos e oitenta e oito reais e vinte e cinco centavos), a fim de evitar o
enriquecimento sem causa, nos termos do artigo 884 do Código Civil, podendo ser
compensado no cumprimento de sentença, devidamente corrigidos a juros de 1%
(um por cento) ao mês (a partir da citação art. 405 do CC c/c 240 do CPC) e
correção monetária (a partir do desembolso na forma do art. 389 do CC e
Súm. 43 do STJ) de acordo com a Tabela de Índices e Correção do Egrégio
Tribunal de Justiça do Estado de Roraima:
60. Resolvida essa questão, passo agora, a decidir sobre o pedido de dano moral.
Do Dano Moral:
61. Validamente, para a responsabilização, revela-se prescindível a prova objetiva do
dano moral, que é presumido, devendo ser condenado à reparação o fornecedor
que, de modo negligente, autoriza descontos indevidos em folha de pagamento,
configurando dano moral in re ipsa.
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62. A propósito, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial
representativo de controvérsia, mutatis mutandis, in verbis:
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA.
JULGAMENTO PELA SISTEMÁTICA DO ART. 543-C DO CPC.
RESPONSABILIDADE
CIVIL.
INSTITUIÇÕES
BANCÁRIAS.
DANOS CAUSADOS POR FRAUDES E DELITOS PRATICADOS
POR TERCEIROS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FORTUITO
INTERNO. RISCO DO EMPREENDIMENTO. 1. Para efeitos do art.
543-C do CPC: As instituições bancárias respondem objetivamente
pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros
- como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de
empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -,
porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento,
caracterizando-se como fortuito interno. 2. Recurso especial provido.
(REsp 1199782/PR, 2 ª
Seção, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j.
24.08.2011, DJe 12.09.2011)
63. No que se refere ao quantum indenizatório, levando-se em conta a função
repreensora, preventiva e educativa, relativamente ao agente causador do dano, e
ressarcitória e apaziguadora, do ponto de vista do lesado, a quantificação do dano
moral deve obedecer aos princípios de moderação e razoabilidade, a fim de que o
instituto não seja desvirtuado de seus reais objetivos, nem transformado em fonte
de enriquecimento ilícito. Colhe-se da jurisprudência do Colendo Superior Tribunal
de Justiça:
"(...) Nas hipóteses em que o arbitramento do valor da compensação
por danos morais é realizado com moderação, orientando-se o juiz
pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com
razoabilidade, fazendo uso de sua experiência e do bom senso, atento
à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, o STJ tem por
coerente a prestação jurisdicional fornecida. Agravo Regimental a
que se nega provimento." (STJ, AgRg no Ag 1269418/SP, 3ª T., rel.
Min. Nancy Andrighi, j. 07.10.2010, DJe 20.10.2010).
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64. No caso em análise, a responsabilidade do Banco é objetiva, uma vez que a
atividade por ele desenvolvida implica, por sua natureza, riscos para os direitos de
outrem. A este respeito, vale anotar que o risco da atividade é suportado pelo
empreendedor, que responde pelo prejuízo que sua atividade proporcionar.
Vejamos decisão da 19ª Câmara de Direito Privado de São José do Rio Preto-SP.
“Nesse diapasão, cumpre destacar que a aquisição de financiamento
por
estelionatário,
munido
de
documentação
falsificada,
lamentavelmente, é expediente corriqueiro na atualidade, de sorte
que a apelante e o Banco Cacique, ao promoverem o lícito e regular
desenvolvimento de suas atividades, têm pleno conhecimento de que
se encontram sujeitas a tal risco na prestação de seus serviços (art.
14, § 1 ° , inciso II, CDC), cuidando-se de fato desenganadamente
previsível, malgrado inevitável. O evento, em verdade, caracteriza-se
como um caso fortuito interno, vale dizer, um fato que se associa e
se relaciona diretamente com os riscos inerentes ao desempenho da
atividade
empresarial,
forçando
reconhecer,
pois,
a
responsabilidade civil da apelante. ”
(Autos da Apelação de n º .
1.021.667-6, Rel. Des. James Siano, TJSP, 19ª Câmara de Direito
Privado, Apelação 1.021.667-6 - São José do Rio Preto - Voto 2448)
(Grifei).
Do Envio de Cartão de Crédito Sem Solicitação:
65. Em relação a emissão de cartão de crédito, sem a devida solicitação pelo
consumidor, a jurisprudência é firme no sentido de que gera dano moral indenizável,
in verbis:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO (ART. 544 DO CPC)- AÇÃO
INDENIZATÓRIA
-
DECISÃO
MONOCRÁTICA
QUE
DEU
PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL - INSURGÊNCIA DA
INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. 1. O envio de cartão de crédito sem
solicitação prévia configura prática comercial abusiva, dando
ensejo à responsabilização civil por dano moral. Precedentes. 2. A
ausência de inscrição do nome do consumidor em cadastro de
inadimplentes não afasta a responsabilidade do fornecedor de
produtos e serviços, porque o dano, nessa hipótese, é presumido. 3.
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Restabelecido o quantum indenizatório fixado na sentença, por
mostrar-se adequado e conforme os parâmetros estabelecidos pelo
STJ para casos semelhantes. 4. Agravo regimental desprovido. (STJ,
AgRg no Agravo em Recurso Especial nº 275.047-RJ, Relator
Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgamento em 22/4/2014)
(Grifei)
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE
INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO - ENVIO DE
CARTÃO
DE
CRÉDITO
NÃO
SOLICITADO
-
PRÁTICA
ABUSIVA - SÚMULA 532 DO STJ - COBRANÇA DE ANUIDADE
- CARTÃO NÃO DESBLOQUEADO - IMPOSSIBILIDADE - DANO
MORAL
CONFIGURADO
-
QUANTUM
INDENIZATÓRIO
-
RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. O envio de cartão de
crédito sem prévia e expressa solicitação do consumidor constitui
prática comercial abusiva, configurando-se ato ilícito indenizável e
sujeito à aplicação de multa administrativa (Súmula 532 do STJ). É
indevida a cobrança de anuidade de cartão de crédito não solicitado
e não desbloqueado. Os incômodos sofridos pelo consumidor na
tentativa de resolver problemas advindos do envio de cartão de
crédito
não
solicitado
configuram
dano
moral
passível
de
reparação . A indenização por dano moral deve ser arbitrada
segundo o prudente arbítrio do julgador, sempre com moderação,
observando-se as peculiaridades do caso concreto e os princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade, de modo que o quantum
arbitrado se preste a atender ao caráter punitivo da medida e de
recomposição dos prejuízos, sem importar, contudo, enriquecimento
sem causa da vítima. (TJ-MG - AC: 10000205692627001 MG,
Relator.:
José
de
Carvalho
Barbosa,
Data
de
Julgamento:
20/05/2021, Câmaras Cíveis / 13ª CÂMARA CÍVEL, Data de
Publicação: 21/05/2021) (Grifei)
66. A jurisprudência e a doutrina orientam que o valor da indenização por danos morais
deve cumprir uma função dupla: reparatória, para atenuar os efeitos do abalo
sofrido pela vítima, e pedagógica/punitiva, para desestimular a reincidência da
conduta ilícita por parte do ofensor. Contudo, a quantia não deve ser excessiva a
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ponto de representar enriquecimento sem causa, nem irrisória a ponto de banalizar
o instituto.
67. A propósito, confira-se lição do mestre Sergio Cavalieri Filho:
Creio que na fixação do 'quantum debeatur' da indenização,
mormente tratando-se de lucro cessante e dano moral, deve o juiz ter
em mente o princípio de que o dano não pode ser fonte de lucro. A
indenização, não há dúvida, deve ser suficiente para reparar o dano,
o mais completamente possível, e nada mais. Qualquer quantia a
maior importará enriquecimento sem causa, ensejador de novo dano.
Creio, também, que este é outro ponto onde o princípio da lógica do
razoável deve ser a bússola norteadora do julgador. Razoável é
aquilo que é sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa
proporcionalidade. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral,
deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente
arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a
intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a
capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do
ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes. (in
Programa de responsabilidade civil - 10. ed. - São Paulo: Atlas, 2012,
p. 105).
68. Na fixação da indenização por danos morais, recomendável que o arbitramento seja
feito com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico
dos autores, e, ainda, ao porte da empresa recorrida. (RSTJ 112/216 e STJ-RF
355/201).
69. A indenização deve ter conteúdo didático, de modo a coibir reincidência do
causador do dano sem enriquecer injustamente a vítima. (STJ-3ª T., REsp
831.584-AgRg-EDcl, Min. Gomes de Barros, j. 24.8.06, DJU 11.9.06). (in Código
Civil e legislação civil em vigor/Theotonio Negrão, José Roberto F. Gouvêa, Luis
Guilherme Aidar Bondioli - 30. ed. - São Paulo: Saraiva, 2011, p. 109).
70. In casu, atento aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, levando em
conta especialmente a condição econômica do banco réu, tenho por suficiente,
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tanto para reparar a dor moral sofrida pelo autor quanto para atender ao caráter
punitivo-pedagógico da condenação, a fixação do quantum indenizatório no importe
de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), valor que reputo condizente com as
peculiaridades do caso, ficando estabelecido que sobre tal valor incidirão juros
moratórios de 1% ao mês, desde a citação, e correção monetária a partir do
arbitramento, consoante Súmula 362 do STJ.
III - Dispositivo:
71. Dessa forma, em face do exposto, com fundamento no inciso I, do artigo 487 do
Código de Processo Civil, julgo procedente a pretensão da parte autora,
extinguindo o processo com resolução de mérito para:
a) Declarar a inexistência do(s) contrato(s) de Cartão de Crédito na
modalidade Reserva de Margem Consignável - RMC, entre a autora
CLEUZA OLIVEIRA SILVA e a parte ré BANCO BMG SA, objeto(s)
desta lide, em face da não manifestação de vontade da parte autora na
celebração do negócio jurídico;
b) Declarar ilegítima a cobrança dos valores questionados na inicial,
bem como inexistentes os débitos impugnados, devendo os referidos
valores
descontados
em
sua
aposentadoria/contracheque
serem
restituídos em dobro, no valor de R$ 4.388,40 (quatro mil, trezentos e
oitenta e oito reais e quarenta centavos), a título de repetição de indébito,
devidamente corrigidos a juros de 1% (um por cento) ao mês (a partir
da citação art. 405 do CC c/c 240 do CPC) e correção monetária (a
partir do desembolso na forma do art. 389 do CC e Súm. 43 do
STJ) de acordo com a Tabela de Índices e Correção do Egrégio Tribunal
de Justiça do Estado de Roraima;
c) Considerando o caráter pedagógico da medida, condenar o banco
requerido ao pagamento da importância de R$15.000,00 (quinze mil
reais), a título de dano moral, acrescido de juros juros moratórios de 1%
ao mês, desde a citação, e correção monetária a partir do arbitramento,
consoante Súmula 362 do STJ;
d) A parte autora deverá devolver ao banco requerido todo e qualquer
valor que eventualmente tenha sido sacado na soma de totalizando
totalizando R$1.588,25 (mil quinhentos e oitenta e oito reais e vinte e
cinco centavos), a fim de evitar o enriquecimento sem causa, nos termos
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do artigo 884 do Código Civil, podendo ser compensado no
cumprimento de sentença, devidamente corrigidos a juros de 1% (um
por cento) ao mês (a partir da citação art. 405 do CC c/c 240 do
CPC) e correção monetária (a partir do desembolso na forma do
art. 389 do CC e Súm. 43 do STJ) de acordo com a Tabela de Índices
e Correção do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima;
e) Em razão da sucumbência, condenar o banco requerido ao
pagamento das custas processuais, na forma da lei, e demais despesas
processuais, bem como em honorários advocatícios, estes na ordem de
20 % (vinte por cento), nos termos do CPC: Artigo 85, § 2º, I, II, III e IV.
72. Certifique-se o cartório o trânsito em julgado desta decisão.
73. Na hipótese de apresentação de Embargos de Declaração por uma das partes,
intime-se a parte contrária, via sistema virtual, para apresentar as contrarrazões, no
prazo de 05 (cinco) dias, após retornem-me os autos conclusos para a decisão,
ficam as partes advertidas que em caso de ser protelatório será condenado em
multa processual, nos termos do artigo 1.026, § 2º, do Código de Processo Civil.
74. Havendo recurso da presente sentença, certifique-se acerca da tempestividade e
intime-se a parte contrária, via sistema Projudi, para apresentar suas contrarrazões,
no prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do artigo 1.010, §§ 1º, 2º e 3º, do Código
de Processo Civil, e após remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça
Estadual.
75. Não havendo recurso, intime-se para o pagamento voluntário das custas
processuais, no prazo de 15 (quinze) dias.
76. Com o pagamento das custas processuais finais, dê-se baixa e arquive-se. Na
hipótese de não pagamento das custas finais, encaminhe ao Departamento de
Planejamento e Finanças - Seção de Arrecadação FUNDEJURR do Tribunal de
Justiça. na forma da Portaria Conjunta de nº. 10, de 09 de agosto de 2019,
publicada no DJE de 12 de agosto de 2019.
77. Em caso de não pagamento das custas processuais, no prazo determinado, deverá
ser realizado o protesto, na forma do art. 2º da mesma Portaria.
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78. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se.
Boa Vista (RR), data constante do sistema.
Jarbas Lacerda de Miranda
Juiz de Direito Titular da 4ª Vara Cível
(assinado digitalmente)
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