Processo nº 1000906-56.2025.8.11.0020
ID: 326667704
Tribunal: TJMT
Órgão: Quarta Câmara Criminal
Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO
Nº Processo: 1000906-56.2025.8.11.0020
Data de Disponibilização:
16/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LUZIA ANNE DOS SANTOS
OAB/GO XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1000906-56.2025.8.11.0020 Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Assunto: [Decorrente de Violência Doméstica] Relator: De…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1000906-56.2025.8.11.0020 Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Assunto: [Decorrente de Violência Doméstica] Relator: Des(a). JUVENAL PEREIRA DA SILVA Turma Julgadora: [DES(A). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, DES(A). HELIO NISHIYAMA, DES(A). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO] Parte(s): [POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0029-45 (RECORRENTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (RECORRENTE), VANUSMAR ALVES ROCHA - CPF: 701.927.861-21 (RECORRIDO), LUZIA ANNE DOS SANTOS - CPF: 948.104.271-53 (ADVOGADO), ROBERSON SIQUEIRA DE MELO - CPF: 992.247.200-72 (ADVOGADO), RENATO DE OLIVEIRA REZENDE - CPF: 005.228.101-95 (TERCEIRO INTERESSADO), HELLEN CRISTINA FAJARDO PEREIRA - CPF: 050.552.821-50 (VÍTIMA), MARCOS ALVES ROCHA - CPF: 701.927.921-05 (ASSISTENTE)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE DEU PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. E M E N T A DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. INSURGÊNCIA MINISTERIAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÃO CORPORAL PRATICADA CONTRA MULHER POR MOTIVO DE GÊNERO. PRISÃO PREVENTIVA. MEDIDAS CAUTELARES INSUFICIENTES. RISCO CONCRETO À VÍTIMA. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público contra decisão que concedeu liberdade provisória, com imposição de medidas cautelares diversas da prisão, a acusado preso em flagrante por suposta prática do crime de lesão corporal no contexto de violência doméstica (art. 129, §13, do Código Penal). O recorrente pleiteia a decretação da prisão preventiva, sustentando que a medida é necessária para garantir a ordem pública e a integridade da vítima. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em verificar se estão presentes os requisitos legais que justifiquem a decretação da prisão preventiva, ante a alegação de risco concreto à integridade da vítima e à ordem pública. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A materialidade e os indícios de autoria estão demonstrados pelos elementos constantes do inquérito policial, incluindo auto de prisão em flagrante, boletim de ocorrência, exame de corpo de delito e testemunhos. 4. O acusado agiu em surto psicótico, após uso de substância entorpecente, agredindo sua companheira com extrema violência, inclusive na presença de crianças, o que evidencia sua periculosidade concreta. 5. Há registro anterior de ameaça à mesma vítima com uso de arma branca, o que indica reiteração delitiva e padrão de comportamento violento. 6. O argumento de que a vítima declinou de medidas protetivas não afasta o dever do Estado de protegê-la, sobretudo diante do risco concreto de nova agressão. 7. As medidas cautelares diversas da prisão revelam-se insuficientes diante do histórico de agressões e da gravidade concreta dos fatos. 8. A dependência química do acusado e a possibilidade de surto psicótico não configuram causa de inimputabilidade nem afastam a necessidade de custódia cautelar. 9. A realização de exame psiquiátrico pode ser compatibilizada com a segregação provisória em estabelecimento prisional. IV. DISPOSITIVO E TESE 10. Recurso provido. Tese de julgamento: 1. A presença de indícios de autoria e materialidade, associada à reiteração de condutas violentas contra a mesma vítima, justifica a prisão preventiva para garantia da ordem pública e proteção da vítima. 2. A recusa da vítima em requerer medidas protetivas não impede a decretação da prisão cautelar quando presentes elementos objetivos de risco. 3. O uso voluntário de substância entorpecente, ainda que ocasione surtos psicóticos, não exclui a imputabilidade e pode reforçar a periculosidade do agente. 4. A prisão preventiva é compatível com a realização de perícia psiquiátrica, quando necessária à verificação de eventual transtorno mental. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LVII; CPP, arts. 312, 313, 319, 321, 326, 149; CP, art. 129, §13; Lei 11.340/2006, arts. 18, §1º, e 22. Jurisprudência relevante citada: TJMT, N.U 1004036-17.2025.8.11.0000; TJMT, N.U 1024753-84.2024.8.11.0000; TJMT, N.U 1036252-65.2024.8.11.0000; Enunciados Orientativos n. 6 e n. 43 das Câmaras Criminais Reunidas do TJMT; Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero (CNJ/2021). R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO contra decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Alto Araguaia, que concedeu liberdade provisória a VANUSMAR ALVES ROCHA, preso em flagrante pela suposta prática do crime de lesão corporal no contexto de violência doméstica e familiar (art. 129, §13, do Código Penal) - (Id. 290694868). Após a prisão em flagrante, o Ministério Público requereu a homologação do auto de prisão em flagrante e a decretação da prisão preventiva do recorrido, como medida necessária para garantir a ordem pública e a integridade física e psicológica da vítima. O Juízo a quo, embora tenha homologado o auto de prisão em flagrante, concedeu liberdade provisória ao recorrido com imposição de medidas cautelares diversas da prisão. Irresignado com a decisão, nas razões recursais o órgão recorrente pleiteia reforma da decisão para que seja decretada a prisão preventiva do recorrido (Id. 290694887). Em contrarrazões, a defesa pugna pelo desprovimento do apelo de modo a ser mantida a decisão do juízo monocrático (Id. 290694895). O parecer da Procuradoria-Geral de Justiça é pelo provimento do recurso (Id. 294074386) conforme entendimento assim sumariado: “RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - LESÃO CORPORAL PRATICADA CONTRA A MULHER, POR RAZÕES DA CONDIÇÃO DO SEXO FEMININO (ARTIGO 129, §13, DO CÓDIGO PENAL) - CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA - INSURGÊNCIA MINISTERIAL - PRETENSÃO DE REFORMA PARA DECRETAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA. Acolhimento. Materialidade e indícios de autoria - Preenchimento dos requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal, o que autoriza o decreto prisional – Necessidade de garantia da higidez física e psíquica da vítima, a despeito da ausência de pleito de concessão de medidas protetivas de urgência - Ineficácia das medidas cautelares diversas da prisão, no caso vertente – Viabilidade de aferição de quadro clínico/psíquico em estabelecimento prisional. Parecer pelo provimento do recurso”. É o relatório. V O T O R E L A T O R O recurso merece conhecimento, uma vez que presentes os pressupostos de admissibilidade, notadamente quanto à adequação e tempestividade, conforme dispõe o artigo 581, inciso V, do Código de Processo Penal. Conforme relatado, trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público contra decisão que concedeu liberdade provisória a Vanusmar Alves Rocha, preso em flagrante pela prática, em tese, do crime de lesão corporal no contexto de violência doméstica e familiar (art. 129, §13, do Código Penal). Consta dos autos que, no dia 05 de maio de 2025, por volta das 22h05min, na cidade de Alto Araguaia/MT, o recorrido, em estado de surto após o uso de substância entorpecente (crack), agrediu fisicamente sua companheira Hellen Cristina Fajardo Pereira com socos, esganadura e golpes com arma branca (navalha), causando-lhe lesões corporais que exigiram sutura. Após a prisão em flagrante, o Ministério Público requereu a homologação do auto de prisão em flagrante e a decretação da prisão preventiva do recorrido, como medida necessária para garantir a ordem pública e a integridade física e psicológica da vítima. O Juízo a quo, embora tenha homologado o auto de prisão em flagrante, concedeu liberdade provisória ao recorrido com imposição de medidas cautelares diversas da prisão. Fundamentou sua decisão nos seguintes termos: No caso dos autos, denota-se que o indiciado foi detido em estado de flagrância pelo cometimento do crime tipificado no artigo 129, §13, do Código Penal. Conforme narrado nos autos, no dia 05 de maio de 2025, por volta das 22h05min, na Rua Doutor José Norbeck, nº 706, bairro Atlântico, Alto Araguaia/MT, o conduzido VANUSMAR ALVES ROCHA, em estado de surto, após uso de substância entorpecente, agrediu fisicamente sua companheira Hellen Cristina Fajardo Pereira, com socos, esganadura e golpes com objetos contundente e cortante, causando-lhe lesões corporais, que precisou de sutura. A vítima foi socorrida ao hospital municipal. A Polícia Militar foi acionada por vizinhos que ouviram gritos de socorro, tendo os policiais adentrado o imóvel mediante escalada e efetuado a prisão em flagrante do conduzido. A vítima Hellen relatou que seu companheiro, em surto psicótico após fazer uso de entorpecente, a acusou infundadamente de traição e, após a depoente trancar o portão com o intuito de impedi-lo de sair e usar mais droga, o flagrado passou a agredi-la fisicamente com soco e enforcamento, inclusive utilizando uma navalha, provocando-lhe um corte no braço esquerdo. A testemunha Marcos Alves Rocha, irmão do conduzido, confirmou o histórico de dependência química do acusado e a ocorrência de surto em decorrência do uso de entorpecente. Afirmou que as agressões à vítima eram frequentes, sendo que no dia dos fatos ele tentou intervir para proteger Hellen, mas também foi agredido. O policial militar Renato Oliveira Rezende relatou que, ao chegarem ao local, a vítima encontrava-se em estado de desespero e informou que Vanusmar estava em surto, havendo a necessidade de adentrar o imóvel para conter o agressor, o qual foi imobilizado e preso. Declarou ainda que a vítima apresentava um corte no braço e foi conduzida ao hospital para atendimento médico. Assim, o conjunto de elementos probatórios reunido nos autos, portanto, permite aferir fundadamente a presença de indícios de autoria e de materialidade do delito de lesão corporal. Contudo, apreciando detidamente os autos, entendo não ser caso de decretação da prisão preventiva, eis que ausente os requisitos dispostos nos artigos 312 e 313, ambos do Código de Processo Penal. A prisão preventiva é medida de exceção, admitindo-se a sua decretação por decisão devidamente fundamentada e desde que presentes os requisitos que justifiquem a necessidade do cárcere, uma vez que, por ser uma prisão de natureza cautelar, só se sustenta se presentes os indícios mínimos de autoria e a materialidade delitiva, além dos requisitos ensejadores da medida, sob pena de afrontar o que dispõe o art. 5º, inciso LVII, da Constituição da República, ausentes tais requisitos, de rigor deverá a réu ser posto em liberdade, nos termos do artigo 321 do CPP. Apesar da presença da materialidade e dos indícios suficientes de autoria, pressupostos contidos no artigo 312 do Código de Processo Penal, não há no caso em tela, elementos que denotariam a prisão preventiva como sendo necessária à garantia da ordem pública, ordem econômica, para conveniência da instrução criminal ou até mesmo da aplicação da lei penal. No presente caso, conforme se verifica nos autos, bem como diante dos elementos colhidos no inquérito policial, que não há qualquer informação de que o flagranteado tenha realizado alguma conduta contrária à futura instrução criminal. Quanto à futura aplicação da lei penal, pelo menos por ora, não há nos autos informações de que o flagranteado tenha intenção de se furtar de uma futura execução de pena, porventura a ser aplicada. Ademais, no presente caso, verifica-se que o indiciado praticou delito lesão corporal em contexto de violência doméstica, em razão do surto psicótico decorrente do uso de entorpecentes, o que diante da baixa gravidade da conduta torna-se exacerbada a prisão preventiva visando à garantia da ordem pública, sendo suficiente e necessária no caso concreto à aplicação de medidas cautelares diversas da prisão. Insta observar que no depoimento da vítima, Sra. Hellen Cristina Fajardo Pereira, prestado perante a autoridade policial (ID 192866309), no qual expressamente afirmou não desejar a imposição de medida protetiva de urgência, nos moldes dos artigos 18, §1º e 22 da Lei 11.340/2006. A ausência de tal pleito revela que a vítima, apesar da ocorrência dos fatos, não nutre temor quanto à convivência futura com o custodiado, nem identifica situação de risco atual à sua integridade física ou psíquica. Tal circunstância tem alto valor probatório para a análise do requisito de “garantia da ordem pública” previsto no art. 312 do CPP, indicando que a soltura do réu não representa ameaça concreta à vítima ou à coletividade. É consabido que a palavra da vítima deve ser respeitada, mas também interpretada em sua completude: ao declinar de proteção judicial, sinaliza que, sob sua ótica subjetiva, o risco cessou ou era episódico. Embora a omissão da vítima não afaste o poder-dever do Estado de intervir, quando necessário, seu conteúdo é elemento a ser considerado na proporcionalidade da resposta penal. Em consulta aos antecedentes criminais nos sistemas do Tribunal de Justiça, verifica-se que o indiciado não possui qualquer passagem criminal, entendo não resta demonstrado qualquer elemento concreto que eles possam vir a cometer novos delitos. (...) Nesse contexto, mostra-se suficiente e proporcional a substituição da prisão por medidas cautelares diversas, previstas no art. 319 do CPP. A adoção de tais medidas permitirá garantir a proteção da vítima e o acompanhamento do processo, sem submeter o autuado a encarceramento desnecessário. Desta feita, levando em conta a situação econômica do indiciado e, considerando a natureza da infração, as condições pessoais de fortuna, a vida pregressa do indiciado e as circunstâncias indicativas de sua periculosidade e, diante do princípio da razoabilidade que rege o nosso sistema processual penal, nos termos no artigo 326 do Código de Processo Penal, entendo que no caso em questão pela liberdade provisória com a fiança, cumulada com aplicação de medidas cautelares diversas da prisão se mostram adequadas. Contudo, a peculiaridade mais relevante dos autos reside na dimensão clínica do comportamento do flagranteado, pois a vítima e o irmão do flagrado narraram que o réu possui frequentemente surtos psicóticos após uso de entorpecentes. O relatório histórico de surtos psicóticos e visões delirantes após o uso de substância entorpecente, como crack, sugere a possibilidade de quadro patológico mais complexo, com repercussões na sua imputabilidade penal. Diante da presença de indícios de que o autuado pode estar acometido de transtorno mental ou apresentar comorbidade com dependência química, torna-se imprescindível a realização de avaliação médica psiquiátrica, com fundamento no art. 149 do CPP, para averiguar sua condição mental. A urgência da medida decorre do fato de que, segundo o próprio irmão do custodiado e a vítima, os surtos são frequentes e o autuado já representou perigo à integridade de familiares em ocasiões anteriores. (...)” - Destacamos Irresignado, o Ministério Público interpôs o presente recurso em sentido estrito, sustentando, em síntese, que os fatos narrados nos autos são de extrema gravidade, evidenciando a periculosidade concreta do agente. Alega que não se trata de um episódio isolado, pois há comprovação de que o recorrido já foi formalmente denunciado no processo nº 5266577-35.2023.8.09.0105, que tramita no Estado de Goiás, por crime de ameaça, tendo utilizado arma branca contra a mesma vítima. Argumenta que a reiteração delitiva demonstra risco concreto à integridade física da ofendida. Aduz, ainda, que o fato de o recorrido ser usuário de drogas ou estar em suposto "surto" apenas reforça sua periculosidade, ressaltando que o uso voluntário de substância entorpecente não constitui excludente de ilicitude ou causa de inimputabilidade. Por fim, afirma que estão presentes todos os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva. Assim, a controvérsia reside na necessidade ou não da prisão preventiva do recorrido, tendo o Parquet sustentado que estão presentes os requisitos legais para a decretação da medida constritiva de liberdade. Pois bem, após detida análise dos elementos constantes dos autos, concluo que razão assiste ao Ministério Público, sendo imperativa a reforma da decisão recorrida. Com efeito, a materialidade delitiva e os indícios suficientes de autoria restaram indubitavelmente demonstrados pelos elementos probatórios carreados ao inquérito policial, notadamente pelo Auto de Prisão em Flagrante (Id. 290694431), Boletim de Ocorrência (Id. 290694433), Exame de Corpo de Delito (Id. 290694430) além dos sinais visíveis de lesão na vítima, que foi encaminhada ao hospital para atendimento médico, inclusive necessitando de sutura e depoimentos colhidos. O recorrido foi preso em flagrante delito após ter agredido fisicamente sua companheira com socos, esganadura e golpes com arma branca (navalha), causando-lhe lesões corporais, sendo que os policiais militares precisaram adentrar a residência mediante escalada para conter o agressor, que se encontrava em visível estado de agressividade, após trancar a residência e mantinha todos os ocupantes presos dentro da casa estavam, além da vítima, duas crianças (menores de 11 anos e filhos da vítima), o irmão do acusado, sua esposa e mais uma senhora. Verifico, assim, a presença dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, em especial a necessidade de garantia da ordem pública, diante da periculosidade concreta demonstrada pelo recorrido. Nesse ponto, entendo que o magistrado a quo equivocou-se ao concluir pela "baixa gravidade da conduta", considerando que as agressões perpetradas pelo recorrido foram de extrema violência, incluindo socos, esganadura e utilização de arma branca, que resultou em lesões que exigiram sutura, demonstrando evidente risco à integridade física e até mesmo à vida da vítima. Sem contar o risco à vida das crianças que moram na residência, que além de presenciarem tais agressões, não tem capacidade para se defender em caso de novo surto do recorrido. Ademais, conforme apontado pelo Ministério Público e confirmado pela documentação acostada aos autos, não se trata de um fato isolado, uma vez que o recorrido já foi formalmente denunciado no processo nº 5266577-35.2023.8.09.0105, em trâmite no Estado de Goiás, pelo crime de ameaça, também utilizando arma branca contra a mesma vítima, em contexto análogo de violência doméstica. Tal circunstância evidencia um padrão comportamental violento por parte do recorrido e caracteriza inequívoca reiteração delitiva, revelando risco concreto de que, uma vez em liberdade, possa voltar a agredir, tanto a ofendida, quanto seus filhos. Ressalte-se que o irmão do recorrido, Marcos Alves Rocha, ouvido no inquérito policial, confirmou que "as agressões à vítima eram frequentes", o que reforça a necessidade de decretação da prisão preventiva como medida de proteção à integridade física da ofendida. No que tange ao argumento de que a vítima expressamente declinou da imposição de medidas protetivas de urgência, entendo que tal circunstância não elide o poder-dever estatal de protegê-la, especialmente quando há evidências concretas de risco à sua integridade física. É cediço que, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, frequentemente as vítimas, por diversos motivos, incluindo dependência emocional, medo ou pressão psicológica, relutam em adotar medidas para sua própria proteção, o que não deve impedir a atuação protetiva do Estado. Nesse sentido, este Tribunal de Justiça já firmou entendimento no sentido de que a reiteração do cometimento de crimes contra a mesma vítima é indicativo concreto da necessidade da prisão cautelar para preservação da ordem pública, conforme precedente citado pelo Ministério Público (N.U 1004036-17.2025.8.11.0000). Importante destacar ainda, que alicerçado no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero n. 2021/CNJ, em que se firmou posicionamento de aumentar o espectro de proteção da mulher vítima em situação de violência doméstica e familiar, esta relatoria tem por praxe verificar, em cada caso concreto, eventuais necessidades específicas a serem adotadas em favor das vítimas vulneráveis, o que reforça, por ora a manutenção da segregação cautelar. Nessas condições, havendo indícios suficientes de autoria e materialidade delitiva, ainda, diante da probabilidade de reiteração por parte do réu, a prisão cautelar tem cabimento e justifica-se, primordialmente, para resguardar a ordem pública e, in casu, principalmente a integridade da vítima. A recalcitrância do agente na prática de violência doméstica, evidencia a insuficiência de medidas cautelares diversas da prisão. Além disso, conforme parecer ministerial, a gravidade concreta da conduta, caracterizada pela agressividade do recorrente e pelo risco iminente à sua integridade física e psicológica, reforça a necessidade da segregação cautelar. Dessa forma, a repetição de atos delitivos pelo paciente, especialmente aqueles mencionados pela vítima em seu depoimento policial que assume importância particular em crimes ocorridos no contexto doméstico, demonstra a gravidade e a agressividade do ofensor. Esse cenário evidencia a necessidade da prisão preventiva para garantir a ordem pública e proteger a integridade da mulher, vítima de violência doméstica, conforme entendimento deste Tribunal: “(...)1. Segregação cautelar alicerçada nos pressupostos da materialidade e indícios de autoria, garantia da ordem pública e para resguardar a integridade física e psíquica da vítima de violência doméstica e familiar (art. 312, do CPP). 2. Vítima de ciclo de violência doméstica e familiar perpetrada pelo paciente, prisão para garantir a execução das medidas protetivas de urgência, impossibilidade de concessão de liberdade ou mesmo a decretação de medidas cautelares menos severas (art. 313, III e 282, § 6º, ambos do CPP). 3. Enunciado Orientativo n. 43, da Turma de Câmaras Criminais Reunidas deste e. Sodalício: “As condições pessoais favoráveis não justificam a revogação, tampouco impedem a decretação da custódia cautelar, quando presente o periculum libertatis”. 4. Deve ser aplicado o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero 2021/CNJ, em que se firmou posicionamento de aumentar o espectro de proteção da mulher vítima em situação de violência doméstica e familiar em decisões do Poder Judiciário, visando a equidade de gênero no contexto social e adequação ao caso concreto para a proteção das vítimas em situação de vulnerabilidade. 5. Ordem denegada. (N.U 1024753-84.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO, Quarta Câmara Criminal, Julgado em 01/10/2024, Publicado no DJE 04/10/2024) Ainda acerca da manutenção da prisão provisória para evitar a reiteração delitiva, a Turma de Câmaras Criminais Reunidas deste Tribunal de Justiça aprovou o Enunciado Orientativo n.6, com a seguinte redação: “O risco de reiteração delitiva, fator concreto que justifica a manutenção da custódia cautelar para a garantia da ordem pública, pode ser deduzido da existência de inquéritos policiais e de ações penais por infrações dolosas em curso, sem qualquer afronta ao princípio da presunção de inocência.” Diante do histórico do recorrido e da escalada da violência praticada contra a vítima, torna-se evidente que a sua liberdade representa risco efetivo à ordem pública e à integridade da ofendida e familiares. Sendo assim, neste momento, faz-se essencial resguardar a segurança da vítima para assegurar sua integridade física e psicológica, considerando que o paciente pode vir a ter novos surtos e cometer novos crimes contra ela, especialmente porque a própria vítima afirmou já ter sido agredida em outras ocasiões. Nesse sentido, vejamos o entendimento jurisprudencial deste Tribunal: DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. AMEAÇA E LESÃO CORPORAL. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. NECESSIDADE DE PROTEÇÃO À VÍTIMA. REITERAÇÃO DELITIVA. IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO POR MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. ORDEM DENEGADA. I. Caso em exame Habeas corpus impetrado em favor (...), preso preventivamente por crimes de ameaça e lesão corporal praticados em contexto de violência doméstica. Alega-se ausência de fundamentação idônea para a segregação, condições pessoais favoráveis do paciente e a possibilidade de aplicação de medidas cautelares diversas da prisão. II. Questão em discussão A questão consiste em avaliar a legalidade da prisão preventiva, considerando os fundamentos da decisão de primeiro grau e a alegação de constrangimento ilegal. III. Razões de decidir A prisão preventiva encontra-se adequadamente fundamentada na garantia da ordem pública, considerando a existência de outros registros criminais e o histórico de agressões do paciente contra a vítima. As circunstâncias do caso evidenciam a necessidade de proteção à vítima, especialmente pelo relato de agressões físicas e psicológicas reiteradas. A retratação posterior da vítima não é suficiente para afastar os indícios de materialidade e autoria, corroborados por declarações dos policiais que atenderam a ocorrência. A existência de registros criminais anteriores, inclusive contra a própria vítima, legitima a necessidade da custódia cautelar. Medidas cautelares alternativas à prisão revelam-se insuficientes para resguardar a ordem pública diante do contexto dos autos. IV. Dispositivo e tese: Ordem de habeas corpus denegada. Tese de julgamento: "Não há ilegalidade na prisão preventiva justificada na reiteração delitiva do paciente e na necessidade de proteção à vítima de violência doméstica e familiar, descabendo a substituição por medidas cautelares alternativas." (N.U 1036252-65.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 04/02/2025, Publicado no DJE 07/02/2025) Destaquei. Deste modo, as medidas cautelares alternativas à prisão preventiva previstas no art. 319 do CPP, não se revelam devidamente adequadas e proporcionais à situação do presente caso, evidenciando a necessidade da custódia cautelar como única medida apta a interromper o ciclo de violência e garantir a efetividade da proteção concedida à vítima, mormente quando justificada a necessidade para garantia da ordem pública ante a propensão do recorrido em perpetuar o ilícito penal. Igualmente, o argumento de que o recorrido seria usuário de drogas e estaria em surto psicótico no momento do crime, longe de favorecer sua soltura, apenas reforça sua periculosidade, descontrole e o risco de reiteração delitiva. Como bem salientado pelo órgão ministerial, "o uso de substância entorpecente não constitui, por si só, excludente de ilicitude ou causa de inimputabilidade, sobretudo quando inexistente qualquer laudo técnico que aponte transtorno mental que afaste o discernimento do agente". De fato, o consumo voluntário de drogas, conforme relatado nos autos, potencializa a periculosidade do indivíduo e amplia o risco de reiteração criminosa, especialmente no ambiente doméstico, onde a vítima encontra-se em situação de vulnerabilidade. Quanto à necessidade de avaliação médica psiquiátrica determinada pelo juízo a quo, destaco que tal providência pode ser perfeitamente cumprida com o recorrido custodiado em estabelecimento prisional, não havendo, portanto, incompatibilidade entre a segregação cautelar e a realização dos exames médicos necessários para aferir eventual imputabilidade ou semi-imputabilidade do agente. Por fim, constato que as medidas cautelares diversas da prisão impostas ao recorrido mostram-se inadequadas e insuficientes para garantir a ordem pública e a integridade física da vítima, sendo imperativa a decretação da prisão preventiva como medida proporcional e necessária ao caso concreto. Com essas considerações, em consonância com o parecer ministerial, DOU PROVIMENTO ao recurso para decretar a prisão preventiva de VANUSMAR ALVES ROCHA, determinando a expedição do respectivo mandado de prisão. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 08/07/2025
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