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Processo nº 1009995-66.2025.8.11.0000

ID: 293428149

Tribunal: TJMT Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº Processo: 1009995-66.2025.8.11.0000

Data de Disponibilização: 09/06/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

JFS - CONSTRUCOES CIVIS LTDA - ME

Acórdão

Advogados:

FABIO NUNES NEVES DE ARAUJO

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1009995-66.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Dissolução, Honorários Periciais, Obrig… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1009995-66.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Dissolução, Honorários Periciais, Obrigação de Fazer / Não Fazer] Relator: Des(a). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES Turma Julgadora: [DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, DES(A). DIRCEU DOS SANTOS] Parte(s): [RICARDO VIDAL - CPF: 266.213.041-53 (ADVOGADO), CONSTRUTORA VC LTDA - ME - CNPJ: 05.799.913/0001-33 (AGRAVANTE), ESPÓLIO DE VICENTE CALABRIA registrado(a) civilmente como VICENTE CALABRIA - CPF: 156.755.211-00 (AGRAVANTE), JFS - CONSTRUCOES CIVIS LTDA - ME - CNPJ: 03.890.771/0001-90 (AGRAVADO), CRISTIANE MONTEIRO VIDAL - CPF: 003.080.941-07 (ADVOGADO), FABIO NUNES NEVES DE ARAUJO - CPF: 673.184.521-34 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS C/C PEDIDO DE DISSOLUÇÃO E EXTINÇÃO DE PARCERIA INFORMAL DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, DIVISÃO DE BENS E APURAÇÃO DE HAVERES – PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL A FIM DE APURAR A PARCERIA MANTIDA ENTRE AS PARTES – FIXAÇÃO DOS HONORÁRIOS PERICIAIS – REDUÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – DECISÃO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. Com base no princípio da razoabilidade, considerando-se o grau de dificuldade e complexidade do trabalho realizado pelo perito, tem-se que o montante arbitrado na origem se afigura razoável e condizente com a qualidade técnica do trabalho realizado pelo expert. TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1009995-66.2025.8.11.0000 AGRAVANTES: CONSTRUTORA VC LTDA – ME e outro AGRAVADA: JFS - CONSTRUÇÕES CIVIS LTDA - ME R E L A T Ó R I O EXMA. SRA. DESA. ANTÔNIA SIQUEIRA GONÇALVES (RELATORA) Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de agravo de instrumento, com pedido de tutela recursal, interposto pela CONSTRUTORA VC LTDA – ME e outro, contra decisão proferida pela MMª. Juíza de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá/MT, Dra. Ana Paula da Veiga Carlota Miranda, lançada nos autos do Cumprimento de Sentença em Ação de Prestação de Contas c/c Pedido de Dissolução e Extinção de Parceria Informal de Obrigação de Fazer, Divisão de Bens e Apuração de Haveres nº. 0032310-41.2009.8.11.0041, ajuizado pela JFS - CONSTRUÇÕES CIVIS LTDA - ME, que reduziu o valor dos honorários periciais para R$70.000,00 (setenta mil reais), ante a impugnação de ambas as partes à proposta primária de R$89.980,00 (oitenta e nove mil, novecentos e oitenta reais). Em suas razões recursais, os agravantes apontam que “Analisando a decisão agravada, nota-se que a MMª. Juíza a quo homologou o valor da prova pericial em R$ 70.000,00 (setenta mil reais), determinando o seu pagamento no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de PRECLUSÃO DA PROVA. Assim, nota-se que a parte corre risco de ter a prova pericial indeferida, prova essencial para a resolução da controvérsia, caso não efetue o pagamento no prazo determinado pela MMª. Juíza a quo” (sic). Sustentam que “De acordo com a decisão acima, nota-se que a MMª. Juíza a quo, ao fixar os honorários periciais em R$ 70.000,00 (setenta mil reais), o fez em desacordo com o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, conforme abaixo demonstrado. Analisando os autos nº 0032310-41.2009.8.11.0041, em tramite perante a 3ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá, nota-se que Ação versa a respeito de dissolução de uma parceria firmada no período de abril de 2003 e encerrada em outubro de 2007, ou seja, pelo período curto de 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses, tendo sido firmado durante a parceria apenas e tão somente 12 (doze) contratos. Assim, nota-se que a pericia contábil a ser prestada não é complexa e nem há tantos documentos a serem analisados, tendo em vista o curto período da existência da parceria, objeto de dissolução. Sendo necessário salientar, que nos autos há uma repetição de documentos juntados pela parte Agravada” (sic). Destacam que “Como acima demonstrado, o caso em questão versa a respeito de uma Dissolução de Sociedade, a qual durou por um curto espaço de tempo, 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses, não havendo, portanto, complexidade alguma na matéria, visto que a perícia técnica se restringe a analise de documentos juntados aos autos, sem necessidade de qualquer deslocamento do perito ou realização de diligências externas, sendo o serviço prestado no próprio ambiente de trabalho do perito. Dessa forma, ao fixar os honorários periciais no montante de R$ 70.000,00 (setenta mil reais), o que corresponde a quase 100 (cem) vezes o valor fixado pelo Conselho Nacional de Justiça, a MMª Juíza o fez em total desacordo com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, fato este que inclusive obsta de forma excessiva o direito de defesa da parte Agravante, visto que não tem condições de arcar com um valor tão elevado, ainda mais pelo fato de que a empresa Agravante encontra-se inativa, patrimônio da parceria provavelmente encontra-se sucateado e o patrimônio do Espólio não está auferindo rendimentos. Pleiteando, desde já, pela redução do valor” (sic). Alegam que “em caso análogos aos autos, perícia contábil em ações de dissolução de sociedade, os honorários periciais vem sendo fixados no patamar de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) [...]” (sic). Dizem que “caso mais complexo do que a dos autos, onde a pericia contábil realizada analisou documentos correspondentes ao período de 20 (vinte anos), no qual foi fixado o valor da prova pericial em R$ 15.400,00 (quinze mil e quatrocentos reais)” (sic). Expõem que “o valor homologado no caso em questão de R$ 70.000,00 (setenta mil reais) para a realização da pericia contábil, a qual analisará documentos relativos ao período de 04 (quatro anos) e 06 (seis) meses, fere totalmente o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade. Além disso, fere o direito de defesa das partes Agravantes, visto que caso não providenciem o depósito no prazo exíguo de 10 (dez) dias terão a prova, a qual é essencial para a solução do litígio, indeferida” (sic). Explanam que “A probabilidade do direito encontra-se devidamente demonstrada acima, visto que houve violação ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, estando o valor homologado pela MMª. Juíza a quo acima do patamar fixados em casos análogos, bem como não foram observado os requisitos para a fixação do valor, como o fato da questão não ser complexa, demandando apenas análise documental, sem necessidade de qualquer deslocamento do perito” (sic). Afirmam que “Quanto ao risco de dano grave, a decisão agravada poderá causar danos de difícil reparação aos Agravantes, visto que foi fixado o valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais) a título de honorários periciais, ficando a cargo dos Agravantes o montante de R$ 46.666,67 (quarenta e seis mil, seiscentos e sessenta e seis reais e sessenta e sete centavos), os quais caso não sejam depositados no prazo exíguo de 10 (dez) dias acarretará o comprometimento do direito de defesa, visto que a prova em questão é essencial à resolução da lide, e, essa será indeferida” (sic). Diante do que expuseram, pugnam, liminarmente, “[...] que seja deferido o efeito suspensivo ao presente agravo, a fim de suspender a decisão agravada que determinou o pagamento dos honorários periciais no prazo de 10 (dez) dias” (sic). No mérito, pleiteiam “que o presente recurso seja conhecido e provido, reformada a decisão ora combatida, reduzindo o valor da prova pericial para R$ 20.000,00 (vinte mil reais), valor este que foi aplicado em caso análogo aos autos” (sic). A tutela recursal almejada foi indeferida por esta Relatora, em 04/04/2025, conforme decisão de Id. 279486880. Contraminuta ofertada no Id. 282227857, concordando com as razões do agravo de instrumento e requerendo a redução do quantum fixado em honorários periciais. Preparo recursal recolhido, conforme comprovante acostado em Id. 278661850. É o relatório. VOTO EXMA. SRA. DESA. ANTÔNIA SIQUEIRA GONÇALVES (RELATORA) Egrégia Câmara: Cinge a controvérsia recursal em aferir o acerto ou não da decisão interlocutória que reduziu o valor dos honorários periciais para R$70.000,00 (setenta mil reais), ante a impugnação de ambas as partes à proposta primária de R$89.980,00 (oitenta e nove mil, novecentos e oitenta reais). Eis o teor do decisum, no ponto de interesse: “Vistos. JFS CONSTRUÇÕES CIVIS LTDA requereu o deferimento do benefício da gratuidade de justiça para o custeio de honorários periciais, bem como impugnou o valor dos honorários periciais apresentados pelo perito judicial. No que tange ao pedido de concessão da gratuidade de justiça, cumpre salientar que, nos termos do artigo 98 do Código de Processo Civil, a pessoa jurídica pode ser beneficiária da justiça gratuita desde que comprove a impossibilidade de arcar com as despesas processuais sem comprometer sua subsistência. No presente caso, a parte requerente não demonstrou de forma satisfatória a alegada hipossuficiência financeira. A mera alegação de que se encontra inativa e a juntada de documentos genéricos não são suficientes para comprovar a insuficiência de recursos financeiros de forma concreta e efetiva. Além disso, verificou-se que não há demonstração cabal de que o pagamento dos honorários periciais inviabilizaria a continuidade da empresa, tampouco foram apresentados balancetes ou demonstrações contábeis recentes que permitam a análise aprofundada da real situação econômica da empresa. Diante do exposto, INDEFIRO o pedido de concessão do benefício da gratuidade de justiça à requerente. No que se refere à impugnação ao valor dos honorários periciais, verifica-se que a empresa perita REAL BRASIL CONSULTORIA LTDA apresentou proposta no valor de R$ 89.980,00 (oitenta e nove mil novecentos e oitenta reais), justificando tal quantia com base no tempo estimado para a realização dos trabalhos e no valor da hora técnica fixado pelo Conselho Federal de Economia. Todavia, a fixação dos honorários periciais deve observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, levando em consideração a complexidade da perícia e a capacidade financeira da parte responsável pelo pagamento. Dessa forma, considerando os elementos dos autos e a necessidade de evitar onerosidade excessiva, REDUZO o valor dos honorários periciais para R$ 70.000,00 (setenta mil reais), montante que se mostra adequado para remunerar condignamente o perito e assegurar a realização dos trabalhos periciais de forma eficiente. Intimem-se as partes para procederem ao depósito dos honorários periciais, na proporção de 1/3 a cada um dos demandados, no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de preclusão da prova pericial. Intimem-se. Cumpra-se.” (Id. 183320506 – autos de origem) Pois bem. É cediço que a fixação da verba deve observar, precipuamente, a complexidade do trabalho a ser desenvolvido, o grau de zelo e de especialização do profissional, o lugar e o tempo exigidos para a prestação do serviço e as peculiaridades regionais, nos termos do artigo 2º, incisos I a IV, da Resolução nº. 232/2016, do CNJ. Destaca-se, ainda, que os honorários periciais remuneram o trabalho do expert, cujo labor é de vital importância para o deslinde da demanda, vez que o Magistrado não possui conhecimento técnico necessário a melhor solução do feito. Assim, o perito deve confeccionar o laudo de maneira minuciosa, diligente e pormenorizada, expondo as razões as quais o fizeram concluir desta ou daquela maneira, respondendo, ainda, aos quesitos e dúvidas apresentadas pelas partes e pelo Juízo, em prestígio da decisão mais acertada possível. Dito isso, voltando os olhos ao caso em análise, verifica-se que o decisum não fugiu aos critérios legais, levando-se em consideração os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, não desprezando o trabalho a ser desenvolvido pelo i. perito, mas observando a complexidade da tarefa, a qualidade técnica exigida e o tempo para realização. Desta forma, o valor dos honorários periciais estão diretamente ligados às exigências da prova técnica a ser realizada, de modo que o valor fixado pela Magistrada a quo em R$70.000,00 (setenta mil reais), não se mostra excessivo. Há de se considerar, in casu, que o valor dos honorários periciais está diretamente ligado às exigências da prova técnica a ser realizada, de modo que o valor fixado pelo juízo em R$70.000,00 (setenta mil reais), a princípio, não se mostra excessivo, tendo em vista o valor da causa (R$500.000,00 – a ser verificado em liquidação de sentença) e sua complexidade, dado o vultoso acervo documental juntado na origem. Inclusive, necessário aqui constar que a complexidade da demanda restou demonstrada na petição de aceite (Id. 154684172 – Autos de origem), vejamos: “[...] 3) Em análise dos Autos, verifica-se que a prova pericial possui natureza contábil, objetivando análise da parceria mantida pelas partes, entre abril de 2003 e outubro de 2007, para tanto, são previstos os seguintes procedimentos: I. Leitura Técnica dos Autos visando a análise das determinações judiciais proferidas e levantamentos de documentação e informações para embasar os trabalhos periciais; II. Análise dos contratos e demais documentos que embasaram a parceria mantida pelas partes; III. Levantamento de documentos e informações relacionadas às RECEITAS obtidas no período; IV. Levantamento de documentos e informações relacionadas aos custos e despesas do período; V. Por fim, elaboração de Laudo Pericial, o qual apresentará os resultados obtidos em cada fase do trabalho, as conclusões alcançadas e as respostas aos quesitos formulados pelas Partes e pelo Juízo.” Também, há de se ressaltar que conforme o decisum objurgado, os honorários já foram reduzidos, haja vista que a proposta primária era de R$ 89.980,00 (oitenta e nove mil novecentos e oitenta reais). Neste sentido, esclarecida a relevância do trabalho do perito, e observando-se os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e o trabalho a ser desenvolvido por aquele, conclui-se que o valor fixado na decisão agravada não extrapolou os limites do razoável. A propósito, já decidi em caso análogo: “DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO INTERNO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA QUE INDEFERIU A TUTELA DE URGÊNCIA ALMEJADA PELA PARTE AGRAVANTE – PROVA TÉCNICA – IMPUGNAÇÃO AO VALOR APRESENTADO PELO EXPERT REJEITADO PELO JUÍZO A QUO – PEDIDO DE REDUÇÃO DOS HONORÁRIOS PERICIAIS – IMPOSSIBILIDADE – DECISÃO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. Nos termos do art. 300 do CPC, a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Com base no princípio da razoabilidade, o montante arbitrado na origem se afigura condizente com a qualidade técnica do trabalho realizado pelo expert.” (N.U 1003700-13.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 29/04/2025, Publicado no DJE 30/04/2025) (Negritei) AGRAVO DE INSTRUMENTO – IMPUGNAÇÃO AO VALOR DOS HONORÁRIOS PERICIAIS – COMPLEXIDADE DA PERÍCIA – PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE – DECISÃO MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME Agravo de instrumento interposto por instituição bancária contra decisão que indeferiu o pedido de redução dos honorários periciais, fixados no valor de R$ 4.400,00, em ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos materiais e morais. A decisão de origem manteve os honorários nos termos da proposta apresentada pelo perito judicial, fundamentando-se na complexidade da perícia a ser realizada. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) saber se o valor fixado a título de honorários periciais é excessivo diante da natureza da perícia a ser realizada; e (ii) saber se é possível a repartição do pagamento dos honorários entre as partes quando a perícia é requerida por ambas. III. RAZÕES DE DECIDIR O art. 95 do CPC estabelece que os honorários do perito devem ser adiantados pela parte que requereu a perícia ou rateados quando requerida por ambas as partes ou determinada de ofício. A fixação dos honorários periciais deve observar a complexidade da prova técnica, o grau de especialização exigido, o zelo profissional, o tempo e os meios necessários para sua realização, conforme art. 2º, incisos I a IV, da Resolução CNJ nº 232/2016. A perícia, voltada à análise de cálculos da conta PASEP da parte autora, exige conhecimento técnico específico e detalhado, não sendo possível considerar como de baixa complexidade. A ausência de impugnação concreta ao valor fixado, aliada à ausência de elementos que demonstrem desproporcionalidade, justifica a manutenção da decisão. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso conhecido e desprovido. Tese de julgamento: “1. A fixação dos honorários periciais deve observar os critérios de complexidade da prova, o tempo exigido e a qualificação do perito. 2. A impugnação ao valor fixado exige a demonstração concreta de desproporcionalidade. 3. A fixação do valor dos honorários insere-se na esfera discricionária do juiz, não cabendo sua revisão sem prova robusta de excesso.” Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 95 e 465; Resolução CNJ nº 232/2016, art. 2º, I a IV. Jurisprudência relevante citada: TJ-AM, AI 40101213120238040000, Rel. Des. Cláudio César Ramalheira Roessing, 1ª Câmara Cível, j. 13.08.2024; TJMT, AI 1036685-69.2024.8.11.0000, Rel. Des. Márcio Vidal, 5ª Câmara de Direito Privado, j. 11.03.2025.” (N.U 1035789-26.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DIRCEU DOS SANTOS, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 26/03/2025, Publicado no DJE 29/03/2025) (Destaquei) Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso, mantendo-se hígida a decisão proferida pela Magistrada de primeiro grau. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 04/06/2025

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Processo nº 1004153-60.2025.8.11.0015

ID: 278657398

Tribunal: TJMT Órgão: 4ª VARA CÍVEL DE SINOP Classe: RECUPERAçãO JUDICIAL Nº Processo: 1004153-60.2025.8.11.0015

Data de Disponibilização: 26/05/2025

Polo Ativo:

ADM DO BRASIL LTDA ALBAUGH AGRO BRASIL LTDA. ALGE AGRO INDUSTRIA E COMERCIO DE PRODUTOS AGROPECUARIOS LTDA - ME AURORE FERTILIZANTES LTDA BANCO ABC BRASIL S.A. BANCO CNH INDUSTRIAL CAPITAL S.A. BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. B.C.S ADMINISTRACAO JUDICIAL CONSULTORIA EMPRESARIAL E PERICIAS LTDA CAIXA ECONOMICA FEDERAL CAIXA ECONÔMICA FEDERAL CCAB AGRO S.A. CJ INTERNATIONAL ASIA PTE. LTD. CJ INTERNATIONAL BRASIL COMERCIAL AGRICOLA LTDA. DANIEL BRAJAL VEIGA DIPAGRO LTDA FENIX AGRO-PECUS INDUSTRIAL LTDA FMC QUIMICA DO BRASIL LTDA. HANDRIGO MARTINS LAVORO AGROCOMERCIAL S.A. MAURICIO BALDIN MARTINS PIONEIRA INSUMOS AGRICOLAS LTDA SILVANIA GARCIA MIRANDA MARTINS SINAGRO PRODUTOS AGROPECUÁRIOS S.A SYNGENTA PROTEÇÃO DE CULTIVOS LTDA

Polo Passivo:

Decisão

Advogados:

FERNANDO DENIS MARTINS REGISTRADO(A) CIVILMENTE COMO FERNANDO DENIS MARTINS

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GABRIEL ANTONIO HENKE NEIVA DE LIMA FILHO

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RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA

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TIAGO GODOY ZANICOTTI

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MELQUISEDEC JOSE ROLDAO

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LUANA LAYS PIRES DE ANDRADE

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AURO MENDES DE ANDRADE

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ROGERIO AUGUSTO DA SILVA

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ARNALDO DOS REIS FILHO

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GUILHERME FERNANDES GARDELIN

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CARLOS EDUARDO BELLOTTI DE REZENDE

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

FERNANDO HACKMANN RODRIGUES REGISTRADO(A) CIVILMENTE COMO FERNANDO HACKMANN RODRIGUES

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OTAVIO SILVA MAGELA

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CELSO UMBERTO LUCHESI

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NOELI IVANI ALBERTI

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RANNIER FELIPE CAMILO

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JUSCILENE VIEIRA DE SOUZA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

BRUNO CARVALHO DE SOUZA

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PEDRO CONDE ELIAS VICENTINI

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DANIEL BRAJAL VEIGA

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JOSE ERCILIO DE OLIVEIRA

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ADAUTO DO NASCIMENTO KANEYUKI

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ARLEY GOMES GONCALVES

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ADRIANA STIEVEN PINHO BEDIN

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AMAURI CESAR DE OLIVEIRA JUNIOR

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BRUNA TONIN SANTOS

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MARIA CECILIA CESAR MARTINGO

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 4ª VARA CÍVEL DE SINOP DECISÃO Processo: 1004153-60.2025.8.11.0015. AUTOR: MAURICIO BALDIN MARTINS, SILVANIA GARCIA MIRANDA MARTINS, HANDRIGO MARTINS REPRESENTA… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 4ª VARA CÍVEL DE SINOP DECISÃO Processo: 1004153-60.2025.8.11.0015. AUTOR: MAURICIO BALDIN MARTINS, SILVANIA GARCIA MIRANDA MARTINS, HANDRIGO MARTINS REPRESENTADO: TRIBUNAL DE JUSTICA DO ESTADO DE MATO GROSSO 1. DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DO ID. 190346014: Os Embargos de Declaração acima referidos, opostos pelos recuperandos contra a decisão de id. 189355401, não merecem acolhimento, uma vez que inexiste contradição, nos termos apontados pelos embargantes. A decisão embargada analisou expressamente o pedido de suspensão das inscrições nos cartórios de protesto e nos órgãos de proteção ao crédito, bem como a proibição de novos registros negativos durante o período de blindagem legal, e o indeferiu, de forma fundamentada, sob o argumento de que o deferimento do processamento da recuperação judicial não afeta o direito material dos credores, razão pela qual tais restrições cadastrais não são abarcadas pela blindagem prevista no art. 6º, §4º, da Lei 11.101/05. Ressalte-se que os Embargos de Declaração possuem função específica e restrita à correção de vícios formais na decisão embargada, conforme prevê o art. 1.022 do CPC. No caso, contudo, os embargantes, sob o pretexto de apontar contradição, buscam, na realidade, a modificação do conteúdo decisório, o que extrapola os limites desse recurso. Aliás, eventual inconformismo deve ser veiculado pela via recursal adequada, não sendo admissível a utilização dos aclaratórios como sucedâneo recursal. Diante do exposto, rejeito os Embargos de Declaração, por não se verificar quaisquer dos vícios elencados no art. 1.022 do CPC. 2. DO PEDIDO DE MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS PERITO (ID. 190773599): A empresa responsável pela perícia de constatação prévia requer a majoração da remuneração arbitrada para a realização da constatação prévia, aduzindo que teve gastos que extrapolam o montante fixado. Considerando o fato de que houve complementação documental em quatro oportunidades, após o início dos trabalhos periciais (ids. 187719426, 188472012, 188635509 e 188635509), com necessidade de reanálise técnica pela equipe multidisciplinar, bem como as demandas logísticas envolvidas na realização da diligência in loco, majoro a remuneração fixada para os trabalhos de constatação prévia em R$ 10.000,00 (dez mil reais), devendo o valor ser pago em até 15 (quinze) dias. Desde já, defiro a expedição de alvará para levantamento dos valores depositados no id. 187019054, conforme dados bancários informados pela empresa perita. 3. DO PEDIDO DE ESSENCIALIDADE DE GRÃOS (ID. 191384982 A 191387111): Os recuperandos pleiteiam o reconhecimento da essencialidade dos grãos de soja vinculados às Cédulas de Produto Rural (CPRs) elencadas, sob o fundamento de que tais produtos constituem seu principal ativo de capital e são imprescindíveis à continuidade da atividade econômica desempenhada, motivo pelo qual requerem a vedação de atos expropriatórios incidentes sobre tais bens durante o período de suspensão previsto no art. 6º, § 4º, da Lei 11.101/05. Nos termos do artigo 49, § 3º, da Lei 11.101/2005, a proteção conferida aos bens essenciais à recuperação judicial destina-se àqueles bens de capital, que são imprescindíveis ao desenvolvimento da atividade empresarial, permitindo a continuidade produtiva. No ponto, é cediço que os grãos não se enquadram como bens de capital, haja vista que, segundo o entendimento hodierno do Colendo Superior Tribunal de Justiça, são considerados bens de capital aqueles que integram a cadeia produtiva da empresa, tais como: máquinas, veículos, equipamentos e instalações da sociedade empresária. Assim, os grãos, objeto do pedido, correspondem ao produto final da atividade agrícola do grupo devedor e consequentes gerações de receita não se amoldam à definição de bens de capital essenciais ao soerguimento do grupo devedor, de modo que descabe esta invocação para sustentar o pedido dos requerentes. A propósito: “RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRODUTORES RURAIS. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/15. SÚMULA 284/STF. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. BEM DE CAPITAL. CLASSIFICAÇÃO QUE NÃO ABRANGE O PRODUTO FINAL DA ATIVIDADE EMPRESÁRIA. RESTRIÇÃO DA PARTE FINAL DO ART. 49, § 3º, DA LEI 11.101/05. INAPLICABILIDADE À HIPÓTESE DOS AUTOS. 1. Ação ajuizada em 17/2/2020. Recurso especial interposto em 18/12/2020. Autos conclusos ao Gabinete em 26/1/2022. 2. O propósito recursal consiste em definir se produtos agrícolas (soja e milho) podem ser classificados como bens de capital essenciais à atividade empresarial - circunstância apta a atrair a aplicação da norma contida na parte final do § 3º do art. 49 da Lei 11.101/05 - e se é possível ao juízo da recuperação judicial autorizar o descumprimento de contratos firmados pelos devedores. 3. A ausência de expressa indicação de obscuridade, omissão ou contradição nas razões recursais enseja o não conhecimento do recurso quanto ao ponto. Incidência da Súmula 284/STF. [...] 7. Bem de capital é aquele utilizado no processo de produção (veículos, silos, geradores, prensas, colheitadeiras, tratores etc.), não se enquadrando em seu conceito o objeto comercializado pelo empresário. Doutrina. 8. Se determinado bem não puder ser classificado como bem de capital, ao juízo da recuperação não é dado fazer nenhuma inferência quanto à sua essencialidade para fins de aplicação da ressalva contida na parte final do § 3º do art. 49 da Lei 11.101/05. Precedente. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO.” (STJ - REsp: 1991989 MA 2021/0323123-8, Relator: Ministra Nancy Andrighi, Julgamento: 03/05/2022, Terceira Turma, DJe 05/05/2022). “PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL E EXECUÇÃO CÍVEL. CEDULA DE PRODUTO RURAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. PRODUTO AGRÍCOLA. GRÃOS DE SOJA. INAPLICABILIDADE DA PARTE FINAL DO ART . 49, § 3º, DA LEI 11.101/05. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO CÍVEL PARA PROSSEGUIR COM A DEMANDA AJUIZADA EM FACE DO PRODUTOR RURAL. 1 . Os arts. 6º, § 7º-A, combinados com o art. 49, § 3º, parte final, da Lei 11.101/2005, estabelecem, em relação ao credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens, a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a suspensão dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial durante o prazo de blindagem . Isso porque é vedada a venda ou retirada do estabelecimento do devedor os bens de capital ao longo da suspensão das ações e execuções prevista no art. 6º, § 4º, da LFRE. 2. Consoante a jurisprudência do STJ, se determinado bem não puder ser classificado como bem de capital, ao juízo da recuperação não é dado fazer nenhuma inferência quanto à sua essencialidade para fins de aplicação da ressalva contida na parte final do § 3º do art . 49 da Lei 11.101/05. Os grãos cultivados e comercializados (soja) pelo produtor rural - como na hipótese - são o produto final da atividade empresarial por ele desempenhada e, por isso, não atraem a incidência da ressalva prevista na parte final do § 3º do art. 49 da Lei 11 .101/2005.3. Agravo interno não provido.” (STJ - AgInt nos EDcl no CC: 203085 SP 2024/0052584-4, Relator.: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 01/10/2024, Segunda Seção, DJe 04/10/2024) “DIREITO EMPRESARIAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PEDIDO DE ESSENCIALIDADE DE GRÃOS AGRÍCOLAS. INCABÍVEL A CLASSIFICAÇÃO COMO BEM DE CAPITAL. EXECUÇÕES EMBASADAS EM OPERAÇÕES DE “BARTER”. CRÉDITOS EXTRACONCURSAIS. EXECUÇÃO BASEADA EM TERMO DE CONFISSÃO DE DÍVIDA. NECESSIDADE DE SUSPENSÃO DE ATO DE CONSTRIÇÃO ATÉ ULTERIOR DELIBERAÇÃO DO JUÍZO UNIVERSAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. [...]. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO A questão em discussão consiste em definir se os grãos produzidos pelo Agravante podem ser classificados como bens de capital essenciais à atividade empresarial, atraindo a proteção prevista no art. 49, § 3º, da Lei 11.101/2005, com a suspensão quaisquer atos de constrição em seu desfavor.III. RAZÕES DE DECIDIR Os grãos agrícolas, como soja e milho, não se enquadram no conceito de bens de capital, pois se trata do produto final da atividade empresarial e não instrumentos necessários à produção, não incidindo sobre eles a norma contida no artigo 49, §3° da Lei de Falência e Recuperação judicial. [...].Tese de julgamento: Os grãos agrícolas, por serem produtos finais da atividade empresarial, não são bens de capital essenciais à atividade empresarial e não atraem a proteção prevista no art. 49, § 3º, da Lei 11.101/2005.[...]” (TJMT 1020851-26.2024.8.11.0000, Câmaras Isoladas Cíveis de Direito Privado, Tatiane Colombo, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 19/02/2025, DJE 19/02/2025) “RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECUPERAÇÃO JUDICIAL - DECISÃO QUE RECONHECEU A ESSENCIALIDADE DE PRODUÇÃO AGRÍCOLA (GRÃOS DE SOJA) E SUSPENDEU A EXECUÇÃO EM FACE À RECUPERANDA DA PRODUTORA RURAL – INADIMISSIBILIDAE - BEM DANDO EM GARANTIA REAL - CRÉDITO EXTRACONCURSAL – NÃO SUJEIÇÃO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO – § 3º DO ARTIGO 49 DA LEI Nº 11.101/2005 – CÉDULA DE PRODUTO RURAL – TROCA DE PRODUTOS POR INSUMO – OPERAÇÃO DENOMINADA “BARTER” – PRODUTOS AGRÍCOLAS – BENS DE CONSUMO QUE NÃO PODEM SER CLASSIFICADOS COM BENS CAPITAL – ESSENCIALIDADE NÃO RECONHECIDA – EXTRACONCURSALIDADE – ARTIGO 11 DA LEI Nº 8.929/94 – DECISÃO REFORMADA – ESVAZIAMENTO DA GARANTIA – IMPOSSIBILIDADE – DECISÃO REFORMADA – RECURSO PROVIDO. Os produtos agrícolas, como soja e milho, não são bens de capital e, portanto, não podem ser considerados essenciais à atividade empresarial, não incidindo sobre eles a norma contida na parte final do parágrafo 3ª do artigo 49 da Lei de Falência e Recuperação judicial. Os bens de capital são, na realidade, os imóveis, as máquinas e os utensílios necessários à produção. Ademais, em se tratando de Cédula de Produto Rural representativa de operação e troca por insumos (barter), esta não se sujeita aos efeitos da recuperação judicial, portanto, tratando-se de crédito extraconcursal. Inteligência do artigo 11 da Lei nº 8.929/1994 com nova redação dada pela Lei 14.112/20. Assim, não podendo os produtos agrícolas (soja e milho) ser classificados como bens de capital essenciais à atividade empresarial, bem como em se tratando de crédito não sujeito aos efeitos da recuperação judicial, diante de sua extraconcursalidade, a execução para entrega de coisa incerta proposta pela agravante deve ter seu normal prosseguimento.” (TJMT 1014488-23.2024.8.11.0000, Câmaras Isoladas Cíveis de Direito Privado, Marilsen Andrade Addario, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 21/08/2024, Publicado no DJE 26/08/2024) Dessa forma, indefiro o pedido de declaração de essencialidade dos grãos, formulado no item 1 da petição de id. 191384982. 4. DA PETIÇÃO DOS RECUPERANDOS (ID. 194088918 A 194088926): a) Do pedido de reconhecimento de essencialidade dos imóveis: No item 2 da petição supramencionada, os recuperandos relatam o recebimento de notificação para purgação da mora, referente à CPR n. 14172623, envolvendo imóvel de titularidade de Maurício Baldim Martins. Informam que o bem foi apontado como essencial no laudo pericial e que as matrículas atualizadas foram devidamente juntadas aos autos. Requerem cia, a declaração de essencialidade dos imóveis indicados no id. 186660313, a suspensão de atos expropriatórios e a extensão da essencialidade aos bens constantes do id. 194088925. O laudo de constatação prévia revela que os requerentes exercem suas atividades de forma conjunta e coordenada, com foco no cultivo de soja, milho e arroz, além da criação de gado para corte, em imóveis rurais situados no município de Marcelândia/MT. A perícia identificou as áreas efetivamente utilizadas na operação agrícola, atestando sua vinculação direta ao desempenho da atividade produtiva. Para tanto, o perito realizou vistoria in loco na sede administrativa do grupo e em suas unidades produtoras, inspecionando instalações e bens, com o objetivo de verificar a estrutura operacional existente e sua essencialidade à continuidade das atividades. Sobre o pedido de declaração de essencialidade dos imóveis arrolados no id. 186660313, o perito manifestou-se nos seguintes termos: “Por derradeiro, no tocante ao requerimento de declaração de essencialidade das áreas de terras pleiteada pelos Requerentes no item (e) dos requerimentos finais da peça de ingresso, onde são cultivados os grãos pelo Grupo Martins, devidamente relacionadas perante o Id. nº 186660313, esta perita entende pelo acolhimento do pleito, uma vez que a retirada dos devedores das áreas de terras, implicaria na paralisação imediata das suas atividades e consequente bancarrota.” (id. 188996731). Quando do deferimento do processamento da Recuperação Judicial, id. 189355401, este Juízo determinou que as partes apresentassem as respectivas matrículas dos imóveis, o que foi devidamente cumprido, nos ids. 191384986 a 191387097. Complementarmente, o relatório técnico de id. 188996731 aponta que os equipamentos e implementos agrícolas empregados pelos recuperandos operam diretamente nas áreas objeto da perícia, compondo a estrutura essencial à manutenção da atividade rural. A funcionalidade desses ativos está diretamente condicionada à permanência dos produtores nas áreas de cultivo, sendo a posse direta dos imóveis fator imprescindível para a continuidade da operação produtiva. Logo, a retirada dos recuperandos comprometeria toda a sua atividade e, por conseguinte, inviabilizaria a superação da crise empresarial. Nesse contexto, a preservação da posse dos imóveis revela-se medida indissociável do cumprimento do objetivo central da recuperação judicial, consagrado no art. 47 da Lei 11.101/2005, que visa “[...] viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”. A esse respeito, leciona Marcelo Barbosa Sacramone: “Sua preservação é pretendida pela LREF como um modo de se conciliar os diversos interesses afetados com o seu desenvolvimento. Como fonte geradora de bem-estar, a função social da atividade empresarial é justamente se desenvolver e circular riquezas, de modo a permitir a distribuição de dividendos a sócios, mas também de promover a oferta de bens e serviços aos consumidores, aumentar a concorrência entre os agentes econômicos, gerar a oferta de postos de trabalho e o desenvolvimento econômico nacional.” (Sacramone, Marcelo Barbosa. Comentários à lei de recuperação de empresa e falência – 6. ed. - São Paulo : Saraiva Jur, 2025. ePUB, p. 215) Portanto, assegurar a posse contínua dos imóveis essenciais não representa mera proteção patrimonial, mas medida voltada à efetiva preservação da atividade econômica em funcionamento, em benefício da coletividade de credores, trabalhadores e da estabilidade do sistema produtivo. Diante disso, com fundamento no art. 49, §3º, da Lei 11.101/2005, RECONHEÇO A ESSENCIALIDADE DOS IMÓVEIS indicados abaixo, os quais deverão permanecer na posse dos recuperandos durante o período de suspensão legal, ficando vedada a prática de quaisquer atos expropriatórios, constritivos ou de retirada. 1. Imóvel rural, Fazenda Kurizevu B, matrícula 2.613, CRI Marcelândia/MT 2. Imóvel rural, Fazenda Kurizevu A parte 6, matrícula 2.620, CRI Marcelândia/MT 3. Imóvel rural, Gleba Maiká, matrículas 230 e 388, CRI Marcelândia/MT 4. Imóvel rural, Fazenda Kurizevu B parte 1, matrícula 2.612, CRI Marcelândia/MT 5. Imóvel rural, Sitio Vale do Rio Macaco, matrícula 2.366 e 2.367, CRI Marcelândia/MT. b) Do pedido de reconhecimento da essencialidade dos bens móveis: Quanto aos bens móveis listados nos ids. 194088925 e 194088926, constata-se que todos foram devidamente vistoriados pelo perito responsável, conforme laudo de constatação prévia constante dos ids. 188996731 a 188996737. Nos termos da decisão que deferiu o processamento da Recuperação Judicial (id. 189355401), o reconhecimento da essencialidade está condicionado ao atendimento dos critérios estabelecidos no art. 49, §3º, da Lei 11.101/2005, sendo necessário que o bem seja corpóreo, esteja na posse da recuperanda, seja efetivamente utilizado no processo produtivo e não seja perecível ou consumível. Dentre os bens indicados pelos recuperandos, a colheitadeira abaixo descrita foi considerada imprescindível à atividade agrícola desenvolvida, por ser empregada na colheita de diversos grãos e contribuir diretamente para a eficiência da operação e redução dos custos, caracterizando-se como bem de capital essencial à continuidade da produção. Consta, ainda, que o bem é objeto de contrato de alienação fiduciária, e que sua indispensabilidade foi constatada pela perícia durante a vistoria in loco. Assim, com fundamento no art. 49, §3º, da Lei 11.101/2005, RECONHEÇO A ESSENCIALIDADE do bem abaixo indicado, que deve permanecer na posse dos recuperandos durante o período de suspensão legal, ficando vedada a prática de quaisquer atos expropriatórios, constritivos ou de retirada: 6. COLHEITADEIRA MARCA NEW HOLLAND – MODELO CR8.90 DRAIP – CHASSI JHFY8090CM1417 - ANO 2021 De outro lado, em relação aos bens móveis dos ids. 194088925 e 194088926, quando do recebimento da recuperação judicial, foi deliberado o seguinte: “Por outro lado, destaco que a medida de reconhecimento da essencialidade guarda pertinência com os bens referentes a créditos que não se submetem ao processo, haja vista que todos os bens que não se enquadrem na descrição do art. 49, § 3º, da Lei, encontram-se protegidos durante o stay period.” (id. 189355401). Nesse contexto, ressalto que não há que se cogitar o reconhecimento da essencialidade de bens que já se encontram quitados, conforme verificado em relação à maioria dos itens elencados nos documentos supramencionados. Tal entendimento já foi expressamente adotado por este Juízo, sendo que os recuperandos limitaram-se a reiterar o pedido sem trazer qualquer fundamentação nova ou elemento fático-jurídico apto a ensejar a alteração da decisão anteriormente proferida. 5. DAS DEMAIS PROVIDÊNCIAS: 1. Intimem-se os recuperandos, para que se manifestem acerca dos documentos juntados nos ids. 191798990 e 192165014 a 192165029, no prazo de 5 (cinco) dias corridos. 2. Proceda-se à intimação pessoal da credora ARAGUAIA S.A., CNPJ n. 03.306.578/0001-69, conforme relação de credores constante no id. 188473297, para que se manifeste acerca dos documentos juntados nos ids. 191798990 e 192165014 a 192165029, bem como da petição apresentada pelos requerentes nos ids. 194088918 a 194088926, no prazo de 5 (cinco) dias corridos. 3. Intime-se, igualmente, a empresa AMAGGI EXPORTAÇÃO E IMPORTAÇÃO LTDA, CNPJ n. 77.294.254/0001-94, para que, no mesmo prazo, se manifeste sobre a petição dos requerentes constante dos ids. 194088918 a 194088926. 4. Após, intime-se a Administradora Judicial para se manifestar sobre o depósito dos ids. 191798990 e 192165014 a 192165029, petição dos requerentes (ids. 194088918 a 194088926) e petições dos interessados (Araguaia S.A e Amaggi), no prazo de 5 (cinco) dias corridos. 5. Por fim, colha-se parecer do MP. 6. Em relação à petição de id. 192962696 a 192962700, apresentada pelo Banco CNH Industrial Capital S.A., na qual informa a interposição do Agravo de Instrumento n. 1014107-78.2025.8.11.0000 e requer o exercício do juízo de retratação, nos termos do art. 1.018, §1º, do CPC, mantenho a decisão impugnada por seus próprios fundamentos. 7. Cientifique-se a recuperanda acerca dos ids. 189894497 e 189894503; 191866391 a 191866403. Intimem-se. Sinop/MT, (datado digitalmente) (assinado digitalmente) GIOVANA PASQUAL DE MELLO Juíza de Direito K SINOP, 23 de maio de 2025. Juiz(a) de Direito

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Processo nº 1009378-09.2025.8.11.0000

ID: 300978762

Tribunal: TJMT Órgão: Segunda Câmara de Direito Privado Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº Processo: 1009378-09.2025.8.11.0000

Data de Disponibilização: 17/06/2025

Polo Ativo:

VALERIA DE SOUZA

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

ODAIR APARECIDO BUSIQUIA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1009378-09.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Penhora / Depósito/ Avaliação] Relator: … ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1009378-09.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Penhora / Depósito/ Avaliação] Relator: Des(a). MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS Turma Julgadora: [DES(A). MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, DES(A). MARILSEN ANDRADE ADDARIO, DES(A). TATIANE COLOMBO] Parte(s): [ODAIR APARECIDO BUSIQUIA - CPF: 387.270.809-00 (ADVOGADO), VALERIA DE SOUZA - CPF: 837.132.201-15 (AGRAVANTE), BANCO COOPERATIVO SICOOB S.A. - CNPJ: 02.038.232/0001-64 (AGRAVADO), ROBERTA BEATRIZ DO NASCIMENTO - CPF: 261.067.088-51 (ADVOGADO), JOSE LIDIO ALVES DOS SANTOS - CPF: 109.484.968-51 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. UNANIME. E M E N T A EMENTA DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INADMISSIBILIDADE POR OFENSA À DIALETICIDADE. PENHORA SOBRE CONTA SALÁRIO. LIMITAÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL. I. Caso em exame 1. Agravo de instrumento interposto por devedora contra decisão que indeferiu o pedido de liberação de valores bloqueados em conta salário no valor de R$ 2.948,92 (dois mil, novecentos e quarenta e oito reais e noventa e dois centavos), nos autos de ação de execução ajuizada por instituição bancária. A agravante alega que os valores bloqueados têm natureza alimentar e são essenciais à sua subsistência, pois é responsável por filha menor e irmão com deficiência. II. Questão em discussão 3. Há duas questões em discussão: (i) saber se as razões recursais atenderam ao princípio da dialeticidade; e (ii) saber se é possível a penhora de percentual sobre salário, à luz da impenhorabilidade prevista no CPC e da dignidade da pessoa humana. III. Razões de decidir 4. A preliminar de ausência de dialeticidade foi rejeitada, pois o recurso impugnou adequadamente os fundamentos da decisão agravada. 5. O art. 833, IV, do CPC estabelece a impenhorabilidade de salários, salvo na hipótese do §2º, que admite penhora parcial desde que preservada a subsistência do devedor. 6. Os documentos nos autos comprovam que os valores bloqueados têm origem salarial, e a agravante demonstrou ausência de outras fontes de renda, bem como despesas fixas com dependentes. 7. Jurisprudência do STJ e deste Tribunal admite mitigação da impenhorabilidade de salários em hipóteses excepcionais, resguardando percentual suficiente à dignidade da parte executada. 8. A proposta de acordo, ainda que não homologada, indica boa-fé da devedora e adesão ao princípio da cooperação processual. IV. Dispositivo e tese 9. Agravo parcialmente provido para limitar os bloqueios futuros a 20% do valor líquido do salário da agravante, mantendo-se a penhora já efetivada. Tese de julgamento: “1. A mitigação da impenhorabilidade de salário é admissível quando preservada a dignidade do devedor e de sua família. 2. A constrição deve observar a origem remuneratória dos valores e o limite proporcional de 20%.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 1º, III; CPC, art. 833, IV e § 2º. R E L A T Ó R I O RELATÓRIO EXMA. SRA. DESA. MARIA HELENA GARGAGLIONE PÓVOAS (RELATORA) Colenda Câmara: Trata-se de recurso de Agravo de Instrumento interposto por VALÉRIA DE SOUZA, contra decisão proferida pelo Juízo da 4.ª Vara Especializada em Direito Bancário da Comarca de Cuiabá que, nos autos da Ação de Execução por Quantia Certa n.º 1037485-71.2024.811.0041 ajuizada por BANCO COOPERATIVO SICOOB S.A., a qual INDEFERIU, por hora, o pedido de liberação dos valores bloqueados em sua conta salário, no total de R$ 2.948,92 (dois mil, novecentos e quarenta e oito reais e noventa e dois centavos). A Agravante interpôs o presente agravo (id. 277115877) sustentando, em síntese, que sua renda está comprometida, tendo em vista que a penhora recaiu sobre seus proventos e que detém grandes responsabilidades perante o sustento de sua família, uma vez que tem sob seus cuidados uma filha menor e um irmão especial, de quem é curadora, uma vez que seus pais já são falecidos. Diante desse enredo fático e invocando a impenhorabilidade de salários, prevista no art. 833, IV do CPC c/c Tema 1.235 do STJ, pretende a liberação dos valores que ultrapassem as condições mínimas para a garantia da sua subsistência e da sua família; para tanto, formaliza uma proposta de acordo para a quitação da dívida, em que se compromete ao pagamento de 24 (vinte e quatro) parcelas mensais de R$ 350,00 (trezentos e cinquenta) reais. Nesse contexto, requer a concessão de tutela recursal de urgência, para obter a suspensão da constrição e liberação dos valores integrais nas contas bancárias da Agravante e, no mérito, que o agravo seja provido, a fim de que “seja reconhecida a impenhorabilidade salarial, em decorrência da manutenção da existência da agravante e de seus dependentes, conforme demostrado; subsidiariamente, por ser matéria de ordem pública”. Foi certificado nos autos que a Agravante é beneficiária da justiça gratuita (id. 277189390). Por meio da decisão lançada no id. 277541886 indeferi o pedido de tutela de urgência e determinei a remessa deste processo ao Núcleo de Conciliação deste e. Tribunal de Justiça, a fim de oportunizar a composição amigável entre as partes. O Agravado apresentou contrarrazões (id. 284163386) suscitando preliminar de inadmissibilidade recursal ante a ofensa ao princípio da dialeticidade. E quanto ao mérito, sustentou, em síntese, a inadequação da via recursal (exceção de pré-executividade para suprir perda de prazo), bem como pugna pela manutenção da decisão agravada, ante a insuficiência de provas quanto à natureza alimentar dos valores penhorados. O Agravado ainda chama a atenção para suposta conduta contraditória da devedora/Agravante, que reside em condomínio de alto padrão e paga escola privada e alega não possuir recursos para honrar com o pagamento da obrigação contraída. E, como pedido subsidiário, requer que seja mantida a penhora e recaia pela parcela mínima de 50% do valor. Em 09/05/2025 foi realizada a audiência de tentativa de conciliação junto ao CENTRO JUDICIÁRIO DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS E CIDADANIA DE 2º GRAU DE JURISDIÇÃO, a qual restou infrutífera, conforme consta no termo de audiência anexo (id. 285346889). A Agravante peticionou nos autos (id. 285382387) manifestando seu interesse na formalização de acordo, nos seguintes termos: “(...) a parte agravante informa que detém interesse no pagamento à vista que foi proposto no valor de R$ 7.946,98 (sete mil e novecentos e quarenta e seis reais e noventa e oito centavos), conforme já houve o bloqueio no valor de R$ 2.948,92 (dois mil reais e novecentos e quarenta e oito e noventa e dois centavos). A parte agravante consegue fazer a quitação à vista nas seguintes formas; abatimento do valor bloqueado no valor ofertado, e pagando o restante que falta para complementação que ficaria no valor de R$ 5.004,00 (cinco mil reais e quatro centavos), pagamento para o dia 10/06/2025, deposito judicial”. Após, os autos vieram conclusos. É o relatório. Cuiabá/MT, data da assinatura digital. Desa. Maria Helena G. Póvoas, Relatora V O T O R E L A T O R VOTO – PRELIMINAR ARGUIDA EM CONTRARRAZÕES – DA ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. EXMA. SRA. DESA. MARIA HELENA GARGAGLIONE PÓVOAS (RELATORA) Colenda Câmara: O Agravado sustenta, em suas contrarrazões (id. 284163386), a inadmissibilidade recursal, “tendo em vista que a agravante apresentou recurso genérico, sem impugnar especificamente os argumentos trazidos na r. decisão questionada, violando o artigo Art. 1.015 e seguintes do Código de Processo Civil.”. Entretanto, vê-se nas razões recursais que a Agravante enfrentou os fundamentos adotados pelo julgador singular para formação da sua convicção e rejeição de suas alegações, cumprindo com o dever de dialeticidade próprio dos recursos. Em contexto semelhante, esta Desembargadora já decidiu no sentido de reconhecer que “não há falar em ofensa ao Princípio da Dialeticidade quando de uma simples leitura da irresignação recursal é possível extrair os motivos e fundamentos sobre os quais se assentam o pedido de reforma do julgado, sendo plenamente cognoscível e compreensível a irresignação manifestada e as razões do inconformismo do recorrente (N.U 1015423-59.2021.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 06/09/2023, Publicado no DJE 10/09/2023). Desse modo, REJEITO a preliminar suscitada pelo Agravado de inadmissibilidade recursal por ofensa ao princípio da dialeticidade. VOTO - MÉRITO EXMA. SRA. DESA. MARIA HELENA GARGAGLIONE PÓVOAS (RELATORA) Colenda Câmara: Conforme o relatado, trata-se de recurso de Agravo de Instrumento interposto por VALÉRIA DE SOUZA, contra decisão proferida pelo Juízo da 4.ª Vara Especializada em Direito Bancário da Comarca de Cuiabá que, nos autos da Ação de Execução por Quantia Certa n.º 1037485-71.2024.811.0041 ajuizada por BANCO COOPERATIVO SICOOB S.A., a qual INDEFERIU, por hora, o pedido de liberação dos valores bloqueados em sua conta salário, no total de R$ 2.948,92 (dois mil, novecentos e quarenta e oito reais e noventa e dois centavos). Em suas razões recursais (id. 277115877), o Agravante sustenta, em síntese, que sua renda está comprometida, tendo em vista que a penhora recaiu sobre seus proventos e que detém grandes responsabilidades perante o sustento de sua família, uma vez que tem sob seus cuidados uma filha menor e um irmão especial, de quem é curadora, uma vez que seus pais já são falecidos. O Agravado, em contrarrazões, arguiu preliminar de inadmissibilidade por ofensa à dialeticidade. No mérito, defendeu a inadequação da exceção de pré-executividade para suprir perda de prazo e a manutenção da decisão agravada pela falta de provas da natureza alimentar dos valores penhorados. Adicionalmente, o Agravado apontou conduta contraditória da devedora, que reside em condomínio de alto padrão e custeia escola privada enquanto alega falta de recursos. Subsidiariamente, pugnou pela manutenção da penhora em 50% do valor. Pois bem. Cinge-se a controvérsia na possibilidade de manutenção penhora efetivada nos autos. A análise do caso demanda ponderação entre o princípio da efetividade da execução, que implica que se criem as condições necessárias para que o direito reconhecido em uma sentença ou título executivo seja, de fato, concretizado, e o princípio da dignidade da pessoa humana, diante das circunstâncias excepcionais apresentadas pela Agravante. Nos termos do art. 833, IV, do CPC, são impenhoráveis os vencimentos e salários, ressalvada a hipótese do §2º, que autoriza a penhora de percentual razoável, desde que não comprometida a subsistência do executado e de sua família. No caso concreto, há prova documental de que a verba bloqueada decorre de salário, conforme holerite acostado aos autos (id. 277115879), somado à ausência de demonstração de qualquer outra fonte de renda. As despesas fixas com moradia, alimentação, cuidados médicos e educacionais da filha menor e do irmão com deficiência reforçam a caracterização da verba como de natureza alimentar e essencial à sobrevivência. E quanto às despesas com o irmão, é presumível que o benefício concedido ao incapaz no valor de 01 (um) salário mínimo (id. 277115882) não supre as necessidade de tratamento e cuidados inerentes a uma pessoa com deficiência. Ora, ainda que o Agravado questione a real condição de hipossuficiência da executada, as evidências constantes nos autos não afastam o risco de lesão grave e de difícil reparação à sua dignidade, caso persistam bloqueios integrais ou sucessivos sobre sua remuneração líquida. Acerca da matéria o c. Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que, em situações excepcionais, a impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. pode ser excepcionada quando for preservado percentual mínimo capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família. Nesse sentido, destaco os seguintes julgados do c. STJ: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PENHORA. PERCENTUAL. SALÁRIO. MITIGAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. NÃO AFETA SUBSISTÊNCIA DO DEVEDOR E DA FAMÍLIA. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A impenhorabilidade de salários, vencimentos ou proventos pode ser excepcionada quando for preservado percentual capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família. Precedentes. 2. Alterar as conclusões do acórdão recorrido, no sentido de verificar se efetivamente a penhora de percentual da verba salarial acabará por prejudicar subsistência da parte agravante - quando o próprio Tribunal já afastou essa hipótese -, demandaria reexame de matéria fático-probatória, inviável em sede de recurso especial, a teor da Súmula 7 do STJ. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp n. 2.271.214/DF, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 23/10/2023, DJe de 26/10/2023.). (Destaquei) PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENHORA DE PERCENTUAL DE SALÁRIO. POSSIBILIDADE. RESERVA DE PERCENTUAL SUFICIENTE PARA DIGNIDADE DO DEVEDOR. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA. SÚMULA N.º 568 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Embora não se possa admitir, em abstrato, a penhora do salário da recorrida com base no § 2º do art. 833 do CPC/15, é possível determinar a constrição, à luz da interpretação dada ao art. 833, IV, do CPC/15, quando, concretamente, ficar demonstrado nos autos que tal medida não compromete a subsistência digna da devedora e de sua família. 2. Agravo interno não provido. (AgInt nos EDcl no REsp n. 2.034.605/SP, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 26/2/2024, DJe de 28/2/2024.) (Destaquei) PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TÍTULO EXTRAJUDICIAL. EXECUÇÃO. IMPENHORABILIDADE DE VENCIMENTOS. MITIGAÇÃO. POSSIBILIDADE. PRESERVAÇÃO DA SUBSISTÊNCIA DO DEVEDOR. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A Corte Especial, no julgamento do REsp 1.815.055/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, DJe 26/8/2020, consignou que a impenhorabilidade do salário pode ser mitigada em respeito ao princípio da máxima efetividade da execução, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana. Precedentes. 2. Agravo interno não provido.(AgInt no AREsp n. 2.208.645/SE, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 27/3/2023, DJe de 29/3/2023.) (Destaquei) AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL - AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECLAMO PARA DECLARAR A IMPENHORABILIDADE DA APOSENTADORIA - INSURGÊNCIA DAS AGRAVADAS. 1. De acordo com o entendimento mais recente do STJ, é possível relativizar a regra da impenhorabilidade dos vencimentos, subsídios, salários e proventos de aposentadoria (art. 833, IV, do CPC/15), desde que assegurado ao devedor e a sua família a subsistência digna. Precedentes. 2. Agravo interno provido para, de plano, conhecer do recurso especial e negar-lhe provimento, mantendo o acórdão recorrido que autorizou a penhora parcial dos proventos de aposentadoria. (STJ - AgInt nos EDcl no REsp: 1808430 SP 2019/0100536-8, Relator: Ministro MARCO BUZZI, Data de Julgamento: 14/06/2021, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/06/2021). (Destaquei) Do mesmo modo, à luz do princípio da dignidade humana e de garantia do mínimo existencial, tem-se firmado no âmbito deste e. Tribunal a penhora da verba salarial e de proventos de aposentadoria, desde que se resguarde valor suficiente para que o devedor possa viver com dignidade e que não represente risco de comprometimento de renda essencial à sua subsistência e da sua família; inclusive, limitando-se a penhora a 30% (trinta por cento). A propósito: RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – DECISÃO QUE DEFERIU A PENHORA DE 30% (TRINTA POR CENTO) DOS PROVENTOS DE SALÁRIO DO EXECUTADO – POSSIBILIDADE – RELATIVIZAÇÃO DA REGRA DE IMPENHORABILIDADE PREVISTA NO ARTIGO 833, INCISO IV, DO CPC – ENTENDIMENTO ATUAL DO STJ - DECISÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. De acordo com o artigo 833, inciso IV, do CPC, a verba salarial é impenhorável. No entanto, o STJ firmou entendimento no sentido de que, em situações excepcionais, admite-se a relativização da regra de impenhorabilidade das verbas salariais prevista no artigo 833, IV, do CPC, a fim de alcançar parte da remuneração do devedor para a satisfação do crédito não alimentar. Na hipótese, a penhora de 30% (trinta por cento) dos proventos de aposentadoria do Recorrido não foge dos parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade erigidos pela jurisprudência, o que confere plausibilidade ao direito de cobrança do Banco Exequente. (N.U 1025872-80.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, GUIOMAR TEODORO BORGES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 06/11/2024, Publicado no DJE 11/11/2024). EMENTA: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE PROVENTOS DE APOSENTADORIA. POSSIBILIDADE DE CONSTRIÇÃO PARCIAL. LIMITAÇÃO A 30% DOS RENDIMENTOS. IMPLICAÇÕES DE CARÁTER ALIMENTAR. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame Agravo de Instrumento interposto contra decisão que manteve a penhora de proventos de aposentadoria do Agravado, estabelecendo-se limites de 30%, com fundamento na jurisprudência do STJ sobre a exceção à impenhorabilidade para garantir o cumprimento de obrigações civis. II. Questão em discussão 2. A controvérsia recai sobre a possibilidade de penhora parcial dos proventos de aposentadoria do Agravado, dado seu caráter alimentar, frente à necessidade de quitação de dívidas. III. Razões de decidir 3. A jurisprudência do STJ autoriza a penhora de até 30% dos rendimentos de aposentadoria, respeitando a dignidade do devedor e o caráter alimentar dos valores. 4. No presente caso, o Agravado é idoso, portador de leucemia, e depende integralmente da aposentadoria para sua subsistência, sendo o montante bloqueado essencial para sua manutenção. IV. Dispositivo e tese 5. Agravo de Instrumento conhecido e desprovido. Tese de julgamento: "A penhora de até 30% dos proventos de aposentadoria é permitida, desde que respeitados o caráter alimentar e a preservação da subsistência do devedor, especialmente quando o devedor é idoso e portador de enfermidade grave." Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 1º, III; art. 833, IV e § 2º do CPC/2015. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp 1906957, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 22.03.2021. (N.U 1023082-26.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 08/10/2024, Publicado no DJE 10/10/2024). E M E N T A AGRAVO DE INSTRUMENTO – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – DECISÃO QUE DEFERIU A PENHORA DE 30% SOBRE A REMUNERAÇÃO LÍQUIDA DA AGRAVANTE – POSSIBILIDADE – RELATIVIZAÇÃO DA REGRA DE IMPENHORABILIDADE PREVISTA NO ARTIGO 833, IV, DO CPC/15 PARA SATISFAÇÃO DO CRÉDITO – PERCENTUAL FIXADO DENTRO DO LIMITE LEGAL – PRECEDENTES DO STJ – PRESERVAÇÃO DE PERCENTUAL A GARANTIR A DIGNIDADE DA DEVEDORA – DECISÃO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO “A regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. (art. 649, IV, do CPC/73; art. 833, IV, do CPC/2015), pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família” (AgInt no REsp n. 1.916.117/SP, Rela. Min. Maria Isabel Gallotti, 29.11.2021). No caso, verificado os elementos e as circunstâncias particulares do caso concreto, a constrição de 30% dos rendimentos líquidos da agravante (aposentadoria) atende aos interesses da parte agravada na tentativa de reaver o valor do crédito, bem como os do devedor, que ainda ficará com parte considerável da sua remuneração, no intuito de garantir sua sobrevivência e de seus familiares, restando respeitado o princípio da dignidade humana”. (N.U 1019629-23.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 25/09/2024, Publicado no DJE 29/09/2024) Registro, inclusive, que esta Relatora já decidiu nesse mesmo sentido, vejamos: EMENTA. AGRAVO DE INSTRUMENTO – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – BLOQUEIO DE VALORE SOBRE OS PROVENTOS DE APONSETADORIA – REGRA DO ART. 833, IV, DO CPC – IMPENHORABILIDADE – ENTENDIMENTO DO STJ – FLEXIBILIZAÇÃO DA REGRA LEGAL – 22% SOBRE OS PROVENTOS – VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE – INOCORRÊNCIA – DECISÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. Atenta à possibilidade de mitigação da impenhorabilidade da verba profissional, na hipótese, e considerando que, à míngua de prova em sentido contrário, a penhora sobre 22%, preserva a subsistência do devedor, ao mesmo tempo em que assegura o interesse público, que permeia a satisfação do crédito do exequente, é de rigor a manutenção da penhora sobre esse percentual da aposentadoria percebida pela Agravante. (N.U 1012141-17.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 12/06/2024, Publicado no DJE 17/06/2024). Deveras, a impenhorabilidade não pode ser utilizada como refúgio para o devedor descumprir suas obrigações, nesse contexto, merece registro o fato de que, mesmo intimado para promover o cumprimento voluntário da obrigação, a Agravante se manteve indiferente à dívida inadimplida, deixando transcorrer, in albis, o prazo assinalado para tanto. Contudo, a proposta de acordo apresentada pela Agravante — ainda que não homologada — evidencia boa-fé objetiva (art. 422 do CC) e adesão ao princípio da cooperação processual (art. 6º do CPC). A execução, como instrumento de concretização do direito material, deve observar também sua função social, não se tornando instrumento de opressão ao devedor vulnerável. Diante disso, mostra-se adequado e proporcional dar parcial provimento ao agravo para limitar eventuais bloqueios futuros à fração de 20% do salário líquido da agravante, resguardando o necessário à sua subsistência e de seus dependentes, sem prejuízo da penhora já efetivada. Com essas considerações, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao agravo para LIMITAR as futuras ordens de penhora sobre rendimentos da Agravante ao percentual de 20% (vinte por cento) do valor líquido de seu salário mensal, observando-se estritamente a origem remuneratória dos valores; MANTENHO a penhora já efetivada nos autos. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 11/06/2025

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Processo nº 1009378-09.2025.8.11.0000

ID: 300978768

Tribunal: TJMT Órgão: Segunda Câmara de Direito Privado Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº Processo: 1009378-09.2025.8.11.0000

Data de Disponibilização: 17/06/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

BANCO COOPERATIVO SICOOB S.A.

Acórdão

Advogados:

ROBERTA BEATRIZ DO NASCIMENTO

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

JOSE LIDIO ALVES DOS SANTOS

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1009378-09.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Penhora / Depósito/ Avaliação] Relator: … ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1009378-09.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Penhora / Depósito/ Avaliação] Relator: Des(a). MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS Turma Julgadora: [DES(A). MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, DES(A). MARILSEN ANDRADE ADDARIO, DES(A). TATIANE COLOMBO] Parte(s): [ODAIR APARECIDO BUSIQUIA - CPF: 387.270.809-00 (ADVOGADO), VALERIA DE SOUZA - CPF: 837.132.201-15 (AGRAVANTE), BANCO COOPERATIVO SICOOB S.A. - CNPJ: 02.038.232/0001-64 (AGRAVADO), ROBERTA BEATRIZ DO NASCIMENTO - CPF: 261.067.088-51 (ADVOGADO), JOSE LIDIO ALVES DOS SANTOS - CPF: 109.484.968-51 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. UNANIME. E M E N T A EMENTA DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INADMISSIBILIDADE POR OFENSA À DIALETICIDADE. PENHORA SOBRE CONTA SALÁRIO. LIMITAÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL. I. Caso em exame 1. Agravo de instrumento interposto por devedora contra decisão que indeferiu o pedido de liberação de valores bloqueados em conta salário no valor de R$ 2.948,92 (dois mil, novecentos e quarenta e oito reais e noventa e dois centavos), nos autos de ação de execução ajuizada por instituição bancária. A agravante alega que os valores bloqueados têm natureza alimentar e são essenciais à sua subsistência, pois é responsável por filha menor e irmão com deficiência. II. Questão em discussão 3. Há duas questões em discussão: (i) saber se as razões recursais atenderam ao princípio da dialeticidade; e (ii) saber se é possível a penhora de percentual sobre salário, à luz da impenhorabilidade prevista no CPC e da dignidade da pessoa humana. III. Razões de decidir 4. A preliminar de ausência de dialeticidade foi rejeitada, pois o recurso impugnou adequadamente os fundamentos da decisão agravada. 5. O art. 833, IV, do CPC estabelece a impenhorabilidade de salários, salvo na hipótese do §2º, que admite penhora parcial desde que preservada a subsistência do devedor. 6. Os documentos nos autos comprovam que os valores bloqueados têm origem salarial, e a agravante demonstrou ausência de outras fontes de renda, bem como despesas fixas com dependentes. 7. Jurisprudência do STJ e deste Tribunal admite mitigação da impenhorabilidade de salários em hipóteses excepcionais, resguardando percentual suficiente à dignidade da parte executada. 8. A proposta de acordo, ainda que não homologada, indica boa-fé da devedora e adesão ao princípio da cooperação processual. IV. Dispositivo e tese 9. Agravo parcialmente provido para limitar os bloqueios futuros a 20% do valor líquido do salário da agravante, mantendo-se a penhora já efetivada. Tese de julgamento: “1. A mitigação da impenhorabilidade de salário é admissível quando preservada a dignidade do devedor e de sua família. 2. A constrição deve observar a origem remuneratória dos valores e o limite proporcional de 20%.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 1º, III; CPC, art. 833, IV e § 2º. R E L A T Ó R I O RELATÓRIO EXMA. SRA. DESA. MARIA HELENA GARGAGLIONE PÓVOAS (RELATORA) Colenda Câmara: Trata-se de recurso de Agravo de Instrumento interposto por VALÉRIA DE SOUZA, contra decisão proferida pelo Juízo da 4.ª Vara Especializada em Direito Bancário da Comarca de Cuiabá que, nos autos da Ação de Execução por Quantia Certa n.º 1037485-71.2024.811.0041 ajuizada por BANCO COOPERATIVO SICOOB S.A., a qual INDEFERIU, por hora, o pedido de liberação dos valores bloqueados em sua conta salário, no total de R$ 2.948,92 (dois mil, novecentos e quarenta e oito reais e noventa e dois centavos). A Agravante interpôs o presente agravo (id. 277115877) sustentando, em síntese, que sua renda está comprometida, tendo em vista que a penhora recaiu sobre seus proventos e que detém grandes responsabilidades perante o sustento de sua família, uma vez que tem sob seus cuidados uma filha menor e um irmão especial, de quem é curadora, uma vez que seus pais já são falecidos. Diante desse enredo fático e invocando a impenhorabilidade de salários, prevista no art. 833, IV do CPC c/c Tema 1.235 do STJ, pretende a liberação dos valores que ultrapassem as condições mínimas para a garantia da sua subsistência e da sua família; para tanto, formaliza uma proposta de acordo para a quitação da dívida, em que se compromete ao pagamento de 24 (vinte e quatro) parcelas mensais de R$ 350,00 (trezentos e cinquenta) reais. Nesse contexto, requer a concessão de tutela recursal de urgência, para obter a suspensão da constrição e liberação dos valores integrais nas contas bancárias da Agravante e, no mérito, que o agravo seja provido, a fim de que “seja reconhecida a impenhorabilidade salarial, em decorrência da manutenção da existência da agravante e de seus dependentes, conforme demostrado; subsidiariamente, por ser matéria de ordem pública”. Foi certificado nos autos que a Agravante é beneficiária da justiça gratuita (id. 277189390). Por meio da decisão lançada no id. 277541886 indeferi o pedido de tutela de urgência e determinei a remessa deste processo ao Núcleo de Conciliação deste e. Tribunal de Justiça, a fim de oportunizar a composição amigável entre as partes. O Agravado apresentou contrarrazões (id. 284163386) suscitando preliminar de inadmissibilidade recursal ante a ofensa ao princípio da dialeticidade. E quanto ao mérito, sustentou, em síntese, a inadequação da via recursal (exceção de pré-executividade para suprir perda de prazo), bem como pugna pela manutenção da decisão agravada, ante a insuficiência de provas quanto à natureza alimentar dos valores penhorados. O Agravado ainda chama a atenção para suposta conduta contraditória da devedora/Agravante, que reside em condomínio de alto padrão e paga escola privada e alega não possuir recursos para honrar com o pagamento da obrigação contraída. E, como pedido subsidiário, requer que seja mantida a penhora e recaia pela parcela mínima de 50% do valor. Em 09/05/2025 foi realizada a audiência de tentativa de conciliação junto ao CENTRO JUDICIÁRIO DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS E CIDADANIA DE 2º GRAU DE JURISDIÇÃO, a qual restou infrutífera, conforme consta no termo de audiência anexo (id. 285346889). A Agravante peticionou nos autos (id. 285382387) manifestando seu interesse na formalização de acordo, nos seguintes termos: “(...) a parte agravante informa que detém interesse no pagamento à vista que foi proposto no valor de R$ 7.946,98 (sete mil e novecentos e quarenta e seis reais e noventa e oito centavos), conforme já houve o bloqueio no valor de R$ 2.948,92 (dois mil reais e novecentos e quarenta e oito e noventa e dois centavos). A parte agravante consegue fazer a quitação à vista nas seguintes formas; abatimento do valor bloqueado no valor ofertado, e pagando o restante que falta para complementação que ficaria no valor de R$ 5.004,00 (cinco mil reais e quatro centavos), pagamento para o dia 10/06/2025, deposito judicial”. Após, os autos vieram conclusos. É o relatório. Cuiabá/MT, data da assinatura digital. Desa. Maria Helena G. Póvoas, Relatora V O T O R E L A T O R VOTO – PRELIMINAR ARGUIDA EM CONTRARRAZÕES – DA ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. EXMA. SRA. DESA. MARIA HELENA GARGAGLIONE PÓVOAS (RELATORA) Colenda Câmara: O Agravado sustenta, em suas contrarrazões (id. 284163386), a inadmissibilidade recursal, “tendo em vista que a agravante apresentou recurso genérico, sem impugnar especificamente os argumentos trazidos na r. decisão questionada, violando o artigo Art. 1.015 e seguintes do Código de Processo Civil.”. Entretanto, vê-se nas razões recursais que a Agravante enfrentou os fundamentos adotados pelo julgador singular para formação da sua convicção e rejeição de suas alegações, cumprindo com o dever de dialeticidade próprio dos recursos. Em contexto semelhante, esta Desembargadora já decidiu no sentido de reconhecer que “não há falar em ofensa ao Princípio da Dialeticidade quando de uma simples leitura da irresignação recursal é possível extrair os motivos e fundamentos sobre os quais se assentam o pedido de reforma do julgado, sendo plenamente cognoscível e compreensível a irresignação manifestada e as razões do inconformismo do recorrente (N.U 1015423-59.2021.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 06/09/2023, Publicado no DJE 10/09/2023). Desse modo, REJEITO a preliminar suscitada pelo Agravado de inadmissibilidade recursal por ofensa ao princípio da dialeticidade. VOTO - MÉRITO EXMA. SRA. DESA. MARIA HELENA GARGAGLIONE PÓVOAS (RELATORA) Colenda Câmara: Conforme o relatado, trata-se de recurso de Agravo de Instrumento interposto por VALÉRIA DE SOUZA, contra decisão proferida pelo Juízo da 4.ª Vara Especializada em Direito Bancário da Comarca de Cuiabá que, nos autos da Ação de Execução por Quantia Certa n.º 1037485-71.2024.811.0041 ajuizada por BANCO COOPERATIVO SICOOB S.A., a qual INDEFERIU, por hora, o pedido de liberação dos valores bloqueados em sua conta salário, no total de R$ 2.948,92 (dois mil, novecentos e quarenta e oito reais e noventa e dois centavos). Em suas razões recursais (id. 277115877), o Agravante sustenta, em síntese, que sua renda está comprometida, tendo em vista que a penhora recaiu sobre seus proventos e que detém grandes responsabilidades perante o sustento de sua família, uma vez que tem sob seus cuidados uma filha menor e um irmão especial, de quem é curadora, uma vez que seus pais já são falecidos. O Agravado, em contrarrazões, arguiu preliminar de inadmissibilidade por ofensa à dialeticidade. No mérito, defendeu a inadequação da exceção de pré-executividade para suprir perda de prazo e a manutenção da decisão agravada pela falta de provas da natureza alimentar dos valores penhorados. Adicionalmente, o Agravado apontou conduta contraditória da devedora, que reside em condomínio de alto padrão e custeia escola privada enquanto alega falta de recursos. Subsidiariamente, pugnou pela manutenção da penhora em 50% do valor. Pois bem. Cinge-se a controvérsia na possibilidade de manutenção penhora efetivada nos autos. A análise do caso demanda ponderação entre o princípio da efetividade da execução, que implica que se criem as condições necessárias para que o direito reconhecido em uma sentença ou título executivo seja, de fato, concretizado, e o princípio da dignidade da pessoa humana, diante das circunstâncias excepcionais apresentadas pela Agravante. Nos termos do art. 833, IV, do CPC, são impenhoráveis os vencimentos e salários, ressalvada a hipótese do §2º, que autoriza a penhora de percentual razoável, desde que não comprometida a subsistência do executado e de sua família. No caso concreto, há prova documental de que a verba bloqueada decorre de salário, conforme holerite acostado aos autos (id. 277115879), somado à ausência de demonstração de qualquer outra fonte de renda. As despesas fixas com moradia, alimentação, cuidados médicos e educacionais da filha menor e do irmão com deficiência reforçam a caracterização da verba como de natureza alimentar e essencial à sobrevivência. E quanto às despesas com o irmão, é presumível que o benefício concedido ao incapaz no valor de 01 (um) salário mínimo (id. 277115882) não supre as necessidade de tratamento e cuidados inerentes a uma pessoa com deficiência. Ora, ainda que o Agravado questione a real condição de hipossuficiência da executada, as evidências constantes nos autos não afastam o risco de lesão grave e de difícil reparação à sua dignidade, caso persistam bloqueios integrais ou sucessivos sobre sua remuneração líquida. Acerca da matéria o c. Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que, em situações excepcionais, a impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. pode ser excepcionada quando for preservado percentual mínimo capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família. Nesse sentido, destaco os seguintes julgados do c. STJ: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PENHORA. PERCENTUAL. SALÁRIO. MITIGAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. NÃO AFETA SUBSISTÊNCIA DO DEVEDOR E DA FAMÍLIA. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A impenhorabilidade de salários, vencimentos ou proventos pode ser excepcionada quando for preservado percentual capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família. Precedentes. 2. Alterar as conclusões do acórdão recorrido, no sentido de verificar se efetivamente a penhora de percentual da verba salarial acabará por prejudicar subsistência da parte agravante - quando o próprio Tribunal já afastou essa hipótese -, demandaria reexame de matéria fático-probatória, inviável em sede de recurso especial, a teor da Súmula 7 do STJ. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp n. 2.271.214/DF, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 23/10/2023, DJe de 26/10/2023.). (Destaquei) PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENHORA DE PERCENTUAL DE SALÁRIO. POSSIBILIDADE. RESERVA DE PERCENTUAL SUFICIENTE PARA DIGNIDADE DO DEVEDOR. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA. SÚMULA N.º 568 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Embora não se possa admitir, em abstrato, a penhora do salário da recorrida com base no § 2º do art. 833 do CPC/15, é possível determinar a constrição, à luz da interpretação dada ao art. 833, IV, do CPC/15, quando, concretamente, ficar demonstrado nos autos que tal medida não compromete a subsistência digna da devedora e de sua família. 2. Agravo interno não provido. (AgInt nos EDcl no REsp n. 2.034.605/SP, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 26/2/2024, DJe de 28/2/2024.) (Destaquei) PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TÍTULO EXTRAJUDICIAL. EXECUÇÃO. IMPENHORABILIDADE DE VENCIMENTOS. MITIGAÇÃO. POSSIBILIDADE. PRESERVAÇÃO DA SUBSISTÊNCIA DO DEVEDOR. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A Corte Especial, no julgamento do REsp 1.815.055/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, DJe 26/8/2020, consignou que a impenhorabilidade do salário pode ser mitigada em respeito ao princípio da máxima efetividade da execução, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana. Precedentes. 2. Agravo interno não provido.(AgInt no AREsp n. 2.208.645/SE, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 27/3/2023, DJe de 29/3/2023.) (Destaquei) AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL - AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECLAMO PARA DECLARAR A IMPENHORABILIDADE DA APOSENTADORIA - INSURGÊNCIA DAS AGRAVADAS. 1. De acordo com o entendimento mais recente do STJ, é possível relativizar a regra da impenhorabilidade dos vencimentos, subsídios, salários e proventos de aposentadoria (art. 833, IV, do CPC/15), desde que assegurado ao devedor e a sua família a subsistência digna. Precedentes. 2. Agravo interno provido para, de plano, conhecer do recurso especial e negar-lhe provimento, mantendo o acórdão recorrido que autorizou a penhora parcial dos proventos de aposentadoria. (STJ - AgInt nos EDcl no REsp: 1808430 SP 2019/0100536-8, Relator: Ministro MARCO BUZZI, Data de Julgamento: 14/06/2021, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/06/2021). (Destaquei) Do mesmo modo, à luz do princípio da dignidade humana e de garantia do mínimo existencial, tem-se firmado no âmbito deste e. Tribunal a penhora da verba salarial e de proventos de aposentadoria, desde que se resguarde valor suficiente para que o devedor possa viver com dignidade e que não represente risco de comprometimento de renda essencial à sua subsistência e da sua família; inclusive, limitando-se a penhora a 30% (trinta por cento). A propósito: RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – DECISÃO QUE DEFERIU A PENHORA DE 30% (TRINTA POR CENTO) DOS PROVENTOS DE SALÁRIO DO EXECUTADO – POSSIBILIDADE – RELATIVIZAÇÃO DA REGRA DE IMPENHORABILIDADE PREVISTA NO ARTIGO 833, INCISO IV, DO CPC – ENTENDIMENTO ATUAL DO STJ - DECISÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. De acordo com o artigo 833, inciso IV, do CPC, a verba salarial é impenhorável. No entanto, o STJ firmou entendimento no sentido de que, em situações excepcionais, admite-se a relativização da regra de impenhorabilidade das verbas salariais prevista no artigo 833, IV, do CPC, a fim de alcançar parte da remuneração do devedor para a satisfação do crédito não alimentar. Na hipótese, a penhora de 30% (trinta por cento) dos proventos de aposentadoria do Recorrido não foge dos parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade erigidos pela jurisprudência, o que confere plausibilidade ao direito de cobrança do Banco Exequente. (N.U 1025872-80.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, GUIOMAR TEODORO BORGES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 06/11/2024, Publicado no DJE 11/11/2024). EMENTA: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE PROVENTOS DE APOSENTADORIA. POSSIBILIDADE DE CONSTRIÇÃO PARCIAL. LIMITAÇÃO A 30% DOS RENDIMENTOS. IMPLICAÇÕES DE CARÁTER ALIMENTAR. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame Agravo de Instrumento interposto contra decisão que manteve a penhora de proventos de aposentadoria do Agravado, estabelecendo-se limites de 30%, com fundamento na jurisprudência do STJ sobre a exceção à impenhorabilidade para garantir o cumprimento de obrigações civis. II. Questão em discussão 2. A controvérsia recai sobre a possibilidade de penhora parcial dos proventos de aposentadoria do Agravado, dado seu caráter alimentar, frente à necessidade de quitação de dívidas. III. Razões de decidir 3. A jurisprudência do STJ autoriza a penhora de até 30% dos rendimentos de aposentadoria, respeitando a dignidade do devedor e o caráter alimentar dos valores. 4. No presente caso, o Agravado é idoso, portador de leucemia, e depende integralmente da aposentadoria para sua subsistência, sendo o montante bloqueado essencial para sua manutenção. IV. Dispositivo e tese 5. Agravo de Instrumento conhecido e desprovido. Tese de julgamento: "A penhora de até 30% dos proventos de aposentadoria é permitida, desde que respeitados o caráter alimentar e a preservação da subsistência do devedor, especialmente quando o devedor é idoso e portador de enfermidade grave." Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 1º, III; art. 833, IV e § 2º do CPC/2015. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp 1906957, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 22.03.2021. (N.U 1023082-26.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 08/10/2024, Publicado no DJE 10/10/2024). E M E N T A AGRAVO DE INSTRUMENTO – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – DECISÃO QUE DEFERIU A PENHORA DE 30% SOBRE A REMUNERAÇÃO LÍQUIDA DA AGRAVANTE – POSSIBILIDADE – RELATIVIZAÇÃO DA REGRA DE IMPENHORABILIDADE PREVISTA NO ARTIGO 833, IV, DO CPC/15 PARA SATISFAÇÃO DO CRÉDITO – PERCENTUAL FIXADO DENTRO DO LIMITE LEGAL – PRECEDENTES DO STJ – PRESERVAÇÃO DE PERCENTUAL A GARANTIR A DIGNIDADE DA DEVEDORA – DECISÃO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO “A regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. (art. 649, IV, do CPC/73; art. 833, IV, do CPC/2015), pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família” (AgInt no REsp n. 1.916.117/SP, Rela. Min. Maria Isabel Gallotti, 29.11.2021). No caso, verificado os elementos e as circunstâncias particulares do caso concreto, a constrição de 30% dos rendimentos líquidos da agravante (aposentadoria) atende aos interesses da parte agravada na tentativa de reaver o valor do crédito, bem como os do devedor, que ainda ficará com parte considerável da sua remuneração, no intuito de garantir sua sobrevivência e de seus familiares, restando respeitado o princípio da dignidade humana”. (N.U 1019629-23.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 25/09/2024, Publicado no DJE 29/09/2024) Registro, inclusive, que esta Relatora já decidiu nesse mesmo sentido, vejamos: EMENTA. AGRAVO DE INSTRUMENTO – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – BLOQUEIO DE VALORE SOBRE OS PROVENTOS DE APONSETADORIA – REGRA DO ART. 833, IV, DO CPC – IMPENHORABILIDADE – ENTENDIMENTO DO STJ – FLEXIBILIZAÇÃO DA REGRA LEGAL – 22% SOBRE OS PROVENTOS – VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE – INOCORRÊNCIA – DECISÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. Atenta à possibilidade de mitigação da impenhorabilidade da verba profissional, na hipótese, e considerando que, à míngua de prova em sentido contrário, a penhora sobre 22%, preserva a subsistência do devedor, ao mesmo tempo em que assegura o interesse público, que permeia a satisfação do crédito do exequente, é de rigor a manutenção da penhora sobre esse percentual da aposentadoria percebida pela Agravante. (N.U 1012141-17.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 12/06/2024, Publicado no DJE 17/06/2024). Deveras, a impenhorabilidade não pode ser utilizada como refúgio para o devedor descumprir suas obrigações, nesse contexto, merece registro o fato de que, mesmo intimado para promover o cumprimento voluntário da obrigação, a Agravante se manteve indiferente à dívida inadimplida, deixando transcorrer, in albis, o prazo assinalado para tanto. Contudo, a proposta de acordo apresentada pela Agravante — ainda que não homologada — evidencia boa-fé objetiva (art. 422 do CC) e adesão ao princípio da cooperação processual (art. 6º do CPC). A execução, como instrumento de concretização do direito material, deve observar também sua função social, não se tornando instrumento de opressão ao devedor vulnerável. Diante disso, mostra-se adequado e proporcional dar parcial provimento ao agravo para limitar eventuais bloqueios futuros à fração de 20% do salário líquido da agravante, resguardando o necessário à sua subsistência e de seus dependentes, sem prejuízo da penhora já efetivada. Com essas considerações, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao agravo para LIMITAR as futuras ordens de penhora sobre rendimentos da Agravante ao percentual de 20% (vinte por cento) do valor líquido de seu salário mensal, observando-se estritamente a origem remuneratória dos valores; MANTENHO a penhora já efetivada nos autos. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 11/06/2025

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Processo nº 1026962-26.2024.8.11.0000

ID: 307218862

Tribunal: TJMT Órgão: Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº Processo: 1026962-26.2024.8.11.0000

Data de Disponibilização: 25/06/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

FRANCISCO VIEIRA LIMA

Acórdão

Advogados:

FERNANDO CRUDE GOMES

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO NÚMERO ÚNICO: 1026962-26.2024.8.11.0000 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) ASSUNTO: [AMBIENTAL] RELATOR: EXMO. SR.… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO NÚMERO ÚNICO: 1026962-26.2024.8.11.0000 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) ASSUNTO: [AMBIENTAL] RELATOR: EXMO. SR. DES. DEOSDETE CRUZ JUNIOR TURMA JULGADORA: [DES(A). DEOSDETE CRUZ JUNIOR, DES(A). MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO, DES(A). MARIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA] PARTE(S): [ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0001-44 (AGRAVANTE), FRANCISCO VIEIRA LIMA - CPF: 202.611.101-44 (AGRAVADO), ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0020-07 (AGRAVANTE), FERNANDO CRUDE GOMES - CPF: 301.199.948-10 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). MARIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE RECONHECERAM A PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO. PARTICIPARAM DO JULGAMENTO O EXCELENTÍSSIMO SR. DES. RELATOR DEOSDETE CRUZ JÚNIOR, 1º VOGAL EXMO. SR. DES. MÁRIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA E 2ª VOGAL EXMA. SRA. DESA. MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO. E M E N T A DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO LIMINAR EM AÇÃO ANULATÓRIA. AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. SENTENÇA DE MÉRITO SUPERVENIENTE. PERDA DE OBJETO. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. I. Caso em exame Agravo de Instrumento interposto pelo Estado de Mato Grosso contra decisão que, nos autos da ação anulatória ajuizada por Francisco Vieira Lima, suspendeu os efeitos de auto de infração ambiental e vedou a cobrança de multa correspondente. Após a interposição do recurso, sobreveio sentença de mérito julgando procedente o pedido principal e reconhecendo a ilegitimidade passiva do autor para responder administrativamente pelo dano ambiental. II. Questão em discussão A questão em discussão consiste em verificar se, diante da superveniência de sentença que julgou procedente a ação anulatória, resta prejudicado o agravo de instrumento, por perda de objeto e consequente carência superveniente de interesse recursal. III. Razões de decidir A superveniência de sentença de mérito nos autos originários torna prejudicado o agravo de instrumento interposto contra decisão liminar, por ausência superveniente de interesse recursal. A procedência do pedido inicial e a consequente declaração de nulidade do auto de infração por ilegitimidade passiva exaurem o objeto do agravo, que se limitava à suspensão provisória dos efeitos do ato administrativo impugnado. O reconhecimento judicial da ausência de nexo causal entre a conduta do autor e o suposto dano ambiental impede a manutenção da sanção administrativa, conforme jurisprudência do STJ e do TJMT, que exige responsabilidade subjetiva na seara administrativa ambiental. IV. Dispositivo e tese Recurso de Agravo de Instrumento não conhecido, por perda superveniente do objeto. Tese de julgamento: “1. A superveniência de sentença de mérito que julga procedente a ação anulatória torna prejudicado o agravo de instrumento interposto contra decisão liminar. 2. A responsabilidade administrativa ambiental exige demonstração do nexo causal e do elemento subjetivo da conduta, não sendo possível sua imputação a proprietário ou possuidor que não detenha mais o domínio ou a posse à época da infração.” R E L A T O R I O EXMO. SR. DES. DEOSDETE CRUZ JÚNIOR (RELATOR): Egrégia Câmara, Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Estado de Mato Grosso contra decisão proferida pelo Juízo da Vara Especializada do Meio Ambiente da Comarca de Cuiabá, nos autos da ação declaratória de nulidade de ato administrativo cumulada com pedido de tutela de urgência nº 1018074-42.2024.8.11.0041, proposta por Francisco Vieira Lima. Na origem, a parte autora pleiteia a suspensão dos efeitos do Auto de Infração nº 20043189 e do Termo de Embargo e Interdição nº 20044106, ambos lavrados pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente – SEMA/MT, em razão de suposto desmatamento ilegal de 13,67 hectares de vegetação nativa, localizado no imóvel rural denominado “Sítio Mundial”, situado no Município de Nova Lacerda/MT, em área integrante do bioma Amazônia. A decisão agravada deferiu o pedido liminar formulado pelo autor, ora agravado, para o fim de suspender a exigibilidade das sanções administrativas aplicadas, sob o fundamento de que a documentação acostada aos autos sinaliza, ainda que em sede de cognição sumária, para a ocorrência de transferência da posse ou domínio do imóvel a terceiro em momento anterior à lavratura do auto de infração, revelando-se ausente, nesse estágio processual, a demonstração de dolo ou culpa atribuível ao demandante pela conduta lesiva imputada. Insatisfeito com o pronunciamento judicial, o ente estatal agravante sustenta que o contrato particular de compra e venda invocado pelo agravado não possui eficácia jurídica suficiente para operar a transferência da propriedade, dada a ausência de registro imobiliário, o que manteria hígida a titularidade dominial formal em nome do autuado. Assevera, ainda, que os atos administrativos impugnados gozam de presunção de legalidade e veracidade, cabendo à parte interessada o ônus da prova quanto à alegada ilegitimidade. Ressalta, também, que a responsabilidade administrativa ambiental possui caráter subjetivo, bastando para sua configuração a existência de culpa em sentido amplo, circunstância que, em sua ótica, restaria evidenciada ante a permanência da vinculação do agravado como responsável pela área perante os registros da SEMA. Em apreciação inaugural, o pedido de concessão de efeito suspensivo ao agravo de instrumento foi submetido à apreciação da relatora originária, que o indeferiu, por considerar ausentes os pressupostos legais exigidos para sua concessão. Fundamentou a decisão no entendimento de que a documentação carreada aos autos demonstraria, com razoável segurança, a existência de vínculo negocial entre o agravado e terceiro adquirente do imóvel, anterior à data do auto de infração, o que justificaria a suspensão da exigibilidade das sanções até pronunciamento definitivo, não se verificando, ademais, risco de dano irreversível à Administração Pública, tampouco risco à função fiscalizatória estatal. A Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso, mas ressaltou que as alegações relativas à titularidade do imóvel e à eventual ilegitimidade do autuado constituem matéria de mérito, a ser oportunamente examinada pela instância singular após a devida dilação probatória. É o relatório. V O T O EXMO. SR. DES. DEOSDETE CRUZ JÚNIOR (RELATOR): Egrégia Câmara: O recurso comporta provimento. Está em exame a análise do agravo de instrumento a insurgência deduzida pelo Estado de Mato Grosso contra decisão interlocutória proferida pelo Juízo da Vara Especializada do Meio Ambiente da Comarca de Cuiabá, que, nos autos da ação declaratória de nulidade de ato administrativo, deferiu tutela de urgência para suspender os efeitos do Auto de Infração nº 20043189 e do Termo de Embargo e Interdição nº 20044106, ambos lavrados em face de Francisco Vieira Lima, ora agravado, pela prática de desmatamento irregular de 13,67 hectares de vegetação nativa inserida no bioma amazônico. O cerne da controvérsia gira em torno da legitimidade do agravado para responder pela infração ambiental registrada no referido auto, à luz de contrato particular de compra e venda firmado antes da lavratura do auto de infração, o qual, segundo o agravado, transferiria a posse do imóvel a terceiro e, por consequência, excluiria sua responsabilidade pela conduta lesiva ao meio ambiente. Todavia, esse argumento, embora relevante à luz do direito obrigacional, não se mostra suficiente para afastar, de plano, a responsabilidade administrativa do agravado. Isso porque, à luz do disposto no artigo 1.245, § 1º, do Código Civil, a aquisição da propriedade imóvel somente se aperfeiçoa com o registro do título translativo no Cartório de Registro de Imóveis competente, não sendo apto o contrato particular de compra e venda, desacompanhado do registro, a operar efeitos reais perante terceiros, inclusive em relação ao poder de polícia exercido pelo Estado. No caso, não há prova de que houve o efetivo registro do contrato de compra e venda, de forma que não se desincumbiu o agravado de afastar sua legitimidade passiva. Não se pode esquecer que as obrigações ambientais possuem natureza jurídica propter rem, conforme entendimento consolidado na Súmula 623 do Superior Tribunal de Justiça, sendo transmissíveis com a coisa e podendo ser exigidas tanto do proprietário atual quanto dos anteriores, à escolha da Administração Pública. Dessa forma, pouco importa, sob o prisma da responsabilização administrativa, eventual alienação informal do imóvel, pois a obrigação de preservação ambiental vincula-se à titularidade jurídica do bem ou à sua posse qualificada, não se afastando pelo simples ajuste particular não levado a registro. Além disso, a jurisprudência desta Corte Estadual tem reiteradamente reafirmado que a responsabilidade por infração ambiental pode ser atribuída de forma objetiva e solidária a todos aqueles que, de algum modo, se beneficiem da atividade ou tenham contribuído direta ou indiretamente para a lesão ao meio ambiente, o que inclui os proprietários ou possuidores, ainda que formais, da área degradada. Vejamos: Ementa: DIREITO AMBIENTAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ANULATÓRIA DE MULTA AMBIENTAL. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA POR DANO AMBIENTAL. TEORIA PROPTER REM. TRANSMISSÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA. NECESSIDADE DE REGISTRO NO CARTÓRIO DE IMÓVEIS. SÚMULA 623/STJ. DECISÃO REFORMADA. RECURSO PROVIDO. I. Caso em exame Agravo de Instrumento interposto pelo Estado de Mato Grosso contra decisão que deferiu tutela provisória de urgência na Ação Anulatória de Multa Ambiental ajuizada por Valdemar Gonçalves dos Santos, determinando a suspensão da exigibilidade das multas ambientais constantes nos Autos de Infração nº 20043547 e nº 210433254. O agravante alega que o agravado não procedeu ao registro da alienação do imóvel rural em Cartório de Registro de Imóveis, razão pela qual permanece como proprietário formal e responsável pelas infrações ambientais verificadas. II. Questão em discussão A controvérsia reside em definir se a ausência de registro da transferência da propriedade exime o agravado da responsabilidade pelas infrações ambientais verificadas no imóvel, à luz da teoria propter rem e da responsabilidade objetiva ambiental. III. Razões de decidir O ordenamento jurídico brasileiro adota a teoria da responsabilidade objetiva ambiental, prevista no art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/81, tornando o proprietário do imóvel responsável independentemente da existência de culpa. A Súmula 623 do STJ estabelece que as obrigações ambientais possuem natureza propter rem, podendo ser exigidas do atual ou do anterior proprietário do imóvel. Nos termos do art. 1.245 do Código Civil, a transferência da propriedade só se opera com o devido registro no Cartório de Imóveis. Assim, enquanto não houver tal formalidade, o alienante permanece como legítimo titular e responsável pelos débitos ambientais. A jurisprudência consolidada do STJ e deste Tribunal reconhece que o contrato particular de compra e venda não é suficiente para afastar a legitimidade passiva do agravado, sendo necessária uma análise aprofundada na fase de instrução. Diante desse panorama, não há fundamento jurídico para a concessão da tutela provisória que afastou a exigibilidade das multas ambientais, impondo-se a reforma da decisão agravada. IV. Dispositivo e tese Recurso provido. Decisão reformada para indeferir a tutela provisória de urgência. Tese de julgamento: "1. A responsabilidade ambiental é objetiva e propter rem, recaindo sobre o titular do imóvel independentemente de culpa. 2. A alienação do imóvel sem o registro no Cartório de Imóveis não afasta a legitimidade passiva do vendedor para responder por infrações ambientais. 3. A concessão de tutela de urgência para afastar a exigibilidade de multa ambiental exige prova inequívoca da ilegitimidade passiva do autuado." Dispositivos relevantes citados: Lei nº 6.938/81, art. 14, §1º; Código Civil, art. 1.245. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula 623; STJ, REsp 1.056.540/GO, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 14/09/2009; TJMT, AI nº 1014103-12.2023.8.11.0000, Rel. Des. Maria Aparecida Ribeiro, j. 05/02/2024. (N.U 1026294-55.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, MARIA APARECIDA RIBEIRO, Terceira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 12/03/2025, Publicado no DJE 18/03/2025)(destaque nosso) Saliente-se que a reversibilidade da medida liminar deferida em primeiro grau não é, por si só, elemento suficiente para desconstituir a necessidade de observância ao princípio da precaução ambiental, que impõe a adoção de medidas de contenção imediata frente a riscos ou indícios de lesão ao meio ambiente, cuja recomposição, por sua própria natureza, é de difícil e por vezes impossível reparação. A decisão agravada, ao suspender os efeitos de auto de infração regularmente lavrado por autoridade competente, amparando-se apenas em documento particular de compra e venda desacompanhado de registro ou de prova inequívoca da mudança fática e jurídica na titularidade ou posse do imóvel, sem observar o regime jurídico das obrigações ambientais, incorreu em equívoco que impõe sua reforma. A segurança jurídica e a efetividade da tutela ambiental exigem que se reconheça a legitimidade passiva do agravado, enquanto constar como proprietário formal do imóvel junto ao registro imobiliário e nos cadastros da Administração Ambiental, especialmente diante da presunção relativa de veracidade que reveste os atos administrativos sancionatórios. Com base nessas considerações, DOU PROVIMENTO ao agravo de instrumento, para reformar a decisão agravada e restabelecer os efeitos do Auto de Infração nº 20043189 e do Termo de Embargo e Interdição nº 20044106, autorizando a continuidade das medidas administrativas promovidas pela SEMA/MT até ulterior deliberação no juízo de origem. É como voto. V O T O EXMO. SR. DES. MÁRIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA (1º VOGAL): Peço vista dos autos para melhor análise da matéria. V O T O EXMA. SRA. DESA. MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO (2ª VOGAL): Acompanho o voto do Relator. SESSÃO DE 03 DE JUNHO DE 2025 (CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO) V O T O (V I S T A) EXMO. SR. DES. MÁRIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA (1º VOGAL): R E L A T O R IO Egrégia Câmara: Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Estado de Mato Grosso contra decisão proferida pelo Juízo da Vara Especializada do Meio Ambiente da Comarca de Cuiabá, nos autos da ação declaratória de nulidade de ato administrativo cumulada com pedido de tutela de urgência nº 1018074-42.2024.8.11.0041, proposta por Francisco Vieira Lima, o qual deferiu a tutela provisória de urgência, para o fim de suspender efeitos do Auto de Infração 20043189 de 16/03/2020, por conseguinte, que o requerido se abstenha de promover qualquer cobrança da multa decorrente do referido ato administrativo. O agravante sustenta que o contrato particular de compra e venda invocado pelo agravado não possui eficácia jurídica suficiente para operar a transferência da propriedade, dada a ausência de registro imobiliário, o que manteria hígida a titularidade dominial formal em nome do autuado. Assevera, ainda, que os atos administrativos impugnados gozam de presunção de legalidade e veracidade, cabendo à parte interessada o ônus da prova quanto à alegada ilegitimidade. Ressalta, também, que a responsabilidade administrativa ambiental possui caráter subjetivo, bastando para sua configuração a existência de culpa em sentido amplo, circunstância que, em sua ótica, restaria evidenciada ante a permanência da vinculação do agravado como responsável pela área perante os registros da SEMA. O d. Relator proferiu voto no sentido de DAR PROVIMENTO ao agravo de instrumento, para reformar a decisão agravada e restabelecer os efeitos do Auto de Infração nº 20043189 e do Termo de Embargo e Interdição nº 20044106, autorizando a continuidade das medidas administrativas promovidas pela SEMA/MT até ulterior deliberação no juízo de origem. Para melhor análise da matéria, solicitei vistas dos autos. É o relatório. V O T O (V I S T A) Egrégia Câmara: Como relatado, cuida-se de Agravo de Instrumento interposto pelo ESTADO DE MATO GROSSO, contra decisão proferida pelo Juízo da Vara Especializada do Meio Ambiente da Comarca de Cuiabá, nos autos da ação declaratória de nulidade de ato administrativo cumulada com pedido de tutela de urgência nº 1018074-42.2024.8.11.0041, proposta por Francisco Vieira Lima, o qual deferiu a tutela provisória de urgência, para o fim de suspender efeitos do Auto de Infração 20043189 de 16/03/2020, por conseguinte, que o requerido se abstenha de promover qualquer cobrança da multa decorrente do referido ato administrativo. Da decisão Agravada, em síntese, extrai-se que: “O requerente argumenta ser parte ilegítima para figurar como autuado no Auto de Infração n. 20043189 e Termo de Embargo/Interdição n. 20044106 datados de 16.3.2020, visto que desde junho de 2019 não estava na posse da área, visto que havia vendido para Claiditon Miranda de Menezes (Id.154565596, fls. 13/17). Segundo a Lei n. 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, poluidor é a “pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” (art. 3º, inciso IV). Infere-se do referido texto legal, que um dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente é a “imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos” (art. 4º, inciso VII). Sobreleva mencionar que o art. 225, caput, da Constituição da República, alçou o meio ambiente ecologicamente equilibrado a direito fundamental do cidadão. Sendo de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida, caracteriza-se, em regra, como de natureza difusa, pois indivisível, tendo em vista que envolve segmentos indeterminados da sociedade. Quanto à responsabilização em matéria ambiental, o §3º do art. 225 da CF estabelece a tríplice responsabilização – penal, administrativa e civil – do poluidor em decorrência da consumação de condutas lesivas ao meio ambiente. Vejamos: Dispõe o art. 225 da Constituição Federal: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. [...]. §3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. [sem destaque no original]. Do referido dispositivo constitucional, extrai-se que as responsabilidades penal, administrativa e civil possuem características próprias e são regidas por sistemas jurídicos específicos, o que reforça o caráter de independência entre si. Considerando os contornos delineados na inicial, a responsabilidade a ser verificada, no caso, é a administrativa. Atualmente, o Superior Tribunal de Justiça tem firmado que a responsabilidade administrativa por infração ambiental é de natureza subjetiva, apartando-se da responsabilidade civil por dano ambiental, caracterizada pela natureza objetiva (Precedentes: REsp. n. 1.401.500-PR; AgRg no AREsp n. 62584/RJ; AgInt no REsp n. 1.746.275-SP). Colhe-se dos autos que a parte requerente era proprietária do imóvel rural denominado Sítio Mundial, localizado no Município de Nova Lacerda/MT, inscrito na matrícula n. 1125 do Registro de Imóveis de Comodoro/MT e no SIMCAR MT101960/2018 (Ids. 130040574 e 130040578). Dos documentos que acompanham a inicial, verifica-se que a parte requerente foi autuada em 16.3.2020, uma vez que constatada a conduta de “DESMATAR A CORTE RASO, NO ANO DE 2016, 13,67 HECTARES DE VEGETAÇÃO NATIVA EM ÁREA OBJETO DE ESPECIAL PRESERVAÇÃO, CONFORME RELATÓRIO TÉCNICO N. 188/GPFCD/CFFL/SUF/SEMA/2020.”, sendo lavrado, por conseguinte, o Auto de Infração n. 20043189 e o Termo de Embargo/Interdição n. 20044106 (Id. 154565596, fls. 2/3). Vê-se ainda dos documentos que acompanham a inicial, mormente dos documentos constantes no Id. 154565596 (fls.13/17) que a área objeto do auto de infração foi vendida para Claiditon Miranda de Menezes conforme contrato de compra e venda datado de 17/06/2021 (Id. 154565596 130038659). Extrai-se ainda, do Relatório Técnico n. 188/GPFCD/CFFL/SUF/SEMA2020, datado de 16/03/2020 que: “(...) após a realização dos procedimentos descritos, para o imóvel rural denominado “SÍTIO MUNDIAL”, registrado na base de dados do “SIMCAR”, sob o CAR nº MT163899/2019 (CANCELADO), localizado no município de “NOVA LACERDA”, de propriedade do (a) Sr. (a) “FRANCISCO VIEIRA LIMA”, foi constatado 13,67 ha de desmatamento a corte raso ilegal, ou seja, não autorizado (s) pelo órgão ambiental competente, realizado entre 15/12/2019 E 27/12/2019. De acordo com a base cartográfica de referência oficial da SEMA, o (s) dano (s) constatado (s) se encontra (m) inserido (s) no bioma AMAZÔNIA, em formação vegetal do tipo “FLORESTA”, conforme o RADAM Brasil. Conforme as análises e conferências realizadas, a área objeto da autuação NÃO se encontrava aberta (desmatada) em data anterior a 22 de julho de 2008. Desta forma, NÃO se trata (m) de área (s) consolidada, ou seja, no referido ano a área não se encontrava com uma efetiva substituição da vegetação nativa por um uso alternativo do solo. Assim, em hipótese alguma, a intervenção em vegetação nativarealizada de forma ilegal e referente a esta autuação poderá vir a ser alegada como limpeza de área. Isto porque, segundo a Instrução Normativa nº 12 de 12 de fevereiro de 2016, a retirada de vegetação nativa em processo de regeneração, mesmo tendo até 50 indivíduos por hectare com DAP até 10 cm, só pode se constituir em atividade de limpeza de pastagem e/ou área quando realizada em áreas que foram abertas com autorização, em áreas consolidadas ou em áreas abertas sem autorização, mas que tenham sido regularizadas, o que não é o caso em questão. (...)” Com efeito, não obstante a administração pública tenha lavrado o auto de infração com base em informações cadastradas em seu banco de dados, nessa fase de cognição sumária, a princípio, verifica-se que provas produzidas pela parte requerente demonstram que a propriedade foi vendida em junho de 2019, ou seja, em período anterior a autuação. Assim, numa análise sumária, própria dessa fase processual, não vislumbro dolo ou negligência da parte requerente no evento, tampouco certeza quanto ao nexo de causalidade entre a conduta que lhe é atribuída no Auto de Infração n. 20043189 e no Termo de Embargo/Interdição n. 20044106 datados de 16/03/2020 (Id. 154565596) e o resultado naturalístico constatado, situações que configuram a existência da probabilidade do direito a ensejar a concessão da medida liminar pleiteada. Igualmente, se faz presente o perigo de dano, tendo em vista que a penalidade de multa imposta à parte requerente no Auto de Infração n. 20043189 já se encontra na iminência de ser inscrita em dívida ativa, tendo em vista a conclusão do processo administrativo, e no caso de inadimplemento, será inserida em cadastros de maus pagadores, o que a impossibilitará de obter certidões, contrair financiamentos etc., prejudicando o exercício da atividade que desenvolve. Por fim, não se verifica o periculum in mora inverso, haja vista que a medida é perfeitamente reversível se julgada improcedente ao final. 2. DISPOSITIVO. Pelo exposto e considerando a fundamentação supra: 2.1. DEFIRO o pedido de tutela provisória de urgência formulada pela parte requerente e DETERMINO a suspensão dos efeitos do Auto de Infração 20043189 de 16/03/2020, por conseguinte, que o requerido se abstenha de promover qualquer cobrança da multa decorrente do referido ato administrativo.” Por seu turno, da decisão proferida pelo e. Relator, em suma, observa-se que: “O recurso comporta provimento.Está em exame a análise do agravo de instrumento a insurgência deduzida pelo Estado de Mato Grosso contra decisão interlocutória proferida pelo Juízo da Vara Especializada do Meio Ambiente da Comarca de Cuiabá, que, nos autos da ação declaratória de nulidade de ato administrativo, deferiu tutela de urgência para suspender os efeitos do Auto de Infração nº 20043189 e do Termo de Embargo e Interdição nº 20044106, ambos lavrados em face de Francisco Vieira Lima, ora agravado, pela prática de desmatamento irregular de 13,67 hectares de vegetação nativa inserida no bioma amazônico.O cerne da controvérsia gira em torno da legitimidade do agravado para responder pela infração ambiental registrada no referido auto, à luz de contrato particular de compra e venda firmado antes da lavratura do auto de infração, o qual, segundo o agravado, transferiria a posse do imóvel a terceiro e, por consequência, excluiria sua responsabilidade pela conduta lesiva ao meio ambiente.Todavia, esse argumento, embora relevante à luz do direito obrigacional, não se mostra suficiente para afastar, de plano, a responsabilidade administrativa do agravado.Isso porque, à luz do disposto no artigo 1.245, § 1º, do Código Civil, a aquisição da propriedade imóvel somente se aperfeiçoa com o registro do título translativo no Cartório de Registro de Imóveis competente, não sendo apto o contrato particular de compra e venda, desacompanhado do registro, a operar efeitos reais perante terceiros, inclusive em relação ao poder de polícia exercido pelo Estado.No caso, não há prova de que houve o efetivo registro do contrato de compra e venda, de forma que não se desincumbiu o agravado de afastar sua legitimidade passiva.Não se pode esquecer que as obrigações ambientais possuem natureza jurídica propter rem, conforme entendimento consolidado na Súmula 623 do Superior Tribunal de Justiça, sendo transmissíveis com a coisa e podendo ser exigidas tanto do proprietário atual quanto dos anteriores, à escolha da Administração Pública.Dessa forma, pouco importa, sob o prisma da responsabilização administrativa, eventual alienação informal do imóvel, pois a obrigação de preservação ambiental vincula-se à titularidade jurídica do bem ou à sua posse qualificada, não se afastando pelo simples ajuste particular não levado a registro.Além disso, a jurisprudência desta Corte Estadual tem reiteradamente reafirmado que a responsabilidade por infração ambiental pode ser atribuída de forma objetiva e solidária a todos aqueles que, de algum modo, se beneficiem da atividade ou tenham contribuído direta ou indiretamente para a lesão ao meio ambiente, o que inclui os proprietários ou possuidores, ainda que formais, da área degradada. [...] Saliente-se que a reversibilidade da medida liminar deferida em primeiro grau não é, por si só, elemento suficiente para desconstituir a necessidade de observância ao princípio da precaução ambiental, que impõe a adoção de medidas de contenção imediata frente a riscos ou indícios de lesão ao meio ambiente, cuja recomposição, por sua própria natureza, é de difícil e por vezes impossível reparação.A decisão agravada, ao suspender os efeitos de auto de infração regularmente lavrado por autoridade competente, amparando-se apenas em documento particular de compra e venda desacompanhado de registro ou de prova inequívoca da mudança fática e jurídica na titularidade ou posse do imóvel, sem observar o regime jurídico das obrigações ambientais, incorreu em equívoco que impõe sua reforma.A segurança jurídica e a efetividade da tutela ambiental exigem que se reconheça a legitimidade passiva do agravado, enquanto constar como proprietário formal do imóvel junto ao registro imobiliário e nos cadastros da Administração Ambiental, especialmente diante da presunção relativa de veracidade que reveste os atos administrativos sancionatórios.Com base nessas considerações, DOU PROVIMENTO ao agravo de instrumento, para reformar a decisão agravada e restabelecer os efeitos do Auto de Infração nº 20043189 e do Termo de Embargo e Interdição nº 20044106, autorizando a continuidade das medidas administrativas promovidas pela SEMA/MT até ulterior deliberação no juízo de origem.” Nos termos do art. 225, §3º, da Constituição da República, as infrações ambientais sujeitam o infrator à responsabilidade penal, administrativa e civil, independentemente umas das outras, conforme reconhecido pela doutrina majoritária e pela jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça. Contudo, ao contrário da responsabilidade civil ambiental — regida pelo princípio do risco integral e, portanto, objetiva —, a responsabilidade administrativa ambiental tem natureza subjetiva, exigindo a demonstração de culpa, ainda que em sentido amplo (negligência, imprudência ou imperícia). Portanto, para a imposição de sanções administrativas, não basta a mera titularidade formal do imóvel nos cadastros da Administração Pública ambiental, sendo necessária a vinculação subjetiva entre o autuado e a conduta lesiva ao meio ambiente. Infere-se dos autos a existência de contrato particular de compra e venda, firmado (com reconhecimento de firma) em junho de 2019, no qual o agravado, FRANCISCO VIEIRA LIMA, transfere a posse e os direitos sobre o imóvel rural denominado “Sítio Mundial” a terceiro identificado como Claiditon Miranda de Menezes. Embora a formalização da transmissão da propriedade imobiliária, nos termos do art. 1.245 do Código Civil, exija o registro no Cartório de Imóveis, é igualmente incontroverso que, no campo das relações fático-administrativas, a posse e a disponibilidade material da área são elementos relevantes para a análise da responsabilidade ambiental. A própria SEMA/MT reconhece, por meio do Relatório Técnico n.º 188/2020, que a supressão vegetal ilegal ocorreu entre 15/12/2019 e 27/12/2019, portanto após a data do contrato de alienação (junho de 2019). Esse dado cronológico, aliado ao contrato juntado, evidencia, ao menos em juízo de probabilidade, que o agravado não detinha mais a posse da área à época do desmatamento constatado. Nesse cenário, impunha-se à Administração Pública — mesmo diante de presunções administrativas — verificar quem efetivamente detinha a posse e operava a área rural à época do dano ambiental, pois a autuação exclusivamente com base em registros cadastrais defasados afronta o devido processo legal substancial. O perigo de dano está consubstanciado na iminência de inscrição da multa em dívida ativa, o que pode gerar constrangimentos patrimoniais indevidos, inclusive inserção em cadastros de inadimplentes e restrição à obtenção de certidões e financiamentos, com prejuízo à atividade econômica do agravado. A decisão agravada está também devidamente motivada e alicerçada em juízo de verossimilhança, sem caráter irreversível, já que a suspensão da exigibilidade da multa pode ser revertida a qualquer tempo, mediante decisão de mérito. Convem destacar, por oportuno que, ao que tudo indica, o suposto desmatamento não ocorreu em Área de Preservação Permanente (APP) ou Reserva Legal (ARL), tampouco há nos autos qualquer indicação nesse sentido. Ao contrário, a intervenção ambiental teria ocorrido em área particular, fora dos espaços legalmente demarcados como de proteção integral ou restrita. Diante do exposto, com a devida vênia, divirjo respeitosamente do voto do eminente Relator e voto por NEGAR PROVIMENTO ao agravo de instrumento, mantendo-se incólume a decisão que suspendeu os efeitos do Auto de Infração Ambiental n.º 20043189 e a exigibilidade da multa correspondente, até decisão final da ação principal. É como voto. V O T O EXMA. SRA. DESA. MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO (2ª VOGAL): Peço vista dos autos para melhor análise da matéria. SESSÃO DE 17 DE JUNHO DE 2025 (CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO) V O T O (VISTA) EXMA. SRA. DESA. MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO (2ª VOGAL): Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de “AGRAVO DE INSTRUMENTO com pedido de efeito suspensivo”, interposto pelo ESTADO DE MATO GROSSO contra a decisão proferida pelo Excelentíssimo Juiz de Direito, Dr. Bruno D’Oliveira Marques, que, nos autos da “AÇÃO DE CONHECIMENTO COM PEDIDO DECLARATÓRIO DE NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO C/C PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA CAUTELAR” n.º 1018074-42.2024.8.11.0041 ajuizada por FRANCISCO VIEIRA LIMA em desfavor do ente público, em trâmite na Vara Especializada do Meio Ambiente da Comarca de Cuiabá, MT, deferiu o pedido de tutela provisória de urgência, para determinar a suspensão dos efeitos do Auto de Infração n.º 20043189, lavrado em 16.03.2020, bem como que o requerido se abstenha de promover a cobrança da multa decorrente do referido ato administrativo (ID. 165013150). O eminente relator, Exmo. Sr. Des. Deosdete Cruz Júnior, proferiu voto no sentido de DAR PROVIMENTO ao recurso. O 1º vogal, Exmo. Des. Mário Roberto Kono de Oliveira, abriu divergência ao votar pelo DESPROVIMENTO. Para melhor análise, solicitei vista dos autos. É o merece registro Do exame dos elementos e circunstâncias que envolvem a controvérsia, verifica-se que o recurso não ultrapassa os pressupostos de admissibilidade necessários para o seu conhecimento. Isso porque, em consulta ao sistema eletrônico pertinente, constata-se que, no dia 11.06.2025, a ação anulatória n.º 1018074-42.2024.8.11.0041, que originou o agravo que ora se analisa, foi sentenciada e a pretensão autoral julgada procedente, conforme transcrevo (ID. 197055790 dos autos em referência): “SENTENÇA Vistos. 1. Relatório Trata-se de Ação Anulatória ajuizada por Francisco Vieira Lima em face do Estado de Mato Grosso, com pedido de tutela de urgência para suspender os efeitos do processo administrativo n. 119914/2020 e auto de infração n. 20043189. No mérito, pede a declaração de nulidade dos atos administrativos. Em sua inicial (id. 154562947) o requerente alegou ter sido indevidamente autuado por suposto desmatamento ilegal de 13,67 hectares de floresta nativa no Sítio Mundial, município de Nova Lacerda/MT, conforme Auto de Infração n. 20043189, de 16/03/2020, com consequente embargo da área (Termo n. 20044106). Sustentou sua ilegitimidade passiva, pois vendeu o imóvel para terceiros em 17/06/2019, seis meses antes da autuação, mediante contrato registrado em cartório. Afirma que a identificação do responsável baseou-se exclusivamente em cadastro desatualizado do CAR (Cadastro Ambiental Rural), sem vistoria in loco. Alegou nulidade do auto de infração por: (i) ausência de motivo e forma, uma vez que a autuação fundamentou-se apenas em imagens de satélite de baixa qualidade, sem relatório fotográfico obrigatório; (ii) ausência de materialidade, questionando a tipologia da vegetação e a configuração de floresta amazônica; (iii) falta de nexo causal, posto que não era proprietário ou possuidor quando dos fatos. Quanto ao embargo, sustentou sua ilegalidade com base no art. 18, §1º, do Decreto Estadual nº 1.436/2022, que veda tal penalidade quando o desmatamento ocorre fora de APP ou Reserva Legal. Subsidiariamente, requereu a conversão da multa em advertência ou em serviços ambientais, invocando o princípio da gradação das penalidades (art. 102 da LC Estadual nº 38/1995). A inicial veio instruída com documentos (ids. 154564185 a 154565596). Manifestação do Estado contra a tutela de urgência no id. 156233182. A liminar foi concedida no id. 165013150, para determinar a suspensão dos efeitos do Auto de Infração 20043189 e, por conseguinte, que o requerido se abstenha de promover qualquer cobrança da multa decorrente do referido ato administrativo. Apresentada contestação no id. 169483135, o Estado defendeu a validade do auto de infração e do termo de embargo lavrados. Sustentou que a área afetada configura espaço especialmente protegido, sendo o bioma amazônico dotado de regime jurídico específico de preservação, o que justifica a autuação. Rebateu a alegação de ilegitimidade passiva do autor, argumentando que não houve transferência formal da propriedade do imóvel à época da infração, e que, nos termos da Lei n. 6.938/81, o responsável pela área, mesmo que de forma indireta, responde administrativamente pelo dano ambiental. Destacou que a fiscalização pode ser realizada por sensoriamento remoto, com respaldo legal, e que a autuação goza de presunção de legitimidade, não afastada por prova robusta. Por fim, afirmou ser incabível a conversão da multa em advertência ou em serviços ambientais, ante a inexistência de pedido tempestivo na via administrativa e a natureza grave da infração. Impugnação à contestação no id. 172362296. No id. 172430878 está encartada decisão proferida no Agravo de Instrumento n. 1026962-26.2024.8.11.0000, que indeferiu o efeito suspensivo pleiteado pelo Estado, que pretendia a reforma da decisão liminar acima. O requerido manifestou desinteresse em produzir outras provas (id. 175126076). O Ministério Público manifestou-se pela improcedência do pedido inicial (id. 177648062). É o relatório. Decido. 2. Fundamentação Diante das provas existentes nos autos e da manifestação das partes, torna-se desnecessária a produção de outras provas para o julgamento da presente lide, de modo que passo ao julgamento do processo no estado em que se encontra, conforme permite o art. 355, I, do CPC. 2.1. Da ilegitimidade passiva do autor e da responsabilidade administrativa subjetiva Em que pese as demais alegações aventadas na peça inicial, a questão central destes autos reside na análise da legitimidade passiva do autor para responder pela infração ambiental descrita no Auto de Infração n. 20043189/2020, considerando que o suposto ilícito ocorreu quando o imóvel já não mais se encontrava sob sua posse. É fundamental estabelecer, de início, que a responsabilidade administrativa por infrações ambientais não se confunde com a responsabilidade civil por danos ao meio ambiente. Enquanto esta última possui natureza objetiva, conforme art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/81, a responsabilidade administrativa-sancionadora exige a demonstração da conduta culposa ou dolosa do agente, observando-se o princípio da intranscendência das penas previsto no art. 5º, inciso XLV, da Constituição Federal. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento consolidado no sentido de que a aplicação de penalidades administrativas ambientais deve observar a sistemática da teoria da culpabilidade, exigindo demonstração do elemento subjetivo da conduta e do nexo causal entre a ação ou omissão e o dano ambiental. Nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA SUBMETIDOS AO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 2/STJ. EMBARGOS À EXECUÇÃO. AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO EM RAZÃO DE DANO AMBIENTAL. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. 1. Na origem, foram opostos embargos à execução objetivando a anulação de auto de infração lavrado pelo Município de Guapimirim - ora embargado -, por danos ambientais decorrentes do derramamento de óleo diesel pertencente à ora embargante, após descarrilamento de composição férrea da Ferrovia Centro Atlântica (FCA). 2. A sentença de procedência dos embargos à execução foi reformada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro pelo fundamento de que "o risco da atividade desempenhada pela apelada ao causar danos ao meio ambiente consubstancia o nexo causal de sua responsabilidade, não havendo, por conseguinte, que se falar em ilegitimidade da embargante para figurar no polo passivo do auto de infração que lhe fora imposto", entendimento esse mantido no acórdão ora embargado sob o fundamento de que "[a] responsabilidade administrativa ambiental é objetiva". 3. Ocorre que, conforme assentado pela Segunda Turma no julgamento do REsp 1.251.697/PR, de minha relatoria, DJe de 17/4/2012), "a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano". 4. No mesmo sentido decidiu a Primeira Turma em caso análogo envolvendo as mesmas partes: "A responsabilidade civil ambiental é objetiva; porém, tratando-se de responsabilidade administrativa ambiental, o terceiro, proprietário da carga, por não ser o efetivo causador do dano ambiental, responde subjetivamente pela degradação ambiental causada pelo transportador" (AgRg no AREsp 62.584/RJ, Rel. p/ Acórdão Ministra Regina Helena Costa, DJe de 7/10/2015). 5. Embargos de divergência providos. (EREsp n. 1.318.051/RJ, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 8/5/2019, DJe de 12/6/2019.) (Sem destaque no original) No mesmo sentido, o Tribunal Mato-grossense consolidou sua jurisprudência na linha de que a alienação do imóvel em data anterior ao fato autuado conduz à ilegitimidade passiva para responder à sanção administrativa, sendo necessária a comprovação de que o antigo proprietário/possuidor efetivamente praticou a conduta infracional ou dela se beneficiou. A título de exemplo: DIREITO AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. EXECUÇÃO FISCAL. MULTA AMBIENTAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. ALIENAÇÃO DO IMÓVEL ANTES DA INFRAÇÃO. RECURSO NÃO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelação interposta contra sentença que extinguiu a execução fiscal por ilegitimidade passiva da parte executada, em virtude da alienação do imóvel rural antes da ocorrência da infração ambiental que originou a multa inscrita em dívida ativa. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em verificar se a parte executada detém legitimidade para figurar no polo passivo da execução fiscal, considerando a alienação do imóvel rural antes da ocorrência do dano ambiental que originou o auto de infração. III. Razões de decidir 3. A responsabilidade administrativa por infração ambiental é de natureza subjetiva, exigindo a demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano, diferentemente da responsabilidade civil ambiental, que é objetiva. 4. Os contratos de compra e venda firmados em 18.03.2019, com firmas reconhecidas em cartório, e as respectivas escrituras públicas comprovam inequivocamente que a transmissão da propriedade ocorreu antes da lavratura do auto de infração em 23.09.2019. 5. Conforme Tema 1204 do STJ, o alienante fica isento de responsabilidade quando seu direito real tenha cessado antes da causação do dano ambiental, desde que para ele não tenha concorrido, direta ou indiretamente. 6. A responsabilidade pela infração deve ser atribuída aos proprietários do imóvel à época do dano ambiental, em respeito ao princípio da intranscendência das penas previstas no art. 5º, XLV, da Constituição Federal. (...) (N.U 1042638-22.2023.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, RODRIGO ROBERTO CURVO, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 16/04/2025, Publicado no DJE 23/04/2025) (Sem destaque no original) No caso concreto, a documentação constante dos autos comprova de forma inequívoca que o autor transferiu a posse do imóvel objeto da autuação em data anterior à ocorrência do suposto ilícito ambiental. O Instrumento Particular de Contrato de Compra e Venda de Imóvel Rural, datado de 17/06/2019, com firmas reconhecidas e registrado no 2º Ofício de Pontes e Lacerda/MT (ids. 154565596), demonstra que a transferência da posse operou-se aproximadamente seis meses antes da data do desmate apontado no auto de infração (dezembro de 2019). Importante destacar que referido documento foi apresentado tempestivamente no processo administrativo (fls. 13/15 do processo administrativo - id 154565596), não havendo questionamento quanto à sua autenticidade, especialmente considerando o reconhecimento de firmas e o registro cartorário. Sendo assim, é evidente que não há nexo causal entre eventual conduta do autor e o dano ambiental retratado no auto de infração, posto que, à época dos fatos, o requerente já não possuía controle sobre o imóvel. Conforme pacificado pelo STJ, a responsabilidade administrativa por infrações ambientais reclama a análise dos elementos subjetivos da conduta, de modo que o agente somente deve ser penalizado quando comprovada a ação ou omissão dolosa ou culposa que viole as regras jurídicas de proteção ambiental. Com efeito, a autuação do requerente baseou-se exclusivamente em informações constantes do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que se encontrava desatualizado à época dos fatos. Tal circunstância evidencia a falha na apuração da real autoria da infração, comprometendo a validade do ato administrativo. Ora, a utilização de dados cadastrais desatualizados, sem a devida verificação da situação fática do imóvel, constitui vício no elemento "motivo" do ato administrativo, nos termos da teoria dos motivos determinantes, comprometendo sua validade. Ademais, o princípio constitucional da intranscendência das penas (art. 5º, XLV, CF) veda que a sanção ultrapasse a pessoa do responsável pelo ilícito, impedindo que terceiros sejam penalizados por condutas que não praticaram. No caso em análise, a imposição de multa ao autor pela conduta praticada pelos atuais possuidores do imóvel representaria clara violação a tal princípio, uma vez que a penalidade estaria transcendendo a pessoa do efetivo responsável pela infração, consoante se denota do julgado acima referido, de origem deste Tribunal. Frise-se, embora os atos administrativos gozem de presunção de legitimidade e veracidade, tal presunção é relativa (juris tantum), admitindo prova em contrário. No presente caso, a documentação apresentada pelo autor afasta tal presunção, demonstrando a ausência de legitimidade passiva para a imposição da sanção. Enfim, diante do acolhimento do pedido principal de nulidade do auto de infração por ilegitimidade passiva, resta prejudicada a análise dos pedidos subsidiários. 3. Dispositivo Posto isso, julgo procedente o pedido inicial para: a) declarar a nulidade do Auto de Infração n. 20043189, datado de 16/03/2020, bem como de todos os atos administrativos deles decorrentes, por ilegitimidade passiva do autuado; e b) determinar ao Estado de Mato Grosso que se abstenha definitivamente de promover qualquer cobrança da multa ou adotar medidas executivas em desfavor do autor, tornando definitiva a tutela de urgência anteriormente concedida. Como consequência, julgo extinto o processo com resolução do mérito (art. 487, I, do CPC). Condeno o Estado de Mato Grosso ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, com base no art. 85, §3º, inciso I, do CPC, considerando a matéria e o trabalho desenvolvido. Embora procedente a ação, a Fazenda Pública é isenta de custas processuais (nos termos do art. 3º, inciso I, da Lei Estadual n. 7.603/01), porém, esta isenção não afasta sua responsabilidade quanto ao reembolso das quantias adiantadas pelo vencedor da demanda. Sendo assim, condeno o Estado ao reembolso do valor adiantado pelo autor. Deixo de remeter os autos ao e. Tribunal de Justiça para reexame necessário, por tratar de ação que o proveito econômico não ultrapassa o limite previsto no inciso II, do §3º, do art. 496, do CPC. Transitada em julgado, certifique-se e, após as cautelas de praxe, arquivem-se os autos. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se. (datado e assinado digitalmente) PORTARIA CGJ N. 7/2025-GAB-CGJ, DE 15 DE JANEIRO DE 2025. Evidente, portanto, que, sentenciados os autos originários, a apreciação do presente Agravo de Instrumento fica prejudicada, em razão da carência superveniente do interesse recursal e consequente perda do objeto. Sobre o tema, leciona o eminente processualista Nelson Nery Junior, in Comentários ao Código de Processo Civil, 2015, p.1.851: “Recurso prejudicado. É aquele que perdeu seu objeto. Ocorrendo a perda do objeto, há falta superveniente de interesse recursal, impondo-se o não conhecimento do recurso por ausência de requisito de admissibilidade. Assim, ao relator cabe julgar inadmissível o recurso por falta de interesse, ou seja, julgá-lo prejudicado”. Diante do exposto e ante tudo o mais que dos autos consta, com o devido respeito e vênia, voto no sentido de NÃO CONHECER O RECURSO, uma vez que prejudicado, ante, repito, a perda de seu objeto, nos termos do artigo 932, inciso III, do CPC e artigo 51, inciso XV, do RITJMT. É como voto. V O T O (RETIFICADO): EXMO. SR. DES. DEOSDETE CRUZ JÚNIOR (RELATOR): Adiro ao voto da Desa. Maria Aparecida Ferreira Fago, reconhecendo a perda do objeto. V O T O (RETIFICADO): EXMO. SR. DES. MÁRIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA (1º VOGAL): Acompanho ao voto da Desa. Maria Aparecida Ferreira Fago, nesta oportunidade aderido pelo Relator. Data da sessão: Cuiabá-MT, 17/06/2025

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Processo nº 1035207-26.2024.8.11.0000

ID: 276873673

Tribunal: TJMT Órgão: Órgão Especial Classe: DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº Processo: 1035207-26.2024.8.11.0000

Data de Disponibilização: 23/05/2025

Polo Ativo:

MUNICÍPIO DE PONTES E LACERDA

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

DOUGLAS HENRIQUE DOS SANTOS SILVA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO ÓRGÃO ESPECIAL Número Único: 1035207-26.2024.8.11.0000 Classe: DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (95) Assunto: [Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade] Re… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO ÓRGÃO ESPECIAL Número Único: 1035207-26.2024.8.11.0000 Classe: DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (95) Assunto: [Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade] Relator: Des(a). GILBERTO GIRALDELLI Turma Julgadora: [DES(A). GILBERTO GIRALDELLI, DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, DES(A). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, DES(A). HELIO NISHIYAMA, DES(A). JOSE LUIZ LEITE LINDOTE, DES(A). JOSE ZUQUIM NOGUEIRA, DES(A). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, DES(A). MARCIO VIDAL, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). MARIA EROTIDES KNEIP, DES(A). NILZA MARIA POSSAS DE CARVALHO, DES(A). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, DES(A). RODRIGO ROBERTO CURVO, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO] Parte(s): [MUNICÍPIO DE PONTES E LACERDA - CNPJ: 15.023.989/0001-26 (AUTOR), PONTES E LACERDA CAMARA MUNICIPAL - CNPJ: 15.023.278/0001-51 (REU), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS), JAMES ROGERIO BAPTISTA - CPF: 202.729.588-75 (ADVOGADO), DOUGLAS HENRIQUE DOS SANTOS SILVA - CPF: 024.662.191-58 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a ÓRGÃO ESPECIAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). JOSE ZUQUIM NOGUEIRA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, JULGOU EXTINTA A AÇÃO SEM EXAME DO MÉRITO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. E M E N T A DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EMENDA À LEI ORGÂNICA MUNICIPAL. SUBSCRIÇÃO DA INICIAL EXCLUSIVAMENTE POR PROCURADOR MUNICIPAL, DESTITUÍDO DE PROCURAÇÃO. AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE ATIVA. VÍCIO INSANÁVEL. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. I. Caso em exame 1. Ação direta de inconstitucionalidade proposta com fundamento nos arts. 124, IX, e 164, §15 da Constituição Estadual e no art. 166, §9º, da Constituição Federal, com o objetivo de declarar a inconstitucionalidade da Emenda n.º 001/2024 à Lei Orgânica do Município de Pontes e Lacerda/MT, por estabelecer bases de cálculo distintas para incidência do percentual limite da receita corrente líquida para elaboração e para a execução de emendas impositivas. II. Questão em discussão 2. As questões em discussão consistem em determinar: (i) se há inconstitucionalidade no estabelecimento de bases de cálculo distintas para a elaboração e para a execução de emendas parlamentares impositivas; (ii) se o Prefeito Municipal é parte legitimada para propor ADI perante o Tribunal de Justiça; e (iii) se a ausência de sua subscrição na inicial e de outorga de procuração com poderes específicos ao Procurador do Município acarreta vício insanável que obsta o julgamento meritório da ação. III. Razões de decidir 3. A legitimidade ativa ad causam para o controle abstrato de constitucionalidade é conferida pessoalmente ao Prefeito Municipal, não podendo ser exercida por procuradores sem a sua subscrição ou outorga de poderes específicos. 4. A ausência de subscrição da inicial pelo então Prefeito, bem como de instrumento de mandato específico, acarreta vício insanável, o qual não é passível de regularização nos termos do art. 321 do CPC, por tratar-se de condição da ação, a ser aferida in status assertionis, daí porque não há falar em violação ao princípio da vedação à decisão surpresa. IV. Dispositivo e tese 5. Ação direta de inconstitucionalidade extinta sem resolução do mérito. Tese de julgamento: "1. A legitimidade ativa para propositura de ação direta de inconstitucionalidade é pessoal do Prefeito Municipal, conforme previsão do art. 124, IX, da Constituição do Estado de Mato Grosso. 2. A ausência de subscrição da petição inicial pelo Prefeito, ou de instrumento de mandato específico, acarreta ilegitimidade ativa insanável e impõe a extinção da ação sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, VI, do CPC." Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 103 e 166, §9º; CE/MT, art. 124, IX; CPC, arts. 18 e 485, VI. Jurisprudência relevante citada: STF, RE 831.936 AgR, Rel. Min. Celso de Mello; STF, RE 1038014 AgR, Rel. Min. Edson Fachin; STF, Rcl 24162 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli; TJMT, ADI 1028751-94.2023, Rel. Des. Carlos Alberto Alves da Rocha; TJSP, AgInt 2075832-39.2022.8.26.0000, Rel. Des. Décio Notarangeli. R E L A T Ó R I O REQUERENTE: PREFEITO DO MUNICÍPIO DE PONTES E LACERDA/MT REQUERIDO: CÂMARA MUNICIPAL DE PONTES E LACERDA/MT RELATÓRIO EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI Egrégio Órgão Especial: Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de tutela de urgência, proposta pelo PREFEITO DO MUNICÍPIO DE PONTES E LACERDA/MT, objetivando a declaração de inconstitucionalidade da Emenda n. 001/2024 à Lei Orgânica Municipal, que alterou o §1º e o §3º do artigo 120-C da Lei Orgânica do Município –, por afronta ao art. 164, §15 da Constituição Estadual e ao art. 166, §9º, da Constituição Federal. Resumidamente, alega o gestor municipal a ocorrência de flagrante violação à vinculação de receitas para gastos com emendas parlamentares individuais, na medida em que, apesar de as Constituições Estadual e Federal dissentirem quanto aos percentuais limites – 1% ou 2%, respectivamente –, ambas preceituam em uníssono que as emendas individuais ao projeto de lei orçamentária serão aprovadas com base na receita corrente líquida do exercício anterior ao do encaminhamento do projeto, mas a Lei Orgânica do Município de Pontes e Lacerda/MT, alterada pela Emenda à Lei Orgânica n. 001/2024, em ofensa aos dispositivos constitucionais regentes da matéria, estabelece bases de cálculo distintas para a aprovação e a execução dessas emendas impositivas, correspondentes a “2% da receita corrente líquida do projeto encaminhado pelo Executivo Municipal” no que concerne à elaboração, e “2% da receita corrente líquida realizada no exercício anterior” no que toca à execução. Lastreado em tais premissas, defende que a incompatibilidade entre as bases de cálculo estabelecidas para a aprovação e a execução das emendas compromete o orçamento anual do município, e ainda “ocasiona uma celeuma orçamentária e financeira”, na medida em que cria uma diferença de valores sem sequer estabelecer critérios para a definição das emendas que deixarão de ser executadas de forma obrigatória quando verificada essa discrepância entre os valores de elaboração e execução. Com base em todas essas razões, pugna o Prefeito pela concessão de medida cautelar para suspender a eficácia da Emenda n. 001/2024 à Lei Orgânica do Município de Pontes e Lacerda/MT, que alterou o §1º e o §3º do artigo 120-C da Lei Orgânica Municipal, até o julgamento da presente ação. No mérito, requer a procedência do pedido, a fim de ver declarada a inconstitucionalidade da Emenda n. 001/2024 à Lei Orgânica do Município de Pontes e Lacerda/MT. A exordial veio instruída com os documentos anexados sob o ID 257676165 e ss. Vislumbrando a relevância da matéria debatida no vertente feito e sua importância para a ordem social e a segurança jurídica, a anterior titular da Cadeira 12 - Órgão Especial, por meio do pronunciamento de ID 260746670, adotou nos autos o rito abreviado, determinando-se a notificação da Câmara Municipal de Pontes e Lacerda/MT para prestar as informações, bem como a citação do Procurador-Geral do Município para promover a defesa do ato impugnado, e a subsequente vista dos autos à i. Procuradoria-Geral de Justiça, para emissão de parecer. Atendendo ao chamamento processual por meio da petição vista no ID 266464786, a qual não se fez acompanhar de documentos, a CÂMARA MUNICIPAL DE PONTES E LACERDA/MT sustentou a ausência de vício de inconstitucionalidade na emenda à lei orgânica municipal, ao argumento de que existe mero “erro de digitação” no §1º do artigo 120-C da Lei Orgânica do Município, que menciona a receita estimada como base de cálculo para a elaboração de emendas individuais impositivas –, falha que diz ter sido corrigida no §3º do mesmo dispositivo legal, pelo que requer a improcedência da ação. Por sua vez, o Procurador-Geral do Município manifestou-se na petição disponível sob o ID 266947256, na qual aduz que “O caso é simples e a inconstitucionalidade é flagrante, já que a expressão: "...da receita corrente líquida do projeto encaminhado pelo executivo municipal...", contida no §1º do art. 120-C da lei orgânica municipal, está em desconformidade/dissimétrico com a expressão: "...da receita corrente líquida do exercício anterior...", trazida pelo artigo 166, §9º da CF e art. 164, §15 da Constituição do estado do Mato Grosso.” Provocada a emitir parecer, a i. Procuradoria-Geral de Justiça, em manifestação subscrita no ID 269860294 pelo d. Subprocurador-Geral de Justiça Jurídico e Institucional, Dr. Marcelo Ferra de Carvalho, opinou pelo indeferimento da medida cautelar, ante a ausência dos requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, e no mérito, pela declaração parcial de inconstitucionalidade sem a redução do texto do §1º do art. 120-C da Lei Orgânica do Município de Pontes e Lacerda/MT, apenas para “para afastar a programação das emendas considerando a receita corrente líquida do ano vigente do projeto.” (sic). É o relatório. Inclua-se o feito em pauta para julgamento. V O T O R E L A T O R VOTO EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI (RELATOR) Egrégio Órgão Especial: A despeito da erronia da autuação, na qual consta como autor da ação o Município de Pontes e Lacerda/MT, em verdade, a petição inicial da presente ação declaratória de inconstitucionalidade veio grafada como se ajuizada pelo Chefe do Executivo Municipal, ou seja, na peça vestibular foi indicado como polo ativo o então Prefeito do Município de Pontes e Lacerda/MT, senhor Alcino Peres Barcelos, em aparente obediência à legitimação ativa conferida em caráter intuitu personae, conforme permissão conferida pelo artigo 124, inciso IX, da Constituição Estadual, que remete aos legitimados elencados no artigo 103 da Constituição Federal, em homenagem ao princípio da simetria. Sucede que o Prefeito Municipal, à toda evidência, não subscreveu a petição inicial, e na linha da remansosa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, construída a partir do leading case ADI 127-MC-QO/AL, da relatoria do Min. Celso de Mello, a “fiscalização abstrata de constitucionalidade é do Prefeito Municipal, e não de seu Procurador-Geral”. Deveras, cediço que é o Prefeito, em nome próprio, quem deve propor a representação de inconstitucionalidade, afinal, a legitimidade ativa faz-se acompanhar de capacidade ad processum, que abarca a capacidade de ser parte e a capacidade postulatória, pelo que o gestor municipal não apenas deve propor a ação direta de inconstitucionalidade, como cabe-lhe subscrever a petição inicial, isoladamente ou em conjunto com o Procurador Municipal. Isso porque a Constituição Federal, no art. 103, prevê a legitimidade ativa do Chefe do Poder Executivo para propositura de ação de controle concentrado de constitucionalidade. Com base nessa norma, o Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência no sentido de que os procuradores públicos, ou os advogados contratados pelo ente público, não possuem capacidade para ajuizar ação direta de inconstitucionalidade, sem a subscrição da pessoa legitimada pela Constituição. Nesse sentido, cito os seguintes precedentes do Pretório Excelso: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE AJUIZADA PERANTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADUAL (CF, art. 125, § 2º) – RECURSO EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTO, EM REFERIDO PROCESSO DE CONTROLE ABSTRATO, PELO PROCURADOR-GERAL DO MUNICÍPIO – DECISÃO DO RELATOR QUE NÃO CONHECEU DO MENCIONADO APELO EXTREMO – A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE ATIVA (E RECURSAL) DO PRÓPRIO MUNICÍPIO E DE SEU PROCURADOR-GERAL, EM SEDE DE FISCALIZAÇÃO CONCENTRADA DE CONSTITUCIONALIDADE – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE RECURSAL DO PROCURADOR-GERAL DO MUNICÍPIO EM SEDE DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO. - É do Prefeito do Município, e não do próprio Município ou de seu Procurador-Geral, a legitimidade para fazer instaurar, mesmo em âmbito local (CF, art. 125, §2º), o processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade e, neste, interpor os recursos pertinentes, inclusive o próprio recurso extraordinário. Precedentes.” (STF – RE 831.936 AgR, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 16-09-2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-195 DIVULG 06-10-2014 PUBLIC 07-10-2014). – Destaquei. “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INTERPOSIÇÃO EM 4.5.2017. RECURSO ORIUNDO DE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PETIÇÃO RECURSAL ASSINADA POR PROCURADOR MUNICIPAL. AUSÊNCIA DE ASSINATURA DO PREFEITO. ILEGITIMIDADE. OBSERVÂNCIA DAS NORMAS DO ART. 103, III, E, POR SIMETRIA, DO ART. 90, II, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. 1. A legitimidade ativa para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade, bem como dos recursos dela decorrentes, é do Prefeito Municipal, e não de procurador municipal. 2. Agravo regimental a que se nega provimento, com previsão de aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC. Sem honorários, por se tratar de recurso oriundo de ação direta de inconstitucionalidade.” (STF – RE 1.038.014 AgR, Relator(a): EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 23-06-2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-168 DIVULG 31-07-2017 PUBLIC 01-08-2017). – Destaquei. O processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade é um instrumento jurídico no qual as pessoas constitucionalmente legitimadas podem provocar o Poder Judiciário para que, igualmente investido em sua função constitucional, possa verificar a compatibilidade vertical da legislação impugnada com as Constituições Estadual e/ou Federal; logo, a legitimidade ativa para o ajuizamento de processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade de legislação municipal em face de dispositivos da Constituição do Estado de Mato Grosso, ajuizado perante esta eg. Corte de Justiça, é do Prefeito, ficando vedada aos procuradores jurídicos tal iniciativa, uma vez que não constam por equivalência no rol constitucional. A jurisprudência dos Tribunais de Justiça pátrios, inclusive deste Sodalício mato-grossense, não destoa desse entendimento: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI MUNICIPAL – AUMENTO DO SUBSÍDIO DO PREFEITO, VICE-PREFEITO E SECRETÁRIOS – PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA – DEMANDA AJUIZADA PELO MUNICÍPIO – EMENDA A INICIAL ASSINADA APENAS PELA PROCURADORA DO MUNICÍPIO – OFENSA AO ART. 124, INC. IX, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL – ROL TAXATIVO – PETIÇÃO INICIAL INDEFERIDA – EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. No caso, em razão da ausência de legitimidade da parte autora para ajuizar a demanda, nos termos do art. 124, inc. IX, da Constituição Estadual, bem como da irregularidade na representação processual, uma vez que a procuração não foi outorgada ao procurador do município com poderes específicos para impugnar a lei municipal supostamente inconstitucional, o indeferimento da inicial, com fulcro no art. 321, parágrafo único, do CPC, e a extinção do feito, sem resolução do mérito, na forma do art. 485, inc. VI, do mesmo codex, é medida que se impõe.” (TJ-MT – N.U 1028751-94.2023.8.11.0000, ÓRGÃO ESPECIAL CÍVEL, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Órgão Especial, Julgado em 20/06/2024, Publicado no DJE 27/06/2024). – Destaquei. “CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROPOSTA PELO MUNICÍPIO – INICIAL SUBSCRITA PELA SECRETÁRIA MUNICIPAL DE ASSUNTOS JURÍDICOS - INADMISSIBILIDADE – LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO PREFEITO MUNICIPAL. O Prefeito Municipal é parte legítima para propor ação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estaduais ou municipais em face da Constituição Bandeirante. Legitimação conferida em caráter intuitu personae. É o Prefeito, em nome próprio, quem deve propor a representação de inconstitucionalidade e assinar, isoladamente ou em conjunto com o Procurador Municipal, a petição inicial. Precedentes do STF e desta Corte. Decisão reformada, liminar revogada. Ação direta de inconstitucionalidade julgada extinta, sem resolução de mérito. Agravo interno provido.” (TJ-SP – AGT: 20758323920228260000 SP 2075832-39.2022.8.26 .0000, Relator.: Décio Notarangeli, Data de Julgamento: 03/08/2022, Órgão Especial, Data de Publicação: 04/08/2022). – Negritei. No caso em exame, porém, o então Prefeito do Município de Pontes e Lacerda/MT, senhor Alcino Peres Barcelos, não subscreveu a petição inicial, e na prova pré-constituída não consta qualquer documento com manifestação inequívoca do Chefe do Poder Executivo, conferindo poderes ao procurador para instaurar o processo de controle normativo abstrato de constitucionalidade, tampouco notícia de que tenha outorgado instrumento de mandato ao Procurador Municipal que assinou a peça vestibular, muito menos procuração com poderes específicos para deflagrar o processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade, e como sabido, os procuradores municipais exercem a representação processual do município – que, frise-se, não tem legitimidade para propor ação direta de inconstitucionalidade –, e não do Prefeito, motivo pelo qual se afigura irrelevante à regularização da falha de legitimação ativa, a juntada do termo de posse do subscritor da exordial como Procurador do Município de Pontes e Lacerda/MT. Vê-se, portanto, que a petição inicial deveria ter sido subscrita pelo próprio Prefeito do Município de Pontes e Lacerda/MT (legitimado a propor ADI – art. 124, inciso IX, da Constituição do Estado de Mato Grosso) ou, ao menos, que este assinasse a peça em conjunto com a sua procuradoria municipal, ou, por último, que outorgasse poderes específicos para que a Procuradoria Municipal ajuizasse Ação Direta de Inconstitucionalidade em face da Emenda n. 001/2024 à Lei Orgânica Municipal, o que não ocorreu. Não se olvida os relevantes interesses em jogo no processo de controle concentrado de constitucionalidade, tampouco se ignora que o Código de Processo Civil de 2015 traz uma nova perspectiva, voltada à primazia da resolução do mérito; todavia, segundo a lição do Pretório Excelso, “A legitimidade ativa ad causam, enquanto condição da ação, não constitui erro passível de ser sanado por emenda da inicial. Não se aplica do artigo 321 do CPC” (Rcl 24162 AgR, Relator (a): DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 22/11/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-260 DIVULG 06-12-2016 PUBLIC 07-12-2016). Com efeito, o art. 10 do CPC/2015 estabelece que o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, no caso de não se ter dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício. Trata-se de proibição da chamada decisão de terceira via, contra julgado que rompe com o modelo de processo cooperativo instituído pelo Código de Processo Civil de 2015 para trazer questão aventada pelo juízo não ventilada nem pelo autor nem pelo réu. Na hipótese, não foi oportunizada à parte a emenda da inicial, nada obstante, entendo que não há violação ao art. 10 do CPC/2015, na medida em que, a proibição da denominada decisão surpresa [ao trazer questão nova, não aventada pelas partes em Juízo], não diz respeito às condições da ação ou aos pressupostos de existência e validade da relação processual, previstos em Lei e reiteradamente proclamados pelos Tribunais pátrios, pois não há, neste caso, qualquer inovação no litígio ou adoção de fundamentos que seriam desconhecidos pelas partes, e como cediço, o conhecimento geral da lei é presunção jure et de jure. A legitimidade ativa é condição da ação direta de inconstitucionalidade, e como decidido pela Segunda Turma do STJ no RMS n. 54.566/PI, “Descabe alegar surpresa se o resultado da lide encontra-se previsto objetivamente no ordenamento disciplinador do instrumento processual utilizado e insere-se no âmbito do desdobramento causal, possível e natural, da controvérsia. Cuida-se de simples exercício dos brocados iura novit curia e da mihi factum, dabo tibi ius.” (rel.: Min. Herman Benjamin, DJe 09/10/2017). O juiz não pode indicar o que a parte deve fazer para ter seu pedido acolhido, sob pena de ser parcial. Assim, não há falar em violação ao princípio da não surpresa, por ausência de intimação do Prefeito para corrigir a legitimação ativa da ADI proposta, mesmo porque, não se considera "decisão surpresa" a que, à luz do ordenamento jurídico nacional e dos princípios que informam o Direito Constitucional e o Direito Processual Civil, as partes tinham obrigação de prever, concernente às condições da ação. Com efeito, conforme inteligência do art. 18, caput, do Código de Processo Civil, ninguém pode pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico, e no caso em exame, sequer era possível a regularização a tempo e modo da legitimidade ativa para propor a presente ação. Aliás, legitimidade ativa não se confunde com mera representação processual, a qual é passível de regularização, afinal, a legitimidade ativa enquanto condição da ação deve ser aferida in status assertionis. Ademais, conquanto o art. 321 do CPC disponha que “o juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado”; os arts. 319 e 320 do CPC dizem respeito aos requisitos para aptidão da petição inicial, tais como, o juízo a que é dirigida, o fato e os fundamentos jurídicos do pedido, o pedido com as suas especificações, e as provas que pretende produzir; demais disso, no caso em tela, a ilegitimidade ativa ad causam não dificulta o julgamento, ela na verdade obsta a resolução da demanda, porque não estabelece a relação processual à míngua de requisito processual mínimo. De se acrescer, ainda, que embora esta ADI tenha sido distribuída no dia 06/12/2024, somente no dia 12/12/2024 houve a certificação da (in)existência de eventuais outros feitos em trâmite a reclamar prevenção, sobrevindo em 19/12/2024 a primeira manifestação nos autos da então Exma. Sra. Desembargadora outrora titular da Cadeira 12 – Órgão Especial, já na véspera do Recesso Forense, quando, vislumbrando a relevância da matéria debatida no vertente feito e sua importância para a ordem social e a segurança jurídica, adotou o rito abreviado; e, então, quando os autos vieram ao conhecimento desse subscritor pela primeira vez, já em 21/02/2025, após ter assumido a titularidade da referida Cadeira 12 deste Órgão Especial a partir de 01/01/2025, o senhor Alcino Peres Barcelos já não era mais Prefeito de Pontes e Lacerda/MT, haja vista o término do seu segundo mandato ainda no final de 2024. Nessa conjuntura, estava fulminada tanto a possibilidade dele subscrever a inicial, quanto de outorgar poderes específicos ao procurador municipal que a assinou; logo, salvo melhor juízo, não pode alegar decisão surpresa a parte que não ostente legitimidade ativa para figurar na demanda, ainda mais quando essa legitimidade sequer é passível de correção, de modo que não viola o princípio da não surpresa a extinção do feito sem resolução do mérito, por ilegitimidade ativa, uma vez tratar-se de vício insanável. CONCLUSÃO: Ante exposto, voto no sentido de RECONHECER a ilegitimidade ativa ad causam e JULGAR EXTINTA A AÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, na forma do artigo 485, VI, do CPC. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 15/05/2025

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Processo nº 1035207-26.2024.8.11.0000

ID: 276873676

Tribunal: TJMT Órgão: Órgão Especial Classe: DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº Processo: 1035207-26.2024.8.11.0000

Data de Disponibilização: 23/05/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

PONTES E LACERDA CAMARA MUNICIPAL

Acórdão

Advogados:

JAMES ROGERIO BAPTISTA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO ÓRGÃO ESPECIAL Número Único: 1035207-26.2024.8.11.0000 Classe: DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (95) Assunto: [Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade] Re… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO ÓRGÃO ESPECIAL Número Único: 1035207-26.2024.8.11.0000 Classe: DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (95) Assunto: [Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade] Relator: Des(a). GILBERTO GIRALDELLI Turma Julgadora: [DES(A). GILBERTO GIRALDELLI, DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, DES(A). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, DES(A). HELIO NISHIYAMA, DES(A). JOSE LUIZ LEITE LINDOTE, DES(A). JOSE ZUQUIM NOGUEIRA, DES(A). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, DES(A). MARCIO VIDAL, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). MARIA EROTIDES KNEIP, DES(A). NILZA MARIA POSSAS DE CARVALHO, DES(A). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, DES(A). RODRIGO ROBERTO CURVO, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO] Parte(s): [MUNICÍPIO DE PONTES E LACERDA - CNPJ: 15.023.989/0001-26 (AUTOR), PONTES E LACERDA CAMARA MUNICIPAL - CNPJ: 15.023.278/0001-51 (REU), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS), JAMES ROGERIO BAPTISTA - CPF: 202.729.588-75 (ADVOGADO), DOUGLAS HENRIQUE DOS SANTOS SILVA - CPF: 024.662.191-58 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a ÓRGÃO ESPECIAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). JOSE ZUQUIM NOGUEIRA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, JULGOU EXTINTA A AÇÃO SEM EXAME DO MÉRITO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. E M E N T A DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EMENDA À LEI ORGÂNICA MUNICIPAL. SUBSCRIÇÃO DA INICIAL EXCLUSIVAMENTE POR PROCURADOR MUNICIPAL, DESTITUÍDO DE PROCURAÇÃO. AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE ATIVA. VÍCIO INSANÁVEL. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. I. Caso em exame 1. Ação direta de inconstitucionalidade proposta com fundamento nos arts. 124, IX, e 164, §15 da Constituição Estadual e no art. 166, §9º, da Constituição Federal, com o objetivo de declarar a inconstitucionalidade da Emenda n.º 001/2024 à Lei Orgânica do Município de Pontes e Lacerda/MT, por estabelecer bases de cálculo distintas para incidência do percentual limite da receita corrente líquida para elaboração e para a execução de emendas impositivas. II. Questão em discussão 2. As questões em discussão consistem em determinar: (i) se há inconstitucionalidade no estabelecimento de bases de cálculo distintas para a elaboração e para a execução de emendas parlamentares impositivas; (ii) se o Prefeito Municipal é parte legitimada para propor ADI perante o Tribunal de Justiça; e (iii) se a ausência de sua subscrição na inicial e de outorga de procuração com poderes específicos ao Procurador do Município acarreta vício insanável que obsta o julgamento meritório da ação. III. Razões de decidir 3. A legitimidade ativa ad causam para o controle abstrato de constitucionalidade é conferida pessoalmente ao Prefeito Municipal, não podendo ser exercida por procuradores sem a sua subscrição ou outorga de poderes específicos. 4. A ausência de subscrição da inicial pelo então Prefeito, bem como de instrumento de mandato específico, acarreta vício insanável, o qual não é passível de regularização nos termos do art. 321 do CPC, por tratar-se de condição da ação, a ser aferida in status assertionis, daí porque não há falar em violação ao princípio da vedação à decisão surpresa. IV. Dispositivo e tese 5. Ação direta de inconstitucionalidade extinta sem resolução do mérito. Tese de julgamento: "1. A legitimidade ativa para propositura de ação direta de inconstitucionalidade é pessoal do Prefeito Municipal, conforme previsão do art. 124, IX, da Constituição do Estado de Mato Grosso. 2. A ausência de subscrição da petição inicial pelo Prefeito, ou de instrumento de mandato específico, acarreta ilegitimidade ativa insanável e impõe a extinção da ação sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, VI, do CPC." Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 103 e 166, §9º; CE/MT, art. 124, IX; CPC, arts. 18 e 485, VI. Jurisprudência relevante citada: STF, RE 831.936 AgR, Rel. Min. Celso de Mello; STF, RE 1038014 AgR, Rel. Min. Edson Fachin; STF, Rcl 24162 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli; TJMT, ADI 1028751-94.2023, Rel. Des. Carlos Alberto Alves da Rocha; TJSP, AgInt 2075832-39.2022.8.26.0000, Rel. Des. Décio Notarangeli. R E L A T Ó R I O REQUERENTE: PREFEITO DO MUNICÍPIO DE PONTES E LACERDA/MT REQUERIDO: CÂMARA MUNICIPAL DE PONTES E LACERDA/MT RELATÓRIO EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI Egrégio Órgão Especial: Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de tutela de urgência, proposta pelo PREFEITO DO MUNICÍPIO DE PONTES E LACERDA/MT, objetivando a declaração de inconstitucionalidade da Emenda n. 001/2024 à Lei Orgânica Municipal, que alterou o §1º e o §3º do artigo 120-C da Lei Orgânica do Município –, por afronta ao art. 164, §15 da Constituição Estadual e ao art. 166, §9º, da Constituição Federal. Resumidamente, alega o gestor municipal a ocorrência de flagrante violação à vinculação de receitas para gastos com emendas parlamentares individuais, na medida em que, apesar de as Constituições Estadual e Federal dissentirem quanto aos percentuais limites – 1% ou 2%, respectivamente –, ambas preceituam em uníssono que as emendas individuais ao projeto de lei orçamentária serão aprovadas com base na receita corrente líquida do exercício anterior ao do encaminhamento do projeto, mas a Lei Orgânica do Município de Pontes e Lacerda/MT, alterada pela Emenda à Lei Orgânica n. 001/2024, em ofensa aos dispositivos constitucionais regentes da matéria, estabelece bases de cálculo distintas para a aprovação e a execução dessas emendas impositivas, correspondentes a “2% da receita corrente líquida do projeto encaminhado pelo Executivo Municipal” no que concerne à elaboração, e “2% da receita corrente líquida realizada no exercício anterior” no que toca à execução. Lastreado em tais premissas, defende que a incompatibilidade entre as bases de cálculo estabelecidas para a aprovação e a execução das emendas compromete o orçamento anual do município, e ainda “ocasiona uma celeuma orçamentária e financeira”, na medida em que cria uma diferença de valores sem sequer estabelecer critérios para a definição das emendas que deixarão de ser executadas de forma obrigatória quando verificada essa discrepância entre os valores de elaboração e execução. Com base em todas essas razões, pugna o Prefeito pela concessão de medida cautelar para suspender a eficácia da Emenda n. 001/2024 à Lei Orgânica do Município de Pontes e Lacerda/MT, que alterou o §1º e o §3º do artigo 120-C da Lei Orgânica Municipal, até o julgamento da presente ação. No mérito, requer a procedência do pedido, a fim de ver declarada a inconstitucionalidade da Emenda n. 001/2024 à Lei Orgânica do Município de Pontes e Lacerda/MT. A exordial veio instruída com os documentos anexados sob o ID 257676165 e ss. Vislumbrando a relevância da matéria debatida no vertente feito e sua importância para a ordem social e a segurança jurídica, a anterior titular da Cadeira 12 - Órgão Especial, por meio do pronunciamento de ID 260746670, adotou nos autos o rito abreviado, determinando-se a notificação da Câmara Municipal de Pontes e Lacerda/MT para prestar as informações, bem como a citação do Procurador-Geral do Município para promover a defesa do ato impugnado, e a subsequente vista dos autos à i. Procuradoria-Geral de Justiça, para emissão de parecer. Atendendo ao chamamento processual por meio da petição vista no ID 266464786, a qual não se fez acompanhar de documentos, a CÂMARA MUNICIPAL DE PONTES E LACERDA/MT sustentou a ausência de vício de inconstitucionalidade na emenda à lei orgânica municipal, ao argumento de que existe mero “erro de digitação” no §1º do artigo 120-C da Lei Orgânica do Município, que menciona a receita estimada como base de cálculo para a elaboração de emendas individuais impositivas –, falha que diz ter sido corrigida no §3º do mesmo dispositivo legal, pelo que requer a improcedência da ação. Por sua vez, o Procurador-Geral do Município manifestou-se na petição disponível sob o ID 266947256, na qual aduz que “O caso é simples e a inconstitucionalidade é flagrante, já que a expressão: "...da receita corrente líquida do projeto encaminhado pelo executivo municipal...", contida no §1º do art. 120-C da lei orgânica municipal, está em desconformidade/dissimétrico com a expressão: "...da receita corrente líquida do exercício anterior...", trazida pelo artigo 166, §9º da CF e art. 164, §15 da Constituição do estado do Mato Grosso.” Provocada a emitir parecer, a i. Procuradoria-Geral de Justiça, em manifestação subscrita no ID 269860294 pelo d. Subprocurador-Geral de Justiça Jurídico e Institucional, Dr. Marcelo Ferra de Carvalho, opinou pelo indeferimento da medida cautelar, ante a ausência dos requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, e no mérito, pela declaração parcial de inconstitucionalidade sem a redução do texto do §1º do art. 120-C da Lei Orgânica do Município de Pontes e Lacerda/MT, apenas para “para afastar a programação das emendas considerando a receita corrente líquida do ano vigente do projeto.” (sic). É o relatório. Inclua-se o feito em pauta para julgamento. V O T O R E L A T O R VOTO EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI (RELATOR) Egrégio Órgão Especial: A despeito da erronia da autuação, na qual consta como autor da ação o Município de Pontes e Lacerda/MT, em verdade, a petição inicial da presente ação declaratória de inconstitucionalidade veio grafada como se ajuizada pelo Chefe do Executivo Municipal, ou seja, na peça vestibular foi indicado como polo ativo o então Prefeito do Município de Pontes e Lacerda/MT, senhor Alcino Peres Barcelos, em aparente obediência à legitimação ativa conferida em caráter intuitu personae, conforme permissão conferida pelo artigo 124, inciso IX, da Constituição Estadual, que remete aos legitimados elencados no artigo 103 da Constituição Federal, em homenagem ao princípio da simetria. Sucede que o Prefeito Municipal, à toda evidência, não subscreveu a petição inicial, e na linha da remansosa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, construída a partir do leading case ADI 127-MC-QO/AL, da relatoria do Min. Celso de Mello, a “fiscalização abstrata de constitucionalidade é do Prefeito Municipal, e não de seu Procurador-Geral”. Deveras, cediço que é o Prefeito, em nome próprio, quem deve propor a representação de inconstitucionalidade, afinal, a legitimidade ativa faz-se acompanhar de capacidade ad processum, que abarca a capacidade de ser parte e a capacidade postulatória, pelo que o gestor municipal não apenas deve propor a ação direta de inconstitucionalidade, como cabe-lhe subscrever a petição inicial, isoladamente ou em conjunto com o Procurador Municipal. Isso porque a Constituição Federal, no art. 103, prevê a legitimidade ativa do Chefe do Poder Executivo para propositura de ação de controle concentrado de constitucionalidade. Com base nessa norma, o Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência no sentido de que os procuradores públicos, ou os advogados contratados pelo ente público, não possuem capacidade para ajuizar ação direta de inconstitucionalidade, sem a subscrição da pessoa legitimada pela Constituição. Nesse sentido, cito os seguintes precedentes do Pretório Excelso: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE AJUIZADA PERANTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADUAL (CF, art. 125, § 2º) – RECURSO EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTO, EM REFERIDO PROCESSO DE CONTROLE ABSTRATO, PELO PROCURADOR-GERAL DO MUNICÍPIO – DECISÃO DO RELATOR QUE NÃO CONHECEU DO MENCIONADO APELO EXTREMO – A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE ATIVA (E RECURSAL) DO PRÓPRIO MUNICÍPIO E DE SEU PROCURADOR-GERAL, EM SEDE DE FISCALIZAÇÃO CONCENTRADA DE CONSTITUCIONALIDADE – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE RECURSAL DO PROCURADOR-GERAL DO MUNICÍPIO EM SEDE DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO. - É do Prefeito do Município, e não do próprio Município ou de seu Procurador-Geral, a legitimidade para fazer instaurar, mesmo em âmbito local (CF, art. 125, §2º), o processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade e, neste, interpor os recursos pertinentes, inclusive o próprio recurso extraordinário. Precedentes.” (STF – RE 831.936 AgR, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 16-09-2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-195 DIVULG 06-10-2014 PUBLIC 07-10-2014). – Destaquei. “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INTERPOSIÇÃO EM 4.5.2017. RECURSO ORIUNDO DE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PETIÇÃO RECURSAL ASSINADA POR PROCURADOR MUNICIPAL. AUSÊNCIA DE ASSINATURA DO PREFEITO. ILEGITIMIDADE. OBSERVÂNCIA DAS NORMAS DO ART. 103, III, E, POR SIMETRIA, DO ART. 90, II, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. 1. A legitimidade ativa para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade, bem como dos recursos dela decorrentes, é do Prefeito Municipal, e não de procurador municipal. 2. Agravo regimental a que se nega provimento, com previsão de aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC. Sem honorários, por se tratar de recurso oriundo de ação direta de inconstitucionalidade.” (STF – RE 1.038.014 AgR, Relator(a): EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 23-06-2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-168 DIVULG 31-07-2017 PUBLIC 01-08-2017). – Destaquei. O processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade é um instrumento jurídico no qual as pessoas constitucionalmente legitimadas podem provocar o Poder Judiciário para que, igualmente investido em sua função constitucional, possa verificar a compatibilidade vertical da legislação impugnada com as Constituições Estadual e/ou Federal; logo, a legitimidade ativa para o ajuizamento de processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade de legislação municipal em face de dispositivos da Constituição do Estado de Mato Grosso, ajuizado perante esta eg. Corte de Justiça, é do Prefeito, ficando vedada aos procuradores jurídicos tal iniciativa, uma vez que não constam por equivalência no rol constitucional. A jurisprudência dos Tribunais de Justiça pátrios, inclusive deste Sodalício mato-grossense, não destoa desse entendimento: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI MUNICIPAL – AUMENTO DO SUBSÍDIO DO PREFEITO, VICE-PREFEITO E SECRETÁRIOS – PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA – DEMANDA AJUIZADA PELO MUNICÍPIO – EMENDA A INICIAL ASSINADA APENAS PELA PROCURADORA DO MUNICÍPIO – OFENSA AO ART. 124, INC. IX, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL – ROL TAXATIVO – PETIÇÃO INICIAL INDEFERIDA – EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. No caso, em razão da ausência de legitimidade da parte autora para ajuizar a demanda, nos termos do art. 124, inc. IX, da Constituição Estadual, bem como da irregularidade na representação processual, uma vez que a procuração não foi outorgada ao procurador do município com poderes específicos para impugnar a lei municipal supostamente inconstitucional, o indeferimento da inicial, com fulcro no art. 321, parágrafo único, do CPC, e a extinção do feito, sem resolução do mérito, na forma do art. 485, inc. VI, do mesmo codex, é medida que se impõe.” (TJ-MT – N.U 1028751-94.2023.8.11.0000, ÓRGÃO ESPECIAL CÍVEL, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Órgão Especial, Julgado em 20/06/2024, Publicado no DJE 27/06/2024). – Destaquei. “CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROPOSTA PELO MUNICÍPIO – INICIAL SUBSCRITA PELA SECRETÁRIA MUNICIPAL DE ASSUNTOS JURÍDICOS - INADMISSIBILIDADE – LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO PREFEITO MUNICIPAL. O Prefeito Municipal é parte legítima para propor ação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estaduais ou municipais em face da Constituição Bandeirante. Legitimação conferida em caráter intuitu personae. É o Prefeito, em nome próprio, quem deve propor a representação de inconstitucionalidade e assinar, isoladamente ou em conjunto com o Procurador Municipal, a petição inicial. Precedentes do STF e desta Corte. Decisão reformada, liminar revogada. Ação direta de inconstitucionalidade julgada extinta, sem resolução de mérito. Agravo interno provido.” (TJ-SP – AGT: 20758323920228260000 SP 2075832-39.2022.8.26 .0000, Relator.: Décio Notarangeli, Data de Julgamento: 03/08/2022, Órgão Especial, Data de Publicação: 04/08/2022). – Negritei. No caso em exame, porém, o então Prefeito do Município de Pontes e Lacerda/MT, senhor Alcino Peres Barcelos, não subscreveu a petição inicial, e na prova pré-constituída não consta qualquer documento com manifestação inequívoca do Chefe do Poder Executivo, conferindo poderes ao procurador para instaurar o processo de controle normativo abstrato de constitucionalidade, tampouco notícia de que tenha outorgado instrumento de mandato ao Procurador Municipal que assinou a peça vestibular, muito menos procuração com poderes específicos para deflagrar o processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade, e como sabido, os procuradores municipais exercem a representação processual do município – que, frise-se, não tem legitimidade para propor ação direta de inconstitucionalidade –, e não do Prefeito, motivo pelo qual se afigura irrelevante à regularização da falha de legitimação ativa, a juntada do termo de posse do subscritor da exordial como Procurador do Município de Pontes e Lacerda/MT. Vê-se, portanto, que a petição inicial deveria ter sido subscrita pelo próprio Prefeito do Município de Pontes e Lacerda/MT (legitimado a propor ADI – art. 124, inciso IX, da Constituição do Estado de Mato Grosso) ou, ao menos, que este assinasse a peça em conjunto com a sua procuradoria municipal, ou, por último, que outorgasse poderes específicos para que a Procuradoria Municipal ajuizasse Ação Direta de Inconstitucionalidade em face da Emenda n. 001/2024 à Lei Orgânica Municipal, o que não ocorreu. Não se olvida os relevantes interesses em jogo no processo de controle concentrado de constitucionalidade, tampouco se ignora que o Código de Processo Civil de 2015 traz uma nova perspectiva, voltada à primazia da resolução do mérito; todavia, segundo a lição do Pretório Excelso, “A legitimidade ativa ad causam, enquanto condição da ação, não constitui erro passível de ser sanado por emenda da inicial. Não se aplica do artigo 321 do CPC” (Rcl 24162 AgR, Relator (a): DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 22/11/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-260 DIVULG 06-12-2016 PUBLIC 07-12-2016). Com efeito, o art. 10 do CPC/2015 estabelece que o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, no caso de não se ter dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício. Trata-se de proibição da chamada decisão de terceira via, contra julgado que rompe com o modelo de processo cooperativo instituído pelo Código de Processo Civil de 2015 para trazer questão aventada pelo juízo não ventilada nem pelo autor nem pelo réu. Na hipótese, não foi oportunizada à parte a emenda da inicial, nada obstante, entendo que não há violação ao art. 10 do CPC/2015, na medida em que, a proibição da denominada decisão surpresa [ao trazer questão nova, não aventada pelas partes em Juízo], não diz respeito às condições da ação ou aos pressupostos de existência e validade da relação processual, previstos em Lei e reiteradamente proclamados pelos Tribunais pátrios, pois não há, neste caso, qualquer inovação no litígio ou adoção de fundamentos que seriam desconhecidos pelas partes, e como cediço, o conhecimento geral da lei é presunção jure et de jure. A legitimidade ativa é condição da ação direta de inconstitucionalidade, e como decidido pela Segunda Turma do STJ no RMS n. 54.566/PI, “Descabe alegar surpresa se o resultado da lide encontra-se previsto objetivamente no ordenamento disciplinador do instrumento processual utilizado e insere-se no âmbito do desdobramento causal, possível e natural, da controvérsia. Cuida-se de simples exercício dos brocados iura novit curia e da mihi factum, dabo tibi ius.” (rel.: Min. Herman Benjamin, DJe 09/10/2017). O juiz não pode indicar o que a parte deve fazer para ter seu pedido acolhido, sob pena de ser parcial. Assim, não há falar em violação ao princípio da não surpresa, por ausência de intimação do Prefeito para corrigir a legitimação ativa da ADI proposta, mesmo porque, não se considera "decisão surpresa" a que, à luz do ordenamento jurídico nacional e dos princípios que informam o Direito Constitucional e o Direito Processual Civil, as partes tinham obrigação de prever, concernente às condições da ação. Com efeito, conforme inteligência do art. 18, caput, do Código de Processo Civil, ninguém pode pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico, e no caso em exame, sequer era possível a regularização a tempo e modo da legitimidade ativa para propor a presente ação. Aliás, legitimidade ativa não se confunde com mera representação processual, a qual é passível de regularização, afinal, a legitimidade ativa enquanto condição da ação deve ser aferida in status assertionis. Ademais, conquanto o art. 321 do CPC disponha que “o juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado”; os arts. 319 e 320 do CPC dizem respeito aos requisitos para aptidão da petição inicial, tais como, o juízo a que é dirigida, o fato e os fundamentos jurídicos do pedido, o pedido com as suas especificações, e as provas que pretende produzir; demais disso, no caso em tela, a ilegitimidade ativa ad causam não dificulta o julgamento, ela na verdade obsta a resolução da demanda, porque não estabelece a relação processual à míngua de requisito processual mínimo. De se acrescer, ainda, que embora esta ADI tenha sido distribuída no dia 06/12/2024, somente no dia 12/12/2024 houve a certificação da (in)existência de eventuais outros feitos em trâmite a reclamar prevenção, sobrevindo em 19/12/2024 a primeira manifestação nos autos da então Exma. Sra. Desembargadora outrora titular da Cadeira 12 – Órgão Especial, já na véspera do Recesso Forense, quando, vislumbrando a relevância da matéria debatida no vertente feito e sua importância para a ordem social e a segurança jurídica, adotou o rito abreviado; e, então, quando os autos vieram ao conhecimento desse subscritor pela primeira vez, já em 21/02/2025, após ter assumido a titularidade da referida Cadeira 12 deste Órgão Especial a partir de 01/01/2025, o senhor Alcino Peres Barcelos já não era mais Prefeito de Pontes e Lacerda/MT, haja vista o término do seu segundo mandato ainda no final de 2024. Nessa conjuntura, estava fulminada tanto a possibilidade dele subscrever a inicial, quanto de outorgar poderes específicos ao procurador municipal que a assinou; logo, salvo melhor juízo, não pode alegar decisão surpresa a parte que não ostente legitimidade ativa para figurar na demanda, ainda mais quando essa legitimidade sequer é passível de correção, de modo que não viola o princípio da não surpresa a extinção do feito sem resolução do mérito, por ilegitimidade ativa, uma vez tratar-se de vício insanável. CONCLUSÃO: Ante exposto, voto no sentido de RECONHECER a ilegitimidade ativa ad causam e JULGAR EXTINTA A AÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, na forma do artigo 485, VI, do CPC. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 15/05/2025

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Processo nº 1000675-26.2024.8.11.0000

ID: 260036220

Tribunal: TJMT Órgão: Turma de Câmaras Criminais Reunidas Classe: REVISãO CRIMINAL Nº Processo: 1000675-26.2024.8.11.0000

Data de Disponibilização: 24/04/2025

Polo Ativo:

CARLOS HENRIQUE SOUSA SHWENDLER

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

DARLAN DE OLIVEIRA BERNARDINO

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TURMA DE CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS Número Único: 1000675-26.2024.8.11.0000 Classe: REVISÃO CRIMINAL (12394) Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins] Relat… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TURMA DE CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS Número Único: 1000675-26.2024.8.11.0000 Classe: REVISÃO CRIMINAL (12394) Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins] Relator: Des(a). FRANCISCO ALEXANDRE FERREIRA MENDES NETO Turma Julgadora: [DES(A). FRANCISCO ALEXANDRE FERREIRA MENDES NETO, DES(A). GILBERTO GIRALDELLI, DES(A). HELIO NISHIYAMA, DES(A). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, DES(A). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, DES(A). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO, DES(A). LUIZ FERREIRA DA SILVA, DES(A). MARCOS MACHADO, DES(A). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, DES(A). PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA, DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO] Parte(s): [DARLAN DE OLIVEIRA BERNARDINO - CPF: 052.103.781-60 (ADVOGADO), CARLOS HENRIQUE SOUSA SHWENDLER - CPF: 054.180.741-21 (REQUERENTE), MINISTERIO PUBLICO DE MATO GROSSO (REQUERIDO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (REQUERIDO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TURMA DE CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: À UNANIMIDADE, JULGOU IMPROCEDENTE A AÇÃO REVISIONAL, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. E M E N T A EMENTA: DIREITO PENAL. REVISÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. AFASTAMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. AÇÕES PENAIS EM CURSO. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO. APLICAÇÃO INVIÁVEL. SEGURANÇA JURÍDICA. REGIME INTERMEDIÁRIO PRESERVADO. PENA SUPERIOR A QUATRO ANOS. DESCLASSIFICAÇÃO. POSSE PARA CONSUMO PESSOAL. CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS. FINALIDADE MERCANTIL EVIDENCIADA. REVISIONAL IMPROCEDENTE. I. Caso em exame 1. Revisão Criminal proposta para revisar sentença condenatória por tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006), com pena de 5 anos de reclusão em regime semiaberto e 500 dias-multa, afastando a aplicação do tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006) em razão de ações penais em curso e suposta dedicação a atividades criminosas. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em verificar a possibilidade de revisão da sentença definitiva, dada a mudança de entendimento jurisprudencial posterior ao trânsito em julgado, que vedou o uso de inquéritos e ações penais em curso para afastar o tráfico privilegiado. III. Razões de decidir 3. A jurisprudência consolidada no Superior Tribunal de Justiça (Tema 1.139) veda a utilização de inquéritos e ações penais em curso para impedir a aplicação do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. No entanto, à época da sentença condenatória, ainda não estava consolidado o entendimento mais favorável ao réu. 4. A alteração jurisprudencial posterior ao trânsito em julgado não autoriza revisão criminal com efeito retroativo, sob pena de violação dos princípios da coisa julgada e da segurança jurídica. 5. Constatado que o revisionando possui condenações posteriores por crimes de homicídio qualificado e organização criminosa, reforçando a dedicação a atividades criminosas, afigura-se escorreito o afastamento do tráfico privilegiado. 6. Os depoimentos de policiais que participaram das diligências confirmam a prática de tráfico de drogas de forma não eventual pelo revisionando, corroborando a decisão de afastar o privilégio. 7. Por força de expresso comando legal (art. 33, § 2º, alínea b, do CP), a pena fixada em patamar superior a quatro anos (no caso, 5 anos de reclusão) deve ser cumprida em regime semiaberto. 8. Apesar da apreensão de diminuta quantidade de drogas (1,1g de pasta base de cocaína e 2,2g de substância análoga a maconha), a comprovação inequívoca de que o revisionando as mantinha em depósito com finalidade mercantil, como, inclusive, ele próprio confessou na fase policial, impede a desclassificação do crime de Tráfico de Entorpecentes para o de Posse de Drogas para Consumo Próprio (art. 28 da Lei n.º 11.343/2006). IV. Dispositivo e tese 9. Revisão criminal improcedente. Tese de julgamento: “A mudança de entendimento jurisprudencial após o trânsito em julgado da condenação, ainda que mais favorável ao réu, não autoriza a propositura de revisão criminal”. “A existência de ações penais e condenações posteriores confirma a dedicação a atividades criminosas, justificando o afastamento do tráfico privilegiado”. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXVI; Lei nº 11.343/2006, art. 33, caput e § 4º; CP, art. 121, § 2º, I, III e IV; Lei nº 12.850/2013, art. 2º. Jurisprudência relevante citada: STJ, Tema 1.139; AgRg no HC n. 750.423/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 08/08/2022; AgRg no HC n. 895.960/PR, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJE 06/09/2024; AgRg no HC n. 913.360/BA, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJE 30/08/2024; RAC 0000901-44.2018, Rel. Des. Juvenal Pereira da Silva, 3ª Câmara Criminal, DJE 31/01/2023. R E L A T Ó R I O Egrégia Turma de Câmaras, Carlos Henrique Sousa Shwendler foi condenado pelo MM. Juiz da 2ª Vara da Comarca de Canarana-MT, nos autos da ação penal nº. 0002611-94.2016, à pena de 5 anos de reclusão em regime semiaberto, bem como ao pagamento de 500 dias-multa, por praticar o crime de Tráfico de Entorpecentes (art. 33, caput, da Lei nº. 11.343/2006). Por meio de advogado constituído, propôs esta Revisão Criminal com lastro no art. 621, inc. II, do CPP, para que seja aplicada em seu favor a causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº. 11.343/2006 e fixado o regime aberto para resgate da pena, alegando que a existência de inquéritos policiais e ações penais em curso não constitui fundamento idôneo para afastar a incidência da figura privilegiada do crime. Subsidiariamente, pretende ver desclassificada a conduta para o crime de Posse de Drogas para Consumo Pessoal (art. 28 da Lei nº. 11.343/2006) (ID 198440179). Instruiu a inicial com documentos (ID 198440182 a 198440186). Por sua vez, a douta Procuradoria-Geral de Justiça lançou parecer opinando pelo não conhecimento da revisional ou, se conhecida, pela sua improcedência (ID 204290187), conforme respectivo sumário que segue transcrito: “Revisão Criminal – Tráfico de drogas – Alegação de preenchimento dos requisitos da aplicação da causa de diminuição do tráfico privilegiado em razão da impossibilidade de utilização de ações em andamento para denegá-lo. Pedido de aplicação do privilégio. Não cabimento. Eventual mudança de orientação jurisprudencial superveniente ao trânsito em julgado da condenação não se enquadra como fundamento de revisão criminal, cuja pretensão deve ser submetida ao crivo do Juízo da execução penal. Julgados do c. STJ – Sentença amparada em entendimento pacífico do c. STJ e deste e. TJMT à época Inviabilidade da benesse. Réu confesso no sentido da dedicação à prática criminosa da traficância. Inviabilidade da benesse. Parecer pelo não conhecimento da revisional. Se conhecida, pela improcedência da ação”. É o relatório. À douta revisão. Cuiabá, data da assinatura digital. Francisco Alexandre Ferreira Mendes Neto Relator Convocado V O T O R E L A T O R Egrégia Turma de Câmaras, Infere-se dos autos que, durante investigações deflagradas para apurar o envolvimento do revisionando no comércio ilícito de drogas, policiais civis lotados em Canarana-MT passaram a vigiar a residência dele e a permanecer em campana, notando intensa movimentação de pessoas no local. Consta que na tarde de 7.9.2016, após visualizar que parte das pessoas que deixou a casa monitorada exalava forte odor de maconha, os investigadores decidiram entrar no local, onde surpreenderam o revisionando mantendo em depósito, sem autorização ou em desacordo com determinação legal, 1,1g de pasta base de cocaína e outras duas porções totalizando 2,2g de substância análoga a maconha. Diante desse cenário, ele foi denunciado e, mais tarde, condenado nas sanções do crime de Tráfico de Entorpecentes (art. 33, caput, da Lei nº. 11.343/2006) (ID 198440183), sendo apenado com 5 anos de reclusão em regime semiaberto e pagamento de 500 dias-multa (ID 198440184). A condenação transitou em julgado em 27.1.2020 (ID 198440182). Estabelecidas essas premissas, observa-se que o magistrado sentenciante se valeu da seguinte fundamentação para afastar a forma privilegiada do crime: “No tocante à tese defensiva de aplicação do tráfico privilegiado [art. 33, §4º, Lei 11.343/06], entendo que não merece guarida. Isso porque para a caracterização do privilégio e consequente redução da pena de 1/6 a 2/3 faz-se necessário o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: (i) primariedade; (ii) bons antecedentes; (iii) não se dedique às atividades criminosas; e (iv) não integre organização criminosa. Embora o réu seja primário, ao efetuar a busca pelo Sistema Apolo, contata-se que existe contra ele uma vasta relação de ações penais em curso (Autos nº 1039-76.2018.811.0080 – Código 56494 e Autos nº 4773-35.2018.811.0080 – Código 64915, ambos em trâmite na Vara Única de Querência/MT, pela prática de homicídio qualificado e tráfico de drogas; Autos nº 2648-24.2016.811.0026 – Código 57424 e Autos nº 824-59.2018.811.0029 – Código 66038, ambos em trâmite na Comarca de Canarana/MT, pela prática de crimes de tráfico de drogas), o que afasta os bons antecedentes e demonstra que o réu se dedica à atividade criminosa. Inclusive, importa frisar que os investigadores de polícia que participaram da prisão em flagrante do réu afirmaram que há informações de que o acusado integra a facção criminosa “Comando Vermelho” (ID 198440184). Destaquei. Não se ignora que após muita oscilação da jurisprudência sobre a matéria, consolidou-se no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que “é vedada a utilização de inquéritos e/ou ações penais em curso para impedir a aplicação do art. 33, § 4.º, da Lei n. 11.343/06” (Tema 1.139). É certo, porém, que ao tempo da prolação da sentença condenatória prolatada nestes autos, em 15.7.2019, referido posicionamento ainda não estava firmado, que só passou a orientar os julgamentos das instâncias inferiores em 10.8.2022, isto é, mais de três anos depois do advento da sentença impugnada. Apesar disso, a mudança de orientação jurisprudencial após o trânsito em julgado da condenação, ainda que mais favorável ao réu, não autoriza a propositura de revisão criminal e tampouco justifica a reforma de sentença condenatória definitiva, sob pena de se eternizar a discussão tratada na origem e gerar, consequentemente, indiscutível insegurança jurídica. Endossando essa linha de raciocínio, vale conferir ementa de recentíssimos julgados da Corte Cidadã: “No caso dos autos, dos elementos probatórios que instruem o feito, verifica-se que a autoria delitiva do crime de roubo não tem como único elemento de prova o reconhecimento fotográfico, o que gera distinguishing em relação ao acórdão paradigma da alteração jurisprudencial, sendo que as instâncias ordinárias contam com as declarações das testemunhas e provas indiciárias do roubo para robustecer o arcabouço probatório. 2. Nos termos da jurisprudência desta Corte, ‘a alteração de entendimento jurisprudencial verificada posteriormente ao trânsito em julgado da condenação não autoriza o ajuizamento de revisão criminal, visando a sua aplicação retroativa, assim como pretendido pela defesa no presente writ, sob pena de serem violados os princípios da coisa julgada e da segurança jurídica’ (AgRg no HC n. 750.423/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 2/8/2022, DJe de 8/8/2022). 3. Agravo regimental desprovido” (AgRg no HC n. 895.960/PR, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª Turma, DJE 6.9.2024). Destaquei. “É firme o entendimento desta Corte Superior de que a mudança no entendimento jurisprudencial após o trânsito em julgado da condenação, ainda que mais benéfico ao réu, não autoriza o ajuizamento revisão criminal. 2. Hipótese em que o Tribunal de origem não conheceu do pedido revisional, por entender que a alteração jurisprudencial acerca validade de ações penais em curso para afastar o redutor do art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, após o trânsito em julgado, ainda que mais benéfica ao réu, não permite à parte ajuizar revisão criminal com o propósito de anular ou modificar a coisa julgada, em atenção ao princípio da segurança jurídica. 3. Agravo regimental não provido” (AgRg no HC n. 913.360/BA, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª Turma, DJE 30.8.2024). Destaquei. Nesse quadro, como o entendimento adotado pelo Juízo a quo oficiante, afastando a causa redutora do privilégio com base na existência de inquéritos policiais e ações penais em curso, encontrava amplo lastro na jurisprudência de inúmeros tribunais do país, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, é defeso reformá-lo. Aliás, é interessante anotar que ao menos duas ações penais citadas pelo julgador de primeira instância para afastar a benesse resultaram em condenações definitivas ao revisionando: 16 anos de reclusão em regime fechado pela prática do delito de Homicídio Qualificado (art. 121, § 2º, inc. I, III e IV, do CP), apurado na ação penal nº. 1000698-28.2021, cuja sentença transitou em julgado em 12.9.2022, e 5 anos de reclusão em regime fechado e 16 dias-multa pela prática do crime de Constituição e Integração de Organização Criminosa (art. 2º da Lei nº. 12.850/2013), apurado na ação penal nº. 0004773-35.2018, cuja sentença se tornou definitiva em 1º.6.2023. Tais circunstâncias, somadas às informações fornecidas pelas testemunhas ouvidas na fase instrutória, assinalando que o revisionando já integrava a facção criminosa denominada “Comando Vermelho”, são fundamentos mais do que legítimos para evidenciar a dedicação a atividades criminosas e justificar a negativa do privilégio. A propósito, vale conferir como esta Corte de Justiça decidiu em casos análogos: “Independentemente da controvérsia instalada no âmbito jurisprudencial quanto à possibilidade de afastamento da causa de diminuição de pena referente ao tráfico de drogas ‘privilegiado’ em razão da existência de inquéritos policiais e ações penais em curso ou não transitadas em julgado, não há que se cogitar da incidência da benesse quando, a exemplo do presente caso, a dedicação do acusado a atividades criminosas é extraída dos registros criminais que indicam condenação com trânsito em julgado do réu, com data posterior ao atual fato, [pois] ainda que não preste para considerá-lo reincidente, inviabiliza a aplicação do tráfico privilegiado, por denotar dedicação a atividade criminosa” (RAC 0000901-44.2018, Rel. Des. Juvenal Pereira da Silva, 3ª Câmara Criminal, DJE 31.1.2023). Destaquei. “O tráfico privilegiado “é destinado apenas ao traficante ocasional, e não àquele que faz da mercancia de drogas o seu meio de vida” (TJMT, Ap nº 121338/2017). O c. STJ firmou entendimento no sentido de que cabe ao Juízo, na dosimetria, considerar a quantidade e diversidade da droga “no momento que melhor lhe aprouver, podendo valorá-las na [...] terceira fase, para afastar o redutor do tráfico privilegiado ou modular a sua fração” (AgRg no HC 716.715/SP). O envolvimento reiterado em delitos, notadamente por crime idêntico [tráfico de drogas], revela dedicação a atividades ilícitas em razão do ato comissivo praticado em período posterior, consoante posição majoritária do c. STF e STJ, os quais reafirmaram o entendimento segundo o qual a existência de ações penais em andamento, ou mesmo de condenações não transitadas em julgado, constitui premissa idônea e válida a evidenciar a dedicação às atividades criminosas e justificar o afastamento do privilégio (...)” (RAC 0026607-48.2017, Rel. Des. Marcos Machado, 1ª Câmara Criminal, DJE 20.5.2022). Destaquei. Em tempo, se a intenção do legislador, ao prever a figura do tráfico privilegiado, é justamente distinguir o “marinheiro de primeira viagem” do sujeito vezeiro em crimes, soaria ilógico conceder o benefício previsto no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas a quem, a exemplo do revisionando, reitera na prática delitiva. Portanto, como o contexto fático delineado nos autos revela manifesta dedicação a atividades criminosas, circunstância que nem de longe condiz com o traficante ocasional a que alude o legislador no art. 33, § 4º, afigura-se escorreita a negativa da causa redutora de pena em foco. Prosseguindo, imposta a pena em escala superior a quatro anos (no caso, 5 anos de reclusão), ela deve ser cumprida, por força de expresso comando legal, em regime semiaberto (art. 33, § 2º, alínea b, do CP), independentemente da existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis. Seguindo esse raciocínio, eis o que Colenda Primeira Câmara Criminal decidiu em caso semelhante “Fixada a reprimenda corpórea em patamar superior a 4 (quatro) anos, somada à condição de reincidente de Diego, ainda que as circunstâncias judiciais lhe sejam favoráveis, inviável a modificação do regime fechado para outro mais brando” (RAC 0022807-46.2016, Rel. Des. Orlando de Almeida Perri, DJE 29.5.2023). Para além disso, é certo que na hipótese, o regime intermediário se mostra o único suficientemente hábil a promover os fins da pena (reprovação e prevenção do delito e ressocialização do apenado). Deste modo, preservo o regime semiaberto para cumprimento da pena. De igual modo, não há como se acolher a pretensão desclassificatória. Tanto na sede da autoridade policial como em Juízo, o investigador de Polícia Civil Valdivino Vital Amordivino asseverou que durante as investigações, o revisionando foi apontado por populares como vendedor de drogas, além de ter ressaltado que no início das diligências, ele morava perto da sede da Delegacia de Policial, mas depois de perceber que estava sendo monitorado, mudou-se dali e “foi para o bairro União, na tentativa de sair das investigações”. Ele ainda aduziu que na nova morada, o revisionando “continuou a traficar, de modo que atraía uma grande movimentação de pessoas na residência e os vizinhos começaram a perceber e informar a polícia”, destacando, inclusive, que no dia da apreensão, “a movimentação de pessoas estava além do normal”. Por fim, ele relatou que após entrarem na residência, localizaram as embalagens com drogas escondidas dentro de um tênis, sem contar que, enquanto estavam ali, seu colega investigador atendeu a uma chamada no aparelho telefônico do revisionando, em que o interlocutor encomendava material estupefaciente. Igualmente ouvido sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, o investigador Luís Conrado Barros de Araújo, após ratificar as declarações prestadas na fase extrajudicial, detalhou que 30 dias depois da apreensão, o revisionando foi novamente surpreendido em poder de uma grande porção de pasta base de cocaína e, pouco depois, passou a integrar a organização criminosa “Comando Vermelho”. Por qualquer ângulo que se olhe, as testemunhas do episódio que culminou na apreensão das substâncias ilícitas trouxeram declarações/informações coesas e seguras, sempre enfatizando o envolvimento do revisionando no comércio malsão. Nesse cenário, conquanto se cogite a impossibilidade de alicerçar a condenação em depoimentos de policiais, convém salientar que o fato de a testemunha ser agente público não torna, por si só, suas declarações desacreditadas ou desprovidas de confiança, sobretudo quando coerentes e harmônicas entre si, como ocorre na espécie. Trilhando o mesmo caminho, vide o Enunciado nº. 8 da Turma de Câmaras Criminais Reunidas: “Os depoimentos de policiais, desde que harmônicos com as demais provas, são idôneos para sustentar a condenação criminal”. Se toda pessoa pode, nos termos do art. 202 do CPP, ser testemunha, nada obsta que policiais, que também se sujeitam ao compromisso de dizer a verdade (art. 203 do CPP), deponham sobre diligências e fatos presenciados no exercício da função. Impedi-los de testemunhar ou negar credibilidade às suas declarações apenas por serem agentes públicos é ilógico, afinal, se estão autorizados por força da lei a atuar na fiscalização dos estabelecimentos carcerários, é perfeitamente possível que sejam chamados a depor em Juízo para detalhar o contexto da atuação, sem que isso implique qualquer ofensa ao direito de defesa. Endossando o raciocínio, confira-se ementa de julgado desta Corte: “Havendo harmonia entre as afirmações dos agentes policiais e os demais elementos probatórios dos autos, não há razões para afastar o édito condenatório, uma vez a prova consistente no testemunho de policiais diretamente envolvidos nas diligências que deflagraram a prisão do acusado é de reconhecida idoneidade e tem forte valor probante para o amparo de um decreto condenatório” (RAC 1000485-65.2021, Rel. Des. Marcos Machado, 2ª Câmara Criminal, DJE 26.9.2022). Para além das falas concisas e harmônicas, os autos não contam com indicativo algum de que os policiais civis encarregados das diligências sejam desafetos do revisionando ou, de alguma forma, atuaram para prejudicá-lo. Ademais, em sintonia com os testemunhos, que a todo tempo apontam o revisionando como guardião e responsável pelos materiais ilícitos apreendidos, é interessante registrar que nenhum apetrecho destinado ao consumo foi localizado e o próprio revisionando, ao ser interrogado pela autoridade policial, confessou a traficância: “QUE, a família do interrogando reside em Canarana; QUE o interrogando morava em frente à loja FERNANDO MOTOS na rua da Delegacia; QUE, no referido endereço o interrogando chegou a ser abordado pela Policia Civil em uma oportunidade; QUE naquela época o interrogando começou a vender drogas; QUE, nesta época o interrogando perdeu o emprego e iniciou na atividade ilícita justamente por esse motivo (...). QUE na atual residência o interrogando continuou a vender drogas pois continuou desempregado” (ID 199378176). Logo, como as circunstâncias em torno da apreensão e a confissão do próprio revisionando na fase preliminar das investigações reforçam a finalidade de difusão com intuito lucrativo, deve ser mantida a tipificação adotada na origem. Nesse sentido, confira-se: “É inviável cogitar a absolvição e/ou desclassificação da conduta para a infração penal do art. 28 da Lei n.º 11.343/2006, na hipótese em que os testemunhos dos policiais e as circunstâncias do flagrante demonstram que as substâncias apreendidas se destinavam à difusão ilícita, pois tais depoimentos são válidos como elementos de prova e não podem ser desprestigiados apenas e tão somente com base na negativa de autoria feita pelo recorrente Gilmar, sobretudo quando harmônicos com as demais provas” (RAC 1006869-26.2021, Rel. Des. Gilberto Giraldelli, 3ª Câmara Criminal, DJE 18.10.2022). “A inverossimilhança da versão apresentada na fase judicial pelo agente não pode ser considerada para fins de absolvição/desclassificação do crime de tráfico de drogas, sobretudo quando a autoria delitiva está demonstrada de modo irrefutável pelos demais elementos probatórios colhidos na instrução criminal. Não há qualquer reparo a ser realizado na dosimetria quando a pena aplicada foi favorável ao réu em todas as fases. Não restando suficientemente comprovado que o entorpecente apreendido em poder do outro réu seria destinado à comercialização, impõe-se desclassificar o crime de tráfico de drogas para o delito previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006” (RAC 1001551-78.2022, Rel. Des. Orlando de Almeida Perri, 1ª Câmara Criminal, DJE 25.11.2022). Destaquei. Finalmente, vale salientar que eventual vício em substâncias ilícitas, que sequer está provado nos autos, não afasta, por si só, a configuração do tipo descrito no art. 33, caput, da Lei de Drogas, já que nada impede que a pessoa consuma drogas e, ao mesmo tempo, realize atos de traficância para sustentar o próprio vício ou incrementar a renda. Aliás, o Enunciado nº. 3 da Turma de Câmaras Criminais Reunidas é taxativo ao pontuar: “A condição de usuário de drogas não elide a responsabilização do agente pelo delito tipificado no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006”. Enfim, diante da idoneidade do acervo fático-probatório, assegurando que o revisionando mantinha em depósito materiais de uso proscrito com propósito econômico, deve igualmente ser afastada a pretensão desclassificatória. Com essas considerações e em sintonia com o parecer, julgo improcedente a revisional. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 03/04/2025

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Processo nº 1021473-71.2025.8.11.0000

ID: 339672823

Tribunal: TJMT Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº Processo: 1021473-71.2025.8.11.0000

Data de Disponibilização: 31/07/2025

Polo Ativo:

ERBILENE ANDREZA RAMOS

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

TALITA CINTRA FERREIRA

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1021473-71.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Inadimplemento, Compra e Venda, Penhora /… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1021473-71.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Inadimplemento, Compra e Venda, Penhora / Depósito/ Avaliação] Relator: Des(a). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [ARINILSON GONCALVES MARIANO - CPF: 655.985.391-87 (ADVOGADO), CARLOS EDUARDO MURICY MONTALVAO - CPF: 714.121.661-87 (ADVOGADO), TALITA CINTRA FERREIRA - CPF: 373.158.318-60 (ADVOGADO), ERBILENE ANDREZA RAMOS - CPF: 855.279.041-68 (AGRAVANTE), RESIDENCIAL FLORAIS DO VALE LTDA - CNPJ: 17.288.378/0001-35 (AGRAVADO), RAFAEL EDUARDO DA SILVA COSTA - CPF: 032.933.021-73 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. IMPUGNAÇÃO À PENHORA VIA SISBAJUD. BLOQUEIO DE VALORES EM FUNDO DE INVESTIMENTO. IMPENHORABILIDADE. ARTIGO 833, INCISO X, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ÔNUS PROBATÓRIO NÃO DEMONSTRADO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA NATUREZA DE RESERVA PARA SUBSISTÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Agravo de instrumento interposto contra decisão do Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Jaciara/MT que indeferiu impugnação à penhora e manteve o bloqueio judicial de R$ 30.761,65, realizado via SISBAJUD, sobre valores aplicados em fundo de investimento de renda fixa de longo prazo do Banco do Brasil (RF LP HIGH), nos autos de cumprimento de sentença decorrente de ação de cobrança relacionada a compromisso de compra e venda de lote urbano. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em verificar se valores bloqueados via sistema SISBAJUD, aplicados em fundo de investimento de renda fixa de longo prazo, estariam amparados pela regra de impenhorabilidade prevista no artigo 833, inciso X, do Código de Processo Civil, considerando a alegação da agravante de que os recursos destinam-se ao custeio de tratamentos médicos e subsistência, em razão de sua condição de pessoa com deficiência visual grave e aposentada por invalidez permanente. III. Razões de decidir 3. A impenhorabilidade prevista no artigo 833, inciso X, do Código de Processo Civil constitui norma excepcional que visa proteger o mínimo existencial da pessoa, devendo ser interpretada restritivamente e cabalmente demonstrada pela parte que a invoca, conforme estabelece o artigo 854, § 3º, inciso I, do mesmo diploma legal. 4. Embora a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tenha estendido a proteção do artigo 833, inciso X, do Código de Processo Civil a valores mantidos em outras modalidades de aplicação financeira, tal proteção não dispensa a parte interessada de comprovar cabalmente a natureza dos valores e sua destinação específica ao sustento próprio e familiar. 5. A agravante não se desincumbiu satisfatoriamente do ônus probatório, pois não demonstrou de forma convincente que os valores aplicados no fundo de investimento possuem caráter de reserva para subsistência ou destinação específica a tratamentos de saúde, limitando-se a alegações genéricas sobre sua condição de saúde. 6. A aplicação dos valores em fundo de investimento de renda fixa de longo prazo indica finalidade de ganho de capital e não necessariamente de reserva para subsistência, não tendo a agravante apresentado planilha de despesas ou documentos que demonstrassem a vinculação inequívoca entre os valores bloqueados e as despesas médicas alegadas. IV. Dispositivo e tese 7. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. Tese de julgamento:"A impenhorabilidade prevista no artigo 833, inciso X, do Código de Processo Civil, ainda que estendida a valores mantidos em fundos de investimento, exige comprovação cabal de que os recursos possuem natureza de reserva para subsistência, não sendo suficientes alegações genéricas sobre vulnerabilidade econômica ou condição de saúde do executado." Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 789, 833, X, 835, I e 854, § 3º, I. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp 2.452.365/PR, Rel. Min. Humberto Martins, 3ª Turma, j. 27.05.2024; STJ, AgInt no REsp 1.991.091/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, j. 20.06.2022; STJ, REsp 2.072.733/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, j. 27.08.2024; TJMT, AI 1.030.057-98.2023.8.11.0000, Rel. Des. Sebastião de Moraes Filho, 2ª Câmara de Direito Privado, j. 12.06.2024. R E L A T Ó R I O EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Egrégia Câmara: Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto por ERBILENE ANDREZA RAMOS contra decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Jaciara/MT, nos autos da ação de cobrança em fase de cumprimento de sentença nº 1001487.43.2021.8.11.0010, que indeferiu a impugnação à penhora apresentada e manteve a constrição judicial do valor de R$ 30.761,65 (trinta mil setecentos e sessenta e um reais e sessenta e cinco centavos) incidente sobre quantia mantida em fundo de investimento de renda fixa de longo prazo do Banco do Brasil – “RF LP HIGH”. A agravante sustenta que os valores bloqueados são impenhoráveis, nos termos do artigo 833, inciso X, do Código de Processo Civil, uma vez que não ultrapassam o limite de 40 salários-mínimos e, tampouco se configura como ativos financeiros disponíveis para fins de especulação ou obtenção de lucro. Argumenta, ainda, ser portadora de deficiência visual grave (baixa visão), encontrando-se aposentada por invalidez permanente pelo INSS, utilizando os referidos recursos para o custeio de tratamentos médicos contínuos e para a própria subsistência. Requer a concessão de efeito suspensivo para suspender, de forma imediata, os efeitos da decisão agravada, a fim de que sejam desbloqueados os valores constritos (R$ 30.761,65), os quais afirma serem indispensáveis à sua manutenção e ao tratamento de saúde, dada sua condição de pessoa com deficiência visual grave e comprovada hipossuficiência econômica. No mérito, pugna pelo provimento do agravo de instrumento, com a consequente reforma da decisão agravada, a fim de que seja reconhecida a impenhorabilidade dos valores bloqueados. Certificado que a parte agravante é beneficiária da justiça gratuita (Id. 296655880). Restou parcialmente deferido o pedido liminar (id. 296946392), “tão somente para determinar que os valores penhorados via SISBAJUD, mantidos no fundo de investimento de renda fixa de longo prazo do Banco do Brasil – “RF LP HIGH”, de titularidade da agravante, no montante de R$ 30.761,65 (trinta mil setecentos e sessenta e um reais e sessenta e cinco centavos), permaneçam constritos, vedado, contudo, o seu levantamento pela parte exequente até o julgamento definitivo do presente agravo de instrumento.” Contrarrazões apresentadas pelo Residencial Florais do Vale Ltda., alegando a ausência do perigo da demora, o risco de dano irreparável, merecendo o indeferimento do efeito suspensivo, com a consequente manutenção da constrição judicial determinada pelo juízo de origem. Requer o desprovimento do agravo de instrumento (Id. 299082899). É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Egrégia Câmara: Trata-se de agravo de instrumento interposto por ERBILENE ANDREZA RAMOS contra decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Jaciara-MT, nos autos do cumprimento de sentença nº 1001487-43.2021.8.11.0010, que indeferiu a impugnação à penhora apresentada pela executada, ora agravante e manteve o bloqueio judicial de R$ 30.761,65 (trinta mil, setecentos e sessenta e um reais e sessenta e cinco centavos), realizado via SISBAJUD, em valor aplicado em fundo de investimento de renda fixa de longo prazo do Banco do Brasil (RF LP HIGH). Preambularmente, verifico que o recurso merece ser conhecido, pois presentes os pressupostos de admissibilidade. Os fatos originários decorrem de ação de cobrança n.º 1001487.43.2021.8.11.0010, ajuizada pela parte agravada, Residencial Florais do Vale Ltda, em razão de alegado inadimplemento contratual relacionado ao compromisso de compra e venda firmado em 05/12/2014, referente ao Lote 08, Quadra 06, do loteamento "Residencial Florais do Vale", situado em Jaciara-MT. Após a prolação da sentença de procedência, a qual condenou a parte agravante ao pagamento de R$ 11.454,15, acrescido de encargos legais, foi iniciou-se a fase de cumprimento de sentença, com a realização de penhora online, que resultou no bloqueio dos valores mencionados. O juízo de origem indeferiu a impugnação à penhora, sob o fundamento de que seria necessária demonstração de "intuito de poupar" ou "vinculação exclusiva a tratamento de saúde", considerando ausente qualquer prova de que os valores depositados possuíam finalidade de poupança e destinação exclusiva para tratamento médico. Transcrevo trecho pertinente do decisum: “[...] I - DA IMPUGNAÇÃO À PENHORA – IMPENHORABILIDADE Ademais, no que tange à impenhorabilidade, como se sabe, a regra da impenhorabilidade aludida no caso em epígrafe está disciplinada no artigo 833, inciso X, do Código de Processo Civil: Art. 833. São impenhoráveis: (...) X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos; Todavia, necessário que a parte utilize a conta poupança de acordo com a sua finalidade, ou seja, poupar verbas, caso contrário estará afastada a impenhorabilidade. Neste sentido: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – BLOQUEIO DE VALORES VIA BACENJUD – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO MÍNIMA DE QUE A CONTA SEJA EXCLUSIVAMENTE CONTA POUPANÇA – IMPENHORABILIDADE NÃO DEMONSTRADA – DECISÃO MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. É permitida a penhora de cadernetas de poupança, cujo valor represente saldo inferior aos quarenta salários-mínimos, nos casos de se utilizar a poupança como conta corrente disfarçada (STJ – 3ª T., REsp 1.231.123/SP, Min. Nancy Andrighi). (N.U 1020075-26.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DIRCEU DOS SANTOS, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 06/11/2024, Publicado no DJE 12/11/2024) RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – PENHORA ON LINE – CONTA- POUPANÇA – VIOLAÇÃO DO ART. 833, X, DO CPC – INOCORRÊNCIA – REITERADAS MOVIMENTAÇÕES EM CONTA BANCÁRIA – CADERNETA DE POUPANÇA DESCARACTERIZADA – DECISÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. 1. A conta- poupança, para ser protegida pela impenhorabilidade, deve evidenciar o propósito de investimento ou reserva de capital. 2. Se houver constatação de movimentações cotidianas na conta, como por exemplo, transações com cartões de crédito, descontos e compensações de cheque, saques, gastos com crédito, acaba por alterar sua natureza, transmutando-a em verdadeira conta-corrente, passível, de acordo com a jurisprudência pátria, de constrição judicial. (TJMT - N.U 1003614-52.2019.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SERLY MARCONDES ALVES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 29/05/2019, Publicado no DJE 31/05/2019). Como se pode observar pelo julgado transcrito, para se revestir de impenhorabilidade não basta simplesmente que a quantia depositada seja inferior a 40 salários-mínimos, mas o seja no intuito de poupar. Dessa forma, ausente qualquer prova de que os valores depositados possuíam a finalidade de poupar, e que seriam exclusivamente destinados para o tratamento da executada, afasto a alegada impenhorabilidade. Destarte, aguarde-se a preclusão do pronunciamento, e, após, expeça-se alvará de levantamento do valor penhorado em favor da exequente. Assim, proceda o Senhor Gestor, com os atos necessários para a liberação dos valores. Após, efetuado o levantamento dos valores e certificado nos autos, determino a intimação da exequente, no prazo de 15 (quinze) dias, para que apresente a diferença (liquidação) do débito remanescente, bem como manifestar-se, requerendo o que entender de direito, dando prosseguimento no feito. [...]” (id. 193560739 – autos de origem) A questão principal trazida à apreciação deste colegiado consiste em verificar se os valores bloqueados via sistema SISBAJUD, aplicados em fundo de investimento de renda fixa de longo prazo (RF LP HIGH) do Banco do Brasil, estariam amparados pela regra de impenhorabilidade prevista no art. 833, X, do Código de Processo Civil. De início, é necessário ressaltar que a impenhorabilidade constitui exceção à regra geral de penhorabilidade de bens, conforme dispõe o art. 789 do CPC: "O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei". Nesse sentido, é cediço que a impenhorabilidade, por constituir exceção à regra, deve ser interpretada restritivamente e demonstrada de forma cabal por quem a alega. O art. 833, X, do CPC estabelece que: Art. 833. São impenhoráveis: (...) X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos. Em sede de cognição sumária, deferi parcialmente o pedido de efeito ativo, tão somente para determinar que os valores bloqueados via SISBAJUD permanecessem constritos, mas não fossem levantados pela parte exequente até o julgamento definitivo do presente recurso. Isso porque, naquele momento processual, entendi necessário adotar medida conservativa para resguardar tanto os interesses da agravante quanto os da parte agravada. Ocorre que, após análise mais aprofundada do caso e das provas carreadas aos autos, entendo que o agravo não merece provimento, pelos fundamentos que passo a expor. É verdade que o Superior Tribunal de Justiça, em interpretação teleológica do dispositivo, vem entendendo que essa proteção pode ser estendida a valores mantidos em outras modalidades de aplicação, como contas-correntes ou fundos de investimento, desde que demonstrada sua natureza de reserva de capital destinada à subsistência do devedor. Confira-se: “PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. IMPENHORABILIDADE DE VALORES MANTIDOS EM CONTA BANCÁRIA ATÉ O LIMITE DE 40 (QUARENTA) SALÁRIOS-MÍNIMOS. PRECEDENTES. 1. Discute-se nos autos se a impenhorabilidade de que trata o inciso X do art. 833 do CPC/2015 abrange também os valores mantidos em conta-corrente. 2. A jurisprudência desta Corte assenta que a impenhorabilidade de que trata o inciso X do art. 833 do CPC abrange não apenas os valores depositados em caderneta de poupança, mas também aqueles mantidos em conta-corrente, aplicações financeiras ou fundos de investimentos, ressalvada a comprovação de má-fé, abuso de direito ou fraude, hipóteses não identificadas no caso concreto. 3. A impenhorabilidade prevista no art. 833, X, do CPC/2015 deve ser presumida, cabendo ao credor demonstrar a má-fé, o abuso de direito ou a fraude para que se excepcione a regra e se admita a penhora. Isso se deve ao princípio de que "a boa-fé se presume; a má-fé se prova", conforme estabelecido no Tema Repetitivo n. 243/STJ. AgInt no AREsp n. 2.460.028/MG, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe de 7/3/2024. Agravo interno improvido.” (STJ - AgInt no AREsp: 2452365 PR 2023/0284024-9, Relator.: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 27/05/2024, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/05/2024). (grifo nosso) “AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO. 1. PENHORA DE SALÁRIO. LIMITE DE IMPENHORABILIDADE DO VALOR CORRESPONDENTE A 40 (QUARENTA) SALÁRIOS-MÍNIMOS. VIOLAÇÃO AO ART. 833 DO CPC/2015. NÃO OCORRÊNCIA. 2. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte Superior entende que é impenhorável a quantia de até 40 (quarenta) salários-mínimos poupada, seja ela mantida em papel-moeda, em conta-corrente, aplicada em caderneta de poupança propriamente dita ou em fundo de investimentos, e ressalvado eventual abuso, má-fé ou fraude, a ser verificado caso a caso, de acordo com as circunstâncias da situação concreta em julgamento. Precedente. 2. Agravo interno improvido.” ( AgInt no REsp n. 1.991.091/DF, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 20/6/2022, DJe de 23/6/2022.) (grifo nosso) Contudo, essa extensão interpretativa não dispensa a parte executada de comprovar que os valores efetivamente possuem caráter de reserva para subsistência ou finalidade específica, como tratamento de saúde. Tal ônus probatório decorre expressamente do art. 854, § 3º, I, do CPC, que estabelece: “Art. 854. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, sem dar ciência prévia do ato ao executado, determinará às instituições financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional, que torne indisponíveis ativos financeiros existentes em nome do executado, limitando-se a indisponibilidade ao valor indicado na execução. (...) § 3º Incumbe ao executado, no prazo de 5 (cinco) dias, comprovar que: I - as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis.” No caso em apreço, verifica-se que a agravante não se desincumbiu satisfatoriamente desse ônus probatório, pois não demonstrou de forma convincente que os valores aplicados no fundo de investimento RF LP HIGH possuem caráter de reserva para subsistência ou destinação específica a tratamentos de saúde. Conforme bem pontuado pela Magistrada de primeiro grau, "para se revestir de impenhorabilidade não basta simplesmente que a quantia depositada seja inferior a 40 salários-mínimos, mas o seja no intuito de poupar". Observa-se que os valores bloqueados (R$ 30.761,65) estavam investidos em aplicação financeira de renda fixa de longo prazo, cujo objetivo principal é proporcionar valorização das cotas por meio da aplicação dos recursos em uma carteira composta principalmente por títulos públicos federais e privados, promovendo uma rentabilidade superior àquela oferecida pela caderneta de poupança tradicional, o que indica finalidade de ganho de capital a longo prazo e não necessariamente de reserva para subsistência. Ademais, a agravante não trouxe aos autos planilha de despesas, tampouco documentos atualizados que demonstrassem de forma inequívoca que os valores seriam utilizados para custear tratamentos médicos relacionados à sua condição visual, ou qualquer outro elemento probatório que demonstre, de forma concreta, que os valores bloqueados são essenciais à sua subsistência, limitando-se a alegações genéricas sobre sua condição de saúde e dependência financeira dos valores constritos. Embora tenha sido juntado documento do INSS comprovando sua condição de beneficiária de aposentadoria por invalidez, não há demonstração concreta da vinculação entre os valores bloqueados e as despesas médicas alegadas, ônus que lhe incumbia. Nesse contexto, ainda que seja reconhecida a extensão da regra de impenhorabilidade prevista no art. 833, X, do CPC a outros tipos de aplicações financeiras ou depósitos em conta corrente, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, tal proteção não dispensa a parte interessada de comprovar cabalmente a natureza dos valores e sua destinação ao sustento próprio e de sua família. A propósito: “RECURSO ESPECIAL - AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM - EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL - BLOQUEIO DE VALORES CREDITADOS EM CONTA-CORRENTE - TRIBUNAL A QUO QUE COMPREENDEU PELA PENHORABILIDADE DO SALÁRIO/BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO CREDITADO EM CONTA-CORRENTE. IRRESIGNAÇÃO DA EXECUTADA (...) Porém, depósitos em outras modalidades de contas ou aplicações podem ser igualmente impenhoráveis, até o referido limite de salários mínimos, se tiverem características e objetivo similares ao da utilização da poupança. (...) (STJ - REsp: 2072733 SP 2023/0162172-5, Relator.: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 27/08/2024, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/12/2024). (grifo nosso) Ressalte-se que a alegada condição de vulnerabilidade da agravante, por si só, não tem o condão de afastar o ônus probatório que lhe cabe, especialmente em se tratando de execução de título judicial, onde deve prevalecer a efetividade da tutela jurisdicional. Vale lembrar que o dinheiro é o bem que prefere a todos os outros na ordem de penhora, conforme estabelece o art. 835, I, do CPC, justamente por garantir maior efetividade à execução. A exceção a esta regra, representada pela impenhorabilidade, demanda demonstração cabal, não sendo suficientes alegações genéricas ou desprovidas de suporte probatório robusto. Assim, considerando que a impenhorabilidade é exceção à regra geral de que o dinheiro é o bem que prefere a todos os outros na ordem de penhora, e que a agravante não comprovou de forma satisfatória que os valores bloqueados estão protegidos pela regra do art. 833, X, do CPC, não há como acolher a pretensão recursal. Em casos análogos, assim decidiu este e. Tribunal de Justiça: “AGRAVO DE INSTRUMENTO – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - DECISÃO QUE REJEITOU ALEGAÇÃO DE IMPENHORABILIDADE E DEFERIU PENHORA DE 30% DA APOSENTADORIA LÍQUIDA DO EXECUTADO – NÃO COMPROVAÇÃO DA IMPENHORABILIDADE – POSSIBILIDADE DE PENHORA DE 30% DOS RENDIMENTOS - POSICIONAMENTO DO STJ – PERCENTUAL QUE PRESERVA A DIGNIDADE DO EXECUTADO - DECISÃO MANTIDA – AGRAVO DESPROVIDO. O STJ, com fundamento no art. 833, X, do CPC, entende impenhoráveis valores até o limite de 40 salários mínimos, independentemente de se tratar de moeda em espécie ou depósitos em poupança ou outro tipo de investimento. Contudo, o art. 854, § 3º, inc. I, do CPC, estabelece, para a hipótese de penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, que incumbe ao executado comprovar que as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis. No caso em testilha, em que pese as alegações do agravante, as provas consubstanciadas aos autos não permitem considerar que as verbas em questão são impenhoráveis. O reconhecimento da impenhorabilidade da quantia de até 40 salários mínimos depositada em conta bancária está condicionado à inexistência de outra reserva monetária para a subsistência do devedor e de sua família, o que não restou comprovado pelo agravante. A jurisprudência do STJ tem admitido, em casos excepcionais, a constrição de percentual do salário para satisfação de dívida que não se enquadre nas exceções acima elencadas, desde que não haja prejuízo ao sustento do executado. A situação excepcional de que trata a jurisprudência está delineada, eis que o Agravante figura como executado, bem ainda não foi encontrado valor suficiente para cobrir a dívida por outros meios de constrição, que já perdura por mais de 24 (vinte e quatro) anos, motivo pelo qual, mesmo sendo verba de natureza salarial, é o único numerário encontrado para amortização do débito e pode ser penhorado, limitada a constrição em 30% (trinta por cento) para preservar a subsistência do executado”. (TJ-MT - AGRAVO DE INSTRUMENTO: 1030057-98.2023 .8.11.0000, Relator.: SEBASTIAO DE MORAES FILHO, Data de Julgamento: 12/06/2024, Segunda Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/06/2024). (grifo nosso) “AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE EXECUÇÃO – BLOQUEIO DE VALORES VIA BACENJUD – CONTA POUPANÇA – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO MÍNIMA DE QUE A CONTA SEJA EXCLUSIVAMENTE CONTA POUPANÇA – IMPENHORABILIDADE AFASTADA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. “É permitida a penhora de cadernetas de poupança, cujo valor represente saldo inferior aos quarenta salários mínimos, nos casos de se utilizar a poupança como conta corrente disfarçada (STJ – 3ª T., REsp 1.231 .123/SP, Min. Nancy Andrighi, j. 02/08/2012, DJe 30/08/2012)” (TJ-MT 10072432920228110000 MT, Relator.: DIRCEU DOS SANTOS, Data de Julgamento: 08/02/2023, Terceira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 15/02/2023). (grifo nosso) Assim, considerando que a impenhorabilidade é exceção à regra geral de que o dinheiro é o bem que prefere a todos os outros na ordem de penhora, e que a agravante não comprovou de forma satisfatória que os valores bloqueados estão protegidos pela regra do art. 833, X, do CPC, não há como acolher a pretensão recursal. Ante o exposto, CONHEÇO do recurso e NEGO-LHE PROVIMENTO, mantendo integralmente a decisão agravada. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 29/07/2025

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Processo nº 1021473-71.2025.8.11.0000

ID: 339672827

Tribunal: TJMT Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº Processo: 1021473-71.2025.8.11.0000

Data de Disponibilização: 31/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

RESIDENCIAL FLORAIS DO VALE LTDA

Acórdão

Advogados:

ARINILSON GONCALVES MARIANO

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CARLOS EDUARDO MURICY MONTALVAO

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RAFAEL EDUARDO DA SILVA COSTA

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1021473-71.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Inadimplemento, Compra e Venda, Penhora /… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1021473-71.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Inadimplemento, Compra e Venda, Penhora / Depósito/ Avaliação] Relator: Des(a). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [ARINILSON GONCALVES MARIANO - CPF: 655.985.391-87 (ADVOGADO), CARLOS EDUARDO MURICY MONTALVAO - CPF: 714.121.661-87 (ADVOGADO), TALITA CINTRA FERREIRA - CPF: 373.158.318-60 (ADVOGADO), ERBILENE ANDREZA RAMOS - CPF: 855.279.041-68 (AGRAVANTE), RESIDENCIAL FLORAIS DO VALE LTDA - CNPJ: 17.288.378/0001-35 (AGRAVADO), RAFAEL EDUARDO DA SILVA COSTA - CPF: 032.933.021-73 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. IMPUGNAÇÃO À PENHORA VIA SISBAJUD. BLOQUEIO DE VALORES EM FUNDO DE INVESTIMENTO. IMPENHORABILIDADE. ARTIGO 833, INCISO X, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ÔNUS PROBATÓRIO NÃO DEMONSTRADO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA NATUREZA DE RESERVA PARA SUBSISTÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Agravo de instrumento interposto contra decisão do Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Jaciara/MT que indeferiu impugnação à penhora e manteve o bloqueio judicial de R$ 30.761,65, realizado via SISBAJUD, sobre valores aplicados em fundo de investimento de renda fixa de longo prazo do Banco do Brasil (RF LP HIGH), nos autos de cumprimento de sentença decorrente de ação de cobrança relacionada a compromisso de compra e venda de lote urbano. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em verificar se valores bloqueados via sistema SISBAJUD, aplicados em fundo de investimento de renda fixa de longo prazo, estariam amparados pela regra de impenhorabilidade prevista no artigo 833, inciso X, do Código de Processo Civil, considerando a alegação da agravante de que os recursos destinam-se ao custeio de tratamentos médicos e subsistência, em razão de sua condição de pessoa com deficiência visual grave e aposentada por invalidez permanente. III. Razões de decidir 3. A impenhorabilidade prevista no artigo 833, inciso X, do Código de Processo Civil constitui norma excepcional que visa proteger o mínimo existencial da pessoa, devendo ser interpretada restritivamente e cabalmente demonstrada pela parte que a invoca, conforme estabelece o artigo 854, § 3º, inciso I, do mesmo diploma legal. 4. Embora a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tenha estendido a proteção do artigo 833, inciso X, do Código de Processo Civil a valores mantidos em outras modalidades de aplicação financeira, tal proteção não dispensa a parte interessada de comprovar cabalmente a natureza dos valores e sua destinação específica ao sustento próprio e familiar. 5. A agravante não se desincumbiu satisfatoriamente do ônus probatório, pois não demonstrou de forma convincente que os valores aplicados no fundo de investimento possuem caráter de reserva para subsistência ou destinação específica a tratamentos de saúde, limitando-se a alegações genéricas sobre sua condição de saúde. 6. A aplicação dos valores em fundo de investimento de renda fixa de longo prazo indica finalidade de ganho de capital e não necessariamente de reserva para subsistência, não tendo a agravante apresentado planilha de despesas ou documentos que demonstrassem a vinculação inequívoca entre os valores bloqueados e as despesas médicas alegadas. IV. Dispositivo e tese 7. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. Tese de julgamento:"A impenhorabilidade prevista no artigo 833, inciso X, do Código de Processo Civil, ainda que estendida a valores mantidos em fundos de investimento, exige comprovação cabal de que os recursos possuem natureza de reserva para subsistência, não sendo suficientes alegações genéricas sobre vulnerabilidade econômica ou condição de saúde do executado." Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 789, 833, X, 835, I e 854, § 3º, I. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp 2.452.365/PR, Rel. Min. Humberto Martins, 3ª Turma, j. 27.05.2024; STJ, AgInt no REsp 1.991.091/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, j. 20.06.2022; STJ, REsp 2.072.733/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, j. 27.08.2024; TJMT, AI 1.030.057-98.2023.8.11.0000, Rel. Des. Sebastião de Moraes Filho, 2ª Câmara de Direito Privado, j. 12.06.2024. R E L A T Ó R I O EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Egrégia Câmara: Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto por ERBILENE ANDREZA RAMOS contra decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Jaciara/MT, nos autos da ação de cobrança em fase de cumprimento de sentença nº 1001487.43.2021.8.11.0010, que indeferiu a impugnação à penhora apresentada e manteve a constrição judicial do valor de R$ 30.761,65 (trinta mil setecentos e sessenta e um reais e sessenta e cinco centavos) incidente sobre quantia mantida em fundo de investimento de renda fixa de longo prazo do Banco do Brasil – “RF LP HIGH”. A agravante sustenta que os valores bloqueados são impenhoráveis, nos termos do artigo 833, inciso X, do Código de Processo Civil, uma vez que não ultrapassam o limite de 40 salários-mínimos e, tampouco se configura como ativos financeiros disponíveis para fins de especulação ou obtenção de lucro. Argumenta, ainda, ser portadora de deficiência visual grave (baixa visão), encontrando-se aposentada por invalidez permanente pelo INSS, utilizando os referidos recursos para o custeio de tratamentos médicos contínuos e para a própria subsistência. Requer a concessão de efeito suspensivo para suspender, de forma imediata, os efeitos da decisão agravada, a fim de que sejam desbloqueados os valores constritos (R$ 30.761,65), os quais afirma serem indispensáveis à sua manutenção e ao tratamento de saúde, dada sua condição de pessoa com deficiência visual grave e comprovada hipossuficiência econômica. No mérito, pugna pelo provimento do agravo de instrumento, com a consequente reforma da decisão agravada, a fim de que seja reconhecida a impenhorabilidade dos valores bloqueados. Certificado que a parte agravante é beneficiária da justiça gratuita (Id. 296655880). Restou parcialmente deferido o pedido liminar (id. 296946392), “tão somente para determinar que os valores penhorados via SISBAJUD, mantidos no fundo de investimento de renda fixa de longo prazo do Banco do Brasil – “RF LP HIGH”, de titularidade da agravante, no montante de R$ 30.761,65 (trinta mil setecentos e sessenta e um reais e sessenta e cinco centavos), permaneçam constritos, vedado, contudo, o seu levantamento pela parte exequente até o julgamento definitivo do presente agravo de instrumento.” Contrarrazões apresentadas pelo Residencial Florais do Vale Ltda., alegando a ausência do perigo da demora, o risco de dano irreparável, merecendo o indeferimento do efeito suspensivo, com a consequente manutenção da constrição judicial determinada pelo juízo de origem. Requer o desprovimento do agravo de instrumento (Id. 299082899). É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Egrégia Câmara: Trata-se de agravo de instrumento interposto por ERBILENE ANDREZA RAMOS contra decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Jaciara-MT, nos autos do cumprimento de sentença nº 1001487-43.2021.8.11.0010, que indeferiu a impugnação à penhora apresentada pela executada, ora agravante e manteve o bloqueio judicial de R$ 30.761,65 (trinta mil, setecentos e sessenta e um reais e sessenta e cinco centavos), realizado via SISBAJUD, em valor aplicado em fundo de investimento de renda fixa de longo prazo do Banco do Brasil (RF LP HIGH). Preambularmente, verifico que o recurso merece ser conhecido, pois presentes os pressupostos de admissibilidade. Os fatos originários decorrem de ação de cobrança n.º 1001487.43.2021.8.11.0010, ajuizada pela parte agravada, Residencial Florais do Vale Ltda, em razão de alegado inadimplemento contratual relacionado ao compromisso de compra e venda firmado em 05/12/2014, referente ao Lote 08, Quadra 06, do loteamento "Residencial Florais do Vale", situado em Jaciara-MT. Após a prolação da sentença de procedência, a qual condenou a parte agravante ao pagamento de R$ 11.454,15, acrescido de encargos legais, foi iniciou-se a fase de cumprimento de sentença, com a realização de penhora online, que resultou no bloqueio dos valores mencionados. O juízo de origem indeferiu a impugnação à penhora, sob o fundamento de que seria necessária demonstração de "intuito de poupar" ou "vinculação exclusiva a tratamento de saúde", considerando ausente qualquer prova de que os valores depositados possuíam finalidade de poupança e destinação exclusiva para tratamento médico. Transcrevo trecho pertinente do decisum: “[...] I - DA IMPUGNAÇÃO À PENHORA – IMPENHORABILIDADE Ademais, no que tange à impenhorabilidade, como se sabe, a regra da impenhorabilidade aludida no caso em epígrafe está disciplinada no artigo 833, inciso X, do Código de Processo Civil: Art. 833. São impenhoráveis: (...) X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos; Todavia, necessário que a parte utilize a conta poupança de acordo com a sua finalidade, ou seja, poupar verbas, caso contrário estará afastada a impenhorabilidade. Neste sentido: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – BLOQUEIO DE VALORES VIA BACENJUD – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO MÍNIMA DE QUE A CONTA SEJA EXCLUSIVAMENTE CONTA POUPANÇA – IMPENHORABILIDADE NÃO DEMONSTRADA – DECISÃO MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. É permitida a penhora de cadernetas de poupança, cujo valor represente saldo inferior aos quarenta salários-mínimos, nos casos de se utilizar a poupança como conta corrente disfarçada (STJ – 3ª T., REsp 1.231.123/SP, Min. Nancy Andrighi). (N.U 1020075-26.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DIRCEU DOS SANTOS, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 06/11/2024, Publicado no DJE 12/11/2024) RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – PENHORA ON LINE – CONTA- POUPANÇA – VIOLAÇÃO DO ART. 833, X, DO CPC – INOCORRÊNCIA – REITERADAS MOVIMENTAÇÕES EM CONTA BANCÁRIA – CADERNETA DE POUPANÇA DESCARACTERIZADA – DECISÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. 1. A conta- poupança, para ser protegida pela impenhorabilidade, deve evidenciar o propósito de investimento ou reserva de capital. 2. Se houver constatação de movimentações cotidianas na conta, como por exemplo, transações com cartões de crédito, descontos e compensações de cheque, saques, gastos com crédito, acaba por alterar sua natureza, transmutando-a em verdadeira conta-corrente, passível, de acordo com a jurisprudência pátria, de constrição judicial. (TJMT - N.U 1003614-52.2019.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SERLY MARCONDES ALVES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 29/05/2019, Publicado no DJE 31/05/2019). Como se pode observar pelo julgado transcrito, para se revestir de impenhorabilidade não basta simplesmente que a quantia depositada seja inferior a 40 salários-mínimos, mas o seja no intuito de poupar. Dessa forma, ausente qualquer prova de que os valores depositados possuíam a finalidade de poupar, e que seriam exclusivamente destinados para o tratamento da executada, afasto a alegada impenhorabilidade. Destarte, aguarde-se a preclusão do pronunciamento, e, após, expeça-se alvará de levantamento do valor penhorado em favor da exequente. Assim, proceda o Senhor Gestor, com os atos necessários para a liberação dos valores. Após, efetuado o levantamento dos valores e certificado nos autos, determino a intimação da exequente, no prazo de 15 (quinze) dias, para que apresente a diferença (liquidação) do débito remanescente, bem como manifestar-se, requerendo o que entender de direito, dando prosseguimento no feito. [...]” (id. 193560739 – autos de origem) A questão principal trazida à apreciação deste colegiado consiste em verificar se os valores bloqueados via sistema SISBAJUD, aplicados em fundo de investimento de renda fixa de longo prazo (RF LP HIGH) do Banco do Brasil, estariam amparados pela regra de impenhorabilidade prevista no art. 833, X, do Código de Processo Civil. De início, é necessário ressaltar que a impenhorabilidade constitui exceção à regra geral de penhorabilidade de bens, conforme dispõe o art. 789 do CPC: "O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei". Nesse sentido, é cediço que a impenhorabilidade, por constituir exceção à regra, deve ser interpretada restritivamente e demonstrada de forma cabal por quem a alega. O art. 833, X, do CPC estabelece que: Art. 833. São impenhoráveis: (...) X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos. Em sede de cognição sumária, deferi parcialmente o pedido de efeito ativo, tão somente para determinar que os valores bloqueados via SISBAJUD permanecessem constritos, mas não fossem levantados pela parte exequente até o julgamento definitivo do presente recurso. Isso porque, naquele momento processual, entendi necessário adotar medida conservativa para resguardar tanto os interesses da agravante quanto os da parte agravada. Ocorre que, após análise mais aprofundada do caso e das provas carreadas aos autos, entendo que o agravo não merece provimento, pelos fundamentos que passo a expor. É verdade que o Superior Tribunal de Justiça, em interpretação teleológica do dispositivo, vem entendendo que essa proteção pode ser estendida a valores mantidos em outras modalidades de aplicação, como contas-correntes ou fundos de investimento, desde que demonstrada sua natureza de reserva de capital destinada à subsistência do devedor. Confira-se: “PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. IMPENHORABILIDADE DE VALORES MANTIDOS EM CONTA BANCÁRIA ATÉ O LIMITE DE 40 (QUARENTA) SALÁRIOS-MÍNIMOS. PRECEDENTES. 1. Discute-se nos autos se a impenhorabilidade de que trata o inciso X do art. 833 do CPC/2015 abrange também os valores mantidos em conta-corrente. 2. A jurisprudência desta Corte assenta que a impenhorabilidade de que trata o inciso X do art. 833 do CPC abrange não apenas os valores depositados em caderneta de poupança, mas também aqueles mantidos em conta-corrente, aplicações financeiras ou fundos de investimentos, ressalvada a comprovação de má-fé, abuso de direito ou fraude, hipóteses não identificadas no caso concreto. 3. A impenhorabilidade prevista no art. 833, X, do CPC/2015 deve ser presumida, cabendo ao credor demonstrar a má-fé, o abuso de direito ou a fraude para que se excepcione a regra e se admita a penhora. Isso se deve ao princípio de que "a boa-fé se presume; a má-fé se prova", conforme estabelecido no Tema Repetitivo n. 243/STJ. AgInt no AREsp n. 2.460.028/MG, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe de 7/3/2024. Agravo interno improvido.” (STJ - AgInt no AREsp: 2452365 PR 2023/0284024-9, Relator.: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 27/05/2024, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/05/2024). (grifo nosso) “AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO. 1. PENHORA DE SALÁRIO. LIMITE DE IMPENHORABILIDADE DO VALOR CORRESPONDENTE A 40 (QUARENTA) SALÁRIOS-MÍNIMOS. VIOLAÇÃO AO ART. 833 DO CPC/2015. NÃO OCORRÊNCIA. 2. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte Superior entende que é impenhorável a quantia de até 40 (quarenta) salários-mínimos poupada, seja ela mantida em papel-moeda, em conta-corrente, aplicada em caderneta de poupança propriamente dita ou em fundo de investimentos, e ressalvado eventual abuso, má-fé ou fraude, a ser verificado caso a caso, de acordo com as circunstâncias da situação concreta em julgamento. Precedente. 2. Agravo interno improvido.” ( AgInt no REsp n. 1.991.091/DF, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 20/6/2022, DJe de 23/6/2022.) (grifo nosso) Contudo, essa extensão interpretativa não dispensa a parte executada de comprovar que os valores efetivamente possuem caráter de reserva para subsistência ou finalidade específica, como tratamento de saúde. Tal ônus probatório decorre expressamente do art. 854, § 3º, I, do CPC, que estabelece: “Art. 854. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, sem dar ciência prévia do ato ao executado, determinará às instituições financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional, que torne indisponíveis ativos financeiros existentes em nome do executado, limitando-se a indisponibilidade ao valor indicado na execução. (...) § 3º Incumbe ao executado, no prazo de 5 (cinco) dias, comprovar que: I - as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis.” No caso em apreço, verifica-se que a agravante não se desincumbiu satisfatoriamente desse ônus probatório, pois não demonstrou de forma convincente que os valores aplicados no fundo de investimento RF LP HIGH possuem caráter de reserva para subsistência ou destinação específica a tratamentos de saúde. Conforme bem pontuado pela Magistrada de primeiro grau, "para se revestir de impenhorabilidade não basta simplesmente que a quantia depositada seja inferior a 40 salários-mínimos, mas o seja no intuito de poupar". Observa-se que os valores bloqueados (R$ 30.761,65) estavam investidos em aplicação financeira de renda fixa de longo prazo, cujo objetivo principal é proporcionar valorização das cotas por meio da aplicação dos recursos em uma carteira composta principalmente por títulos públicos federais e privados, promovendo uma rentabilidade superior àquela oferecida pela caderneta de poupança tradicional, o que indica finalidade de ganho de capital a longo prazo e não necessariamente de reserva para subsistência. Ademais, a agravante não trouxe aos autos planilha de despesas, tampouco documentos atualizados que demonstrassem de forma inequívoca que os valores seriam utilizados para custear tratamentos médicos relacionados à sua condição visual, ou qualquer outro elemento probatório que demonstre, de forma concreta, que os valores bloqueados são essenciais à sua subsistência, limitando-se a alegações genéricas sobre sua condição de saúde e dependência financeira dos valores constritos. Embora tenha sido juntado documento do INSS comprovando sua condição de beneficiária de aposentadoria por invalidez, não há demonstração concreta da vinculação entre os valores bloqueados e as despesas médicas alegadas, ônus que lhe incumbia. Nesse contexto, ainda que seja reconhecida a extensão da regra de impenhorabilidade prevista no art. 833, X, do CPC a outros tipos de aplicações financeiras ou depósitos em conta corrente, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, tal proteção não dispensa a parte interessada de comprovar cabalmente a natureza dos valores e sua destinação ao sustento próprio e de sua família. A propósito: “RECURSO ESPECIAL - AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM - EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL - BLOQUEIO DE VALORES CREDITADOS EM CONTA-CORRENTE - TRIBUNAL A QUO QUE COMPREENDEU PELA PENHORABILIDADE DO SALÁRIO/BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO CREDITADO EM CONTA-CORRENTE. IRRESIGNAÇÃO DA EXECUTADA (...) Porém, depósitos em outras modalidades de contas ou aplicações podem ser igualmente impenhoráveis, até o referido limite de salários mínimos, se tiverem características e objetivo similares ao da utilização da poupança. (...) (STJ - REsp: 2072733 SP 2023/0162172-5, Relator.: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 27/08/2024, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/12/2024). (grifo nosso) Ressalte-se que a alegada condição de vulnerabilidade da agravante, por si só, não tem o condão de afastar o ônus probatório que lhe cabe, especialmente em se tratando de execução de título judicial, onde deve prevalecer a efetividade da tutela jurisdicional. Vale lembrar que o dinheiro é o bem que prefere a todos os outros na ordem de penhora, conforme estabelece o art. 835, I, do CPC, justamente por garantir maior efetividade à execução. A exceção a esta regra, representada pela impenhorabilidade, demanda demonstração cabal, não sendo suficientes alegações genéricas ou desprovidas de suporte probatório robusto. Assim, considerando que a impenhorabilidade é exceção à regra geral de que o dinheiro é o bem que prefere a todos os outros na ordem de penhora, e que a agravante não comprovou de forma satisfatória que os valores bloqueados estão protegidos pela regra do art. 833, X, do CPC, não há como acolher a pretensão recursal. Em casos análogos, assim decidiu este e. Tribunal de Justiça: “AGRAVO DE INSTRUMENTO – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - DECISÃO QUE REJEITOU ALEGAÇÃO DE IMPENHORABILIDADE E DEFERIU PENHORA DE 30% DA APOSENTADORIA LÍQUIDA DO EXECUTADO – NÃO COMPROVAÇÃO DA IMPENHORABILIDADE – POSSIBILIDADE DE PENHORA DE 30% DOS RENDIMENTOS - POSICIONAMENTO DO STJ – PERCENTUAL QUE PRESERVA A DIGNIDADE DO EXECUTADO - DECISÃO MANTIDA – AGRAVO DESPROVIDO. O STJ, com fundamento no art. 833, X, do CPC, entende impenhoráveis valores até o limite de 40 salários mínimos, independentemente de se tratar de moeda em espécie ou depósitos em poupança ou outro tipo de investimento. Contudo, o art. 854, § 3º, inc. I, do CPC, estabelece, para a hipótese de penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, que incumbe ao executado comprovar que as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis. No caso em testilha, em que pese as alegações do agravante, as provas consubstanciadas aos autos não permitem considerar que as verbas em questão são impenhoráveis. O reconhecimento da impenhorabilidade da quantia de até 40 salários mínimos depositada em conta bancária está condicionado à inexistência de outra reserva monetária para a subsistência do devedor e de sua família, o que não restou comprovado pelo agravante. A jurisprudência do STJ tem admitido, em casos excepcionais, a constrição de percentual do salário para satisfação de dívida que não se enquadre nas exceções acima elencadas, desde que não haja prejuízo ao sustento do executado. A situação excepcional de que trata a jurisprudência está delineada, eis que o Agravante figura como executado, bem ainda não foi encontrado valor suficiente para cobrir a dívida por outros meios de constrição, que já perdura por mais de 24 (vinte e quatro) anos, motivo pelo qual, mesmo sendo verba de natureza salarial, é o único numerário encontrado para amortização do débito e pode ser penhorado, limitada a constrição em 30% (trinta por cento) para preservar a subsistência do executado”. (TJ-MT - AGRAVO DE INSTRUMENTO: 1030057-98.2023 .8.11.0000, Relator.: SEBASTIAO DE MORAES FILHO, Data de Julgamento: 12/06/2024, Segunda Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/06/2024). (grifo nosso) “AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE EXECUÇÃO – BLOQUEIO DE VALORES VIA BACENJUD – CONTA POUPANÇA – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO MÍNIMA DE QUE A CONTA SEJA EXCLUSIVAMENTE CONTA POUPANÇA – IMPENHORABILIDADE AFASTADA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. “É permitida a penhora de cadernetas de poupança, cujo valor represente saldo inferior aos quarenta salários mínimos, nos casos de se utilizar a poupança como conta corrente disfarçada (STJ – 3ª T., REsp 1.231 .123/SP, Min. Nancy Andrighi, j. 02/08/2012, DJe 30/08/2012)” (TJ-MT 10072432920228110000 MT, Relator.: DIRCEU DOS SANTOS, Data de Julgamento: 08/02/2023, Terceira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 15/02/2023). (grifo nosso) Assim, considerando que a impenhorabilidade é exceção à regra geral de que o dinheiro é o bem que prefere a todos os outros na ordem de penhora, e que a agravante não comprovou de forma satisfatória que os valores bloqueados estão protegidos pela regra do art. 833, X, do CPC, não há como acolher a pretensão recursal. Ante o exposto, CONHEÇO do recurso e NEGO-LHE PROVIMENTO, mantendo integralmente a decisão agravada. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 29/07/2025

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