Processo nº 1000224-24.2023.8.11.0036
ID: 292983755
Tribunal: TJMT
Órgão: Quarta Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1000224-24.2023.8.11.0036
Data de Disponibilização:
09/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FERNANDO FERREIRA DA SILVA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1000224-24.2023.8.11.0036 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Decorrente de Violência Doméstica, Ameaça] Relator: Des…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1000224-24.2023.8.11.0036 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Decorrente de Violência Doméstica, Ameaça] Relator: Des(a). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO Turma Julgadora: [DES(A). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO, DES(A). HELIO NISHIYAMA, DES(A). JUVENAL PEREIRA DA SILVA] Parte(s): [DIVINO ETERNO DOS SANTOS SOUZA - CPF: 006.777.111-40 (APELANTE), FERNANDO FERREIRA DA SILVA - CPF: 442.443.201-72 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), M. F. M. D. J. - CPF: 101.230.221-00 (VÍTIMA), MAIZA JESUS MATOS - CPF: 039.548.671-84 (VÍTIMA)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. E M E N T A DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. LESÃO CORPORAL NO ÂMBITO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. RECURSO DEFENSIVO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. VALOR PROBANTE DA PALAVRA DA VÍTIMA CORROBORADA PELO LAUDO PERICIAL. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame: Apelação criminal interposta por acusado condenado à pena de 1 ano e 2 meses de reclusão e 2 meses e 10 dias de detenção, em regime aberto, pela prática dos crimes de ameaça (por duas vezes) e lesão corporal, no âmbito de violência doméstica e familiar, previstos nos arts. 147 e 129, § 13, do Código Penal, em concurso material, contra sua ex-companheira. A defesa postula a absolvição por insuficiência probatória. II. Questão em discussão: A questão em discussão consiste em saber se as provas produzidas nos autos são suficientes para justificar a condenação do recorrente pelos crimes de ameaça e lesão corporal, nos termos dos artigos 129, § 13, e 147, do Código Penal, em contexto de violência doméstica, à luz da Lei n. 11.340/2006. III. RAZÕES DE DECIDIR: 1. Os depoimentos da vítima, prestados na fase policial e judicial, são firmes, coerentes e harmônicos entre si, confirmando os atos de agressão física e ameaça perpetrados pelo réu. 2. O laudo pericial confirmou lesões compatíveis com os relatos da vítima, evidenciando equimoses e escoriações em diversas partes do corpo. 3. A testemunha presencial corroborou parte da narrativa da vítima, reforçando a veracidade da versão acusatória. 4. A negativa de autoria apresentada pelo réu é isolada e contradita pelas provas colhidas, não sendo suficiente para ensejar absolvição. 5. A palavra da vítima, especialmente em casos de violência doméstica, assume relevante valor probante, quando confirmada por elementos objetivos externos, como laudos e testemunhos. 6. A conduta do réu revela padrão de violência progressiva, incompatível com a tese de mero desentendimento, sendo inaplicável o princípio in dubio pro reo. IV. DISPOSITIVO E TESE: Recurso conhecido e desprovido. Tese de julgamento: "1. A palavra da vítima, em crimes praticados no âmbito doméstico e familiar, possui especial valor probante quando harmônica com os demais elementos dos autos. 2. A existência de lesões corporais comprovadas por laudo pericial e o relato coerente da vítima autorizam a condenação por lesão corporal e ameaça, nos termos dos artigos 129, § 13, e 147, do Código Penal". Dispositivos relevantes citados: Código Penal, arts. 129, § 13, e 147; Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Jurisprudência relevante citada: TJMT, N.U 1006690-84.2021.8.11.0042, Rel. Des. ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Primeira Câmara Criminal, j. em 08/10/2024. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. LÍDIO MODESTO DA SILVA FILHO Egrégia Câmara: Trata-se de Recurso de Apelação interposto por DIVINO ETERNO DOS SANTOS SOUZA, contra sentença prolatada pelo juízo da Vara Única de Guiratinga (MT), que julgou procedente o pedido da exordial acusatória, condenando-o à pena privativa de liberdade de 1 ano e 2 meses de reclusão e de 2 meses e 10 dias de detenção, a ser cumprida em regime aberto, pela prática dos delitos dos artigos 129, § 13, e 147, por duas vezes, do Código Penal, em concurso material (Id. 274320129). Em suas razões recursais a defesa pleiteia a absolvição do apelante quanto aos crimes de ameaça e lesão corporal, com base na inexistência de provas suficientes para a condenação, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal (Id. 274320147). Em contrarrazões, o Ministério Público manifestou-se pelo desprovimento do recurso defensivo (Id. 274320151). A d. Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de lavra do d. Procurador de Justiça Gerson N. Barbosa, manifestou-se pelo desprovimento do apelo defensivo, com a manutenção do decisum nos exatos termos em que prolatado (Id. 283850882). É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. SR. DES. LÍDIO MODESTO DA SILVA FILHO Egrégia Câmara: O recurso em apreço é tempestivo, foi interposto por quem tinha interesse e legitimidade para fazê-lo, bem como o meio de impugnação empregado afigura-se necessário e adequado para se atingirem as finalidades colimadas, motivos pelos quais estando presentes os seus requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade, CONHEÇO do apelo manejado pelo réu. Como consignado em relatório, o apelante almeja a reforma da r. decisão requerendo sua absolvição. Acerca dos fatos, narra a denúncia: (...) consta da inclusa peça informativa que no dia 17/02/2023, em horários incertos, em várias localidades, neste município e comarca, o denunciado Divino Eterno dos Santos Souza, prevalecendo-se das relações domésticas e familiares, ofendeu a integridade corporal da vítima (...), sua ex-convivente, causando-lhe as lesões descritas ao Laudo Pericial nº 511.1.02.9151.2023.104186-A01, bem como ameaçou de causar mal injusto e grave a sua ex-convivente e seu filho Matheus Félix Matos de Jesus, conforme declarações da vítima (Id. 113004140). Deflui do procedimento investigativo realizado que a vítima e o denunciado conviveram maritalmente por 04 (quatro) meses. Consta nos autos que na data, local e horário supramencionados, o denunciado, a vítima e seu filho Matheus de 05 (cinco) anos de idade, seguiram viagem para a fazenda São Sebastião, que fica localizada na região de Tesouro/MT, momento em que o denunciado passou a insinuar que a vítima estava lhe traindo com o sr. Nelson. Ao chegar na referida fazenda, o denunciado desceu do caminhão e se apossou de um facão, ocasião em que ameaçou a vítima dizendo que: “se você fizer bafão, vai ser seu último bafão”. Consta ainda que, retornando para a cidade de Guiratinga, parou o caminhão no acostamento da estrada e se apossou de um revólver, quando, então, disse: “hoje eu vou resolver nossa vida, a minha e a sua!”. Por conseguinte, ao retornar para a cidade de Guiratinga, o denunciado dirigiu na companhia da vítima e seu filho até a residência de Nelson para conversar com a esposa deste, momento em que arremessou uma pedra contra a vítima, acertando seu braço esquerdo e causando escoriações. Ato contínuo, ao retornar para a cabine do caminhão, o denunciado “debruçou” a vítima sobre a criança e desferiu vários tapas na cabeça da ofendida. Neste ínterim, a vítima e a criança gritaram por socorro e Divino disse: “então vamos embora, vou levar todo mundo pro inferno”. Por derradeiro, insta consignar que em sede policial, foram tomadas as declarações da companheira do sr. Nelson, que relatou que: “Divino entrou na carreta e começou a dar uns tapas em Maysa”, o que corrobora com o já disposto na presente exordial acusatória. Diante do exposto, o Ministério Público denuncia Divino Eterno dos Santos Souza, como incurso na conduta delitiva tipificada no artigo 129, §13º e artigo 147 “caput” (por duas vezes) nas sanções do artigo 69, todos do Código Penal, com implicações da Lei 11.340/06 (grifos meus) (Id. 274320069). Por esses fatos, o apelante foi denunciado e, ao término regular da fase probatória, condenado pela prática do crime de lesão corporal e ameaça no âmbito de violência doméstica, porém agora comparece inconformado perante esta instância revisora, nos termos já relatados. No caso em apreço, o apelo interposto pela defesa do acusado visa a absolvição pela prática dos crimes pelo qual foi condenado, por entender que não há provas de autoria e materialidade para consubstanciar a sua condenação. O recurso defensivo não comporta provimento quanto ao pleito absolutório. I – Do pleito absolutório: Em síntese, o apelante requer a absolvição, sustentando insuficiência probatória. Após detida análise dos autos e em atenção às provas colhidas, vislumbra-se que a materialidade e a autoria dos delitos ficaram abundantemente demonstradas pelo conjunto probatório juntado aos autos. A materialidade do crime se encontra comprovada pelo Boletim de Ocorrência n. 2023.47031 (Id. 274320431); Termo de Declaração (Id. 274320434 – p. 21-23); Pedido de Providências Protetivas (Id. 274320434 – p. 26-29); Termo de Representação Criminal (Id. 274320435); Laudo Pericial n. 511.1.02.9151.2023.104186-A01 (Id. 274320437); Termo De Qualificação, Vida Pregressa e Interrogatório (Id. 274320438); Termo de Depoimento (Id. 274320067), além das declarações prestadas em ambas as fases da persecução penal. Quanto aos indícios de autoria destaca-se o depoimento da vítima na delegacia: QUE, é convivente com DIVINO ETERNO DOS SANTOS SOUZA há quatro meses; QUE, neste dia, por volta das 14 horas, foi com DIVINO para a Fazenda São Sebastião, que fica na região de Tesouro/MT levar uma carga e durante a viagem ele começou a fazer insinuações de que a declarante estava traindo o mesmo; QUE, acabaram discutindo e DIVINO xingou a declarante dizendo "você é uma safada, vagabunda"; QUE, o filho da declarante que tem cinco anos de idade e estava junto na viagem presenciou os fatos; QUE, durante as ofensas, DIVINO disse "a sua mãe é uma safada e você é um safado que fica escondendo as coisas do tio"; QUE, DIVINO ficou alterado e batia no painel do caminhão e mandava a declarante calar a boca, dizendo que quem mandava ali era ele; QUE, DIVINO estava bebendo cachaça; QUE, quando já estavam dentro da fazenda, DIVINO parou o caminhão, continuou com os xingamentos e logo depois pegou uma faca e colocou atrás da declarante dizendo "você é braba, pega essa faca e me fura"; QUE, respondeu para DIVINO que não tinha precisão de fazer nada com ele; QUE, em seguida, DIVINO desceu da carreta e pegou um facão, retornando para dentro da cabine e disse para a declarante: "se você fizer bafão, vai ser seu último bafão!; QUE, a declarante ficou com medo e pegou seu aparelho celular, na tentativa de ligar para alguém; QUE, DIVINO tomou o celular da mão da declarante e disse que só estava tomando para que ela não entrasse em contato com ninguém; QUE, foram até a sede da pecuária, onde DIVINO devolveu o celular e disse que era para a declarante ligar somente para a avó; QUE, ao retornar para a cidade de Guirantinga, DIVINO parou a carreta e pegou um revólver e disse "hoje eu vou resolver nossa vida, a minha e a sua!", enquanto descia do veículo; QUE, a declarante puxou DIVINO para que ele não saísse do caminhão, pois acredita que o mesmo iria cometer suicídio; QUE, DIVINO já tentou cometer suicídio outras vezes; QUE, continuaram a viagem de retorno, e a declarante tentando acalmar DIVINO; QUE, quando estavam em Guiratinga/MT, DIVINO foi até o bairro onde mora NELSON, com quem a declarante teve um relacionamento antes de ir morar com DIVINO; QUE, no local a declarante conversou com a mulher de NELSON, a qual a declarante não sabe o nome, onde a declarante disse que nunca teve mais nada com o marido dela e que era coisa do passado; QUE, a Declarante ainda disse para a esposa de NELSON que este não podia passar na rua em que DIVINO e a vítima residem, que o suspeito já começa a xingar; QUE, enquanto ainda conversava, DIVINO pegou uma pedra e jogou na declarante, acertando em seu braço esquerdo causando escoriações; QUE, em seguida, DIVINO entrou na carreta e começou a indagar porque a declarante estava defendendo NELSON e "deixando ele como mentiroso"; QUE, a declarante respondeu que somente estava falando a verdade; QUE, a declarante ficou todo o tempo dentro da caminhão; QUE, enquanto estavam voltando para a casa, DIVINO tomou o celular da declarante, que estava com a criança; QUE, nesse momento, a declarante "meteu a mão na chave" e desligou a carreta; QUE, a declarante pediu socorro a terceiros que passavam pelo local e DIVINO colocou a cabeça para fora do caminhão e disse: "aqui é o Divino preto, aqui é briga de família, não é para chamar a polícia"; QUE, em seguida, DIVINO ligou o caminhão e ficou andando pela cidade; QUE, a declarante desligou o caminhão novamente por várias vezes, quando via pessoas na rua na tentativa de conseguir socorro; QUE, a declarante pegou seu aparelho celular de volta, mas que DIVINO ficava tentando tomar da mão da declarante; QUE, devido a isso a declarante ficou com inchaço no dedão direito; QUE, a declarante conseguiu ligar para sua avó, onde disse que estava sendo agredida; QUE, nesse momento, DIVINO "debruçou" a declarante sobre a criança e deu vários tapas na cabeça da vítima; QUE, a criança não ficou com ferimentos; QUE, a declarante e a criança começaram a gritar por socorro e DIVINO disse "então vamos embora, vou levar todo mundo pro inferno!"; QUE, isso aconteceu em uma estrada, onde não havia movimento; QUE, a declarante afirma que conseguiu enganar DIVINO ligando para a Polícia e fingindo estar pedindo pedindo uma pizza; QUE, DIVINO ainda jogou cachaça na declarante enquanto discutiam; QUE, DIVINO acabo fugindo e não foi localizado (Id. 274320434 – p. 21-23) (grifos meus). Em depoimento judicial a vítima confirma as agressões e ratifica as lesões que lhe foram causadas, narrou que o apelante Divino a agrediu atirando uma pedra em sua barriga, ainda, desferiu tapas e murros, bem como proferiu ameaças em face da vítima e seu filho, em harmonia com as declarações feitas anteriormente na delegacia: (…) Promotora: Boa tarde, Maísa, conta pra nós o que que aconteceu naquele dia. Vítima: Boa tarde doutora, naquele dia é… (…) ele me chamou pra ir na fazenda em Tesouro descarregar o caminhão, e assim eu fui porque nós estávamos ainda bem, entendeu? Estava de boa, e aí na estrada ele já começou a ficar alterado, começou a bater no painel do caminhão, mandando calar a boca, que quem lá mandava era ele, ele me adromentando, me passando medo, e eu com meu menino de apenas 5 anos dentro do caminhão. Quando chegou em Tesouro, ele pegou, mandou eu descer do caminhão, só que ele não destrava a porta para mim descer, e assim segui para a fazenda, quando chegou lá na fazenda São Sebastião, na sede, primeiro passava lá na sede na balança, para pesar o caminhão, quando foi para chegar perto da fazenda, eu falei pra ele que eu ia pedir ajuda, pro seu Odair que era dono do caminhão, ai ele parou o caminhão, desceu, pegou uma faca e um facão lá na gaveta da cabine do caminhão, E ele falou que se eu chegasse lá na fazenda e fizesse algum bafão, era o meu último bafão, que ele ia acabar comigo lá mesmo. Aí passou lá, eu só vi o balanceiro, aí ele foi pra pecuária. E na estrada pra pecuária, ele tomou meu celular, que foi na onde que ele acabou machucando minha mão, com meu dedo direito, que eu não queria entregar o celular pra ele. E ele pegou uma faca, enfiou nas minhas costas e falou bem assim, pega, você não é a brava, pega. Aí eu falei, Divino, por que que eu vou meter a faca em você? Eu não tenho motivo nenhum pra meter a faca em você. E eu o tempo todo com medo, chegou na pecuária, tinha só um senhor. E ele alterado, alterado. Aí chegou lá na pecuária, eu pedi ele o celular pra eu ligar pra minha avó, porque sempre eu avisava ela, né? Que é uma pessoa de idade. E ele não quis me entregar. O tanto insisti, ele me entregou. Aí eu peguei e avisei minha avó, que nós tinha chegado bem, falei pra ela que tava bem. E nisso ele tomou meu celular de novo. Não me entregou, descarregou o caminhão, caminhão deu problema lá e ele só xingando. Na volta, nós voltamos e eu com aquele medo, e eu peguei, sentei na cama, mas meu menininho, meu menininho com medo, quando chegou na estrada, ele parou o caminhão, falou que era pra mim seguir dirigindo, o caminhão que ele iria se suicidar. E ele pegou o revólver bem no volante, tem a coluna do volante, ele tirou o revólver e falou que ia pra dentro do mato suicidar. E eu peguei, peguei ele pelo braço, pedi pra ele não fazer isso, que ele pensava bem, que além de tudo, eu gostava dele. Aí ele pegou, quando chegou aqui, ele entrou pra dentro do caminhão, chegou dentro da cidade e ele ingerindo o velho barreiro, estava bebendo, velho barreiro. Chegou aqui dentro da cidade, ele foi, parou lá na casa da dona Lelê, pra caçar confusão com o marido da dona Lelê. Ainda lá na porta, lá ele ainda deu um tiro lá. Quando eu falei pra dona Lelê, bem assim, ele não aceita, nem seu marido passar na porta, ele já começa a caçar confusão. E eu dentro da cabine, eu não desci, porque ele não deixava eu descer. Ele pegou e meteu uma pedra na minha barriga. E nisso, doutor, quando ele saiu de lá da porta da casa da dona Lelê, o tempo todo eu metia a mão na chave, desligava o caminhão e gritava por socorro. (…) Aí com tanta custa, eu pedindo ele, ele pegou me deu o celular de novo, eu liguei para minha avó, e ele apontava a arma pra mim e falou que não era pra mim falar nada pra minha avó. E eu peguei e falei pra minha avó, minha avó viu que eu tava chorando, minha avó falou "o que é que foi, minha filha? O que é que tá acontecendo? Eu falei “vó, o Divino quer me matar”, e ele com a arma apontava pra mim, doutor. Quando eu falei pra ele, quando eu falei pra minha avó que ele queria me matar, ele pegou, veio pra cima de mim pra me bater e eu debrucei em cima do neném, pra ele não machucar meu filho. E foi tapa, tapa, na minha cabeça, nas minhas costas, murro na minha barriga, que era pra, falou que se eu tivesse grávida era pra mim perder, que não era pra mim pôr no mundo um monstro, que eu já criava, entendeu? Promotora: Maíza, e ele te lesionou, ele te machucou nessa ocasião? Vítima: Machucou, machucou meu dedo, direito, minha barriga ficou roxa, eu fiquei tipo com uma mordida no braço também, e um machucado no braço (...) (grifos meus) (relatório de mídias – Id. 274320120). Pois bem, podemos concluir que em seu depoimento judicial a vítima confirma de forma integral os mesmos fatos relatados na delegacia no dia do ocorrido, ratificando as alegações prestadas por ela anteriormente. Ademais, é relevante destacar que o Laudo de Lesão Corporal (Id. 274320437) corrobora integralmente a materialidade das lesões descritas pela vítima em ambas as fases processuais, indicando de forma consistente a existência de: a) Edema em região tenar direita; b) Equimose em formato irregular, cor violácea, localizada em flanco esquerdo; c) Equimose em formato irregular, cor violácea, localizada em cotovelo esquerdo; d) Duas escoriações lineares, agrupadas, colorações avermelhadas, localizadas em região posterior do terço médio do antebraço esquerdo. e) Há ainda a presença de equimose em formato irregular, cor violácea, adjacente às lesões. Tais elementos, portanto, confirmam de forma inequívoca a ocorrência das agressões. Além disso, temos o depoimento da testemunha Erislei Oliveira Pereira que presenciou uma das ocasiões de agressão. Vejamos: Promotora: Conta para a gente o que que aconteceu naquele dia. Testemunha: Foram lá na porta da minha casa o Divino e a (...), na porta da minha casa, foram numa carreta lá, o Divino foi lá com ela e começou a fazer umas perguntas pra mim, porque no caso o Divino estava achando que ela estava com caso com meu esposo, aí foi lá na porta da minha casa tirar satisfação, e aí tá, ele conversou comigo, meu esposo não estava em casa, estava para o serviço, e aí ele pegou e entrou dentro da carreta e começou a desferir tapas nela, aí ele entrou dentro da carreta, saiu, aí não vi mais nada depois que ele saiu. Promotora: Mas então você presenciou essas agressões né? Testemunha: Sim, ele dentro da carreta… ele entrou dentro da carreta, isso sim, e começou a desferir tapa nela (grifos meus) (relatório de mídias – Id. 274320120). O apelante, em sede judicial, negou as acusações de agressão à vítima e ameaças e ela e seu filho, alegando que somente discutiu com a ofendida pelo suposto caso da vítima com o marido de Erislei. A defesa afirma que as lesões apresentadas dizem respeito a disputa pelo celular da vítima e que, portanto, não decorreram de uma conduta dolosa ou voluntária do recorrente, mas sim de um entrevero pontual no interior do veículo, em contexto de acalorada discussão motivada por crise de ciúmes. Sustenta que a própria Maísa, em sede policial, admitiu que houve uma tentativa de retomada do aparelho telefônico pelo acusado, o que teria ocasionado o inchaço em seu dedo, afastando, assim, a tipicidade penal da conduta sob a ótica do dolo lesivo. No tocante à suposta ameaça perpetrada com arma de fogo, a defesa impugna a verossimilhança da narrativa, destacando que a própria vítima indicou, em depoimento judicial, que o réu teria inicialmente manifestado intenção de suicidar-se, sendo posteriormente convencido a não concretizar tal intento. A partir disso, sustenta que as declarações da ofendida são marcadas por um teor fantasioso, não havendo lastro probatório mínimo que indique a ocorrência efetiva de ameaça dirigida contra a integridade física ou a vida da vítima, nos termos do art. 147, do Código Penal. Entretanto, a negativa de autoria apresentada pelo réu em juízo não encontra qualquer respaldo no conjunto probatório dos autos, mostrando-se isolada e dissociada das demais provas colhidas durante a instrução processual. Ao contrário, os elementos probatórios, notadamente os depoimentos firmes e coerentes da vítima prestados em sede policial e reiterados em juízo, aliados ao Laudo de Exame de Corpo de Delito, que atestou a presença de lesões compatíveis com as agressões descritas, conferem elevada credibilidade à versão da ofendida. Em se tratando de delitos praticados no âmbito doméstico e familiar contra a mulher, em regra, a palavra da vítima assume especial relevo, sobretudo quando harmônica com os demais elementos de prova, conforme ocorre na hipótese sub judice, circunstância que, aliada às demais provas dos autos, não permite a absolvição com base no princípio in dubio pro reo. Assim, a versão apresentada pelo apelante, carente de amparo probatório e contraditória com as demais evidências constantes dos autos, não possui força suficiente para infirmar o juízo condenatório exarado na sentença recorrida. A propósito, nesse sentido: Direito Penal e Processual Penal. Apelação criminal. Lesão corporal e ameaça no âmbito da violência doméstica e familiar. Insuficiência probatória não configurada. Condenação mantida. Recurso desprovido. I. Caso em exame. Recurso de apelação interposto por Roger Manoel da Silva contra sentença que o condenou à pena de 1 ano e 2 meses de reclusão e 1 mês e 5 dias de detenção, em regime aberto, por lesão corporal e ameaça, no contexto de violência doméstica e familiar (arts. 129, § 13º e 147 do CP), em razão de agressão e ameaças contra sua ex-companheira. II. Questão em discussão. A questão em discussão consiste em saber se as provas apresentadas são insuficientes para justificar a condenação do recorrente pelos crimes de lesão corporal e ameaça, em conformidade com o disposto nos artigos 129, § 13º, e 147 do Código Penal, ambos em contexto de violência doméstica (Lei nº 11.340/2006). III. Razões de decidir. A palavra da vítima, em casos de violência doméstica, possui especial valor probante, sendo suficiente para respaldar a condenação quando corroborada por outros elementos de prova. As provas testemunhais, o laudo pericial e as declarações prestadas pelas partes confirmam a autoria e materialidade dos delitos. A versão apresentada pelo recorrente não encontra amparo no conjunto probatório, sendo a negativa de autoria dissociada dos elementos dos autos. As ameaças proferidas pelo réu causaram temor à vítima, o que configura o crime de ameaça, nos termos do art. 147 do Código Penal. IV. Dispositivo e tese. Recurso desprovido. Sentença condenatória mantida. Tese de julgamento: "Nos crimes de violência doméstica, a palavra da vítima, corroborada por outros elementos de prova, é suficiente para a condenação. Ameaças que causam temor configuram o delito previsto no art. 147 do Código Penal." Dispositivos relevantes citados: Código Penal, arts. 129, § 13º, e 147; Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no REsp nº 2.062.933/PR, rel. Min. Rogério Schietti Cruz, 6ª Turma, j. 14.08.2023; TJ/MT, N.U. 0028023-85.2016.8.11.0042. (N.U 1006690-84.2021.8.11.0042, Rel. Des. ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Primeira Câmara Criminal, j. em 08/10/2024, Publicado no DJE 11/10/2024) (grifos meus). A alegação de que as lesões teriam sido produto de uma mera disputa pelo celular, em contexto de discussão, não resiste ao crivo lógico e probatório quando confrontada com a narrativa detalhada e reiterada da vítima, bem como com as constatações técnicas constantes no exame de corpo de delito. A existência de equimoses em distintas regiões do corpo, além de escoriações e inchaço em membro específico (dedão da mão), revela multiplicidade de ações lesivas que não se coadunam com um simples ato reflexo ou acidental. Por outro lado, as tentativas da defesa em descredibilizar a vítima, atribuindo-lhe supostos traços de "fantasia" ou sugerindo que teria se utilizado de meios ardilosos para incriminar o réu, não encontram sustentação nos autos, tampouco em elementos de convicção minimamente consistentes. Tal estratégia, ainda que legitimamente deduzida no exercício da ampla defesa, não se mostra suficiente para neutralizar a robustez das provas produzidas em juízo, mormente quando estas convergem em sua totalidade para a responsabilização penal do apelante. Ademais, o comportamento reiterado do réu, descrito tanto pela vítima quanto pela testemunha Erislei, denota uma escalada de violência progressiva, emocional e física, que se insere dentro de um padrão típico das dinâmicas de violência doméstica, cuja gravidade não pode ser minimizada sob a alegação de mero “desentendimento conjugal”. O uso de arma branca, arma de fogo e violência física diante de criança, bem como ameaças explícitas de morte, demonstram a periculosidade do comportamento do acusado e justificam, plenamente, a manutenção da reprimenda estatal. Cabe destacar ainda que a vítima, em nenhum momento, apresentou comportamentos contraditórios capazes de abalar sua credibilidade, sendo suas declarações sempre firmes e corroboradas por elementos externos. A testemunha Erislei, por sua vez, reforça o núcleo fático da acusação ao confirmar agressões no interior do caminhão. Tais elementos desconstroem a narrativa defensiva que intenta conferir à causa um viés de banalidade, como se se tratasse de uma mera discussão doméstica isolada. Ressalto que alicerçado no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero n. 27/2021/CNJ, em que se firmou posicionamento de aumentar o espectro de proteção da mulher vítima em situação de violência doméstica e familiar, esta relatoria tem por praxe verificar, em cada caso concreto, eventuais necessidades específicas a serem adotadas em favor das vítimas vulneráveis. Assim, inviável acolher a tese absolutória invocada pela defesa, ante a harmonia do conjunto probatório e o elevado grau de reprovabilidade da conduta imputada ao apelante. Ante o exposto, em consonância com o parecer, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação criminal, mantendo incólume a sentença objurgada. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 03/06/2025
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