Processo nº 1019961-20.2020.8.11.0003
ID: 323959407
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1019961-20.2020.8.11.0003
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANDRE MARTINS KAWABATA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1019961-20.2020.8.11.0003 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1019961-20.2020.8.11.0003 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano Material] Relator: Des(a). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [ROGERIO SANTANA DE ANDRADE - CPF: 870.337.631-15 (APELANTE), EMANUEL ROSSATO MURARO - CPF: 007.167.510-89 (ADVOGADO), FRANCISCA ANDREA DOS SANTOS - CPF: 024.313.791-59 (APELANTE), ESSIO ORSI NETO - CPF: 780.443.911-34 (APELADO), GELSON LUIZ GALL DE OLIVEIRA - CPF: 257.643.730-34 (ADVOGADO), ANDRE MARTINS KAWABATA - CPF: 899.999.591-72 (ADVOGADO), FLAVIA NOGUEIRA ORSI - CPF: 867.614.801-59 (APELADO), MEDIAPE MEDIACAO, ARBITRAGEM E RECUPERACAO DE EMPRESAS E PERICIAS LTDA - CNPJ: 30.222.820/0001-99 (TERCEIRO INTERESSADO), ADRIELE ROSANGELA LEMES - CPF: 014.632.190-16 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. E M E N T A DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. VÍCIOS CONSTRUTIVOS. VÍCIOS REDIBITÓRIOS. RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelação cível interposta pelos Apelantes contra sentença da 4ª Vara Cível de Rondonópolis/MT que julgou improcedente ação de obrigação de entrega cumulada com reparação de danos materiais e indenização por danos morais ajuizada em desfavor dos Apelados. Os autores adquiriram imóvel em 14/08/2015, descrito na matrícula, localizado no Parque São Jorge, em Rondonópolis/MT, alegando posteriormente a identificação de vícios construtivos graves que comprometeriam a habitabilidade e segurança da edificação. II. Questão em discussão 2. Há três questões em discussão: (i) saber se ocorreu cerceamento de defesa pelo indeferimento da produção de prova testemunhal; (ii) saber se o imóvel foi efetivamente comercializado como "novo" e se apresentava vícios ocultos à época da aquisição; e (iii) saber se os vícios construtivos identificados por perícia judicial são de responsabilidade dos alienantes e se ensejam obrigação de reparação e indenização por danos materiais e morais. III. Razões de decidir 3. O cerceamento de defesa não se configura quando o magistrado, fundamentadamente, entende que as provas requeridas são desnecessárias à formação do convencimento, cabendo ao juiz, como destinatário da prova, avaliar sua pertinência e necessidade conforme o art. 370 do Código de Processo Civil. 4. A análise da matrícula do imóvel nº 39.533 revela que a averbação da construção residencial ocorreu em 29/10/2014, poucos meses antes da aquisição pelos apelantes, com expedição de habite-se em 26/09/2014, constituindo indicativo de imóvel recém-construído que legitima a expectativa dos adquirentes quanto à inexistência de vícios ocultos. 5. O laudo pericial judicial demonstrou categoricamente a existência de patologias construtivas graves de natureza endógena, incluindo recalques diferenciais, falhas de impermeabilização, ausência de vigas de amarração e desconformidades estruturais, classificadas como vícios redibitórios por serem preexistentes, ocultos e comprometedores da destinação habitacional do bem. 6. A responsabilidade civil dos alienantes por vícios ocultos é objetiva, independente de dolo ou culpa, não sendo elidida pela aprovação bancária ou expedição de habite-se, atos de natureza meramente formal que não infirmam a existência de defeitos estruturais detectáveis apenas por análise técnica especializada. 7. A proporcionalidade da reparação impõe a obrigação de fazer consistente na execução dos reparos tecnicamente prescritos e indenização por danos materiais comprovados, em observância ao art. 944 do Código Civil e ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, não se justificando a substituição integral do imóvel ante a ausência de demonstração de imprestabilidade absoluta. IV. Dispositivo e tese 8. Recurso conhecido e parcialmente provido para condenar os apelados à realização dos reparos necessários no prazo de 90 dias e ao pagamento de indenização por danos materiais no valor de R$ 30.919,99. Tese de julgamento: "1. O indeferimento de prova testemunhal pelo magistrado não configura cerceamento de defesa quando fundamentado na suficiência das provas documental e pericial para formação do convencimento. 2. A responsabilidade civil por vícios redibitórios em imóvel é objetiva, independendo da qualidade profissional dos alienantes, bastando a comprovação da preexistência de defeitos ocultos graves que comprometam a destinação do bem. 3. A reparação deve observar o princípio da proporcionalidade, impondo-se obrigação de fazer para correção dos vícios e indenização por danos materiais comprovados, quando não demonstrada a imprestabilidade absoluta do bem." Dispositivos relevantes citados: CC, arts. 441, 445, §1º, 389 e 944; CPC, arts. 10, 370, 373, I, e 85, §2º e §11. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AREsp 9.006/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma, j. 13/08/2013; STJ, REsp 841.236/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 4ª Turma, j. 02/12/2008; TJ-MT, AI 131065/2015, Rel. Des. Guiomar Teodoro Borges, 4ª Câmara de Direito Privado, j. 12/11/2015. R E L A T Ó R I O EXMO. DES. LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO (RELATOR) Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação cível interposto por ROGÉRIO SANTANA DE ANDRADE e FRANCISCA ANDRÉA DOS SANTOS contra sentença proferida pelo Juízo da 4ª Vara Cível de Rondonópolis/MT, nos autos ação de obrigação de entrega cumulada com pedido de reparação de danos materiais e indenização por danos morais n. 1019961-20.2020.8.11.0003 ajuizada em desfavor de ÉSSIO ORSI NETO e FLÁVIA NOGUEIRA ORSI, que julgou improcedente os pedidos iniciais. Alegam as partes recorrentes que o imóvel adquirido, registrado sob a matrícula nº 39.533, com área construída de 84,88m², financiado pela Caixa Econômica Federal, apresentou graves falhas estruturais em menos de um ano após a posse, tais como: trincas em paredes, infiltrações, esfarelamento de concreto na viga da cumeeira, mau cheiro nos banheiros, telhado com telhas quebradas, dentre outras anomalias. Sustentam que os vícios são de origem oculta, e que os vendedores os maquiaram dolosamente para concluir o negócio jurídico. Apontam que os vícios foram reconhecidos pelos próprios apelados, que chegaram a iniciar reparos, os quais se revelaram ineficazes, persistindo os defeitos. O laudo pericial judicial teria confirmado as falhas estruturais relevantes, que comprometem a habitabilidade e a estabilidade do imóvel. Argumentam que houve erro de julgamento (error in judicando), pois a sentença reconheceu ausência de prova do fato constitutivo do direito autoral, ignorando a robustez do laudo técnico e deixando de oportunizar a produção da prova testemunhal e o depoimento pessoal das partes, o que configura cerceamento de defesa, em violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Sustentam que o imóvel foi vendido como novo, e que a prova oral era imprescindível para demonstrar o vício de consentimento. Defende que a improcedência do pedido é contrária aos princípios protetivos do Código de Defesa do Consumidor, que impõe responsabilidade objetiva ao fornecedor por vícios ocultos, nos termos do art. 12, do CDC, e art. 618 do Código Civil. Pleiteiam, assim, a reforma da sentença para julgar procedentes os pedidos iniciais, com a condenação dos apelados à substituição do imóvel, ou devolução do valor pago, ou ainda ao abatimento proporcional do preço, cumulada com a condenação ao pagamento de indenização por danos materiais (R$ 30.919,99) e danos morais (R$ 50.000,00). Subsidiariamente, requerem a anulação da sentença por cerceamento de defesa, com retorno dos autos ao juízo de origem para reabertura da instrução. Isenção do preparo, id. 293285852. Contrarrazões, id. 292649436. É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. DES. LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO (RELATOR) Egrégia Câmara: Conforme o explicitado, cuida-se de recurso de apelação cível interposto por ROGÉRIO SANTANA DE ANDRADE e FRANCISCA ANDRÉA DOS SANTOS contra sentença proferida pelo Juízo da 4ª Vara Cível de Rondonópolis/MT, nos autos ação de obrigação de entrega cumulada com pedido de reparação de danos materiais e indenização por danos morais n. 1019961-20.2020.8.11.0003 ajuizada em desfavor de ÉSSIO ORSI NETO e FLÁVIA NOGUEIRA ORSI, que julgou improcedente os pedidos iniciais. Inicialmente, o recurso preenche os requisitos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido. Cinge-se da inicial que os autores, ora apelantes, relatam ter adquirido, em 14/08/2015, o imóvel descrito na matrícula n.º 39.533, localizado no Parque São Jorge, em Rondonópolis-MT, dos requeridos Essio e Flávia, ora apelados. Após a ocupação, identificaram falhas estruturais que contradizem a informação de que o imóvel seria inteiramente novo, aduzindo que tais vícios comprometem sua habitabilidade, representam risco à segurança e ocasionam considerável transtorno emocional. Diante da inércia dos réus, requerem a substituição do imóvel, a restituição do valor pago ou, alternativamente, a execução das obras necessárias, além de indenização por danos materiais no valor de R$ 30.919,99 e por danos morais no montante de R$ 50.000,00 para cada comprador. Em sede de contestação, os requeridos, ora apelados, alegaram que os autores adquiriram o imóvel cientes de suas condições, visto que este não foi comercializado como novo, encontrando-se em bom estado de uso e edificado conforme as normas técnicas aplicáveis. Atribuíram aos próprios autores a responsabilidade pelos vícios apontados, em razão de modificações realizadas por estes, as quais teriam comprometido a estrutura do imóvel. Sustentaram, ainda, que os reparos necessários foram devidamente executados tão logo foram notificados, sendo que eventuais pendências decorreram da resistência dos autores em permitir a conclusão dos serviços. Após a realização de perícia no imóvel, o Magistrado de origem homologou o laudo pericial e julgou improcedentes os pedidos iniciais, com base nos seguintes fundamentos: “[...]É O RELATÓRIO. FUNDAMENTO E DECIDO. DA HOMOLOGAÇÃO DO LAUDO PERICIAL: Da análise do laudo pericial apresentado, não se verifica qualquer impropriedade no mesmo, que foi regularmente elaborado; impondo-se, desta feita, a sua homologação. Cabe ressaltar que o laudo pericial é o parecer técnico resultante do trabalho realizado pelo perito, redigido por ele próprio e previamente examinado por eventuais assistentes técnicos, sem margem para opiniões pessoais. Pode-se dizer, ainda, que é o relato do técnico ou especialista designado para avaliar determinada situação que estava dentro de seus conhecimentos. No presente caso, o laudo pericial acostado aos autos revela que o perito judicial teve o cuidado de descrever e documentar, da forma mais objetiva possível, os fatos com base nos quais desenvolveu sua argumentação e, afinal expôs suas conclusões. Verifica-se, assim, que o perito judicial, ao produzir seu trabalho para Justiça, foi extremamente meticuloso no desempenho de suas atividades, não restando evidenciado ter agido de forma parcial ou com senso comum. Ao contrário, na lide em enfoque é plenamente possível depreender-se que o perito realizou o seu trabalho de forma adequada, usando de todos os meios disponíveis para responder, de forma objetiva, a todos quesitos propostos. Ademais, as partes, ao impugnarem o laudo pericial, não lograram êxito em comprovar que referido documento tenha deixado de atender as determinações, e muito menos que seja imprestável ao fim a que se destina. Deste modo, suas alegações não merecem acolhida, haja vista que não se fazem acompanhar de comprovações e, sendo assim, não se revelam suficientes para desconstituir o trabalho pericial. Neste sentido é orientação da jurisprudência: “AGRAVO - CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - HOMOLOGAÇÃO DE CÁLCULOS - LAUDO PERICIAL NÃO DESCONSTUÍDO - HOMOLOGAÇÃO DE CÁLCULOS MANTIDA - AGRAVO DESPROVIDO - DECISÃO MANTIDA. Alegações desacompanhadas de comprovações não se revelam suficientes para desconstituir o trabalho pericial.” (AI 131065/2015, DES. GUIOMAR TEODORO BORGES, QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Julgado em 12/11/2015, Publicado no DJE 17/11/2015). Importante frisar que a prova pericial tem por fim suprir a carência dos conhecimentos técnicos do juiz para a apuração de determinado fato. Desse modo, a pessoa que tem a incumbência de esclarecer as circunstâncias relativas a esse fato conflituoso, quando envolver conhecimentos técnicos específicos, é o perito. Destarte, tendo o laudo pericial observado os limites objetivos da coisa julgada e utilizado metodologia adequada, apresentando fundamentação clara e consistente, deve a conclusão nele contida prevalecer sobre as alegações unilateralmente elaboradas por qualquer das partes, impondo-se a sua homologação. Em arremate, é preciso registrar que o laudo pericial foi realizado por perito judicial devidamente habilitado, que elucida de forma detalhada os pontos controvertidos, especialmente quanto às patologias constatadas no imóvel objeto da demanda – sendo suficiente para, em análise com os documentos já colacionados ao feito, permitir um seguro julgamento da lide. Mais uma vez, reforço que, como já consignado na decisão saneadora, o julgamento da presente ação será feito com base no conjunto probatório integral, ou seja, considerando-se todas as provas colhidas nos autos, não estando este Juízo vinculado exclusivamente às implicações do laudo pericial, que poderão ser consideradas ou desconsideradas, parcial ou totalmente. Ante todo o exposto, sem mais delongas, HOMOLOGO O LAUDO PERICIAL apresentado pelo perito judicial em Id. 151604938. (...) DO JULGAMENTO DO MÉRITO DA LIDE: Encerrada a instrução processual, passo ao julgamento do mérito da lide. Como já relatado, os autores ROGÉRIO SANTANA DE ANDRADE e FRANCISCA ANDREA DOS SANTOS ingressaram com a presente ação almejando a condenação dos requeridos à substituição do imóvel objeto da lide por outro da mesma espécie e padrão; a restituição da quantia monetária paga pela aquisição da unidade ou, subsidiariamente, que sejam os réus condenados à obrigação de fazer, consistente em realizar todas as obras necessárias para corrigir os problemas estruturais do imóvel - cuja culpa atribuem aos réus. Requerem, ainda, a condenação dos requeridos ao pagamento de indenização por danos materiais decorrentes dos defeitos e vícios da construção do imóvel, no valor de R$ 30.919,99 e por danos morais na quantia de R$ 50.000,00 para cada comprador do imóvel. Segundo alegam os requerentes, os mesmos adquiriram o imóvel descrito na matrícula n.º 39.533, localizado no Parque São Jorge em Rondonópolis-MT, dos requeridos Essio e Flávia, em data de 14/08/2015; e referido bem teria sido vendido como "novo", mas, após a aquisição e ocupação, foram identificados diversos vícios construtivos (fissuras, trincas, infiltrações, problemas no telhado e falhas no sistema de impermeabilização) e, ao que parece, a residência seria dividida em uma parte mais antiga e uma parte mais nova, o que contraria a informação de que o imóvel seria inteiramente novo - aduzindo, então, que os vícios comprometeriam a habitabilidade do imóvel, trazendo risco à segurança e causando grande transtorno emocional aos autores. Lado outro, os requeridos, por sua vez, vindicam a improcedência de todos os pedidos dos autores – alegando, em breve resumo, que os autores adquiriram o imóvel de forma consciente quanto às suas condições (pois que o imóvel não teria sido vendido como novo); que o imóvel estava em perfeito estado de uso e conservação; que o imóvel foi edificado em conformidade com regras oficiais. Atribuem, portanto, a culpa dos vícios apontados aos próprios autores, que teriam realizado obras que comprometeram a estrutura do imóvel, infringindo as normas de garantia. Aduzem, ainda, que realizaram os reparos necessários assim que foram notificados; e que, caso alguns problemas persistam, foram os próprios autores que dificultaram a conclusão dos serviços. Dito isto, tem-se que o cerne da controvérsia reside na existência de vícios construtivos no imóvel e na responsabilidade dos requeridos em relação a esses defeitos. Para o julgamento do mérito da lide é preciso analisar, primeiramente, se há elementos que confirmem a alegação dos autores de que o imóvel foi vendido como "novo"; e, em num segundo momento, perquirir se os vícios construtivos apresentados são atribuíveis aos requeridos. Pois bem. Como se pode colher do relatório supra tecido, os autores fundamentam a sua pretensão na alegação de que os requeridos lhe venderam o imóvel como sendo “novo”. Todavia, após debruçada análise de todo o contexto probatório que compõe o caderno processual, o que ressai dos autos é que, pela prova apresentada, em especial os documentos contratuais e a própria matrícula do imóvel, não se verifica menção a essa característica específica. De todo o revirado dos autos, não se encontra um único documento que possa corroborar, de forma concreta, a alegação dos autores – de que os vendedores do imóvel (ou mesmo o corretor que intermediou a venda) lhe deram a informação de tratava-se de imóvel novo. Além disso, o laudo pericial não aponta a existência de uma diferença significativa entre as partes "nova" e "antiga" do imóvel; tampouco confirma que a venda se deu sob essa condição. E o Perito Judicial foi muito claro em assentar que o imóvel adquirido pelos autores, que foi objeto de perícia, corresponde ao imóvel descrito no contrato de compra e venda. Atente-se: “O imóvel adquirido se encontra nas mesmas condições e correspondem ao contrato de compra e venda? Resposta: Não se encontra nas mesmas condições, entretanto, constata-se que se corresponde ao imóvel adquirido através do contrato de compra e venda” Ou seja: os autores estavam cientes de que estavam comprando aquele imóvel - o imóvel descrito no contrato, como atestou o Perito Judicial, corresponde ao imóvel entregue aos autores. Destarte, pela prova documental e pericial produzida, tem-se que não restou comprovado que o imóvel tenha sido efetivamente vendido como "novo" - o que, por si só, já enfraquece a tese erigida pelos autores, de que teriam sido induzidos a erro quanto à qualidade do bem adquirido. Elucidado tal ponto, e já adentrando-se à questão dos vícios construtivos, é imperioso destacar que o laudo pericial é claro ao identificar a existência de algumas patologias no imóvel: fissuras, trincas e infiltrações, caracterizadas principalmente como vícios endógenos. Colaciono: “... foi constado que a edificação possui falhas estruturais, sendo o recalque diferencial, ausência ou inadequada impermeabilização da fundação e sobrecargas pontuais devido a ausência de viga de respaldo/amarração, agravado pela estrutura do telhado não atender a norma da ABNT NBR 7190 - Projeto Estrutural de Madeira”. Porém, restou confirmado pelo Perito Judicial que referidos vícios, ainda que existentes, não comprometem a segurança estrutural da edificação - sendo reparáveis por meio de intervenções técnicas relativamente simples. O laudo pericial aponta que a maioria das anomalias encontradas são decorrentes de falhas naturais de desgaste e manutenção do imóvel - que não impedem a habitabilidade da construção. Dois pontos são de suma importância no laudo pericial: a possibilidade dos vícios terem decorrido, em grande parte, da pavimentação asfáltica da rua e das obras de reforma e ampliação feitas no imóvel pelos próprios autores. Destaco: “2- Pode senhor perito explicar numa casa de padrão popular com problemas estruturais críticos de tal forma que tenha de ser inabitável, o que ocorre no mesmo quando a compactação da execução asfáltica em frente ao imóvel? Resposta: Considerando que exista algum estudo de Impacto de Vizinhança com emissão de Laudo Cautelar de Vizinhança, a pavimentação asfáltica não geraria tantos problemas, entretanto, na ausencia da vistoria e laudo, esse tipo de ação representa sérios problemas estruturais criticos, que pode até colapsar durante/após os trabalhos executados, devido as vibrações geradas pelos máquinarios. 3- Pode o senhor perito afirmar se a casa e as reformas de ampliação, possuem aquele documento "Habite-se" que por normas construtivas e leis municipais a torna habitável? Resposta: Não, durante vistoria foi perguntado a Requerente se ela possui esse documento, entretanto, não foi nos informado se a obra de ampliação possui esse documento.” Sem sombra de dúvidas, estas constatações do Perito Judicial enfraquecem em demasia a alegação dos autores - de que todos os defeitos existentes no imóvel seriam de responsabilidade exclusiva dos vendedores. Não menos importante é a consignação, contida no laudo pericial, de que os requeridos, após serem acionados pelos autores, iniciaram as obras de reparos no imóvel - mas a execução foi interrompida por desentendimentos entre as partes, o que demonstra que houve tentativa de sanar os vícios. Cabível aqui consignar que, frente a essa situação, os requeridos deram início ao cumprimento do preceito contido no art. 18 do Código de Defesa do Consumidor - que assegura ao fornecedor o direito de reparar os defeitos antes de outras providências, como o ressarcimento ou substituição do bem. Logo, tem-se por evidente que, se os vícios não foram todos reparados, há culpa dos autores também em tal evento – pois houve a iniciativa de reparo pelos requeridos. Por fim, a pá de cal está na informação de que o imóvel, que foi objeto de financiamento pela Caixa Econômica Federal, passou por rígida vistoria técnica pelo órgão financiador – e o financiamento só foi liberado porque houve a prévia aprovação da construção. Trago à baila a clara e expressa manifestação do Perito Judicial: “4- Pode o senhor perito relatar como funciona o processo técnico de engenharia de alienação do imóvel, existe algum tipo de vistoria do banco credor? Resposta: Sim, o Banco credor so libera o credito para finaciamento, se o Engenheiro fazer a vistoria e constatar que o imóvel esta de acordo com a matricula, habite-se e se existe patologia no momento da vistória, e se o valor do imóvel esta de acordo com o contrato.” Frente a tal, seja por um ângulo ou por outro, o que pode-se concluir da análise acurada de todo o acervo probatório é que não há comprovação clara de que o imóvel foi vendido como se fosse uma construção nova; e também não há comprovação de que os vícios existentes no imóvel são de culpa dos requeridos. Assim, outro caminho não há para o deslinde do feito, senão a sua improcedência. A jurisprudência arrima: INDENIZATÓRIA. Vícios construtivos. Condenação dos vendedores a indenizar custos para reforma do piso e das paredes do imóvel adquirido pelo autor, conforme apurado em perícia técnica. Compra e venda de imóvel celebrada entre pessoas naturais, sem natureza de incorporação imobiliária nem de empreitada. Vendedores que não respondem por vícios construtivos, mas apenas por eventuais vícios redibitórios. Caso concreto que nem sequer caracterizaria vício redibitório, mas sim defeito decorrente da qualidade dos materiais empregados na obra, cuja higidez não é de responsabilidade dos alienantes. No mais, a despeito da discussão sobre a real natureza dos defeitos alegados, o fato é que a eventual invocação de vícios redibitórios na coisa imóvel, únicos em relação aos quais teriam responsabilidade os requeridos, sujeita-se ao prazo decadencial previsto no art. 445, § 1º do Código Civil. Vícios que se verificaram depois de 04 anos da alienação. Matéria cognoscível de ofício, sobre a qual as partes tiveram oportunidade de se manifestar. Ação improcedente. Recurso provido. (TJ-SP - AC: 10447164220178260506 SP 1044716-42.2017.8.26.0506, Relator: Francisco Loureiro, Data de Julgamento: 30/07/2020, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 30/07/2020). APELAÇÃO CÍVEL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. VÍCIOS CONSTRUTIVOS. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO CORRETOR DE IMÓVEIS. RECONHECIDA. PRECEDENTES. NORMAS CONSUMERISTAS. INAPLICÁVEIS. VENDEDORES NÃO HABITUAIS. VÍCIOS OCULTOS NÃO EVIDENCIADOS. FOTOS E ORÇAMENTOS CONFECCIONADOS UNILATERALMENTE PELOS COMPRADORES E IMPUGNADOS EXPRESSAMENTE PELOS VENDEDORES. PROVAS DOCUMENTAIS INSUFICIENTES. PRECEDENTE DESTA 3ª CÂMARA. RECURSO NÃO PROVIDO, EM RELAÇÃO AOS VENDEDORES. PROCESSO EXTINTO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO EM RELAÇÃO AO CORRETOR. 1. O corretor de imóveis, em regra, não pode ser responsabilizado por eventuais vícios de construção no bem. 2. A caracterização da pessoa como fornecedora (art. 3º do CDC) depende de habitualidade na prestação de serviço ou na oferta de produtos. 3. Se os elementos trazidos aos autos não revelam a existência de omissão dolosa por parte dos vendedores e se os vícios apontados não podem ser qualificados como ocultos, não há fundamento legal para a imposição da obrigação de fazer reparos no imóvel ou indenizar por eventuais prejuízos. (TJ-SP - AC: 10009067020188260477 SP 1000906-70.2018.8.26.0477, Relator: Maria do Carmo Honorio, Data de Julgamento: 18/10/2020, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 18/10/2020). RECURSO INOMINADO. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL USADO. VÍCIOS OCULTOS NÃO DEMONSTRADOS. VISTORIA REALIZADA PELO BANCO FINANCIADOR QUE NÃO APUROU NENHUM VÍCIO QUE TORNASSE O BEM IMPRESTÁVEL PARA O USO. 1. A autora adquiriu um imóvel antigo que necessitou de reparos, os quais não podem ser considerados como vícios ocultos ou de difícil constatação, nem tornaram o imóvel imprestável para o uso. 2. A própria autora afirma que houve vistoria realizada pelo banco que financiou o saldo devedor, e que não foi constatada nenhuma irregularidade que pudesse comprometer o uso do imóvel. Salienta-se, que a vistoria realizada pelo banco é para fins de avaliação para garantia do imóvel, e não para auxiliar o comprador na escolha do bem que pretende adquirir. 3. Não há nos autos demonstração de vício de consentimento ou má-fé dos vendedores, de modo que é possível a conclusão de que a autora aceitou a compra do bem no estado em que se encontrava, devendo arcar com os reparos necessários para a manutenção do imóvel. 4. A autora não realizou vistoria no imóvel com profissional de sua confiança, assumindo o risco por eventuais defeitos que pudessem aparecer, bem como, teve amplo acesso ao imóvel antes mesmo de fechar a negociação. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (TJ-RS - Recurso Cível: 71006479794 RS, Relator: Glaucia Dipp Dreher, Data de Julgamento: 10/03/2017, Quarta Turma Recursal Cível, Data de Publicação: 20/03/2017). No caso, não restou comprovado que o imóvel tenha sendo vendido para a autora sob a condição de “novo” - veja-se que não consta tal informação em nenhuma parte do contrato firmado com o órgão financiado, especialmente da descrição do bem, constante de fls. 20 de Id. 39862920. E também não demonstrado nos autos que os vendedores ocultaram os vícios existentes no imóvel - que, repito, foi adquirido pela autora após a realização da vistoria feita pelo órgão financiador (que não registrou a existência de qualquer vício). DISPOSITIVO: Ante o exposto, resolvendo o mérito na forma do art. 487, I, CPC/2015, JULGO IMPROCEDENTE a pretensão deduzida na inicial. Pois bem - PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA Os apelantes suscitam, preliminarmente, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, em razão do indeferimento da produção de prova testemunhal, que seria essencial para comprovar que o imóvel foi comercializado como "novo". A preliminar não merece acolhimento. Compulsando os autos, verifica-se que o indeferimento da prova testemunhal ocorreu na decisão saneadora de ID 79500507, na qual o Magistrado de primeiro grau consignou expressamente que "os questionamentos que se impõem para a resolução da demanda ou são respondidos pela prova documental ou pela prova pericial ora designada". Conforme pacífica jurisprudência, o juiz é o destinatário da prova (art. 370 do CPC), cabendo-lhe avaliar a necessidade e pertinência das diligências requeridas pelas partes. No caso em apreço, o Magistrado entendeu, fundamentadamente, que a prova documental e a perícia técnica seriam suficientes para a formação de seu convencimento, tornando a prova oral dispensável. A propósito, este Sodalício Tribunal já se manifestou anteriormente no sentido de que o indeferimento de provas consideradas desnecessárias pelo julgador não configura cerceamento de defesa: "RECURSO DE APELAÇÃO – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS – CERCEAMENTO DE DEFESA – NÃO CONFIGURAÇÃO – PRELIMINARES REJEITADAS – AUSÊNCIA DE FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS – RÉU REVEL PODE TER SUA PROVAS APRECIADAS – COMPROVAÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO – CINCO AÇÕES AJUIZADAS PELA AUTORA CONTRA O MESMO BANCO EM SITUAÇÕES IDÊNTICAS – ABUSO DO DIREITO DE AÇÃO – DEMANDISMO (DEMANDA PREDATÓRIA) – ASSÉDIO PROCESSUAL CONFIGURADO – APELO PROVIDO. 1. O cerceamento de defesa ocorre quando há limitação na produção de provas, cujo obstáculo é capaz de prejudicar o debate da questão. Se a prova preterida for imprescindível na elucidação do caso e ficar comprovado o óbice, estar-se-á diante de sentença nula por violação do devido processo legal, o que não está demonstrado no caso em testilha . 2. Sabe-se que a revelia impede que os argumentos trazidos em sede de defesa para desconstituição e modificação dos fatos expostos na inicial sejam analisados, porém, não impede que a situação fática seja amoldada de forma adequada ao direito até mesmo se para isso for necessário considerar os documentos colacionados nos autos pelo revel se ainda em decurso a fase de instrução processual. (TJ-MT 10119506520218110003 MT, Relator.: CLARICE CLAUDINO DA SILVA, Data de Julgamento: 20/04/2022, Segunda Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/04/2022) Demais disso, a assertiva de que o imóvel teria sido comercializado na qualidade de “novo” consubstancia alegação que, para alcançar mínima plausibilidade jurídica, demandaria a apresentação de instrumento contratual idôneo, dotado de cláusula expressa nesse sentido, ou, alternativamente, de laudo de avaliação emitido pela instituição financeira responsável pelo financiamento — elementos que, todavia, não foram trazidos aos autos. A propósito, a pretensão de produção de prova oral sobre tal ponto revestia-se de natureza meramente complementar e, portanto, despida de essencialidade à resolução do mérito, razão pela qual se revela legítimo o indeferimento judicial, nos termos do art. 370, parágrafo único, do Código de Processo Civil, que confere ao magistrado o poder-dever de indeferir diligências que reputar prescindíveis à formação de seu convencimento. Registro, ainda, que a alegação de "decisão surpresa" (art. 10 do CPC) não se sustenta, pois a necessidade de comprovar os fatos constitutivos do direito é ônus da parte autora desde o início da demanda (art. 373, I, CPC). A improcedência por insuficiência probatória é resultado processual esperado quando a parte não se desincumbe satisfatoriamente desse ônus. Portanto, rejeito a preliminar de cerceamento de defesa. - DO MÉRITO RECURSAL – RESPONSABILIDADE POR VÍCIOS CONSTRUTIVOS Ultrapassada a preliminar suscitada, ingressa-se no exame do mérito propriamente dito. Cuida-se de demanda fundada na alegação de vícios construtivos identificados em imóvel objeto de aquisição pelos autores, circunstância que atrai, como substrato jurídico, a incidência do regime da responsabilidade civil contratual, com fulcro no inadimplemento das obrigações decorrentes da relação negocial estabelecida entre as partes. Inicialmente, constata-se que a relação discutida nos autos refere-se à compra e venda de imóvel entre particulares — os autores adquiriram o imóvel de Éssio Orsi Neto e Flávia Nogueira Orsi, pessoas físicas, sem elementos firmes nos autos de que sejam construtores profissionais, tampouco de que atuem habitualmente no mercado imobiliário. Apesar de a sentença e o recurso de apelação ventilarem dispositivos do CDC, não se pode presumir a natureza consumerista da relação contratual unicamente pelo fato de a aquisição ter ocorrido com recursos do sistema financeiro habitacional (Pro-Cotista/FGTS). A operação de financiamento é relação autônoma e distinta daquela firmada entre compradores e alienantes do imóvel. Nesse sentido, veja-se o entendimento sedimentado do Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. COMPRA E VENDA. IMÓVEL. NEGÓCIO JURÍDICO ENTRE PESSOAS FÍSICAS. APLICAÇÃO DO CDC. IMPOSSIBILIDADE. LEGITIMIDADE PASSIVA. NÃO RECONHECIMENTO NA ORIGEM. DESCONSTITUIÇÃO DA DECISÃO. SÚMULA 7/STJ. IMPOSSIBILIDADE. DESCUMPRIMENTO DO CONTRATO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. ( AgRg no AREsp 9.006/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/08/2013, DJe 20/08/2013) CIVIL. COMPRA E VENDA. IMÓVEL. APLICAÇÃO DO CDC. IMPOSSIBILIDADE. EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO. AFERIÇÃO. REEXAME DE PROVAS. 1 - Denotado que o negócio jurídico dos autos é compra e venda de imóvel, entre pessoas físicas, não há falar em aplicação do CDC. 2 - Aferir a existência de exceção de contrato não cumprido para elidir as conclusões do acórdão recorrido demanda reexame de provas, vedado pela súmula 7/STJ. REsp 841.236/RS, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 02/12/2008, DJe 15/12/2008) No mesmo sentido é o entendimento jurisprudencial: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - DESISTÊNCIA DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA - AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA - MULTA CONTRATUAL DE 10% (DEZ POR CENTO) SOBRE O VALOR DO IMÓVEL - AUSÊNCIA DE APLICAÇÃO DO CDC - CONTRATO ENTRE PARTICULARES - AUSÊNCIA DE DEFESA PARA IMPUGNAR O PERCENTUAL - MULTA CONTRATUAL MANTIDA. - Verificando que o comprador do imóvel simplesmente desistiu da compra e venda realizada, sem justificativas, cumpre validar a multa estipulada livremente entre as partes, pessoas físicas pelo percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor do contrato, cabendo salientar, que o Código de Defesa do Consumidor é inaplicável no caso presente, bem como, não houve defesa da parte desistente para impugnar o percentual. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.19.127265-7/001, Relator (a): Des.(a) Luiz Carlos Gomes da Mata , 13ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 31/01/2020, publicação da sumula em 05/02/2020) EMENTA: RESCISÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL ENTRE PARTICULARES - NÃO INCIDÊNCIA DO CDC - MORA DA COMPRADORA - AUSÊNCIA DE OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO - INCIDÊNCIA DE CLÁUSULA PENAL CONVENCIONAL - RETENÇÃO DOS VALORES ADIANTADOS A TÍTULO DE SINAL - PEDIDO RECONVENCIONAL - IMPROCEDÊNCIA MANTIDA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1 - Cuidando de contrato de promessa de compra e venda de imóvel firmado entre autora e réus, ambos pessoas físicas, não se caracteriza relação de consumo a justificar a incidência dos mecanismos de proteção à adquirente, ínsitos ao CDC. 2 - Tratando-se de contrato bilateral com a exposição da vontade livre de ambas as partes, sem vícios, devem prevalecer os princípios da autonomia da vontade e da força obrigatória dos contratos. 3 - Ausente a prova de descumprimento contratual por parte dos vendedores/apelantes e tendo a adquirente/apelada justificado o inadimplemento com a situação superveniente de desemprego, o que não desnatura o pacto, deve recair sobre ela a clausula penal convencional contratualmente prevista, a qual funciona como prefixação das perdas e danos. 4 - Seria ônus dos apelantes, art. 373, I do CPC/15, comprovarem os fatos constitutivos de seu direito reconvencional ao pretenderem a reparação de benfeitorias realizadas no imóvel, mormente considerando terem aceito que tais dispêndios estariam incluídos na retenção do sinal e, também, levando em conta que as melhorias agregaram valor ao imóvel retomado. (TJMG - Apelação Cível 1.0702.15.033204-8/001, Relator (a): Des.(a) Sérgio André da Fonseca Xavier , 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 27/11/2018, publicação da sumula em 03/12/2018) Assim, na ausência de comprovação de habitualidade ou de que os réus são incorporadores ou construtores, deve-se reconhecer a natureza eminentemente civil do vínculo contratual. Considerando, pois, o caráter civilístico da avença e tendo em vista que a controvérsia central gravita em torno da verificação da existência de vícios ocultos à época da aquisição do imóvel, bem como da possibilidade de imputação de responsabilidade aos alienantes por tais defeitos, mostra-se pertinente tecer breves considerações sobre a figura jurídica do vício redibitório. Com efeito, é pacífico na doutrina que o vício redibitório configura-se como defeito oculto existente na coisa objeto de contrato comutativo, o qual a torna imprópria ao uso a que se destina ou lhe reduz substancialmente o valor de mercado — nos precisos termos da clássica lição de Caio Mário da Silva Pereira: “defeito oculto, de que portadora a coisa objeto de contrato comutativo, que a torna imprópria ao uso a que se destina, ou lhe prejudica sensivelmente o valor” (Instituições de Direito Civil, vol. III, 11ª ed., Forense, p. 123). Estando, portanto, a causa de pedir lastreada na existência de vício redibitório, os pleitos voltados à redibição do contrato ou ao abatimento proporcional do preço — por meio da ação estimatória ou quanti minoris — encontram-se submetidos ao regime jurídico dos prazos decadenciais previstos no art. 445 do Código Civil, cuja contagem deve observar a data da efetiva ciência do defeito oculto pelo adquirente. O caput do referido dispositivo estabelece que o adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento do preço no prazo de um ano, se o bem for imóvel, contado da entrega efetiva. Assim complementa o § 1º do mesmo artigo: “Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo contarse-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de cento e oitenta dias, em se tratando de bens móveis; e de um ano, para os imóveis”. No caso sob exame, consoante evidenciam os elementos documentais colacionados aos autos, ainda que o contrato de aquisição tenha sido formalizado no ano de 2015, extrai-se da notificação extrajudicial de ID nº 292649351 (fl. 42) que a ciência inequívoca dos vícios construtivos alegadamente existentes no imóvel somente se deu no ano de 2018. Considerando-se, ademais, que a presente demanda foi ajuizada em fevereiro de 2019, impõe-se reconhecer a plena tempestividade da pretensão deduzida, não se verificando a ocorrência de decadência, nos moldes do art. 445, §1º, do Código Civil, cuja ratio visa justamente resguardar o adquirente em situações em que o defeito somente se manifesta — ou pode ser detectado — com o decurso do tempo, em razão de sua natureza intrinsecamente oculta. Pois bem. O cerne da controvérsia reside na alegação dos Apelantes de que o imóvel lhes teria sido vendido como "novo", o que não corresponderia à realidade, além da existência de vícios ocultos de responsabilidade dos Apelados. A partir de detida análise dos autos, verifica-se a presença de elementos probatórios que corroboram a tese de que o bem adquirido pelos Apelantes ostentava, à época da avença, natureza jurídica de “imóvel novo”, conforme se depreende de diversos documentos constantes do caderno processual. Vejamos: Conforme consta da matrícula do imóvel nº 39.533 (ID 292649351, fls. 44), embora a matrícula tenha sido aberta em 26/11/1990, a averbação da construção da casa residencial com 84,88m² ocorreu apenas em 29/10/2014, poucos meses antes da aquisição pelos Apelantes, que se deu em 14/08/2015. Significativo notar que a averbação menciona expressamente: "foi edificada uma casa residencial com 84,88m²", constando ainda a expedição de "Habite-se" nº 201400307, em 26/09/2014. Tais informações, somadas à inexistência de registro de edificação anterior na matrícula, constituem forte indicativo de que se tratava, de fato, de imóvel recém-construído quando da aquisição pelos Apelantes. Tal constatação reveste-se de especial relevância jurídica, porquanto reforça a legítima expectativa dos adquirentes quanto à plena regularidade da construção e à inexistência de vícios ocultos, inerente à aquisição de bem recentemente concluído. - Da responsabilidade civil por vícios construtivos (vícios redibitórios) A controvérsia de fundo consiste em apurar se o imóvel apresentava vícios ocultos ao tempo da aquisição e se tais defeitos são atribuíveis aos alienantes. O laudo pericial judicial (id. 292649422) é categórico ao apontar a existência de patologias construtivas graves, consistentes em recalques diferenciais, falhas de impermeabilização de fundações, ausência de vigas de amarração e desconformidades na estrutura de cobertura, comprometendo a estabilidade da edificação. 10.3. Constatação das Patologias Após análise dos autos, vistoria e estudos, foi constado que a edificação apresenta diversas patologias, assim como apresentado no presente laudo, que são características de vícios construtivos, como: Piso oco (Desplacando): devido a execução inadequada/preparo da argamassa, ou o não atendimento ao tempo de cura especificado na ficha técnica do produto. Infiltração da cobertura devido ao desalinho e ausência de amarração das telhas do telhado, principalamente no beiral e área da garagem que não contam com forro, afim de garanir vedação e estanqueidade adequada da edificação. Ausencia ou ineficácia do sistema de impermeabilização assim como disposto no Ponto 8, item 10.2. intitulado Das Patologias, que por conta dessa falha construtiva possibilita a atuação de água por capilaridade, que ao atingir a alvenaria provoca a perda de componentes e deterioração do bloco cerâmico e revestimento, as reformas devem atender a NBR9575 DE 09/2010 Impermeabilização - Seleção e projeto e NBR 9574 DE 12/2008 Execução de impermeabilização. Mal dimensionamento ou ausência das vergas e contravergas que possam receber as tensões e distribuir as cargas lateralmente de forma que não possibilite um esforço diretamente aos vãos das portas e janelas Recalque Houve uma movimentação do aterro que resultou em um recalque diferencial próximo ao quarto 2 assim como disposto no Ponto 3 do item 10.2. intitulado Das Patologias, que está localizado na fachada do imóvel, entre o banheiro e sala de estar, esse tipo de patologia ocorre devido a esforços estruturais não previstos, adensamento do solo ou movimentação do aterro mal compactado, que com os esforços atuantes tira a verticalidade da edificação, afundando pontualmente partes do sistema construtivo que culmina em forças cortantes diagonais que rasga a alvenaria devido a sua perda de desempenho. (...) 11. RESPOSTAS AOS PONTOS CONTROVERTIDOS APRESENTADO PELO JUÍZO. · Possui alguma falha de construção e estrutura que tenha o tornado perigoso para moradia dos requerentes? Caso positivo, qual a falha? Resposta: Assim como demonstrado no presente laudo nos itens 10.2. intitulado Das Patologias e 10.3. intitulado Constatação das Patologias, foi constado que a edificação possui falhas estruturais, sendo o recalque diferencial, ausência ou inadequada impermeabilização da fundação e sobrecargas pontuais devido a ausência de viga de respaldo/amarração, agravado pela estrutura do telhado não atender a norma da ABNT NBR 7190 - Projeto Estrutural de Madeira, essas patologias devem ser corrigidas, para garantir a estabilidade e habilidade dos Requerentes. 15. CONCLUSÃO (...) Foi identificado patologias de origens estruturais que devem ser corrigidas para manter a habitabilidade, vida útil e desempenho do sistema construtivos, conforme ABNT 15.575 – EDIFICAÇÕES HABITACIONAIS – DESEMPENHO.” As anomalias construtivas identificadas no imóvel foram classificadas como de natureza endógena, vale dizer, decorrentes de falhas ocorridas nas fases de projeto ou de execução da obra, o que afasta, por conseguinte, a possibilidade de atribuição causal a agentes exógenos ou a intervenções posteriores realizadas pelos adquirentes. Cumpre salientar que tais vícios foram constatados por perito de confiança do juízo, profissional devidamente nomeado e detentor de notória qualificação técnica, cuja atuação, por estar imune a vínculos subjetivos com as partes litigantes, reveste-se de imparcialidade e dota seu laudo de elevada força persuasiva. Nesse contexto, é forçoso reconhecer que os defeitos apurados subsumem-se à figura jurídica dos vícios redibitórios, nos exatos termos do art. 441 do Código Civil, porquanto preexistentes à celebração do negócio jurídico, de natureza oculta — na medida em que não detectáveis pelo adquirente no momento da aquisição — e suficientemente graves a ponto de comprometerem tanto a solidez quanto a destinação habitacional do bem. A responsabilidade civil dos alienantes, por sua vez, não se afasta sob o fundamento de que não ostentam a qualidade de profissionais da construção civil. Com efeito, a sistemática adotada pelo Código Civil é clara ao estabelecer a responsabilidade objetiva do alienante por vícios ocultos, independentemente de dolo ou culpa, bastando, para sua configuração, a comprovação da existência do vício ao tempo da tradição da posse e sua não revelação ao comprador. Também não se sustenta a tese segundo a qual a aprovação do imóvel por instituição financeira, ou mesmo a expedição de habite-se pela autoridade administrativa competente, seriam suficientes para elidir a responsabilidade dos alienantes. Tais atos possuem natureza meramente formal e declaratória, desprovidos de eficácia probatória bastante para infirmar a existência de vícios materiais e estruturais ocultos, cuja verificação demanda análise técnica minuciosa, a qual, no presente caso, foi realizada por profissional equidistante das partes e com respaldo pericial robusto. Restando demonstrado que o bem apresentava vícios ocultos graves e que tais defeitos não foram sanados voluntariamente pelos vendedores, é cabível a responsabilização contratual por inadimplemento parcial da obrigação. Contudo, ausente prova de que os vícios tornaram o bem absolutamente imprestável à sua função, não se justifica a substituição integral do imóvel, tampouco a resolução contratual. A solução proporcional é a obrigação de fazer consistente na realização das obras corretivas técnicas apontadas pelo laudo, além da indenização por perdas e danos materiais, conforme o art. 389 do Código Civil. Nesse contexto, a determinação de substituição integral do imóvel ou resolução contratual representaria medida excessivamente gravosa, em manifesta contrariedade à diretriz normativa do art. 944 do Código Civil, que vincula a reparação à extensão do dano, bem como ao princípio da conservação dos negócios jurídicos. Ademais, a solução ora adotada – consistente na imposição de obrigação de fazer, consubstanciada na execução dos reparos tecnicamente prescritos pelo expert judicial – encontra amparo na faculdade conferida pelo Código Civil à parte lesada pelo inadimplemento contratual. Quanto ao dano moral, não se verifica, nos autos, abalo de tal monta que ultrapasse o mero dissabor ou frustração, ausente demonstração de repercussão extraordinária na esfera extrapatrimonial dos autores. A jurisprudência é firme ao condicionar o reconhecimento de dano moral, em casos de vício de produto, à demonstração de sofrimento psíquico relevante e excepcional, o que não se observou na espécie. Ante de todo o exposto, CONHEÇO do recurso e DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO, a fim de reformar a sentença de primeiro grau e julgar parcialmente procedente o pedido inicial para (a) condenar os Apelados a realizarem, às suas expensas, no prazo de 90 (noventa) dias, todos os reparos necessários no imóvel objeto da lide para corrigir os vícios construtivos apontados no laudo pericial, devendo as obras serem acompanhadas por profissional habilitado e atender às normas técnicas pertinentes; e (b) condenar os Apelados a indenizarem os Apelantes em R$ 30.919,99 (trinta mil, novecentos e dezenove reais e noventa e nove centavos), a título de danos materiais, corrigidos monetariamente desde o efetivo desembolso e acrescidos de juros moratórios a partir da citação. Em virtude do julgamento inverto os ônus da sucumbência, condenando os requeridos, ora apelados ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 12% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º e §11 do CPC, observada a gratuidade de justiça concedida aos autores. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 08/07/2025
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