Processo nº 1001045-69.2020.4.01.3908
ID: 314565829
Tribunal: TRF1
Órgão: Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Itaituba-PA
Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL
Nº Processo: 1001045-69.2020.4.01.3908
Data de Disponibilização:
03/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
GABRIELA PAVANELLI DE CARVALHO
OAB/GO XXXXXX
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RUTHNEIA SOUZA TONELLI
OAB/PA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Subseção Judiciária de Itaituba-PA Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Itaituba-PA SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1001045-69.2020.4.01.3908 CLASSE: AÇÃO CIVIL PÚBLIC…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Subseção Judiciária de Itaituba-PA Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Itaituba-PA SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1001045-69.2020.4.01.3908 CLASSE: AÇÃO CIVIL PÚBLICA (65) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) POLO PASSIVO:ROBERTO APARECIDO DIAS REPRESENTANTES POLO PASSIVO: RUTHNEIA SOUZA TONELLI - PA12128 e GABRIELA PAVANELLI DE CARVALHO - GO52894 SENTENÇA I - RELATÓRIO Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) em face de ROBERTO APARECIDO DIAS, visando à reparação de dano ambiental decorrente de desmatamento ilegal em gleba do Distrito Castelo dos Sonhos, Altamira/PA. O órgão requer a recuperação integral da área degradada, além da responsabilização civil e administrativa do réu. O autor alega, em resumo, o seguinte: (a) o réu destruiu área de extensão de 113,73 hectares com utilização de fogo, sem a devida licença ambiental, sendo lavrado Auto de Infração nº 2KN3S5EN; (b) a área afetada está localizada às coordenadas 6° 55' 48"S 55° 13' 31"W Distrito Castelo dos Sonhos, Altamira/PA; (c) foi confirmada a responsabilidade do réu por meio de diligência do IBAMA. A inicial foi instruída com relatório técnico do IBAMA, auto de infração e termo de embargo. A Decisão de ID. 265433950 concedeu em parte a antecipação da tutela requerida pelo MPF. Em contestação (ID 566108916), o réu: (a) preliminarmente, sustentou a falta de interesse de agir, em razão de encontrar-se pendente de resolução administrativa do Auto de Infração (IBAMA).; (b) No mérito, rebate autoria do desmatamento: afirma que o uso de fogo ocorreu em imóvel vizinho. Sustenta ausência de dano ambiental relevante e defende o direito à atividade agropecuária de subsistência. Alega ocupação legítima de terras públicas com base no Programa de Integração Nacional (PIN) – colonização da Amazônia (Decretos-Leis nº 1.164/71, nº 2.375/87). Alega ser desproporcional o valor fixado a título indenizatório; Por fim, diz que é necessária e fundamental a existência de tal prova pericial, pois inexistem provas cabais do suposto dano material em tese praticado, sendo plenamente possível a eventual recuperação de uma área produtiva e localizada em zona de expansão produtiva, não estando localizada em unidade de conservação federal. Intruiu a contestação com cópia do processo administrativo, bem como com laudo particular (IDs 566108917 e 611974394 ). Réplica apresentada (ID 785584989 ). Audiência de instrução designada, em que foi indeferida a colheita do depoimento pessoal do réu, visto que ausente requerimento da contraparte (ID 1465808348). Alegações finais apresentadas (ID 1531728895 e 2109960177). É o relatório. Decido. II - FUNDAMENTAÇÃO II.1. Ausência de interesse processual Alega-se falta de interesse de agir no ajuizamento da presente ação civil pública, tendo em vista que pende de conclusão processo administrativo que apura o auto de infração lavrado. Ocorre que a existência ou conclusão de eventual procedimento administrativo não é condição para a propositura da presente ação que visa a condenação a danos materiais e morais, bem como à recuperação da área degradada, notadamente em razão do princípio da independência das instâncias civil e administrativa, extraído do § 3º do art. 225 da Constituição Federal. Nesse sentido: 4. A existência de prévio processo administrativo e/ou inquérito civil não é condição de procedibilidade para a ação civil pública, além do que, em matéria de responsabilização por dano ambiental, vigora o princípio da independência das instâncias administrativa, cível e criminal. (AC 1000406-03.2019.4.01.3903, DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE JORGE FONTES LARANJEIRA, TRF1 - DÉCIMA-SEGUNDA TURMA, PJe 20/09/2024 PAG.). Rejeito a preliminar. II. 3. Autoria, dano e nexo de causalidade II.3.1. DISCIPLINA LEGAL E JURISPRUDENCIAL DA TUTELA DO MEIO AMBIENTE: o meio ambiente e sua proteção. A Constituição Federal preceitua, no art. 225, caput, que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. O meio ambiente equilibrado é um bem difuso, inserido entre os chamados direitos humanos de terceira geração. É constitucionalmente definido como de uso comum do povo e, portanto, diverso dos bens que o integram, adquirindo natureza própria. Assim, uma pessoa poderá ser eventualmente proprietária de um imóvel e sua cobertura vegetal, mas toda a coletividade terá o direito ao uso sustentável daqueles recursos naturais, segundo a legislação ambiental. O final do dispositivo impõe a todos o dever de defendê-lo, estabelecendo um pacto intergeracional, o qual se deve respeitar. O dano ambiental, por sua vez, pode ser descrito como um prejuízo causado ao meio ambiente por uma ação ou omissão humana, que afeta de modo negativo o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e por consequência atinge, também de modo negativo, todas as pessoas, de maneira direta ou indireta (Amado, Frederico in Direito Ambiental. Juspodivm. BA. 2020). Quanto à obrigação de reparar o dano causado, a própria Constituição Federal em seu art. 225, § 3º, estabeleceu que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados; e, textualmente, resguardou especial tratamento à Floresta Amazônica, senão vejamos: Art. 225. (...)§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. Note-se que a responsabilidade pela reparação dos danos ambientais adere à propriedade, como obrigação propter rem, sendo possível cobrar do atual proprietário/possuidor condutas derivadas de danos provocados pelos proprietários antigos ou terceiros. Portanto, o dever fundamental de recomposição e recuperação ambiental pode ser exigido de qualquer pessoa. A matéria inclusive já foi pacificada pelo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA na Súmula n. 623: “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor.” O TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO, em recente decisão (AC 1005976-24.2020.4.01.4100 - PJe 16/07/2024) seguiu o entendimento da Corte Superior: “A responsabilidade ambiental é objetiva e propter rem, vinculando-se ao imóvel independentemente de quem tenha praticado o ato danoso. A obrigação de reparar o dano acompanha a propriedade, conforme disposto no art. 2º, § 2º, da Lei n. 12.651/2012, e na Súmula 623 do STJ.” II.3.2. PRESSUPOSTOS PARA RESPONSABILIZAÇÃO PELO DANO AMBIENTAL: responsabilidade civil pelo dano material causado ao meio ambiente. É cediço que, para responsabilização civil, torna-se indispensável a presença de três requisitos, a saber: (i) o ato ilícito (omissivo ou comissivo e culposo ou doloso), (ii) o dano experimentado pela vítima e (iii) nexo de causalidade entre o dano sofrido e a conduta ilícita. Os elementos da responsabilidade civil ambiental podem ser extraídos do art. 14, §1º da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981), de maneira que o responsável pelo ilícito ambiental, por meio das atividades consideradas lesivas ao meio ambiente, pessoa física ou jurídica, fica sujeito à obrigação de reparar os danos causados, independentemente da existência de culpa ou dolo. O Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de assentar, em sede de recurso especial repetitivo, o Tema n. 707, segundo o qual a responsabilidade por dano ambiental é objetiva e em sua modalidade mais rigorosa, ou seja, pelo risco integral, sendo, portanto, incabível a oposição de excludente de ilicitude: “a) a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar; b) em decorrência do acidente, a empresa deve recompor os danos materiais e morais causados e c) na fixação da indenização por danos morais, recomendável que o arbitramento seja feito caso a caso e com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico do autor, e, ainda, ao porte da empresa, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de modo que, de um lado, não haja enriquecimento sem causa de quem recebe a indenização e, de outro, haja efetiva compensação pelos danos morais experimentados por aquele que fora lesado.” (STJ- SEGUNDA SEÇÃO- RECURSO ESPECIAL 1374284 / MG MINISTRO RELATOR LUIS FELIPE SALOMÃO, julgado em 27/08/2014, DJe 05/09/2014). Além disso, a responsabilidade civil é solidária, ou seja, a sanção civil da indenização pode ser imputada, em pé de igualdade e de forma integral, a todos aqueles que, de qualquer forma, tenham contribuído para a consumação do dano ambiental, pouco importando, aqui, a maior ou a menor participação do poluidor para o ato lesivo, bem como a maior ou menor instrução do poluidor a respeito de sua atividade predatória do meio ambiente. Enfim, estando comprovada a autoria da lesão ao meio ambiente, quem quer que seja o poluidor/proprietário/posseiro da área degradada, sempre, tem o dever legal e constitucional de arcar com a responsabilidade civil ambiental em sua inteireza. A responsabilidade ambiental, consoante previsto no art. 14, §1º, da Lei de Política Nacional de Meio Ambiente, tem a obrigação de reparar o poluidor direto e indireto, isto é, todos aqueles que de alguma forma contribuíram para a existência danosa da conduta são responsáveis pela reparação. II.3.3. ANÁLISE PROBATÓRIA SOBRE OS FATOS E A ATRIBUIÇÃO DA RESPONSABILIDADE. No caso em apreço, a prova documental juntada aos autos (ID n. 262075394), notadamente o Procedimento administrativo, que tem como objeto o Auto de Infração nº 2KN3S5EN, referente à degradação de área de extensão de 113,73 hectares com utilização de fogo, sem a devida licença ambiental; (b) a área afetada está localizada às coordenadas 6° 55' 48"S 55° 13' 31"W Distrito Castelo dos Sonhos, Altamira/PA; c) acompanhou a inicial Termo de Embargo nº QUXXU84H , Relatório de Fiscalização, Demonstrativo de Alteração da Cobertura Florestal e fotografias coletadas presencialmente. O dano ambiental restou inconteste, consoante se extrai das imagens de satélite apresentadas, sinalizando desmatamento a partir de 2019: Por sinal, das imagens de satélite acima verifica-se que o foco de incêndio se deu exclusivamente no interior do perímetro da gleba vinculada ao réu, não afetando a vegetação ao redor da gleba, que encontrava-se intacta em setembro de 2019 (após a data apontada pelo réu das queimadas). Sendo assim, não subsiste o laudo particular de vistoria ao apontar que supostos focos de incêndio do início do mês de agosto em outras glebas se alastraram para sua propriedade, visto que, como dito, a vegetação de todo o contorno restou intacta. Além disso, o laudo particular não fez constar qualquer substrato da pesquisa, nem efetivamente comprovou a cronologia dos focos de queimada em cada gleba circunvizinha com dados oficiais explicativos, apenas apontando as supostas datas de cada foco de incêndio, insuficiente para a conclusão por ele sustentada. Ademais, o auto de infração foi assinado pelo réu, que, segundo relatório de fiscalização, assumiu naquela instância a autoria da infração administrativa ambiental/crime ambiental, gozando de presunção de legitimidade. Não demonstrou ainda qualquer registro de boletim de ocorrência ou arrolou testemunhas para corroborar eventual ocorrência de fogo acidental na região. Não bastasse, o comportamento contraditório do réu, ao assumir a responsabilidade administrativamente, e depois sustentar judicialmente ora que o desmatamento se deu para subsistência ora que o fogo foi acidental, também indica que desmatou voluntariamente o local, buscando tão somente uma justificativa para se esquivar da responsabilização civil. Por fim, registre-se que, nos termos da jurisprudência deste e. TRF da 1ª Região, que "(...) Laudos técnicos, relatórios de fiscalização e imagens de satélite, apresentados como provas pelo IBAMA, possuem presunção de veracidade, não sendo necessário corroborar tais elementos com prova testemunhal ou pericial em casos de degradação ambiental claramente demonstrada. (...) Tese de julgamento: "1. A responsabilidade civil ambiental é objetiva e propter rem, sendo atribuída ao proprietário independentemente de culpa ou dolo. 2. Laudos técnicos e imagens de satélite possuem presunção de veracidade, suficientes para demonstrar a materialidade do dano ambiental." Legislação relevante citada: CF/1988, art. 225; CPC, art. 405; Lei nº 12.651/2012, art. 2º, § 2º. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp nº 1.778.729/PA; STJ, REsp nº 1.251.697/PR; STJ, REsp nº 1.644.195/SC. (AC 0002064-35.2017.4.01.3908, DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON PEREIRA RAMOS NETO, TRF1 - DÉCIMA-PRIMEIRA TURMA, PJe 19/03/2025 PAG.). Assim, não apresentando o réu outras provas consistentes que infirmem aquelas apresentadas pela parte autora em seu desfavor, conclui-se pela sua responsabilização pelo dano ambiental constatado. II.4. Dever de recomposição da área degradada : obrigação de fazer e/ou não fazer. A responsabilidade civil ambiental deve ser compreendida o mais amplamente possível, de modo que a condenação a recuperar a área prejudicada não exclua o dever de indenizar – juízos retrospectivo e prospectivo. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, porquanto a indenização, em vez de considerar lesão específica já ecologicamente restaurada ou a ser restaurada, põe o foco em parcela do dano que, embora causada pelo mesmo comportamento pretérito do agente, apresenta efeitos deletérios de cunho futuro, irreparável ou intangível. Essa degradação transitória, remanescente ou reflexa do meio ambiente inclui: (i) o prejuízo ecológico que medeia, temporalmente, o instante da ação ou omissão danosa e o pleno restabelecimento ou recomposição da biota, vale dizer, o hiato passadiço de deterioração, total ou parcial, na fruição do bem de uso comum do povo (dano interino ou intermediário), algo frequente na hipótese, p. ex., em que o comando judicial, restritivamente, se satisfaz com a exclusiva regeneração natural e a perder de vista da flora ilegalmente suprimida, (ii) a ruína ambiental que subsista ou perdure, não obstante todos os esforços de restauração (dano residual ou permanente), e (iii) o dano moral coletivo. Também deve ser reembolsado ao patrimônio público e à coletividade o proveito econômico do agente com a atividade ou empreendimento degradador, a mais-valia ecológica ilícita que auferiu (p. ex., madeira ou minério retirados irregularmente da área degradada ou benefício com seu uso espúrio para fim comercial, agrossilvopastoril, turístico etc.). Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1180078/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/12/2010, DJe 28/02/2012): “A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, porquanto a indenização não é para o dano especificamente já reparado, mas para os seus efeitos remanescentes, reflexos ou transitórios, com destaque para a privação temporária da fruição do bem de uso comum do povo, até sua efetiva e completa recomposição, assim como o retorno ao patrimônio público dos benefícios econômicos ilegalmente auferidos.” Assim, além da obrigação de recuperação ativa da área (elaboração de Plano de Recuperação de Áreas Degradadas – PRAD, cercamento da área, monitoramento, dentre outras medidas que compõem a pretensão de condenação em obrigação de fazer), deve a parte ré interromper uso da área (obrigação de não fazer), inclusive com autorização para que as autoridades de fiscalização ambiental promovam a remoção de qualquer empecilho à regeneração natural (recuperação passiva). Considerada a clara caracterização da atividade ilícita contra o meio ambiente perpetrada pela parte ré, surge a necessidade de determinação de abstenção imediata da prática, diretamente ou por intermédio de terceiros, da referida atividade, sob pena de ser utilizada, inclusive, força policial para tanto. A requerida resta, portanto, proibida de explorar a atividade descrita na inicial sem as devidas autorizações ambientais, bem como determino a imediata proibição de plantação, comércio de produtos agrícolas, madeiras ou pastoris, inclusive bovinos, na respectiva área. No que se refere à obrigação de recuperação integral da área danificada, não há nos autos elementos que demonstrem que a restauração in natura da área (art. 2º, XIV, Lei nº 9.985/00) não seja viável, de tal sorte que é dever da parte ré promover o integral reflorestamento da área atingida ou área semelhante. O projeto de reflorestamento deve ser elaborado por profissional habilitado, no prazo de 90 (noventa) dias, contado da intimação da presente sentença, o qual deve ser submetido à imediata aprovação do ICMBio ou do IBAMA, que deverá analisá-lo e aprová-lo no prazo de 60 (sessenta) dias, mediante concomitante comunicação ao Ministério Público Federal (MPF). O referido projeto deve conter cronograma, com etapas definidas – não superior a 1 (um) ano - para a restauração ambiental, a fim de que o ICMBIO/IBAMA e/ou o MPF verifique(m) o efetivo cumprimento do projeto. Nas hipóteses de descumprimento de obrigação de fazer de recuperação da área degradada é possível converter esta obrigação de fazer em seu equivalente pecuniário (art. 499 do Código de Processo Civil), valor que deve ser liquidado a partir da NOTA TÉCNICA n. 2001.000483/2016-33 DBFLO/IBAMA que apresenta metodologia de cálculo que toma por referência o custo de recuperação da área, custo de cercamento, custo de plantio de mudas/semeadura direta, custo de manutenção e monitoramento. O estudo realizado na referida nota técnica fixou R$ 10.742,00 (dez mil setecentos e quarenta e dois reais) como parâmetro do valor indenizável para cada hectare desmatado na Amazônia. Para a adequada recomposição da área, no caso de mora, deve o requerido ser condenado a não usar a área degradada ilegalmente, com a recuperação passiva da área (regeneração que ocorre pelas dinâmicas próprias da natureza e sem intervenção humana). II.5 Indenização por Danos Materiais Conforme destacado pela jurisprudência do TRF da 1ª Região, para fins de reparação ambiental, a simples degradação da área já é suficiente para ensejar o dever de indenizar, especialmente quando não há comprovação da pronta recuperação por parte do infrator. Destaco que a análise do pedido de condenação em pagamento de indenização por danos materiais ao meio ambiente prescinde da produção de prova pericial, quando presentes no processo parâmetros que podem orientar a sua aferição e, eventualmente, o respectivo valor indenizável. Por meio dos documentos que acompanham a inicial é possível verificar a existência, a localização, a dimensão e o período em que ocorreu o dano. Tal entendimento encontra-se substanciado nos recentes julgados do E. TRF1: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. MEIO AMBIENTE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – MPF. INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS RENOVÁVEIS – IBAMA. PROJETO AMAZÔNIA PROTEGE. DANO AMBIENTAL. AMAZÔNIA LEGAL. DESMATAMENTO. IMAGEM DE SATÉLITE. PROGES/2016. AUTORIA. BANCO DE DADOS PÚBLICOS. REGENERAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS DIFUSOS. CABIMENTO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. 1. Na origem, em sede de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal e pelo IBAMA com base no Projeto "Amazônia Protege", o juízo a quo proferiu sentença condenatória impondo ao requerido obrigações de recomposição, regeneração e recuperação ambiental, bem como obrigação de pagamento de indenização por danos morais coletivos, em razão do desmatamento de 85,69 hectares em área situada no município de Senador José Porfírio/PA. 2. A responsabilidade em matéria de dano ambiental tem fundamento no art. 225, § 3º, da CF/88, segundo o qual “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. 3. Quanto à obrigação de reparação dos danos ambientais no âmbito civil, é uníssona a jurisprudência sobre o caráter objetivo da responsabilidade. Sobre o tema, aliás, diz a Súmula n. 623 do Superior Tribunal de Justiça: “As obrigações ambientais possuem natureza propterrem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor”. 4. O dano ambiental identificado na propriedade da parte requerida, sob a ótica das obrigações de natureza propterrem, está suficientemente atrelado ao réu, eis que este não se desincumbiu do ônus de comprovar qualquer causa capaz de afastar o nexo causal, também demonstrado nos autos pela documentação acostada pelos autores da ação civil pública. 5. O requerido, embora regularmente citado, nem sequer apresentou contestação, tampouco ingressou durante a instrução probatória a fim de requerer a produção de qualquer prova, de modo que cabível sua responsabilização decorrente da propriedade e posse incontroversas da área desmatada. 6. É sabido que a condenação em pagamento de indenização por danos materiais, decorrentes dos danos ambientais perpetrados, prescindem de perícia prévia, dada a existência de parâmetros que podem orientar a aferição dos danos ambientais e o corresponde valor indenizável. 7. A jurisprudência desta Corte já admitiu os parâmetros dados pela Nota Técnica n.º 02001.000483/2016-33 DBFLO/IBAMA para fixação do dano material (AC 1000010-60.2018.4.01.3903, Des. Federal DANIELE MARANHÃO COSTA, Quinta Turma, PJe 25/06/2020), bem como já estabeleceu, também, que "o quantum indenizatório pelos danos materiais ambientais deve ser fixado por arbitramento, na fase de liquidação da sentença, nos termos do art. 523 do CPC de 2015" (AC 1000206-64.2017.4.01.3903, Des. Federal JAMIL ROSA DE JESUS OLIVEIRA, Sexta Turma, PJe 08/03/2023). 8. Negado provimento à apelação da parte requerida. Parcial provimento da apelação do autor, reformando-se a sentença para fazer incluir a condenação do requerido ao pagamento de indenização por danos materiais. (TRF1, AC 1000400-93.2019.4.01.3903. Relatora: DESEMBARGADORA FEDERAL ANA CAROLINA ROMAN, 12ª Turma. PJe: 27/03/2024.) Ademais, deve-se ressaltar que esse monitoramento realizado por entidades ambientais e detalhado nos autos mostra eficiência, assertividade e segurança maiores quanto à comprovação da existência e extensão do dano ambiental se comparado à realização de perícia local, o que, via de regra, é bastante dispendioso e menos assertivo. No caso sob exame, além de tudo, houve fiscalização por agentes ambientais no local da área degradada objeto da demanda, o que ratifica indubitavelmente o resultado das pesquisas por imagens de satélite. No que se refere à alegação da parte ré de ilegitimidade passiva, entendo que não merece acolhimento. Verifica-se que o requerido foi apontado no relatório de fiscalização, bem como foi autuado pela prática da infração ambiental. Além disso, consta como o responsável pela área. É intolerável, pois, à sociedade, a conduta de quem age como se fosse dono absoluto dos recursos naturais, ante os efeitos nefastos à saúde e ao bem-estar humano, decorrentes do dano ambiental em exame (desmatamento), o qual, em razão de sua extensão, tem potencial capacidade de extinguir espécies da flora e da fauna. A mera exploração de bem público, mediante a destruição da floresta, sem autorização do órgão ambiental competente, é suficiente para causar abalo negativo à moral da coletividade, configurando-se verdadeiro dano moral coletivo. II.5.1 EXTENSÃO/FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO II.5.2. Reparação pelos danos materiais São lícitos os pedidos aduzidos pelo autor de recomposição da lesão ao meio ambiente concomitante à eventual indenização pecuniária (constatada impossibilidade de recuperação dos prejuízos), não sendo esta medida substitutiva, necessariamente, da obrigação de reparação in natura do dano, sob o argumento de configuração de bis in idem. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça há muito reconhece a existência do dano ambiental em suas variadas dimensões, admitindo a cumulação da obrigação de fazer ou não fazer com a obrigação de pagar. O entendimento foi objeto da Súmula n. 629: “Quanto ao dano ambiental, é admitida a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de indenizar.” No mesmo sentido recente decisão do TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO, ao assentar que: “Em matéria de danos ambientais, para os quais os requeridos não fizeram prova de pronta recuperação ou reparação, tem-se como cabível a cumulação dos deveres de reparar e de indenizar.” (TRF - PRIMEIRA REGIÃO - DÉCIMA-SEGUNDA TURMA - APELAÇÃO CIVEL (AC) 0000955-35.2016.4.01.3903 - DESEMBARGADORA FEDERAL RELATORA ANA CAROLINA ALVES ARAUJO ROMAN- PJe 05/07/2024). Com efeito, é cabível a cumulação da obrigação de fazer (reparação da área desmatada) com as obrigações de dar (dano material e moral), não se configurando a dupla punição pelo mesmo fato. O §3º do art. 225 da Constituição Federal, o inciso VII do art. 4º, e o § 1º do art. 14, os últimos ambos da Lei nº 6.938/81, são claros quanto à necessidade de reparação integral do dano ambiental, de modo que se afigura legal a cumulação da obrigação de recuperação in natura do meio ambiente degradado com a compensação indenizatória em espécie. A possibilidade técnica, no futuro (prestação jurisdicional prospectiva), de restauração in natura nem sempre se mostra suficiente para reverter ou recompor integralmente, no terreno da responsabilidade civil, as várias dimensões do dano ambiental causado; por isso não exaure os deveres associados aos princípios do poluidor-pagador e da reparação integral. A recusa de aplicação ou aplicação parcial dos princípios do poluidor-pagador e da reparação integral arrisca projetar, moral e socialmente, a nociva impressão de que o ilícito ambiental compensa. Daí a resposta administrativa e judicial não passar de aceitável e gerenciável "risco ou custo do negócio", acarretando o enfraquecimento do caráter dissuasório da proteção legal, verdadeiro estímulo para que outros, inspirados no exemplo de impunidade de fato, mesmo que não de direito, do infrator premiado, imitem ou repitam seu comportamento deletério. Assim, além das obrigações de fazer e não fazer e todas as medidas a elas relacionadas, cabe o pagamento da indenização pelos danos materiais gerados pela atividade ilícita caso constatada a impossibilidade de recuperação da área. Para a fixação do valor desse dano, adoto a NOTA TÉCNICA n. 2001.000483/2016-33 DBFLO/IBAMA que apresenta metodologia de cálculo que toma por referência o custo de recuperação da área, custo de cercamento, custo de plantio de mudas/semeadura direta, custo de manutenção e monitoramento, limitado aos valores requeridos na inicial. O estudo realizado na referida nota técnica fixou R$ 10.742,00 (dez mil setecentos e quarenta e dois reais) como parâmetro do valor indenizável para cada hectare desmatado na Amazônia. II.6. Indenização por Danos Morais Coletivos Conforme o entendimento firmado pelo STJ no REsp n.º 1269494/MG, o dano moral coletivo é caracterizado pela violação de direitos de personalidade de uma coletividade. No caso dos danos ambientais, essa violação é evidente, pois a degradação da floresta amazônica afeta a todos, dada a natureza difusa dos bens ambientais. É intolerável, pois, à sociedade, a conduta de quem age como se fosse dono absoluto dos recursos naturais, ante os efeitos nefastos à saúde e ao bem-estar humano, decorrentes do dano ambiental em exame (desmatamento), o qual, em razão de sua extensão, tem potencial capacidade de extinguir espécies da flora e da fauna. A mera exploração de bem público, mediante a destruição da floresta, sem autorização do órgão ambiental competente, é suficiente para causar abalo negativo à moral da coletividade, configurando-se dano moral coletivo. Nos termos da jurisprudência do STJ: “1. Os danos morais coletivos são presumidos. É inviável a exigência de elementos materiais específicos e pontuais para sua configuração. 2. A configuração dessa espécie de dano depende da verificação de aspectos objetivos da causa. Trata-se de operação lógica em que os fatos conhecidos permitem ao julgador concluir pela ocorrência de fatos desconhecidos (STJ - REsp: 1940030 SP 2021/0038297-6, Data de Julgamento: 16/08/2022, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/09/2022). O valor indenizatório deve ter como objetivo reparar a significativa perda de nutrientes e do próprio solo como reflexos do dano ambiental, os reflexos na população local, a perda de capital natural, incremento de dióxido de carbono na atmosfera, diminuição da disponibilidade hídrica. Conforme parâmetros da jurisprudência deste e. TRF da 1ª Região, o valor da indenização será fixado em liquidação de sentença, com base em 5% do valor dos danos materiais. Nesse sentido: DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL. DEGRADAÇÃO AMBIENTAL. AMAZÔNIA PROTEGE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. TEMA REPETITIVO 707 E 1204 DO STJ. SÚMULAS Nº 618, 623, 629 DO STJ. CABIMENTO DE REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA E DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS COLETIVOS. NÃO CABIMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA, SALVO MÁ-FÉ. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA PARA AJUSTAR A PROPORÇÃO DOS DANOS MORAIS EM CINCO POR CENTO DOS DANOS MATERIAIS. 1. Trata-se de apelações contra a sentença em que se julgou procedente a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal MPF e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis IBAMA para que os réus fossem responsabilizados por danos materiais e morais difusos, assim como na obrigação de recompor a área degradada. 2. A ação civil pública é fundamentada em levantamentos de fiscalização realizados no âmbito do Projeto Amazônia Protege, com uso de mapeamento por imagens de satélite e cruzamento de dados públicos, que auxiliaram na demonstração da área degradada. 3. Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça - STJ, disposto no Tema Repetitivo 707 do "A responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar". 4. O STJ também entende, segundo o Tema Repetitivo 1204, que "As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo possível exigi-las, à escolha do credor, do proprietário ou possuidor atual, de qualquer dos anteriores, ou de ambos, ficando isento de responsabilidade o alienante cujo direito real tenha cessado antes da causação do dano, desde que para ele não tenha concorrido, direta ou indiretamente". 5. No caso dos autos, segundo as informações colhidas mediante imagens de satélite por tecnologia geoespacial geradas pelo projeto PRODES e dados públicos do Cadastro Ambiental Rural (CAR), foi identificado que os apelados causaram desmatamento de 136,73 hectares de floresta nativa na Amazônia 6. Considerando que os apelantes não se desincumbiram de seu ônus probatório de que não concorreram com os danos ambientais (Súmula nº 618 do STJ), essa conduta implica no dever de reparação integral da área degradada, podendo haver a condenação à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de indenizar (Súmula nº 629 do STJ). 7. Correta a parte da sentença em que aplicou a Nota Técnica n. 02001.000483/2016-33 DBFLO/IBAMA como parâmetro do cálculo do dano material, que se adéqua para a quantificação do dano material em extração de madeira na Região Amazônica, sendo o valor indenizável de R$ 10.742,00 (dez mil setecentos e quarenta e dois reais) por hectare desmatado, dividindo a indenização por cada réu, conforme a área desmatada. 8. Concluindo no caso o cabimento de indenização por danos morais coletivos, estes devem ser arbitrados com base na proporcionalidade, levando-se em consideração a gravidade do dano ambiental. Deve-se reduzir o valor arbitrado na sentença para que se adéque à jurisprudência deste Tribunal, que fixa o valor dos danos morais coletivos por degradação ambiental no montante de 5% (cinco por cento) do valor dos danos materiais. Precedente: AC 1000035-92.2017.4.01.4102, Desembargadora Federal Ana Carolina Roman, TRF1 12ª Turma, PJe 23/04/2024 PAG e AC 0025802-23.2010.4.01.3900, Des. Federal Jamil Rosa de Jesus Oliveira, TRF 1 - Sexta Turma, PJe 10/04/2023. 9. Não cabe condenação em honorários advocatícios dos réus quando o Ministério Público, entes públicos e demais legitimados forem autores da ação civil pública, por força do princípio da simetria, salvo a comprovação de má-fé. Precedente STJ: EAREsp 962.250/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Corte Especial, DJe 21/8/2018. 10. Apelação conhecida e parcialmente provida apenas para ajustar a indenização dos danos morais coletivos para cinco por cento sobre os danos materiais e excluir a condenação em honorários advocatícios dos réus. Negado provimento à apelação de Sidvane de Sousa Albino e Abmael de Sousa Albin (AC 1000480-60.2019.4.01.3902, DESEMBARGADORA FEDERAL ROSANA NOYA ALVES WEIBEL KAUFMANN, TRF1 - DÉCIMA-SEGUNDA TURMA, PJe 17/12/2024 PAG.). PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. "PROJETO AMAZÔNIA PROTEGE". MPF E IBAMA. DEGRADAÇÃO AMBIENTAL. RECOMPOSIÇÃO DA ÁREA DEGRADADA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. POSSIBILIDADADE. FIXAÇÃO DE PERCENTUAL SOBRE OS MONTANTES EM DANOS MATERIAIS ATRIBUÍDOS PELA PARTE AUTORA NA PEÇA INICIAL, PROPORCIONALMENTE À PARTE QUE CABE A CADA UM DOS DEMANDADOS. CRITÉRIOS DE RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 18 DA LEI Nº. 7.347/1985. APLICABILIDADE EM FAVOR DO RÉU. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. Trata-se de apelação interposta em face de sentença que, em ação civil pública, julgou parcialmente procedente o pedido para condenar os requeridos em obrigação de fazer, consistente em apresentar PRAD, em face de desmatamento não autorizado em área de floresta nativa. 2. Na espécie, a ação civil pública teve por base levantamentos de fiscalização realizados no âmbito do Projeto Amazônia Protege, por meio da utilização de tecnologia de georreferenciamento e mapeamento por imagens de satélite, com capacidade para delimitar áreas e comprovar se houve supressão de vegetação nativa. O relatório e os laudos apresentados, bem como o cruzamento de dados públicos e a sobreposição de imagens, comprovam, de forma clara, o desmatamento de floresta primária, em área da Amazônia Legal, a caracterizar ilícito ambiental e a autorizar a responsabilização dos demandados por danos morais coletivos. 3. Viabilidade da condenação por dano moral coletivo ambiental, uma vez que afeta tanto os indivíduos que habitam e/ou retiram seu sustento da Região Amazônica, como também todos os indivíduos que fazem jus a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e sadio, não havendo qualquer necessidade de vinculação, a esse título, da comprovação do sentimento de dor, de repulsa ou de constrangimento a uma comunidade específica. Precedente do STJ. 4. Não tendo havido condenação por danos materiais, quanto ao valor correspondente ao dano moral coletivo, em face da ausência de critério legal estabelecido, e tendo em vista os critérios de razoabilidade e de proporcionalidade, levando-se em consideração a gravidade da infração ambiental, deve ser fixado em 5% dos valores atribuídos a título de danos materiais pelo MPF na peça inicial. 5. Em relação aos honorários advocatícios, deve-se aplicar, por simetria, o art. 18 da Lei 7.347/1985. Descabimento da condenação em honorários advocatícios nas ações civis públicas. 6. Apelação parcialmente provida. (AC 1000011-93.2019.4.01.4102, DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE JORGE FONTES LARANJEIRA, TRF1 - DÉCIMA-SEGUNDA TURMA, PJe 10/07/2024 PAG.). Assim, o valor pleiteado pelo MPF a título de indenização por danos morais coletivos não encontra respaldo na jurisprudência da Corte Regional, de modo que a compensação deve ser fixada em 5% do valor atribuído ao dano material. II.7 Decretação da Indisponibilidade de Bens e Valores A imposição da indisponibilidade de bens ao infrator ambiental objetiva possibilitar a reparação do dano causado. Assim, insta salientar que em razão do princípio da precaução, quando envolve a incolumidade do meio ambiente e havendo risco de danos irreversíveis à fauna e a flora, é cogente que se proteja o direito coletivo no intuito da reparação do dano ambiental. Trata-se de medida cautelar voltada a resguardar interesse coletivo e dar efetividade à recuperação do meio ambiente degradado, decorrente de grave e reprovável conduta lesiva à cobertura florestal da Amazônia, considerada patrimônio nacional pela Constituição Federal de 1988. Com efeito, decisão da DÉCIMA-SEGUNDA TURMA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO (AC 1029316-70.2023.4.01.0000, PJe 23/04/2024) acompanhou jurisprudência do STJ, para dispensar, na hipótese (gravidade dos prejuízos causados), a demonstração de eventual dilapidação patrimonial pelo agente causador do dano: “A indisponibilidade de bens é medida que se impõe para ressarcimento proporcional dos danos ambientais verificados, a partir do qual se pretende a recuperação do meio ambiente. Trata-se de medida de caráter cautelar, voltada à salvaguarda dos interesses de índoleambiental.Precedentes. 6. Há crucial distinção entre o propósito de fiscalização administrativa e a busca de tutela jurisdicional adequada para, no âmbito da responsabilidade civil, viabilizar a proteção, preservação e recuperação do meio ambiente. 7. No Superior Tribunal de Justiça há entendimento no sentido de que a indisponibilidade dos bens não se condiciona à comprovação de dilapidação de patrimônio. "A decretação de indisponibilidade de bens não se condiciona à comprovação de dilapidação efetiva ou iminente de patrimônio, porquanto tal medida consiste em 'tutela de evidência, uma vez que o periculum in mora não é oriundo da intenção do agente dilapidar seu patrimônio e, sim, da gravidade dos fatos e do montante do prejuízo causado ao erário, o que atinge toda a coletividade'" (STJ, REsp 1.319.515/ES, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ acórdão Min. Mauro Campbell Marques, DJe 21.9.2012).” Nesse contexto, deve ser decretada indisponibilidade dos bens do requerido até o limite necessário à reparação do dano, somados os valores do dano material e do dano coletivo. Finalmente, é importante ressaltar que a indisponibilidade dos bens do réu não retira dele o direito de usufruí-los, apenas proíbe a alienação/transferência desses bens. II.8 Suspensão de financiamentos e incentivos fiscais e de acesso a linhas de crédito De acordo com o art. 72, § 8º, IV, da Lei 9.605/98, a perda ou suspensão da participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de créditos, correspondem a umas das sanções restritivas de direito aplicadas a infrações ambientais. Outro dispositivo que prever a perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais é o art. 14, II e III, da Lei nº 6.938/81. Cabe destacar que a referida medida corresponde à sanção imposta a quem não cumprir as medidas necessárias à preservação ou não corrigir os danos ambientais causados pela degradação ambiental. Fato que pressupõe condenação do requerido. No caso, a parte ré foi a responsável pela destruição de floresta nativa no bioma amazônico, logo, entendo preenchidos os requisitos legais para ser decretada a perda do direito de participação em linhas de financiamento oferecidas por estabelecimentos oficiais de crédito ao réu, relativa à área degradada objeto deste processo. II.9 Da suspensão cautelar do cadastro ambiental rural (CAR) O Cadastro Ambiental Rural – CAR é um “registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento” (Art. 29 da lei n° 12.651/2012). Dessa forma, como consequência jurídica necessária da condenação em obrigações específicas, impõe-se que o CAR da propriedade onde verificado o dano ambiental seja bloqueado/suspenso, a fim de evitar regularização fraudulenta do imóvel para a prática de novos atos contra o meio ambiente. III – DISPOSITIVO Diante do exposto, confirmando a medida liminar, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para condenar ROBERTO APARECIDO DIAS nos seguintes termos: i) Obrigação específica de não-fazer consistente em abster-se de realizar o desmatamento, extração ou comércio de produtos florestais, sob pena de multa no valor de R$ 5.000,00 em cada evento de descumprimento verificado, sem prejuízo da apreensão dos equipamentos utilizados; ii) Obrigação específica de fazer, consistente na recomposição e restauração florestal (art. 2º, XIV, Lei nº 9.985/00) da área desmatada indicada na petição inicial (art. 2º, XIV, Lei nº 9.985/00), sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais); iii) Referida obrigação será cumprida mediante a tomada das seguintes medidas: a) a elaboração e a apresentação de PRAD – Projeto de Recuperação de Área Degradada ao órgão ambiental competente, realizado por profissional habilitado, no prazo de 90 (noventa) dias, contado da intimação da presente sentença; b) o projeto deve conter cronograma, com etapas definidas – não superiores a 1 (um) ano – para a recuperação ambiental, a fim de que o órgão ambiental competente e/ou MPF verifique(m) o efetivo cumprimento do projeto, nos termos da sentença, cujo atraso injustificado sofrerá pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais), em caso de descumprimento das obrigações acima enumeradas pelo requerido; c) o órgão ambiental competente terá o prazo de 60 (sessenta) dias para aprovar o referido PRAD, desde que de acordo com as normas ambientais, sob pena de crime de desobediência; e d) a parte requerida deve comunicar, por escrito, ao MPF, em Itaituba/PA, a submissão do projeto de recuperação da área desmatada ao órgão ambiental competente, para fiscalização, a fim deste controlar os prazos e aplicação da multa diária ora estipulada; iv) Na hipótese em que a parte requerida já não mais seja proprietária ou posseira da área desmatada, condeno-a ao cumprimento de obrigação de fazer com resultado prático equivalente, consistente na recomposição ou restauração florestal (art. 2º, XIV, Lei nº 9.985/00) da área desmatada equivalente à descrita na inicial, em local a ser indicado pelo órgão ambiental competente e/ou MPF, devendo ser cumprido nos mesmos prazos e forma indicadas no item ii), sendo admissível a recuperação ambiental (art. 2º, XIII, Lei nº 9.985/00) alternativa dessa mesma área, caso a restauração seja impossível; v) Ao pagamento de indenização por danos materiais pelo ilícito ambiental, degradação da floresta/extração ilegal de madeira, no importe de R$ 1.221.687,66, valor limitado ao pedido na inicial, a serem atualizados (correção monetária e juros) com a aplicação dos índices do Manual de Cálculos da Justiça Federal, desde o evento danoso (Art. 398, do Código Civil e Súmulas n. 43 e n. 54 do STJ), mediante depósito em favor do fundo de que trata o art. 13 da Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública). Considero como a data do evento danoso (infração ambiental), para fins de atualização da indenização objeto da presente condenação, a data do primeiro Auto de Infração, nos casos de fiscalização no local, o que, nestes autos, é 12/11/2019. vi) Ao pagamento de danos morais coletivos, correspondente a 5% (cinco por cento) da condenação por danos materiais, com correção monetária e juros, segundo os índices do Manual de Cálculos da Justiça Federal. A correção monetária deve incidir desde a data da assinatura desta sentença (Súmula n. 362 do STJ) e os juros devem ser aplicados desde o evento danoso (Art. 398, do Código Civil e Súmulas n. 43 e n. 54 do STJ), mediante depósito em favor do fundo de que trata o art. 13 da Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública); vii) A perda ou suspensão da participação em linhas de financiamento oferecidas aos estabelecimentos oficiais de crédito e a perda ou restrição de acesso a incentivos e benefícios fiscais oferecidos pelo Poder Público, comunicando-se a decisão a todas as autoridades com competência nestas áreas, para tanto expeça-se ofício ao BACEN; viii) A indisponibilidade de bens móveis e imóveis do requerido, em montante suficiente para garantir a recuperação inicial do dano ambiental (113ha), fixado inicialmente em R$ 1.221.687,66. Para efetivar a medida determino: a) a inclusão de indisponibilidade de bens do réu por meio do sistema Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – CNIB, nos termos do Provimento n. 39/2014-CNJ, autorizado pelo art. 837 do CPC; b) a realização de pesquisas de bens em nome do requerido no sistema INFOJUD; c) a restrição de alienação dos bens móveis por meio do sistema RENAJUD; e d) a indisponibilidade de valores depositados em conta corrente e poupança por meio do sistema SISBAJUD. Como efeito automático desta sentença, determino a averbação de tais determinações no CAR da área (coordenadas geográficas 6'55'48" S 55'13*31" W”), devendo constar: 1. número deste processo; 2. valor dos danos ambientais devidos pela área; 3. que a área está sob restrição de incentivos e benefícios fiscais pelo Poder Público; 4. que a área está suspensa de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito; e 5. que essas medidas perduram até a comprovação do pagamento integral, recuperação do dano ambiental e integral regulamentação ambiental da área. Uma via desta decisão valerá como ofício ao órgão responsável pelo cumprimento da averbação da restrição do CAR. Como forma de garantir o cumprimento da tutela específica ou alternativa, assim como forma educacional de promoção aos deveres fundamentais ao meio ambiente, concedo TUTELA ANTECIPADA DE OFÍCIO, com fundamento no art. 139, IV c/c art. 300 e art. 536, do CPC e art. 11, da Lei nº 7347/85, para DETERMINAR a imediata proibição de plantação, comércio de produtos agrícolas, madeiras ou pastoris, inclusive bovinos, na respectiva área, bem como a aplicação de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais) ao dia, em caso de descumprimento do prazo de apresentação do PRAD ou atraso no cumprimento em cada etapa do projeto ambiental aprovado. Uma via desta decisão valerá como ofício à SEMA, à ADEPARÁ e ao IBAMA para o fim de dar cumprimento à tutela antecipada. Também servirá como ofício a sentença a fim de que se destine ao órgão de controle agropecuário do Estado, para que seja suspensa a eventual emissão de Guias de Trânsito Animal (GTA) para a área em questão. Condeno o requerido em custas processuais, nos termos do art. 82 do Código de Processo Civil. Deixo de condená-lo em honorários advocatícios, na forma do art. 18, Lei nº 7.347/1985 (STJ RESP 201202166746/RESP 201101142055). Tendo em vista o disposto no artigo 1.010, § 3º, do Código de Processo Civil, em havendo interposição de recurso, intime-se a parte adversa para ciência da sentença, se ainda não o fez, bem como para apresentar contrarrazões, caso queira, no prazo legal. Decorrido o referido prazo, com ou sem manifestação, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, independentemente de novo despacho. Com o trânsito em julgado, arquivem-se os autos. Intimem-se. Cumpra-se. Brasília – DF, data da assinatura digital. FELIPE HANDRO Juiz Federal Substituto em auxílio à Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Itaituba-PA
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