Processo nº 1002411-09.2022.8.11.0046
ID: 324794846
Tribunal: TJMT
Órgão: Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1002411-09.2022.8.11.0046
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
VANESSA ROSIN FIGUEIREDO
OAB/MT XXXXXX
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GISELLE FERREIRA VIEIRA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO NÚMERO ÚNICO: 1002411-09.2022.8.11.0046 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) ASSUNTO: [OBRIGAÇÃO DE FAZER / NÃO FAZER, FLO…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO NÚMERO ÚNICO: 1002411-09.2022.8.11.0046 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) ASSUNTO: [OBRIGAÇÃO DE FAZER / NÃO FAZER, FLORA] RELATOR: EXMA SRA. DESA. MARIA EROTIDES KNEIP TURMA JULGADORA: [EXMA. SRA. DESA. MARIA EROTIDES KNEIP, EXMA. SRA. DESA. HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, EXMO. SR. DES. RODRIGO ROBERTO CURVO] PARTE(S): [MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO (APELANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELANTE), VALDOIR SLAPAK - CPF: 667.889.431-68 (APELADO), GISELLE FERREIRA VIEIRA - CPF: 702.746.901-44 (ADVOGADO), VANESSA ROSIN FIGUEIREDO - CPF: 830.452.011-72 (ADVOGADO), NOVA GUAPORE AGRICOLA LTDA - CNPJ: 30.315.206/0001-71 (APELADO), ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0001-44 (TERCEIRO INTERESSADO), ADVOGACIA GERAL DA UNIÃO - PROCURADORIA FEDERAL (TERCEIRO INTERESSADO), ADVOCACIA GERAL DA UNIAO - CNPJ: 26.994.558/0016-00 (TERCEIRO INTERESSADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). MARIA EROTIDES KNEIP, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU O RECURSO NOS TERMOS DO VOTO DA RELATORA. E M E N T A RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DANO AMBIENTAL – PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA – REJEITADA – MÉRITO – DANOS CAUSADOS POR INVASORES – NÃO COMPROVAÇÃO – INCIDÊNCIA DA SÚMULA 623 DO STJ – FOCOS DE INCÊNDIO E QUEIMADAS EM EXTENSA ÁREA – CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS – POSSIBILIDADE – SÚMULA 629 DO STJ - DANO MORAL COLETIVO – DANO OCORRIDO EM EXTENSA ÁREA E QUE ATINGE E ESFERA DA COLETIVIDADE - CONFIGURAÇÃO – RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME Recursos de apelação interposto pelo Ministério Público contra sentença que julgou improcedente Ação Civil Pública ambiental. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Preliminar de cerceamento de defesa por julgamento antecipado da lide. Mérito: Há duas questões em discussão: A) Possibilidade de cumulação de indenização por danos material e morais coletivos decorrentes de dano ambiental; B) Responsabilidade civil por danos ambientais provocados por terceiros, no caso, invasores de imóvel rural. III. RAZÕES DE DECIDIR Preliminar de cerceamento de defesa. O Magistrado julga de acordo com o princípio do livre convencimento motivado, conforme preceitua o art. 371 do atual CPC, não havendo, portanto, que se falar em cerceamento de defesa por julgamento antecipado da lide ou indeferimento de provas pleiteadas por uma das partes, seja documental ou testemunhal, se as provas coligidas nos autos já são o suficiente para formar a sua convicção. Preliminar rejeitada. Mérito: Alegação de imóvel estar sob domínio de terceiros. O fato de ter ocorrido a alienação de parte do imóvel após o dano ambiental, não exime o dono anterior da responsabilidade ambiental. Cumulação de pedido de obrigação de fazer e indenização por dano material proveniente de danos ambientais. Possibilidade, ante ao princípio da reparação integral e Súmula 629 do STJ. Dano moral coletivo. Para que o dano moral coletivo seja devido, necessário que o ato praticado (evento danoso) atinja também a esfera coletiva. O dano moral transindividual conhecido como “dano moral coletivo”, caracteriza-se pela prática de conduta antijurídica que, de forma absolutamente injusta e intolerável, viola valores éticos essenciais da sociedade, implicando, em razão disso, um dever de reparação. Não há como negar que o dano transcendeu para a esfera da coletividade devido à extensão do desmatamento ilegal, devendo, portanto, ser reconhecido o dano moral coletivo. IV. DISPOSITIVO E TESE Provimento ao Recurso de Apelação interposto pelo Ministério Público e reformar a sentença para: a) condenar os Requeridos, de forma solidária e cumulativamente, na obrigação de fazer e não fazer pleiteadas na exordial; b) condenar os Requeridos, também de forma solidária, ao pagamento de dano moral coletivo, no importe de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais). Tese de julgamento: 1. O fato de ter ocorrido a alienação de parte do imóvel após o dano ambiental, não exime o dono anterior da responsabilidade ambiental, uma vez que a obrigação é natureza propter rem (Súmula 623 do STJ). 2. Possível é a cumulação de pedido de obrigação de fazer e indenização por dano material, em observância ao princípio da reparação integral e incidência da Súmula 629 do STJ. 3. Não há como negar que o dano transcendeu para a esfera da coletividade devido à extensão do desmatamento ilegal, devendo, portanto, ser reconhecido o dano moral coletivo. Dispositivos relevantes citados: arts. 370 e 371, do CPC; art. 225, “caput”, da CF; Súmulas 623 e 629, ambas do STJ. Jurisprudência relevante citada: (STJ - AgInt no AgInt no AREsp n. 1.844.364/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 8/4/2024, DJe de 11/4/2024; STJ - AgInt no AREsp n. 2.156.765/MG, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 29/4/2024, DJe de 3/5/2024; TJ/MT - N.U 1006761-63.2022.8.11.0006, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 12/03/2025, Publicado no DJE 24/03/2025) R E L A T O R I O EXMA. SRA. DESA. MARIA EROTIDES KNEIP (RELATORA): Egrégia Câmara: Trata-se de Recurso de Apelação Cível interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL contra sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de Comodoro, que nos autos da Ação Civil Pública nº 1002411-09.2022.811.0046, julgou improcedente os pedidos, cujo objeto era dano moral coletivo e danos materiais decorrente de degradação ao meio ambiente. Em suas razões recursais (Id’s. 262614285) suscita, em sede de preliminar, nulidade da sentença, ante ao julgamento antecipado da lide. Afirma que a deveria ter sido intimado previamente para manifestar acerca dos documentos juntados pela empresa Nova Guaporé Agrícola Ltda para, somente após, haver a prolação da sentença. No mérito, argumenta ocorrência de nexo causal, uma vez que a obrigação ambiental é propter rem, ou seja, está ligada à coisa e não à quem causou o dano, nos termos da Súmula 623 do STJ. Sustenta ainda que em se tratando de dano ambiental, é responsabilidade civil é objetiva e incide a teoria do risco integral, ou seja, não admite excludente do nexo causal. Argumenta ocorrência de dano moral coletivo in re ipsa, que ultrapassou a esfera do indivíduo e atingiu a coletividade. Alega também ocorrência de danos materiais irreversíveis causados ao meio ambiente, sendo possível a cumulação dos pedidos, nos termos da Súmula 629 do STJ. Logo, deve o Apelado reparar integralmente os danos causados, ainda que haja recuperação natural da área. Alega que os danos materiais referem-se à compensação em pecúnia pelos danos ambientais não passíveis de recuperação. Contrarrazões apresentadas no Id. 262614289. Instada a se manifestar, a d. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo acolhimento da preliminar de nulidade da sentença e, caso seja superada, pelo provimento do apelo, conforme parecer anexado no Id. 263083757. É o relatório. V O T O (PRELIMINAR- NULIDADE DA SENTENÇA POR JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE) EXMA. SRA. DESA. MARIA EROTIDES KNEIP (RELATORA): Egrégia Câmara: Suscita o Apelante, em sede de preliminar, nulidade da sentença, ante ao julgamento antecipado da lide, haja vista que deveria ter sido intimado previamente para manifestar acerca dos documentos juntados pela empresa Nova Guaporé Ltda para, somente após, haver a prolação da sentença. Com relação à alegação de cerceamento de defesa por julgamento antecipado, faço a seguinte ponderação. Em que pese os argumentos expostos pelo Apelante, a preliminar de cerceamento de defesa e nulidade do julgamento deve ser afastada de plano, posto que o juiz é o destinatário das provas, cabendo à ele deferir as provas necessárias e indeferir as desnecessárias ou inúteis para o deslinde do processo, nos termos do art. 370 do CPC. Nesse norte, o Magistrado julga de acordo com o princípio do livre convencimento motivado, conforme preceitua o art. 371 do CPC, não havendo, portanto, que se falar em cerceamento de defesa por julgamento antecipado da lide ou indeferimento de provas pleiteadas por uma das partes, seja documental ou testemunhal, se as provas coligidas nos autos já são o suficiente para formar a sua convicção. Acerca da matéria, pacífica é a jurisprudência in verbis: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CONSTATADO. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL. DESNECESSIDADE. SÚMULA 7/STJ. CONTRATO DE TRANSPORTE DE CARGAS CUMULADO COM DEPÓSITO. ROUBO DAS MERCADORIAS NO DEPÓSITO DA TRANSPORTADORA. NECESSIDADE DE ADOÇÃO DAS CAUTELAS MÍNIMAS NECESSÁRIAS. ÔNUS DO QUAL NÃO SE DESINCUMBIU A CONTRATADA. ASSUNÇÃO EXPRESSA DE RESPONSABILIDADE PELOS PREJUÍZOS ADVINDOS DO EVENTO CRIMINOSO. ART. 393 DO CC/2002. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 5 E 7 DO STJ. AGRAVO DESPROVIDO. (...) 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é iterativa no sentido de não configurar cerceamento de defesa o julgamento antecipado da causa sem a produção da prova solicitada pela parte, quando devidamente demonstrado pelas instâncias de origem que o feito se encontrava suficientemente instruído, dispensando, na hipótese, a produção da prova testemunhal requerida, em observância aos princípios da livre admissibilidade da prova e da persuasão racional, nos termos do art. 370 do CPC/2015 (correspondente ao art. 130 do CPC/1973). Suplantar a cognição delineada no acórdão recorrido incorreria no óbice disposto na Súmula 7 do STJ. (...) (STJ - AgInt no AgInt no AREsp n. 1.844.364/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 8/4/2024, DJe de 11/4/2024.) (NEGRITEI) Ademais, em se tratando de questão unicamente de direito ou sendo de fato e de direito e, não havendo a necessidade de produção de outras provas, além daquelas já constantes nos autos, possível é o julgamento antecipado, conforme preconiza o art. 355, I, do CPC. Os documentos apresentados pela empresa Guaporé Ltda na contestação (Id’s 262614271, 262614274, 262614276, 262614277, 262614278 e 262614279), são exatamente os mesmos apresentados pelo Requerido, ora Apelado, Valdoir Slapak nos Id’s. 262613799, 262614253, 262614254, 262614255, 262614256 e 262614257, os quais o Apelante já teve pleno acesso, seja pelo fato de ter sido realizada audiência de conciliação posterior à sua juntada (Termo de Audiência de Conciliação por Videoconferência – Id. 262614262), seja pela manifestação do Apelante sobre os mesmos no Id. 262614264. Portanto, não se tratam de documentos novos, mas sim reprodução de documentos já existentes os quais o Apelante teve pleno acesso e oportunidade de manifestar. Logo, não se há que se falar em cerceamento de defesa, ante à ausência de prejuízo. Diante do acima exposto, REJEITO a preliminar. É como voto. V O T O (MÉRITO): EXMA. SRA. DESA. MARIA EROTIDES KNEIP (RELATORA): Egrégia Câmara: A questão central a ser decidida é saber se o Apelado deve ser responsabilizado por danos materiais e moral coletivo, em razão de degradação ambiental. Os pedidos principais contidos na exordial estão assim redigidos, in verbis: Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO, requer: 1) que a presente ação seja recebida, autuada e processada, observando-se as regras vertidas no microssistema de proteção coletiva (inaugurado pela conjugação dos arts. 2°, parágrafo único, e 21 da Lei Federal n° 7.347/85 e art. 90 da Lei Federal n° 8.078/90); 2) a citação do réu para, querendo, contestar a presente ação, no prazo legal, sob os efeitos da revelia e suas consequências jurídicas, na forma do art. 73, § 1°, I, do CPC/2015; 3) a publicação do edital de que trata o art. 94 do Código de Defesa do Consumidor; 4) que seja ordenada a averbação à margem da matrícula imobiliária da existência da presente ação visando a reparação integral dos danos ambientais identificados, nos termos do art. 13, I, da Lei de Registros Públicos; 5) seja a presente demanda julgada procedente com a condenação do réu: 5.1) nas obrigações de fazer consistentes em: 5.1.1) proteger áreas sensíveis ao fogo com implantação de métodos para contenção de queimadas, como preparo de aceiros nos limites do imóvel rural e nas áreas de vegetação nativa, inclusive aceiros verdes, evitando a ocorrência de incêndios em áreas de reserva legal, nas porções que circundam área de preservação permanente e em formações florestais com vegetação nativa, a fim de impedir que essas regiões possam vir a ser novamente atingidas pelo fogo descontrolado; 5.1.2) estabelecer permanente previsão, zoneamento e avaliação de risco de incêndio que considere a situação do combustível e dos fatores climáticos para adotar técnicas de manejo alternativas para reduzir e/ou eliminar o uso do fogo; 5.1.3) planejar e gerenciar os futuros e eventuais incêndios; 5.2) nas obrigações de não fazer consistentes em: 5.2.1) não provocar e de não causar incêndios dentro da propriedade rural durante o período proibitivo; 5.2.2) não utilizar o fogo no imóvel rural sem que tenha previamente obtido autorização da Secretaria de Estado de Meio Ambiente; 5.3) na obrigação de pagar quantia certa em razão do dano ambiental causado e pelo dano extrapatrimonial coletivo provocado, a ser fixada por arbitramento e revertida ao Fundo Estadual do Meio Ambiente; 6) a aplicação de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) em caso de descumprimento das obrigações de fazer dentro do prazo a ser fixado por este Respeitável Juízo, sem prejuízo da responsabilização criminal por crime de desobediência e, ainda, da incidência das medidas de apoio vertidas no art. 84, §5°, do CDC, revertendo-se o numerário ao Fundo Estadual do Meio Ambiente; 7) a inversão do ônus da prova, conforme exposto no item 2.4; Por fim, protesta provar o alegado por meio de todos os meios de prova em direito admitidos. Observada a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e encargos, nos termos do art. 18 da Lei nº 7.347/85 e art. 87 do Código de Defesa do Consumidor, dá-se causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), para efeitos legais. A sentença foi prolatada em 10/05/2024 e contém a seguinte parte dispositiva: Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a presente demanda, por consequência, julgo extinto o presente feito com resolução de mérito, com base no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. DESCABE CONDENAÇÃO ao pagamento de custas e honorários advocatícios de sucumbência – art. 18 da Lei n. 7.347/85. Sem custas. Não são devidos honorários advocatícios pelo Ministério Público, conforme tem decidido os Tribunais Superiores. Mesmo diante da improcedência da presente demanda deixo de submetê-la ao reexame necessário, nos termos do atual artigo 17, § 19, inciso IV, da Lei n.º 8.429/92. Acaso seja interposto recurso de Apelação, intime-se a parte apelada para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias (art. 1.010, § 1º, CPC). Se o apelado interpuser apelação adesiva, intime-se o apelante para apresentar contrarrazões (art. 1.010, § 2º, CPC). Na sequência, com ou sem contrarrazões, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. A pretensão recursal está assim deduzida: Diante de todo o exposto, o Ministério Público requer seja o presente recurso CONHECIDO e integralmente PROVIDO, para, preliminarmente, declarar a nulidade da sentença proferida e, no mérito, reformar a sentença prolatada nos autos, a fim de julgar totalmente procedentes os pedidos iniciais, condenando-se os apelados às obrigações de fazer e no fazer, bem como ao dever de indenizar os danos materiais intercorrentes e danos morais coletivos. A rigor da técnica processual, deveria o presente Recurso de Apelação não ser conhecido, ante à ofensa ao princípio da dialeticidade, uma vez que a alegação de obrigação ambiental ser propter rem não está associada à ausência de nexo de causalidade, mas sim à questão de ser parte legítima ou ilegítima. Quando se fala que a obrigação é propter rem, significa que a obrigação recair sobre a coisa, podendo ser responsável o atual ou antigo possuidor da coisa, ou seja, questionamento acerca de quem realizou o dano, o que não se confunde com ausência de nexo causal que é o liame existente o fato e o dano. Como se pode observar são coisas distintas. O juízo a quo sentenciou o feito sob o fundamento de ausência de nexo causal, ao passo que o apelo tem como fundamento o obrigação de natureza propter rem do dano ambiental. Logo, estando as razões recursais dissociadas dos fundamentos da sentença, não deveria ser conhecido o presente apelo. No entanto, para que não se alegue futura nulidade processual por ausência de fundamentação, bem como em observância ao princípio da primazia do julgamento de mérito, passo a análise meritória. O RELATÓRIO DE FOCOS DE INCÊNDIOS Nº 00131/2021, refere-se ao período de análise compreendido entre 30/06/2016 à 30/06/2021, onde constatou cerca de 1642 focos de fogo, conforme se pode observar no Id. 262613788, De outro norte, o imóvel foi transferido de propriedade em 02/04/2019, conforme Carta de Arrematação expedida no processo 1007304-59.2002.8.26.0100, pelo juízo da 3ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da Comarca de São Paulo, a qual se encontra anexada no Id. 262614276. Logo, no período em que foi realizado o Relatório Técnico acima mencionado, o imóvel pertencia aos Requeridos. O juízo a quo, no ato sentencial, deixa subentendido que a queimada e os focos de incêndios teriam sido provocados por posseiros ou invasores da área. No entanto, não há provas satisfatória e robusta nesse sentido. Ainda que os danos ambientais descritos na exordial tivessem sido praticados pelos invasores, filio-me ao posicionamento jurisprudencial de que o dano ambiental provocado por terceiros, seja por invasor ou não, não exclui ou não isenta a responsabilidade do proprietário do imóvel, haja vista que as obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor corrente e/ou dos anteriores, à escolha do credor, nos termos da Súmula 623 do STJ, bem como ser a responsabilidade solidária. Trago à colação os seguintes arestos deste Sodalício, in verbis: AGRAVO INTERNO – RECURSO DE AGRAVO DE INTRUMENTO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DEGRADAÇÃO AMBIENTAL – DECISÃO QUE DEFERIU, EM PARTE, O EFEITO SUSPENSIVO VINDICADO TÃO SOMENTE PARA AFASTAR AS ASTREINTES EM CASO DE DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO, CONSIGNANDO A EXISTÊNCIA DE OUTROS MEIOS COERCITIVOS - OBRIGAÇÃO PROPTER REM – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO – SÚMULA 618 DO STJ – ALEGADA IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE ELABORAÇÃO DO PRAD EM RAZÃO DE A ÁREA TER SIDO OBJETO DE INVASÃO – IRRELEVÂNCIA - DECISÃO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. 1. Conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o princípio da precaução pressupõe a inversão do ônus probatório, nos termos da Súmula 618 do STJ, competindo tanto ao proprietário quanto ao possuidor comprovar a inexistência de degradação ao meio ambiente, ante a natureza objetiva, solidária e ilimitada da responsabilidade civil por dano ambiental. 2. O simples fato de se tratar de área invadida não impede a elaboração do Plano de Recuperação de Área Degradada pelo Agravante. (TJ/MT - N.U 1015226-84.2019.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 11/05/2020, Publicado no DJE 19/05/2020) (NEGRITEI) RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – AMBIENTAL – DEGRADAÇÃO – DESMATAMENTO – CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA EM RECUPERAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA – DANO PROMOVIDO POR INVASORES – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO PROPRIETÁRIO DA ÁREA – PROPTER REM – DIREITO DE SEQUELA ECOLÓGICA – OMISSÃO QUANTO A PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO ECOLÓGICO – RECURSO DESPROVIDO. 1. “[...] Assim posta a questão, perde sentido insistir em pessoalizar o transgressor, considerando que pouco importa quem seja o real causador da degradação: o dever de reparar o dano, em obediência à responsabilidade objetiva e sob bitola do risco integral, adere ao imóvel. Irrelevante, destarte, o presente titular da posse ou domínio, que responde em regime de solidariedade com o causador original da lesão. O foco, então, sai da pessoa física ou jurídica e se inserta na genética do bem ambiental atingido. Na supressão ilegal de vegetação, o protagonismo jurídico passa do desmatador para a área desmatada. De acordo com a Súmula 623/STJ, "As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor corrente e/ou dos anteriores, à escolha do credor." São obrigações ambulantes: aderem ao título e ao imóvel — despiciendo vasculhar com microscópio quem seja o dominus corrente. Essa feição propter rem cria espécie de direito de sequela ecológica, atrelamento físico destinado não a robustecer garantias do crédito, mas a salvaguardar a base natural do meio ambiente ecologicamente equilibrado. [...]” (STJ – REsp 1905367/DF – Min. Herman Benjamin). 2. “[...] 2. O simples fato de se tratar de área invadida não impede a elaboração do Plano de Recuperação de Área Degradada pelo Agravante.” (TJMT - N.U 1015226-84.2019.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, HELENA MARIA BEZERRA RAMOS). 3. Recurso desprovido. (TJ/MT - N.U 0000316-33.2015.8.11.0025, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, MARIA EROTIDES KNEIP, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 12/07/2021, Publicado no DJE 21/07/2021) (NEGRITEI) No mesmo sentido é a jurisprudência do E. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, in verbis: EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO - APELAÇÃO - ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LOTEAMENTO IRREGULAR - MEIO AMBIENTE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA - RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO PELOS DANOS AMBIENTAIS E SUA RECUPERAÇÃO - OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO DEMONSTRADA - SENTENÇA CONFIRMADA. A responsabilidade pelos danos ambientais causados a Área de Preservação Permanente é solidária, descabendo reconhecer a legitimidade passiva apenas dos invasores da área onde foi assentado o loteamento irregular. É dever do Município fiscalizar os loteamentos, desde sua aprovação até a execução das obras, nos termos da Lei n. 6.766/79. Demonstrado nos autos que o Município réu omitiu-se e negligenciou no cumprimento de seu dever, permitindo, com isso, a criação e desenvolvimento de um loteamento irregular e de todos os danos ambientais dele advindos, cumpre a confirmação da sentença que julgou procedentes os pedidos da ação civil pública para que seja desocupada a APP, com a sua recuperação através PRAD. (TJ/MG - Apelação Cível 1.0313.11.002930-0/001, Relator(a): Des.(a) Armando Freire, 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 06/09/2016, publicação da súmula em 14/09/2016) (NEGRITEI) O conjunto probatório indica que parte da queimada e dos fogo de fogo ocorreram quando os Requeridos ainda eram possuidores da área e não há elementos a evidenciar que estes tomaram providências a evitar os focos de incêndios. Dentro desse contexto, tenho que persiste o nexo casual em relação aos danos ambientais narrados na exordial, diante da teoria do risco integral. Logo, não como excluir o nexo causal. Nesse sentido a jurisprudência do STJ, in verbis: AGRAVO INTERNO EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTE DE INCÊNDIO. CONTAMINAÇÃO ATMOSFÉRICA. FUMAÇA. UTILIZAÇÃO DA FÓRMULA "E SEGUINTES". SÚMULA 284/STF. JULGAMENTO ANTECIPADO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. DESÍDIA DA PARTE EM DISCRIMINAR AS PROVAS. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. TEORIA DO RISCO INTEGRAL. NEXO DE CAUSALIDADE. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. PREQUESTIONAMENTO NÃO CARACTERIZADO. SÚMULA 211/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. (...) 3. A responsabilidade civil decorrente de dano ambiental é objetiva e fundamenta-se na teoria do risco integral. Todavia, para a caracterização do dano moral, imperioso que seja demonstrado o nexo de causalidade entre a conduta tida por violadora dos direitos de personalidade e o suposto dano experimentado, o que não se verifica no caso sob análise, conforme registrado pela Corte de origem. 4. Alterar a conclusão do acórdão impugnado, no que se refere ao cerceamento de defesa e à falta de nexo de causalidade entre a conduta da agravada e a configuração do dano moral na espécie, exige o reexame de fatos e provas, o que é vedado em recurso especial pela Súmula 7 do STJ. (...) 7. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no AREsp n. 1.411.032/SP, relator Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 30/9/2019) No mesmo sentido é a jurisprudência deste Sodalício, in verbis: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DIREITO AMBIENTAL – PRELIMINAR – CERCEAMENTO DE DEFESA – REJEITADA - QUEIMADA DE 65HA DE ÁREA VERDE SEM LICENÇA AMBIENTAL– ALEGAÇÃO DE DANO CAUSADO POR TERCEIRO – NÃO COMPROVADO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA, SOLIDÁRIA E ILIMITADA – INDENIZAÇÃO POR DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE – POSSIBILIDADE – VALOR REDUZIDO – RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE. O Superior Tribunal de Justiça consagrou o entendimento de que a responsabilidade civil por dano ambiental é fundada na teoria do risco integral, que não admite excludentes de responsabilidade, pois apenas requer a ocorrência de resultado prejudicial ao ambiente advinda de ação ou omissão do responsável. A responsabilidade civil pela degradação do meio ambiente independe de qualquer consideração subjetiva, a respeito do causador do dano, pois é regra assente que os danos causados ao meio ambiente acarretam responsabilidade objetiva, ou seja, sem análise de culpa por parte do agente. O dano moral coletivo, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, integra o conceito de reparação do dano, por isto, é perfeitamente admitido, quando necessário para compensar os efeitos da degradação e do mal causado, sobretudo ao interesse de toda comunidade em um meio ambiente equilibrado. (TJ/MT - N.U 0001864-05.2010.8.11.0111, LUIZ CARLOS DA COSTA, SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO, Julgado em 04/11/2020, Publicado no DJE 10/11/2020) RECURSOS DE APELAÇÕES CÍVEIS C/C REEXAME NECESSÁRIO – AÇÃO DE NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO – QUEIMADA EM ÁREA RURAL – APLICAÇÃO DE MULTA AMBIENTAL APÓS LAVRATURA DE AUTO DE INFRAÇÃO E PROCESSO ADMINISTRATIVO – ANÁLISE CONJUNTO PROBATÓRIO (PROVA PERICIAL E DEMAIS PROVAS) – COMPROVAÇÃO DE NEXO CAUSAL – TESES APRESENTADAS PELOS AUTORES NÃO DEMONSTRADAS – RESPONSABILIDADE AMBIENTAL – TEORIA DO RISCO INTEGRAL E OBRIGAÇÃO PROPTER REM – APELO ESTATAL PROVIDO – APELO DA ADVOGADA DOS AUTORES – QUESTIONAMENTO ACERCA DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – APELO PREJUDICADO – REEXAME NECESSÁRIO – CERCEAMENTO DE DEFESA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO – NÃO OCORRÊNCIA - SENTENÇA RETIFICADA EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO. 1. Como forma de afastar o nexo causal do incêndio é que, por falta de poda da vegetação pela concessionária de energia elétrica do imóvel vizinho, o fogo foi provocado em razão de ocorrência de curto circuito em uma área de reserva legal composta por muitas rochas (maciço rochoso). 2. Tese não comprovada diante da análise do conjunto probatório (perícia judicial e demais provas coligidas nos autos). 3. Não excluído o nexo causal, a responsabilidade ambiental pela queimada ou incêndio é objetiva e solidária, a qual está fundamentada na teoria do risco integral. 4. Soma-se a isto o fato de que a responsabilidade dos Autores pelos danos ambientais causados no imóvel decorre e é inerente ao próprio bem, por ser uma obrigação propter rem. (...). (TJ/MT - N.U 0003441-61.2017.8.11.0082, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, MARIA EROTIDES KNEIP, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 20/06/2022, Publicado no DJE 22/06/2022) No que tange ao argumenta acerca da reforma da sentença para que seja fixado dano moral coletivo e dano material pelos danos ambientais, tenho que o pedido procede, pelos seguintes fundamentos. A proteção ambiental, com fundamento no art. 225 da Carta Magna, tem por objetivo a preservação e a recuperação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo imperativo que toda degradação seja reparada integralmente. Desta forma, as pretensões que buscam a condenação cumulativa das obrigações de fazer, de não fazer, e de pagar indenização não apresentam qualquer incompatibilidade ou configura bis in idem. Pelo contrário, a existência simultânea de tais obrigações tem como escopo atender os diversos aspectos da reparação do dano ambiental, garantindo a aplicação plena dos princípios da reparação integral e da responsabilidade ambiental. O Superior Tribunal de Justiça, por meio da Súmula 629, pacificou o seu entendimento acerca da possibilidade de cumulação das obrigações de fazer e de não fazer com a de indenizar. Assim está disposto o referido verbete sumular, in verbis: Súmula 629 STJ: Quanto ao dano ambiental, é admitida a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de indenizar. Recentemente, o STJ, reafirmou a referida súmula no seguinte julgado: AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 489 E 1.022 DO CPC NÃO CONFIGURADA. CUMULAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES DE INDENIZAR E DE REPARAR DANO AMBIENTAL. CABIMENTO. SÚMULA 629/STJ. REVISÃO DOS PARÂMETROS DE DEFINIÇÃO DO VALOR INDENIZÁVEL. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. PROVIMENTO NEGADO. 1. Inexiste a alegada violação aos arts. 489 e 1.022 do Código de Processo Civil, pois a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, segundo se depreende da análise do acórdão recorrido. O Tribunal de origem apreciou fundamentadamente a controvérsia, não padecendo o julgado de erro material, omissão, contradição ou obscuridade. Destaca-se que julgamento diverso do pretendido, como neste caso, não implica ofensa aos dispositivos de lei invocados. 2. O enunciado 629 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabelece que, "quanto ao dano ambiental, é admitida a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de indenizar". 3. Hipótese em que o acórdão recorrido, para a definição do valor da indenização cabível pelo dano ambiental, expressamente adota como parâmetros apuração técnica veiculada em inquérito civil e prova pericial produzida nos autos. Revisão que atrairia o óbice da Súmula 7/STJ. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgInt no AREsp n. 2.156.765/MG, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 29/4/2024, DJe de 3/5/2024.) O dano material restou sobejamente demonstrado pela fundamentação acima. Quanto ao dano moral coletivo e difuso, entendo ser possível, haja vista tratar-se de direito cuja natureza é metaindividual. Para que o dano moral coletivo seja devido, necessário que o ato praticado (evento danoso) atinja também a esfera coletiva. O dano moral transindividual conhecido como “dano moral coletivo”, caracteriza-se pela prática de conduta antijurídica que, de forma absolutamente injusta e intolerável, viola valores éticos essenciais da sociedade, implicando, em razão disso, um dever de reparação. Para a caracterização do dano moral coletivo, em razão de dano ao meio ambiente, requer a demonstração de que o fato transgressor, ultrapasse a esfera individual do agente, e os limites da tolerabilidade a ponto de produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na comunidade local. Nesse sentido, é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS DECORRENTES DE TRANSPORTE DE CARGAS COM EXCESSO DE PESO EM RODOVIAS FEDERAIS. RESPONSABILIDADE CONFIGURADA. INDEPENDÊNCIA DE INSTÂNCIAS. DEVER DE REPARAR OS DANOS. FIXAÇÃO DE ASTREINTES EM CASO DE REINCIDÊNCIA NA PRÁTICA. ACÓRDÃO EM CONFRONTO COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. (...) XXI - O dano moral coletivo, compreendido como o resultado de lesão à esfera extrapatrimonial de determinada comunidade, dá-se quando a conduta agride, de modo ilegal ou intolerável, os valores normativos fundamentais da sociedade em si considerada, a provocar repulsa e indignação na consciência coletiva (arts. 1º da Lei n. 7.347/1985; 6º, VI, do CDC e 944 do CC, bem como Enunciado n. 456 da V Jornada de Direito Civil). (...) XXIII - O dano moral extrapatrimonial atinge direitos de personalidade do grupo ou coletividade como realidade massificada, que a cada dia reclama mais soluções jurídicas para sua proteção. (...) (STJ - AgInt no AREsp n. 1.413.621/MG, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 6/5/2020, DJe de 11/5/2020.) A jurisprudência pátria consigna ainda que para efeitos de dano moral ambiental coletivo, é necessário que o fato transgressor seja de razoável significância e gravidade para a coletividade, o que restou demonstrado nos autos. No caso em apreço, a situação fática comprovada por meio do RELATÓRIO DE FOCOS DE INCÊNDIOS Nº 00131/2021 (Id. 262613788), o qual identificou cerca de 1642 focos de fogo no período de análise compreendido entre 30/06/2016 à 30/06/2021. Logo, não há como negar que o dano transcendeu para a esfera da coletividade, devendo, portanto, ser reconhecido o dano moral coletivo. Em situação bastante semelhante ao presente feito, trago à colação os recentes julgados emanados deste Sodalício, in verbis: DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DIREITO AMBIENTAL. AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. AUSÊNCIA DE NULIDADE. RESPONSABILIDADE CIVIL DO MUNICÍPIO. QUEIMADAS E DESCARTE IRREGULAR DE RESÍDUOS. OMISSÃO NA FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL. DANO MORAL COLETIVO CONFIGURADO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. PROVIMENTO NEGADO. I. Caso em exame 1. Trata-se de agravo interno interposto contra decisão monocrática que deu parcial provimento ao recurso de apelação para afastar a imposição de multa coercitiva, mantendo, contudo, a obrigação de fazer imposta ao ente municipal e o pagamento de indenização por dano moral coletivo. II. Questão em discussão 2. A controvérsia envolve as seguintes questões: (i) saber se a decisão monocrática proferida pela Relatora violou o princípio da colegialidade; (ii) verificar se há responsabilidade do Município de Cáceres pelos danos ambientais decorrentes das queimadas e descartes irregulares de resíduos em área de sua propriedade; (iii) analisar se a determinação judicial de cumprimento de normas ambientais configura ingerência indevida do Poder Judiciário no Executivo; (iv) definir se há configuração de dano moral coletivo sem prova de repercussão social concreta; e (v) avaliar se o valor da indenização por dano moral coletivo mostra-se excessivo. III. Razões de decidir 3. Preliminar de nulidade do julgamento monocrático rejeitada. O julgamento monocrático pelo relator está autorizado pelo art. 932, IV e V, do CPC/2015, e pela Súmula 568 do STJ, quando a decisão se fundamenta em jurisprudência consolidada, sendo assegurado o controle pelo órgão colegiado via agravo interno. 4. Responsabilidade ambiental do Município configurada. Os relatórios técnicos juntados aos autos comprovam a inércia da Administração em adotar providências mínimas para evitar queimadas e descartes irregulares de resíduos sólidos, violando a Lei Federal 12.305/2010 (Política Nacional de Resíduos Sólidos). 5. Não há afronta à separação dos poderes. A decisão judicial que impõe ao Município obrigações ambientais não usurpa atribuições do Executivo, pois se limita a determinar o cumprimento de deveres legais inerentes à administração pública ambientalmente responsável. 6. Dano moral coletivo ambiental configurado. Conforme jurisprudência do STJ, o dano ambiental coletivo prescinde da comprovação de danos individuais concretos, sendo aferível in re ipsa, diante da violação ao direito difuso ao meio ambiente equilibrado. 7. Valor da indenização proporcional. O montante de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) arbitrado não se revela desproporcional, considerando a gravidade da conduta omissiva, a necessidade de prevenção e a destinação dos valores ao Fundo Municipal da Defesa do Meio Ambiente (FUMDEMA). IV. Dispositivo e tese 8. Agravo interno desprovido. Tese de julgamento: "1. O julgamento monocrático com base em jurisprudência dominante não viola o princípio da colegialidade. 2. O ente municipal responde por dano moral coletivo ambiental quando omite-se na fiscalização e controle de queimadas e descartes irregulares de resíduos em sua área territorial. 3. A determinação judicial de adoção de medidas ambientais não configura ingerência indevida do Poder Judiciário, pois decorre do dever constitucional de preservação do meio ambiente. 4. O dano moral coletivo ambiental independe de prova de sofrimento individual ou repercussão social concreta, bastando a violação ao direito difuso ao meio ambiente equilibrado. 5. O valor da indenização por dano moral coletivo deve observar a proporcionalidade entre a gravidade da omissão estatal, o impacto ambiental e a função reparatória e preventiva da condenação." (TJ/MT - N.U 1006761-63.2022.8.11.0006, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 12/03/2025, Publicado no DJE 24/03/2025) DIREITO AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. QUEIMADAS IRREGULARES EM PROPRIEDADE RURAL. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE. REJEIÇÃO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA POR DANO AMBIENTAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS COLETIVOS. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÕES DE FAZER, NÃO FAZER E INDENIZAR. PROVIMENTO DO RECURSO. I. Caso em exame 1. Apelação interposta pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso contra sentença da 1ª Vara da Comarca de São José do Rio Claro-MT, que, em ação civil pública por dano ambiental, impôs ao réu, Sebastião José Ferreira, obrigações de fazer e de não fazer para prevenção de queimadas, mas negou o pedido de indenização por danos materiais e morais coletivos. O recurso busca a reforma da sentença para condenação do réu ao pagamento de indenizações em razão de queimadas não autorizadas na Fazenda Beira Rio II, em Nova Maringá-MT, entre 2016 e 2021. II. Questão em discussão 2. Há quatro questões em discussão: (i) a admissibilidade do recurso diante da alegada ausência de dialeticidade; (ii) a possibilidade de cumular obrigações de fazer e de não fazer com a obrigação de indenizar por danos material e moral coletivo; (iii) a configuração e quantificação da obrigação de indenizar o dano material ambiental; e (iv) a configuração e quantificação da indenização por dano moral coletivo ambiental. III. Razões de decidir 3. Quanto à preliminar de ausência de dialeticidade, o recurso preenche o requisito do art. 1.010, III, do CPC, uma vez que as razões recursais são suficientes para demonstrar o interesse do apelante na reforma da sentença, afastando a alegação de inadmissibilidade. A jurisprudência do STJ reconhece que a mera repetição de argumentos não configura falta de dialeticidade (STJ, EDcl no AgRg no AREsp 825.367/SC, Rel. Min. Humberto Martins). 4. A legislação e a jurisprudência permitem a cumulação das obrigações de reparar e indenizar por danos ambientais, pois visam finalidades distintas: a reparação integral do meio ambiente e a compensação pelos danos materiais e morais coletivos. A Súmula 629 do Superior Tribunal de Justiça admite a condenação cumulativa em obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar em casos de dano ambiental. 5. A responsabilidade civil por dano ambiental é objetiva e independente de culpa, baseada na teoria do risco integral (CF, art. 225, § 3º, e Lei 6.938/1981, art. 14, § 1º), cabendo ao poluidor a obrigação de reparar e/ou indenizar os danos causados ao meio ambiente. 6. A jurisprudência do Superior Tribunal Justiça exige nexo de causalidade para a configuração da responsabilidade ambiental, o qual foi demonstrado pela posse do réu na Fazenda Beira Rio II e pela ausência de autorização para queimadas, conforme Relatório de Focos de Incêndio e recibo de inscrição no CAR. 7. Comprovado o dano material ambiental, mas não sendo possível determinar de imediato o valor para fins de reparação, admite-se que sua quantificação seja realizada em fase de liquidação de sentença, por arbitramento, considerando: i) a dimensão e a natureza da área atingida pelos incêndios; ii) o marco inicial do dano; e iii) o marco final do dano, a depender da constatação da reparação da área degradada, seja por meio da restauração in natura, seja por compensação indenizatória do dano residual, caso a restauração não se revele viável. 8. O dano moral coletivo ambiental é configurado pela degradação do meio ambiente, sendo desnecessária a comprovação de sofrimento coletivo específico, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. O uso de fogo, sem a devida autorização do órgão ambiental competente, prática esta ocorrida de forma recorrente, configura grave violação ao patrimônio ambiental e aos direitos difusos da coletividade, resultando na responsabilização por dano moral coletivo ambiental. 9. A fixação do valor de indenização por dano moral coletivo deve observar os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, podendo utilizar o método bifásico do Superior Tribunal de Justiça para determinar um valor justo e equitativo. No caso, foi fixado o montante de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), considerando a gravidade e a extensão dos danos. IV. Dispositivo e tese 10. Recurso provido. Tese de julgamento: “1. O requisito da dialeticidade é atendido quando as razões recursais são suficientemente claras para justificar a reforma da sentença, não configurando ausência de dialeticidade a mera repetição de argumentos. 2. É permitida a cumulação das obrigações de fazer e de não fazer com a de indenizar, em casos de danos ambientais, para assegurar a reparação integral, conforme Súmula 629 do STJ. 3. A responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva, fundamentada no risco integral, e requer nexo causal entre a conduta do agente e o dano causado. 4. O dano moral coletivo ambiental decorre da violação a direitos difusos ao meio ambiente equilibrado, prescindindo de comprovação de sofrimento individual, sendo passível de indenização pelo prejuízo coletivo.” __________ Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 225, § 3º; Lei 6.938/1981, art. 14, § 1º; Lei 7.347/1985, art. 3º e art. 13; Lei 12.651/2012, art. 38; CPC, arts. 1.010, III, 491 e 509, I; CC, art. 944. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula 629; STJ, EDcl no AgRg no AREsp 825.367/SC; STJ, REsp 1.454.281/MG, Rel. Min. Herman Benjamin; STJ, REsp 1.596.081/PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva; STJ, REsp 1.269.494/MG, Relª. Minª. Eliana Calmon; STJ, REsp 1.057.274/RS, Relª. Minª. Eliana Calmon; STJ, REsp 1.845.200/SC, Rel. Min. Og Fernandes; TJMT, N.U. 0001864-05.2010.8.11.0111, Rel. Des. Luiz Carlos Da Costa, Segunda Câmara De Direito Público E Coletivo, j. 04.11.2020; TJMT, N.U. 0001651-53.2013.8.11.0059, Relª. Desª. Maria Aparecida Ferreira Fago, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, j. 28.05.2024; e TJMT, N.U. 0000647-16.2010.8.11.0049, Relª. Desª. Antônia Siqueira Gonçalves, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, j. 16.09.2020. (TJ/MT - N.U 1001369-95.2021.8.11.0033, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, RODRIGO ROBERTO CURVO, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 27/11/2024, Publicado no DJE 04/12/2024) Uma vez configurado o dano moral coletivo, resta estabelecer o quantum indenizatório. Como é cediço, não há critérios legais objetivos para a fixação dos danos morais, devendo o magistrado agir com parcimônia, observando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, analisando a extensão dos danos, a capacidade das partes, etc... de modo que a fixação do quantum seja pedagógico e tenha caráter inibidor ao agente infrator, sem, contudo, ensejar um enriquecimento ilícito da parte contrária. Analisando os critérios acima, entendo justa, razoável e proporcional, a fixação em R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), que deverá ser corrigido monetariamente a partir do trânsito em julgado da ação, bem como depositado no Fundo de Defesa dos Direitos Difusos e Coletivos. Diante do acima exposto, conheço do presente Recurso de Apelação e DOU-LHE PROVIMENTO para reformar a sentença e: A) condenar os Requeridos, de forma solidária e cumulativamente, na obrigação de fazer e não fazer, devendo ser adotadas as medidas 5.1 e 5.2 (e seus subitens) pleiteados na exordial; B) condenar os Requeridos, também de forma solidária, ao pagamento de dano moral coletivo, no importe de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), cuja correção deverá ser pela taxa SELIC, nos termos da EC nº 113/2021 e C) condenar os apelados, solidariamente, ao pagamento de indenização por danos materiais ambientais, em valor a ser apurado em sede de liquidação de sentença, por arbitramento, nos termos do artigo 509, inciso I, do Código de Processo Civil. É como voto. V O T O EXMA. SRA. DESA. HELENA MARIA BEZERRA RAMOS (1ª VOGAL): Acompanho o voto da Relatora V O T O EXMO. SR. DES. RODRIGO ROBERTO CURVO (2º VOGAL): Peço vista dos autos para melhor análise da matéria. SESSÃO DE 09 DE JULHO DE 2025 (CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO) V O T O (VISTA) EXMO. SR. DES. RODRIGO ROBERTO CURVO (2º VOGAL): Egrégia Câmara, Conforme relatado, cuida-se de recurso de apelação cível interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO contra a sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Comodoro/MT, nos autos da ação civil pública nº 1002411-09.2022.8.11.0046, ajuizada em face de VALDOIR SLAPAK e NOVA GUAPORÉ AGRÍCOLA LTDA., por meio da qual foram julgados improcedentes os pedidos formulados na exordial. Na origem, sustenta o órgão ministerial que, no período compreendido entre 30 de junho de 2016 e 30 de junho de 2021, ocorreram queimadas irregulares na propriedade rural denominada Fazenda Nova Guaporé, situada no município de Comodoro/MT, sem a devida autorização do órgão ambiental competente. Foram identificados, nesse intervalo, 1.642 focos de calor, cuja origem decorre de práticas lesivas ao meio ambiente, notadamente pela ausência de licenciamento ambiental, culminando em acentuada degradação ambiental e em flagrante violação aos direitos difusos da coletividade. Em sessão virtual de julgamento, a e. Desembargadora Maria Erotides Kneip, Relatora, proferiu voto pela rejeição da preliminar de cerceamento de defesa e, no mérito, pelo provimento do apelo, a fim de julgar procedentes os pedidos formulados pelo Ministério Público na inicial da ação civil pública. A Primeira Vogal, eminente Desembargadora Helena Maria Bezerra Ramos, acompanhou integralmente o voto da Relatora. Na oportunidade, solicitei vista dos autos para exame mais detido da controvérsia. 1. Da preliminar de cerceamento de defesa No que tange à alegação de cerceamento de defesa em razão do julgamento antecipado da lide, alinho-me ao entendimento esposado pela e. Relatora. O magistrado, enquanto destinatário final da prova, detém discricionariedade para deliberar acerca da necessidade ou não da produção de determinados meios probatórios, podendo indeferir aqueles que reputar impertinentes, inúteis ou meramente protelatórios, nos exatos termos do artigo 370 do Código de Processo Civil. A jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que não há que se falar em cerceamento de defesa quando o processo se encontra suficientemente instruído, sendo desnecessária a produção de prova adicional. Tal entendimento está em consonância com os princípios da livre admissibilidade da prova e da persuasão racional, que conferem ao julgador a liberdade para valorar as provas já constantes nos autos. Outrossim, os documentos apresentados pela empresa NOVA GUAPORÉ AGRÍCOLA LTDA., por ocasião da contestação, consistem em meras reproduções de peças já inseridas nos autos, mais especificamente aquelas anteriormente colacionadas por VALDOIR SLAPAK, tendo o apelante pleno acesso a tais documentos e assegurada a oportunidade de manifestação. Tal circunstância, como bem salientado no voto da i. Relatora, afasta qualquer alegação de prejuízo processual, não se verificando nulidade a ensejar a invalidação do julgamento. 2. Do mérito No tocante ao mérito, a questão central reside na verificação da responsabilidade dos apelados pelos danos ambientais decorrentes de queimadas não autorizadas na propriedade rural. Da responsabilidade ambiental objetiva. A responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva, solidária e ilimitada, conforme estabelece o § 3º do artigo 225 da Constituição Federal e o artigo 14, § 1º, da Lei 6.938/1981, que rege a Política Nacional do Meio Ambiente. Este diploma legal dispõe expressamente que "é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade." A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é consolidada no sentido de que a responsabilidade civil ambiental é regida pelos princípios do poluidor-pagador, da reparação integral e da prioridade da reparação in natura, fundamentando-se na teoria do risco integral. Da natureza propter rem das obrigações ambientais. As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, estando vinculadas à propriedade, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor, nos termos da Súmula 623 do Superior Tribunal de Justiça. A circunstância de eventual ocorrência de danos ambientais por ação de terceiros invasores não exclui a responsabilidade do proprietário do imóvel, considerando que as obrigações ambientais aderem ao imóvel, independentemente de quem causou materialmente o dano. O conjunto probatório, especialmente o Relatório de Focos de Incêndios nº 00131/2021, demonstra inequivocamente a ocorrência de queimadas durante o período em que os requeridos detinham a posse da área, configurando o nexo causal necessário à responsabilização civil-ambiental, conforme bem anotado pela e. Relatora. Da cumulação de obrigações de fazer, não fazer e indenizar. Com fundamento no art. 225 da Constituição Federal e no art. 3º da Lei 7.347/1985, a interpretação sistemática da norma deve conferir à conjunção “ou” um sentido aditivo, não excludente, possibilitando que as obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar sejam impostas cumulativamente, desde que voltadas a finalidades distintas da reparação do dano ambiental, garantindo a aplicação plena dos princípios da reparação integral e da responsabilidade ambiental. O Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento no sentido da admissibilidade da cumulação das obrigações mencionadas, conforme dispõe a Súmula nº 629: “Quanto ao dano ambiental, é admitida a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de indenizar”. [g.n.] Em julgado recente, a Segunda Turma do STJ asseverou que “a reparação pecuniária não possui natureza subsidiária em relação à obrigação de fazer, mas são cumulativas, podendo o pagamento da indenização ser cobrado independentemente do cumprimento ou não na obrigação de fazer.” (STJ, AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.418.052/SP, Rel. Min. Teodoro Silva Santos, Segunda Turma, j. 19.02.2025). Este e. Tribunal de Justiça igualmente adota tal entendimento, consoante se verifica dos seguintes precedentes: (i) N.U. 1001038-69.2023.8.11.0025, Rel. Des. Rodrigo Roberto Curvo, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, j. 18.12.2024; (ii) N.U. 1009405-42.2023.8.11.0006, Rel. Desa. Maria Aparecida Ferreira Fago, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, j. 03.07.2025; (iii) N.U. 1000490-89.2023.8.11.0107, Rel. Des. Márcio Vidal, Terceira Câmara de Direito Público e Coletivo, j. 02.07.2025. Logo, a indenização não possui caráter subsidiário, tampouco está condicionada à inexecução da obrigação de fazer, tratando-se de prestações autônomas e compatíveis com o regime jurídico da responsabilidade ambiental, que exige a reparação integral do meio ambiente lesado, nos moldes do art. 225 da Constituição. Do dano material ambiental. O dano ambiental encontra-se claramente configurado, consubstanciado nos 1.642 focos de incêndio ocorridos entre 2016 e 2021 no imóvel rural, sem que houvesse autorização de queima controlada emitida pelo órgão ambiental competente. O nexo de causalidade resta configurado pela posse da propriedade exercida pelos apelados durante o período dos incêndios, conforme demonstrado nos autos. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça estabelece que para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se “quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa de fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem”. (STJ, REsp 650.728, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 23.10.2007). O Superior Tribunal de Justiça tem estabelecido a distinção de danos ambientais em três espécies temporais: (1) o dano em si, reparável preferencialmente pela restauração do ambiente ao estado anterior; (2) o dano residual (permanente, definitivo), que se protrai no tempo mesmo após os esforços de recuperação in natura; e (3) o dano intercorrente (transitório, temporário, intermediário), que ocorre entre a lesão em si e a reparação integral. No tocante a incidência do dano ambiental residual e intercorrente e a forma de reparação, o Ministro Og Fernandes, Relator do REsp 1.845.200/SC, com maestria, esclarece: “[...] se o dano residual pode vir a não incidir, pela reparação integral primária in natura, dificilmente se vislumbrará hipótese de não incidência do dano ambiental intercorrente. Em regra, ele existirá, pela própria lógica das coisas: i) havendo o dano ambiental, ele deve ser integralmente reparado; ii) a reparação, ainda que in natura e in loco, somente ocorrerá em certo momento futuro; iii) no ínterim, o dano já existiu e permanecerá existindo até a reparação integral; iv) como resultado, o dano transitório deverá ser reparado pelo período da degradação ambiental até o da futura e antevista reparação (in natura ou pecuniária). [...] É dizer: verificada a lesão ambiental, o dano intercorrente somente pode ser afastado se for temporalmente irrelevante, mediante justificativa expressa fundada na prova dos autos. A reparabilidade imediata (após as medidas de recuperação) e mesmo que completa da lesão não afasta o dano já experimentado no período entre a degradação e sua restauração”. (REsp 1.940.030/SP, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, j. 16.08.2022). [g.n.] Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça tem estabelecido claramente a possibilidade de cumulação de indenizações para danos intercorrentes e residuais, conforme os princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum. A Corte distingue os danos intercorrentes dos danos residuais, afirmando que ambos são passíveis de indenização, cada qual conforme sua natureza e período de ocorrência. Diante do reconhecimento da obrigação de indenizar pelo dano material ambiental, é imperioso que o valor da reparação seja fixado em fase de liquidação de sentença, por arbitramento, conforme disposto no artigo 509, inciso I, do Código de Processo Civil. Do dano moral coletivo. É firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, para a caracterização do dano moral coletivo ambiental, mostra-se desnecessária a demonstração de sofrimento anímico da coletividade, a exemplo do que ocorre com o indivíduo isoladamente considerado. Consoante a jurisprudência daquela Corte, o dano ao meio ambiente, por se tratar de bem de uso comum do povo, acarreta repercussão difusa e generalizada, impondo à coletividade a necessidade de sua reparação, com vistas à preservação do direito fundamental das presentes e futuras gerações ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (STJ, REsp 1.269.494/MG, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, j. 24.09.2013). No caso sob análise, restou demonstrado que a conduta imputada aos apelados reveste-se de elevada gravidade e transcendência social, evidenciando-se, de forma inequívoca, a ocorrência de dano moral coletivo de natureza ambiental. Tal dano encontra-se consubstanciado na prática reiterada de uso de fogo, desprovida da devida autorização do órgão ambiental competente, perpetrada entre 30 de junho de 2016 e 30 de junho de 2021, nas dependências do imóvel rural denominado Fazenda Nova Guaporé, situado no município de Comodoro/MT. Trata-se de conduta manifestamente lesiva ao patrimônio ambiental, porquanto configura não somente violação às normas de proteção ecológica, mas também afronta direta aos direitos difusos da coletividade à fruição de um meio ambiente hígido e equilibrado. O uso irregular de fogo, além de comprometer o equilíbrio ecológico da região, agrava a qualidade do ar, contribuindo para o aumento de enfermidades respiratórias e demais agravos à saúde pública, impactando, ainda, a segurança ambiental e os recursos naturais essenciais à dignidade das gerações atuais e vindouras, nos exatos termos do artigo 225 da Constituição Federal. Nesse contexto, a configuração do dano moral coletivo ambiental não decorre somente da degradação material causada, mas da violação ao direito fundamental da coletividade à preservação de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. A jurisprudência desta e. Corte, em consonância com os princípios da precaução e da prevenção, tem reiteradamente reconhecido a necessidade de responsabilização civil por danos morais coletivos em hipóteses análogas, conforme demonstram os seguintes precedentes: “O dano moral coletivo ambiental é configurado pela degradação do meio ambiente, sendo desnecessária a comprovação de sofrimento coletivo específico, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.” (TJMT, N.U. 1001369-95.2021.8.11.0033, Rel. Des. Rodrigo Roberto Curvo, j. 04.12.2024). “O dano moral coletivo, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, integra o conceito de reparação do dano, sendo perfeitamente admitido quando necessário para compensar os efeitos da degradação e do mal causado à coletividade.” (TJMT, N.U. 0001864-05.2010.8.11.0111, Rel. Des. Luiz Carlos da Costa, j. 04.11.2020). “O dano moral ambiental de interesse coletivo se configura pela degradação ambiental que afeta a esfera extrapatrimonial da comunidade como um todo, impondo-se reparação compatível.” (TJMT, N.U. 0001380-23.2015.8.11.0108, Rel. Dr. Yale Sabo Mendes, j. 06.10.2021). Ante a conduta dos apelados e os impactos significativos por ela ocasionados à coletividade, impõe-se a condenação ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, como medida de justiça e de reafirmação do compromisso constitucional com a proteção do meio ambiente. A fixação do quantum indenizatório deve observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, levando-se em conta, entre outros critérios, a gravidade da conduta ilícita, a extensão do dano causado, a capacidade econômica do agente causador e o efeito pedagógico da condenação. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial n.º 2.200.069/MT, sob relatoria da Ministra Regina Helena Costa, estabeleceu parâmetros objetivos a serem observados: “A gradação do montante reparatório (quantum debeatur) deve ser efetuada à vista das peculiaridades de cada caso e tendo por parâmetro a contribuição causal do infrator e sua respectiva situação socioeconômica; a extensão e a perenidade do dano; a gravidade da culpa e o proveito obtido com o ilícito.” (STJ, REsp 2.200.069/MT, Primeira Turma, j. 13.05.2025). No mesmo sentido, o artigo 14 da Resolução CNJ n.º 433/2021 reforça que, na definição do valor da condenação por dano ambiental, devem ser considerados os impactos decorrentes sobre as mudanças climáticas globais e os prejuízos difusos causados a comunidades vulnerabilizadas. A jurisprudência do STJ também tem adotado, com consistência, o método bifásico na quantificação do dano moral coletivo, o qual consiste na fixação inicial de um valor base, pautado no bem jurídico atingido e em precedentes similares, seguido da adequação desse valor às particularidades do caso concreto (REsp 1.152.541/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 13.09.2011). As respeitáveis Câmaras de Direito Público e Coletivo deste Egrégio Tribunal de Justiça vêm fixando indenizações por dano moral coletivo ambiental, em casos de uso de fogo sem autorização, em valores que variam entre R$ 20.000,00 e R$ 1.000.000,00, conforme precedentes a seguir mencionados: (i) 0001651-53.2013.8.11.0059, Rel. Desa. Maria Aparecida Ferreira Fago, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, j. 28.05.2024; (ii) 1001964-12.2020.8.11.0007, Rel. Dr. Antônio Veloso Peleja Junior, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, j. 13.12.2022); (iii) 0001134-40.2014.8.11.0018, Rel. Dr. Yale Sabo Mendes, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, j. 09.08.2021); (iv) 0006790-50.2015.8.11.0015, Rel. Dr. Agamenon Alcântara Moreno Junior, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, j. 26.04.2022; (v) 0002795-93.2010.8.11.0018, Rel. Desa. Maria Erotides Kneip, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, j. 21.08.2023; (vi) 0001380-23.2015.8.11.0108, Rel. Dr. Yale Sabo Mendes, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, j. 06.10.2021; (vii) 0001864-05.2010.8.11.0111, Rel. Des. Luiz Carlos da Costa, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, j. 04.11.2020; e (viii) 0000647-16.2010.8.11.0049, Rel. Desa. Antônia Siqueira Gonçalves, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, j. 16.09.2020. Considerando o número expressivo de focos de incêndio detectados no interior da Fazenda Nova Guaporé, no período compreendido entre 30 de junho de 2016 e 30 de junho de 2021, revela-se proporcional e razoável a fixação da indenização por dano moral coletivo no montante de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), valor que se coaduna com os parâmetros jurisprudenciais desta Corte para hipóteses semelhantes. Diante do exposto e em consonância com a fundamentação supra, acompanho integralmente o voto da e. Relatora para REJEITAR a preliminar de cerceamento de defesa e, no mérito, DAR PROVIMENTO ao recurso de apelação, reformando a sentença para: 1. CONDENAR os apelados, solidariamente, ao cumprimento das obrigações de fazer e não fazer delineadas na petição inicial, consistentes na adoção de medidas preventivas e de contenção contra queimadas, conforme descrito nos itens 5.1 e 5.2 da exordial; 2. CONDENAR os apelados, solidariamente, ao pagamento de indenização por danos materiais ambientais, em valor a ser apurado em sede de liquidação de sentença, por arbitramento, nos termos do artigo 509, inciso I, do Código de Processo Civil; e 3. CONDENAR os apelados, solidariamente, ao pagamento de indenização por dano moral coletivo ambiental, fixada no valor de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), nos exatos termos fundamentados no voto da e. Relatora. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 09/07/2025
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