Processo nº 1022049-63.2022.8.11.0002
ID: 336948280
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1022049-63.2022.8.11.0002
Data de Disponibilização:
29/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JORGE LUIZ MIRAGLIA JAUDY
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1022049-63.2022.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Tratamento médico-…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1022049-63.2022.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Tratamento médico-hospitalar] Relator: Des(a). DIRCEU DOS SANTOS Turma Julgadora: [DES(A). DIRCEU DOS SANTOS, DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA] Parte(s): [S. D. M. A. - CPF: 091.544.791-69 (APELADO), ELCI JACQUES ANDRADE - CPF: 626.906.981-53 (ADVOGADO), PAULINHO REIS DE SOUZA JUNIOR - CPF: 020.263.011-07 (ADVOGADO), UNIMED CUIABA COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO - CNPJ: 03.533.726/0001-88 (APELANTE), JORGE LUIZ MIRAGLIA JAUDY - CPF: 794.524.851-91 (ADVOGADO), JOAQUIM FELIPE SPADONI - CPF: 797.300.601-00 (ADVOGADO), JENYFFER SILVA DE MOURA ALMEIDA - CPF: 043.615.641-59 (REPRESENTANTE/NOTICIANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. E M E N T A APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA DE URGÊNCIA E REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS – RECUSA INJUSTIFICADA DE TRATAMENTO MÉDICO – TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) – INDICAÇÃO FEITA POR PROFISSIONAL ESPECIALISTA – APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – PROPÓSITO DE GARANTIR O ACESSO AOS SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE PACTUADOS – CUSTEIO DO TRATAMENTO SEM LIMITAÇÃO DE SESSÕES – RESOLUÇÃO ANS Nº 469/2021 – NOVAS DIRETRIZES PARA COBERTURA PARA O TRANSTORNO ESPECTRO AUTISTA (TEA) – DANO MORAL RECONHECIDO – VALOR QUE ATENDE AOS CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE – QUANTUM MANTIDO – COBRANÇA DE COPARTICIPAÇÃO – CLÁUSULA EXPRESSAMENTE CONVENCIONADA – COBRANÇA QUE NÃO DEVE ULTRAPASSAR 2 VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO – FATOR DE MODERAÇÃO – COBRANÇA POSTERIOR DO REMANESCENTE – VIABILIDADE DE PARCELAMENTO TEMPORAL DO EXCEDENTE, SOB CONDIÇÕES – SENTENÇA MODIFICADA NO PONTO – RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. “Não é abusiva cláusula contratual de plano privado de assistência à saúde que estabeleça a coparticipação do usuário nas despesas médico-hospitalares quando redigida de forma clara e expressa e em percentual razoável. Nos casos de tratamentos psicoterápicos contínuos e de longa duração, a contraprestação não poderá exceder o montante equivalente a 2 mensalidades do paciente. Desse modo, busca-se evitar que se comprometa a essência do próprio negócio jurídico, considerando a prevalência do direito à saúde e as peculiaridades da lide, por envolver tratamento continuado, cujo custo financeiro é alto.” (TJMT, RAC 1000147-03.2022.8.11.0019, Terceira Câmara de Direito Privado, Relator Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, julg. 26/04/2023) Incorre em ato ilícito a indevida recusa de cobertura do atendimento médico-hospitalar ou terapêutico. Há nexo de causalidade entre a conduta de recusar a cobertura e o resultado suportado pela parte beneficiária, quais sejam, transtornos, angústia, abalo psicológico de monta imensurável, mormente por se tratar da própria saúde. A indenização por dano moral deve ser fixada em montante que não onere em demasia o ofensor, mas, por outro lado, atenda à finalidade para a qual foi concedida, compensando o sofrimento da vítima e desencorajando a parte quanto a outros procedimentos de igual natureza. Somente é possível a revisão do montante da indenização a título de danos morais nas hipóteses em que o quantum fixado na origem for exorbitante ou irrisório, o que não ocorreu no caso em exame. Admite-se a viabilidade do fracionamento temporal da quantia excedente à limitação mensal dos valores relativos à coparticipação, desde que (i) mantido o limite máximo de cobrança de até duas mensalidades por fatura; (ii) vedada a incidência de juros, multa ou encargos moratórios, enquanto adimplidas as parcelas; e (iii) garantida ao consumidor a informação clara, prévia e discriminada sobre os valores cobrados e o critério de diluição. A interpretação acolhida concilia o direito do consumidor à previsibilidade e acessibilidade do tratamento médico com o dever de reequilíbrio financeiro do contrato, evitando-se enriquecimento sem causa e assegurando a boa-fé objetiva. R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação cível interposta por UNIMED CUIABÁ COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO visando modificar a sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível da comarca de Várzea Grande que, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer c/c Pedido de Antecipação de Tutela de urgência e Reparação por Danos Morais n. 1022049-63.2022.8.11.0002, movida por S. D. M. A., representado por JENYFFER SILVA DE MOURA ALMEIDA, julgou procedentes os pedidos iniciais, nesses termos: “DIANTE DISSO, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos desta Ação de Obrigação de Fazer para DETERMINAR que a ré FORNEÇA ou CUSTEIE integralmente o tratamento multidisciplinar prescrito ao autor, incluindo as terapias de psicoterapia infantil (ABA), fonoaudiologia, terapia ocupacional, musicoterapia, equoterapia e psicomotricidade, conforme a prescrição médica apresentada nos autos, ficando LIMITADA a cobrança de coparticipação ao máximo de 02 (duas) mensalidades. CONDENO a ré ao pagamento de danos morais em favor do autor, cujo montante fixo em R$ 10.000,00 (dez mil reais). Ainda, CONFIRMO a tutela de urgência concedida e mantida em sede de Agravo de Instrumento. Pelo princípio da sucumbência e por entender que o autor decaiu em parte mínima condeno a ré ao pagamento das custas processuais, bem como, verbas advocatícias, essas fixadas em 15% sobre o valor atualizado da condenação, nos termos do art. 85, § 2o, do NCPC.” Nas razões do recurso, a recorrente sustenta a legalidade da cláusula de coparticipação prevista contratualmente, defende que a limitação imposta pela sentença constitui intervenção indevida do Judiciário na autonomia da vontade das partes e compromete o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, estruturado sob o regime do mutualismo. Invoca, para tanto, a Lei nº 9.656/98, bem como precedentes do Superior Tribunal de Justiça que reconhecem a validade da cláusula de coparticipação quando pactuada expressamente e dentro de limites razoáveis. Defende, ainda, a inexistência de dever de indenizar, ao argumento de que a negativa de cobertura, à época, fundamentou-se em interpretação razoável de cláusula contratual, à luz do entendimento então prevalecente quanto à taxatividade do rol da ANS, invocando precedentes do STJ e a tese fixada no julgamento dos Embargos de Divergência no EREsp n. 1.889.704/SP. Em caráter subsidiário, requer que, caso mantida a limitação da coparticipação a duas mensalidades, seja admitida a cobrança do saldo excedente em meses subsequentes, até a integral quitação do montante, conforme sistemática aprovada pelo STJ no REsp 2.001.108/MT. As contrarrazões foram apresentadas, no Id. 291944383, pelo desprovimento do recurso. É o relatório. Peço dia para julgamento. Desembargador DIRCEU DOS SANTOS RELATOR V O T O R E L A T O R Colenda Câmara. A controvérsia instaurada decorre da negativa administrativa da operadora em custear tratamento multidisciplinar, recomendado para o autor, menor diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e retardo mental, consistente em terapias com método ABA, fonoaudiologia, psicologia, terapia ocupacional, equoterapia, musicoterapia e psicomotricidade. Alegou a ré, à época, a ausência de previsão expressa dos procedimentos no rol de cobertura obrigatória da ANS. A sentença recorrida determinou à ré o custeio integral do tratamento multidisciplinar prescrito, limitando a coparticipação contratual ao valor correspondente a duas mensalidades do plano, além de condená-la ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00. Desta decisão se insurge a parte operadora de saúde. Pois bem. Ressai dos autos que o autor foi diagnosticado com Transtorno de Espectro Autista e, de acordo com o Laudo médico acostado necessita de tratamento de reabilitação multidisciplinar com acompanhamento de equipe multiprofissional especializada, para obter atividades cognitivas essenciais ao seu desenvolvimento, e o palpável risco à saúde (prejuízo significativo no seu funcionamento social). Da análise dos documentos trazidos com a inicial (autos de origem), se comprova a existência da relação contratual entre as partes, cujas regras se sujeitam à disciplina do Código de Defesa do Consumidor (CDC), de modo que a interpretação a ser dada sobre as cláusulas contratuais, especialmente as de caráter restritivas, deve privilegiar a parte mais vulnerável (consumidor), como forma de se garantir o equilíbrio na relação contratual. Destaque-se, neste sentido, o Verbete Sumular n. 469 do STJ, segundo a qual “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de Plano de Saúde”. Os planos de saúde podem, por expressa disposição contratual, restringir as enfermidades a serem cobertas, mas não podem limitar os tratamentos a serem realizados, inclusive os equipamentos e medicamentos necessários à realização dos procedimentos, máxime se há indicação médica. No presente caso, restou demonstrada a necessidade de tratamento de reabilitação multidisciplinar, conforme o relatório médico acostado junto a inicial. Deste modo, a recusa de tratamento, na forma prescrita pelo médico, há que ser considerada abusiva, porquanto não se verifica a exclusão da enfermidade que acomete a autora no contrato e, portanto, não cabe a operadora de plano de saúde definir a quais tratamentos o paciente deve, ou não, ser submetido. Ademais, registra-se que a ANS em sua Resolução de n. 539/2022 ampliou as regras de cobertura assistencial para os usuários com transtornos globais do desenvolvimento, dentre eles os com transtorno do espectro autista. Assim, a partir de 01.07.2022, passou a ser obrigatório o custeio de qualquer método ou técnica indicado pelo médico assistente para o tratamento do paciente com CID F84. Dispõe a Resolução: Art. 6º (...) § 4º Para a cobertura dos procedimentos que envolvam o tratamento/manejo dos beneficiários portadores de transtornos globais do desenvolvimento, incluindo o transtorno do espectro autista, a operadora deverá oferecer atendimento por prestador apto a executar o método ou técnica indicados pelo médico assistente para tratar a doença ou agravo do paciente. Por conseguinte, deve ser mantida a sentença, na medida em que a saúde é um direito fundamental a ser tutelado, não sendo possível eximir a apelante do pagamento das despesas referentes ao tratamento indicado ao apelado. Destarte, a apelante cometeu ato ilícito, uma vez que negou indevidamente a cobertura de tratamento específico consistente na terapia ocupacional com integração sensorial, visando o controle da doença que acomete o apelado, motivo pelo qual deve ser mantida a condenação no dever de indenizar o sofrimento causado. Quanto ao dano moral, tenho que a sentença também não merece reparo, vez que se impõe o dever de indenizar em face aos requisitos ensejadores restar presentes. In casu, há nexo de causalidade entre a conduta da operadora do plano em recusar a cobertura e o resultado suportado pelo apelado, com transtorno, angústia, abalo psicológico de monta. Assim, não se trata de mero dissabor suportado pelo recorrido em face da negativa da Unimed em arcar com as despesas inerentes ao tratamento médico. Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, vejamos: “AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. TRATAMENTO PRESCRITO PELO MÉDICO. DOENÇA ABRANGIDA PELO CONTRATO. LIMITAÇÕES DOS TRATAMENTOS. CONDUTA ABUSIVA. INDEVIDA NEGATIVA DE COBERTURA. ACÓRDÃO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, a recusa indevida/injustificada, pela operadora de plano de saúde, em autorizar a cobertura financeira de tratamento médico a que esteja legal ou contratualmente obrigada, enseja reparação a título de dano moral, por agravar a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do beneficiário. 2. Razões recursais insuficientes para a revisão do julgado. 3. Agravo interno desprovido” (AgInt no REsp 1884640/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 16.11.2020) Quanto ao arbitramento do valor indenizatório, este deve atender aos critérios da razoabilidade e proporcionalidade, a extensão do dano causado, de modo a atender sua dupla finalidade, qual seja, amenizar a dor da vítima e punir a conduta ilícita do ofensor. Sobre o tema, ensina José Raffaelli Santini: “Na verdade, inexistindo critérios previstos por lei a indenização deve ser entregue ao livre arbítrio do julgador que, evidentemente, ao apreciar o caso concreto submetido a exame fará a entrega da prestação jurisdicional de forma livre e consciente, à luz das provas que forem produzidas. Verificará as condições das partes, o nível social, o grau de escolaridade, o prejuízo sofrido pela vítima, a intensidade da culpa e os demais fatores concorrentes para a fixação do dano, haja vista que costumeiramente a regra do direito pode se revestir de flexibilidade para dar a cada um o que é seu. [...] O que prepondera, tanto na doutrina, como na jurisprudência, é o entendimento de que a fixação do dano moral deve ficar ao prudente arbítrio do juiz.” (Dano moral: doutrina, jurisprudência e prática, Agá Júris, 2000, p.45) O princípio do livre convencimento confere ao magistrado a prudente prerrogativa de arbitrar o valor que entender justo, sempre de acordo com as peculiaridades do caso concreto, fazendo uma correspondência entre a ofensa e o valor da condenação, observando os princípios que norteiam o dano moral tais como: a posição social do ofendido, a capacidade econômica do causador e a extensão da dor sofrida, sob pena de propiciar o locupletamento ilícito a vítima, ao mesmo tempo, o valor deve ser significativo para não passar despercebido coibindo a conduta negligente do agente. Não é demais ressaltar, que o valor indenizatório devido no dano moral tem dupla função: compensatória em relação ao dano sofrido e penalizadora pela conduta negligente do agente causador. Considerando o grau de responsabilidade da apelante frente ao dano causado e o abalo moral sofrido pelo apelado, tenho que o d. Magistrado a quo usou de bom senso para a aferição do valor arbitrado, deve ser mantida a quantia de R$10.000,00, (dez mil reais) (Precedente: TJMT, NU. 1048090-52.2019.8.11.0041, 3ª Câmara De Direito Privado, Relator: Des(a). Carlos Alberto Alves Da Rocha, julgado em 10/03/2021). Quanto a coparticipação, o e. Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre o tema recursal – legalidade da cobrança de coparticipação – e em julgamento de recursos especiais repetitivos (TEMA 1.032), a Segunda Seção do STJ, fixou a tese de que, nos contratos de plano de saúde, não é abusiva a cláusula de coparticipação expressamente ajustada e informada ao consumidor, in verbis: “RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA - ARTIGO 1036 E SEGUINTES DO CPC/2015 - AÇÃO COMINATÓRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL - PROCEDÊNCIA DA DEMANDA, NA ORIGEM, ANTE A ENTÃO REPUTADA ABUSIVIDADE NA LIMITAÇÃO DE COBERTURA APÓS O TRIGÉSIMO DIA DE INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA - INSURGÊNCIA DA OPERADORA DO PLANO DE SAÚDE VOLTADA À DECLARAÇÃO DE LEGALIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL DE PLANO DE SAÚDE QUE ESTABELECE O PAGAMENTO PARCIAL PELO CONTRATANTE, A TÍTULO DE COPARTICIPAÇÃO, NA HIPÓTESE DE INTERNAÇÃO HOSPITALAR SUPERIOR A 30 DIAS DECORRENTE DE TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS. 1. Para fins dos arts. 1036 e seguintes do CPC/2015: 1.1. Nos contratos de plano de saúde não é abusiva a cláusula de coparticipação expressamente ajustada e informada ao consumidor, à razão máxima de 50% (cinquenta por cento) do valor das despesas, nos casos de internação superior a 30 (trinta) dias por ano, decorrente de transtornos psiquiátricos, preservada a manutenção do equilíbrio financeiro. 2. Caso concreto: 2.1. Inviável conhecer da tese de negativa de prestação jurisdicional, pois a simples menção de preceito legal, de modo genérico, sem explicitar a forma como ocorreu sua efetiva contrariedade pelo Tribunal de origem, manifesta deficiência na fundamentação do recurso especial a atrair a incidência da Súmula 284 do STF. 2.2. Inexistindo limitação de cobertura, mas apenas previsão de coparticipação decorrente de internação psiquiátrica por período superior a 30 dias anuais, deve ser afastada a abusividade da cláusula contratual com a consequente improcedência do pedido veiculado na inicial. 3. Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, provido. (STJ, REsp 1.755.866/SP, Rel.Min. Marco Buzzi, Segunda Seção, Julg. 09/12/2020) Todavia, o percentual cobrado sobre cada sessão das terapias realizadas pela parte autora não pode dificultar a continuidade do tratamento, pois restringe o acesso às terapias indicadas para o desenvolvimento social do menor. Desse modo, mostra-se desarrazoada a cobrança efetuada pela apelante, sendo que o alto valor por ela cobrado constitui fator restritivo severo ao acesso aos serviços de saúde junto à operadora de plano de saúde, o que impossibilita a continuidade do tratamento da criança. Ressalta-se que este Tribunal de Justiça, quando do julgamento do recurso de apelação nº 10000147-03.2022.8.11.0019, decidiu pela legalidade da cobrança de coparticipação nas terapias para os portadores de transtorno de espectro autista - TEA, porém, impondo um teto de cobrança pelas operadoras, ou seja, “um fator limitador que determina a cobrança da coparticipação fixada em duas vezes o valor do plano contratado”, a fim de não prejudicar o tratamento da parte consumidora, bem como manter o equilíbrio contratual entre as partes. Nesse sentido, transcrevo trecho do voto do Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, deste e. Tribunal de Justiça: “Nessa ótica, a coparticipação é devida, mas apesar de em regra não ser considerada abusiva, a importância cobrada não pode inviabilizar o tratamento. No caso em pauta, o percentual de 30%, por si, não configura abusividade, porque dentro do parâmetro jurisprudencial, todavia, se adicionado a cada sessão das terapias realizadas pelo autor para tratamento do autismo, é indubitável que inviabiliza completamente a continuidade do tratamento, constituindo, pois, fator restritivo de acesso ao serviço de saúde. Assim é que, à luz dessas peculiaridades, este e. Justiça, quando do julgamento do RAC n. 1033144-07.2021.8.11.0041, sob a técnica de julgamento ampliado (art. 942 do CPC), decidiu pela legalidade da cobrança da coparticipação nas sessões de terapias para os portadores de transtorno de espectro autista, mas impôs um teto de cobrança pelas operadoras, de modo a não inviabilizar o tratamento e por outro lado manter o equilíbrio atuarial. No voto condutor, a e. Desa. Serly Marcondes esclareceu o fator limitador que determinou a cobrança da coparticipação fixada em 02 (duas) vezes o valor do plano contratado, transcrevo: “(...) Ao considerarmos o máximo da cobrança da coparticipação em até 02 (duas) vezes o valor da mensalidade, estaremos, praticamente, equiparando ao valor da mensalidade cobrada pela operadora na modalidade convencional, que, via de regra, é o triplo da mensalidade da modalidade coparticipação. Noutras palavras, se o pagamento da mensalidade na modalidade convencional cobre todos os procedimentos ofertados pela operadora do plano de saúde, ao estabelecermos o teto da cobrança da coparticipação, enquanto durar o tratamento do paciente, em 02 (duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado, tenho que, estaremos, em observância aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, equilibrando a cobrança da coparticipação pelo plano de saúde e a clara desvantagem exagerada imposta ao paciente e por consequência evitando que o tratamento médico seja interrompido. Ainda, a enfatizar essa linha de pensamento, tenho que essa decisão garante maior previsibilidade, clareza e segurança jurídica aos litigantes, haja vista que, além do tratamento do requerente, ora apelado, não ser interrompido, a requerida, ora apelante, enquanto durar o tratamento prescrito, receberá o valor da coparticipação, como se o plano contratado fosse pela modalidade convencional, o que, evidentemente, não lhe causará maiores prejuízos.(...).” – negritei. Eis a ementa do julgado, verbis: “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM RECONHECIMENTO DE INAPLICABILIDADE DE COPARTICIPAÇÃO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PLANO DE SAÚDE – CRIANÇA DIAGNOSTICADA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA – TEA – COBRANÇA DE COPARTICIPAÇÃO – 30% (TRINTA POR CENTO) SOBRE AS DESPESAS DO TRATAMENTO PRESCRITO – ABUSIVIDADE E ILEGALIDADE – INOCORRÊNCIA - APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE PARA EQUILIBRAR A LEGALIDADE DA COBRANÇA DA COPARTICIPAÇÃO PELO PLANO DE SAÚDE E A DESVANTAGEM EXAGERADA AO PACIENTE, IMPOSSIBILITANDO A CONTINUAÇÃO DO SEU TRATAMENTO – COBRANÇA DA COPARTICIPAÇÃO QUE NÃO DEVE ULTRAPASSAR 02 (DUAS) VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) 3. Os valores da cobrança da coparticipação do tratamento não devem ultrapassar em 02 (duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado. 4. Ao considerarmos o máximo da cobrança da coparticipação em até 02 (duas) vezes o valor da mensalidade, estaremos, praticamente, equiparando ao valor da mensalidade cobrada pela operadora na modalidade convencional, que, via de regra, é o triplo da mensalidade da modalidade coparticipação. 5. Noutras palavras, se o pagamento da mensalidade na modalidade convencional cobre todos os procedimentos ofertados pela operadora do plano de saúde, ao estabelecermos o teto da cobrança da coparticipação, enquanto durar o tratamento do paciente, em 02 (duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado, tenho que, estaremos, em observância aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, equilibrando a cobrança da coparticipação pelo plano de saúde e a clara desvantagem exagerada imposta ao paciente e por consequência evitando que o tratamento médico seja interrompido. 6. Ainda, a enfatizar essa linha de pensamento, tenho que essa decisão garante maior previsibilidade, clareza e segurança jurídica aos litigantes, haja vista que, além do tratamento do requerente, ora apelante, não ser interrompido, a requerida, ora apelada, enquanto durar o tratamento prescrito, receberá o valor da coparticipação, como se o plano contratado fosse pela modalidade convencional, o que, evidentemente, não lhe causará maiores prejuízos. (RAC n. 1033144-07.2021.8.11.0041, 4ª Câmara. Dir. Privado, Rel. Desa Serly Marcondes, j. 14.12.22). Desse modo, ao fixar fator de moderação para a participação financeira, busca-se evitar que se comprometa a essência do próprio negócio jurídico, isto é, a manutenção da saúde do beneficiário, além de garantir seu acesso aos serviços contratados, ainda que seja de alto custo. Nesse sentido, colaciono precedente, in verbis: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – PLANO DE SAÚDE – PACIENTE MENOR DE IDADE – AUTISMO – PRESCRIÇÃO DE TERAPIA MULTIPROFISSIONAL – SUSPENSÃO DA COPARTICIPAÇÃO – CLÁUSULA EXPRESSAMENTE CONVENCIONADA – COBRANÇA QUE NÃO DEVE ULTRAPASSAR 2 VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO – FATOR DE MODERAÇÃO – PROPÓSITO DE GARANTIR O ACESSO AOS SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE PACTUADOS – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Não é abusiva cláusula contratual de plano privado de assistência à saúde que estabeleça a coparticipação do usuário nas despesas médico-hospitalares quando redigida de forma clara e expressa e em percentual razoável. Nos casos de tratamentos psicoterápicos contínuos e de longa duração, a contraprestação não poderá exceder o montante equivalente a 2 mensalidades do paciente. Desse modo, busca-se evitar que se comprometa a essência do próprio negócio jurídico, considerando a prevalência do direito à saúde e as peculiaridades da lide, por envolver tratamento continuado, cujo custo financeiro é alto” (RAI n. 1032072-82.2021.8.11.0041, 4ª Câm. Dir. Privado, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, j. 24.02.23). [...]. (TJ/MT, Rac 1000147-03.2022.8.11.0019, Terceira Câmara de Direito Privado, Relator Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, julg. 26/04/2023)” Logo, correta a sentença que limitou a cobrança da coparticipação em relação às terapias realizadas para tratamento do TEA em até 2 (duas) vezes o valor da mensalidade, devendo ser mantida no ponto. Por fim, quanto ao pedido sucessivo, a solução encontra respaldo na jurisprudência do STJ, que admite a modulação da cobrança de coparticipação para preservar o equilíbrio contratual, a transparência e a acessibilidade do consumidor ao serviço de saúde contratado. Assim, entendo ser juridicamente admissível que os valores de coparticipação que ultrapassem o teto mensal sejam cobrados em períodos posteriores, observando-se: o limite mensal de cobrança já fixado judicialmente (duas mensalidades); a vedação à incidência de juros, multa ou encargos moratórios, exceto se inadimplido o parcelamento; o dever de informação clara, prévia e adequada ao consumidor, conforme determinam os arts. 6º, III, e 46 do CDC. Ressalte-se que a possibilidade de fracionamento temporal do valor excedente não desnatura a proteção conferida pela limitação judicial, tampouco vulnera os princípios do CDC, porquanto não onera desproporcionalmente o consumidor, apenas reorganiza a exigibilidade do crédito contratual, em conformidade com a função social do contrato e a boa-fé objetiva. Ademais, inviabilizar integralmente a cobrança do montante excedente implicaria enriquecimento sem causa por parte do consumidor, além de potencial desestabilização financeira da relação contratual e desequilíbrio do sistema mutualista que sustenta os contratos de plano de saúde. A tese ora acolhida, portanto, estabelece um ponto de equilíbrio entre os direitos do consumidor e os deveres contratuais da operadora, reafirmando a jurisprudência contemporânea em matéria de proteção contratual e sanitária. A propósito, nesse sentido já decidi: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO – PLANO DE SAÚDE – PRETENSÃO DE CUSTEIO DE TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR – AUTOR PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA – COBRANÇA DE COPARTICIPAÇÃO – COBRANÇA QUE NÃO DEVE ULTRAPASSAR 02 (DUAS) VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO – FATOR DE MODERAÇÃO – PROPÓSITO DE GARANTIR O ACESSO AOS SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE PACTUADOS – COBRANÇA POSTERIOR DO REMANESCENTE – VIABILIDADE DE PARCELAMENTO TEMPORAL DO EXCEDENTE, SOB CONDIÇÕES – DISSONÂNCIA DO PARECER MINISTERIAL – RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. “Não é abusiva cláusula contratual de plano privado de assistência à saúde que estabeleça a coparticipação do usuário nas despesas médico-hospitalares quando redigida de forma clara e expressa e em percentual razoável. Nos casos de tratamentos psicoterápicos contínuos e de longa duração, a contraprestação não poderá exceder o montante equivalente a 2 mensalidades do paciente. Desse modo, busca-se evitar que se comprometa a essência do próprio negócio jurídico, considerando a prevalência do direito à saúde e as peculiaridades da lide, por envolver tratamento continuado, cujo custo financeiro é alto.” (TJMT, RAC 1000147-03.2022.8.11.0019, Terceira Câmara de Direito Privado, Relator Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, julg. 26/04/2023) Admite-se a viabilidade do fracionamento temporal da quantia excedente à limitação mensal dos valores relativos à coparticipação, desde que (i) mantido o limite máximo de cobrança de até duas mensalidades por fatura; (ii) vedada a incidência de juros, multa ou encargos moratórios, enquanto adimplidas as parcelas; e (iii) garantida ao consumidor a informação clara, prévia e discriminada sobre os valores cobrados e o critério de diluição. A interpretação acolhida concilia o direito do consumidor à previsibilidade e acessibilidade do tratamento médico com o dever de reequilíbrio financeiro do contrato, evitando-se enriquecimento sem causa e assegurando a boa-fé objetiva.” (N.U 1042498-22.2022.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DIRCEU DOS SANTOS, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 30/06/2025, Publicado no DJE 30/06/2025) Dispositivo. Diante do exposto, em dissonância com o parecer ministerial, CONHEÇO do recurso e DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO para autorizar a possibilidade de cobrança, em meses subsequentes, dos valores de coparticipação que excedam o teto mensal, observados os critérios ora fixados. Inaplicável o § 11 do art. 85 do CPC à espécie. Diante dos contornos do julgado, não vislumbro, pois, fundamento jurídico que autorize a alteração da repartição dos ônus sucumbenciais estabelecida na instância de origem, devendo ela ser integralmente mantida nesta sede recursal. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 23/07/2025
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