Processo nº 1000202-74.2019.4.01.3606
ID: 332022095
Tribunal: TRF1
Órgão: Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Juína-MT
Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL
Nº Processo: 1000202-74.2019.4.01.3606
Data de Disponibilização:
23/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DANIELEN GARCIA SANTOS
OAB/MT XXXXXX
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LEVY DIAS MARQUES
OAB/MS XXXXXX
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DANIEL WINTER
OAB/MT XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Subseção Judiciária de Juína-MT Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Juína-MT SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1000202-74.2019.4.01.3606 CLASSE: AÇÃO CIVIL PÚBLICA (65)…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Subseção Judiciária de Juína-MT Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Juína-MT SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1000202-74.2019.4.01.3606 CLASSE: AÇÃO CIVIL PÚBLICA (65) POLO ATIVO: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA e outros POLO PASSIVO: JOSE ARNALDO PACOLA e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: DANIEL WINTER - MT11470/O, LEVY DIAS MARQUES - MS5828 e DANIELEN GARCIA SANTOS - MT25304/O SENTENÇA 1. RELATÓRIO Trata-se de ação civil pública promovida pelo Ministério Público Federal e IBAMA em face de ROBERTO CARLOS SCATAMBULI e RUBENS PACOLA, objetivando a reparação dos danos ocasionados pelo desmatamento ilícito de um total de 379,53 hectares, perpetrado no município de Porto dos Gaúchos/MT e levado a cabo sem autorização do órgão ambiental competente. Referida irregularidade foi detectada pelo PRODES/2017, sendo que o ajuizamento da presente demanda faz parte do Projeto Amazônia Protege, idealizado pelo MPF, por meio da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão e o IBAMA, que tem como principal objetivo, a busca da reparação do dano ambiental causado por desmatamentos ocorridos na Amazônia, delimitando as áreas afetadas e indicando os responsáveis. Determinada a emenda a petição inicial, os requeridos a apresentaram, sendo essa acolhida pelo juízo, bem como sendo decretada a inversão do ônus da prova (id. 130272368). Citado, o Requerido Rubens Pacola apresentou contestação, alegando preliminarmente ilegitimidade ativa e ilegitimidade passiva. No mérito, sustenta, em síntese que a área em questão corresponde a apenas 4,55 hectares e que já há regularização ambiental em curso perante a SEMA-MT, incluindo cadastro no CAR e obtenção de Licença Ambiental. O requerido sustenta que não praticou ilícito ambiental e que, além disso, sequer deveria figurar no polo passivo da demanda, pois o imóvel pertence à empresa Aroeira. Argumenta que a fiscalização do cumprimento do TAC deve ser realizada pelo órgão ambiental competente, e não vinculada à matrícula do imóvel (id. 238002377). Por sua vez, em sede de contestação, José Arnaldo Pacola sustenta, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, argumentando que vendeu a área objeto da ação em 28/11/2014, antes do período do desmatamento identificado (2016-2017), não sendo mais proprietário, possuidor ou responsável pela área, e a incompetência da Justiça Federal, pois o caso envolveria apenas propriedade privada sem interesse direto da União. No mérito, afirma que a responsabilidade ambiental é propter rem, recaindo sobre o atual proprietário Roberto Carlos Scatambuli, e que não há nexo causal entre sua conduta e os danos alegados. Impugna os valores pleiteados a título de indenização por dano material e moral coletivo, alegando que são excessivos e desproporcionais, e requer o indeferimento da inversão do ônus da prova. Por fim, pede a condenação do MPF e do IBAMA por litigância de má-fé, argumentando que alteraram a verdade dos fatos ao incluí-lo indevidamente no polo passivo da ação (id. 241025410). Já o Requerido ROBERTO CARLOS SCATAMBULI argumenta, preliminarmente, a incompetência da Justiça Federal para julgar o feito, sustentando que a área objeto da ação é particular, sem interesse direto da União, o que deslocaria a competência para a Justiça Estadual. Alega a inépcia da petição inicial, apontando ausência de comprovação concreta do dano ambiental e do nexo causal entre sua conduta e a infração alegada, destacando que o auto de infração emitido pelo IBAMA não possui presunção absoluta de veracidade. No mérito, defende a inexistência de nexo causal, afirmando que a imputação de responsabilidade decorre apenas de imagens de geoprocessamento, sem vistoria in loco. Contesta a cumulação indevida dos pedidos de obrigação de fazer e de indenização, bem como os critérios utilizados para o cálculo do dano ambiental, que considera desproporcionais e sem embasamento técnico adequado. Por fim, requer o reconhecimento da conexão com ação judicial em curso na Subseção Judiciária de Sinop-MT, na qual busca a anulação do auto de infração, além da improcedência dos pedidos e a rejeição da inversão do ônus da prova (id. 610294351). Impugnação às contestações nos ids. 688648987 e 701390478. Realizada audiência de conciliação, foi decretada a extinção do feito em relação ao requerido JOSÉ ARNALDO PACOLA e determinada a suspensão do processo com vistas a realização de acordo entre o MPF e o requerido RUBENS PACOLA (id. 1872061162). Apresentado o PRAD pelo Requerido Rubens (Id. 2139857893). Manifestação do MPF, informando conta bancária para depósito dos valores acordados (id. 2163409652). Intimado a apresentar o Termo de Ajustamento de Conduta devidamente assinado, o Requerido Rubens Pacola manifestou discordância quanto ao item VIII, da alínea “ a”, da Cláusula Terceira, do TAC (id. 2173217219). Por sua vez, o MPF manifestou-se pela manutenção da cláusula (id. 2175401945). Os requeridos pugnaram pela produção de prova pericial e testemunhal (ids. 2180393417 e 2181754981) Os autos vieram conclusos. 2. FUNDAMENTAÇÃO PRELIMINARMENTE Da ilegitimidade passiva Quanto à legitimidade passiva, o doutrinador João Batista de Almeida (Aspectos controvertidos da ação civil pública. 2.ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2009) esclarece que: (...) figura no polo passivo da ação civil pública aquele que pratica conduta que ameaça ou causa lesão a um bem tutelado por essa via processual. Assim, qualquer pessoa, física ou jurídica, inclusive entes públicos diretos ou indiretos, pode estar nessa situação" (p. 150). Ademais, em virtude das especificardes do caso em tela, cumpre destacar que a responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva e imprescritível. A autoria está demonstrada pela consulta ao banco de dados oficiais que apontam a parte Requerida como responsável pela área. Nessa esteira, o STJ já se manifestou no sentido de que, para o fim de apuração da responsabilidade e do nexo de causalidade no dano ambiental equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem não se importa que façam, quem cala quando lhe cabe denunciar, quem financia para que façam e quem se beneficia quando outros fazem, sendo a responsabilidade ambiental objetiva (REsp 1071741/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA , julgado 16/12/2010). Em relação aos requeridos ROBERTO CARLOS SCATAMBULI e RUBENS PACOLA, sua legitimidade extrai-se dos dados do CAR MT-106802-9CCB6B4C4D874EFEB189B0C738117730 (ID 73348049) e MT-5106802-D526.0901.54E5.4B32.9C63.2B4B.EC81.BB66 (ID 73337617). Deste modo, o caráter propter rem da obrigação de reparar o dano ambiental, a responsabilidade deve ser atribuída ao proprietário do imóvel. Pelo exposto, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva. Da conexão O requerido alega conexão com a Ação Ordinária n. 4484-89.2016.4.01.3603. No entanto, referida ação discute a legalidade de auto de infração que não constitui objeto da presente demanda, a qual se funda em desmatamento identificado por meio do sistema PRODES-265678. Diante disso, não se verifica a configuração de conexão entre as ações. Do Julgamento antecipado da lide A controvérsia gira em torno do nexo causal da responsabilidade civil dos requeridos ROBERTO CARLOS SCATAMBULI e RUBENS PACOLA. O requerido, Rubens Pacola, alega que a Fazenda Santa Lúcia foi integralizada ao capital social da pessoa jurídica Aroeira Empreendimentos e Participações Ltda. Contudo, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) ainda permanece em nome do autor, o que demonstra que, ao menos formalmente, a área ainda está vinculada a ele. Diante disso, revela-se desnecessária a produção de prova oral ou pericial, sendo suficiente a prova documental para atestar a titularidade da área no período dos fatos. Em relação ao pedido de produção de prova pericial formulado pelo requerido ROBERTO CARLOS SCATAMBULI, entendo ser desnecessária, uma vez que, conforme já exposto, a presente demanda não tem por objeto o auto de infração ou o termo de embargo, mas sim o desmatamento identificado por meio do polígono PRODES n.º 265678. Nesse sentido: AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA DE NATUREZA REPETITIVA. DANO AMBIENTAL. OBRIGAÇÃO DE REPARAÇÃO. ARTS. 3º, IV, E 14, § 1º, DA LEI 6.938/81. NATUREZA PROPTER REM E SOLIDÁRIA. POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DOS ATUAIS POSSUIDORES OU PROPRIETÁRIOS, ASSIM COMO DOS ANTERIORES, OU DE AMBOS. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. I. (...) VII. Situação que merece exame particularizado é a do anterior titular que não deu causa a dano ambiental ou a irregularidade. A hipótese pode ocorrer de duas formas. A primeira acontece quando o dano é posterior à cessação do domínio ou da posse do alienante, situação em que ele, em regra, não pode ser responsabilizado, a não ser que, e.g., tenha ele, mesmo já sem a posse ou a propriedade, retornado à área, a qualquer outro título, para degradá-la, hipótese em que responderá, como qualquer agente que realiza atividade causadora de degradação ambiental, com fundamento no art. 3º, IV, da Lei 6.938/81, que prevê, como poluidor, o "responsável direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental". Isso porque a obrigação do anterior titular baseia-se no aludido art. 3º, IV, da Lei 6.938/81, que torna solidariamente responsável aquele que, de alguma forma, realiza "atividade causadora de degradação ambiental", e, consoante a jurisprudência, embora a responsabilidade civil ambiental seja objetiva, "há de se constatar o nexo causal entre a ação ou omissão e o dano causado, para configurar a responsabilidade" (STJ, AgRg no REsp 1.286.142/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 28/02/2013). Em igual sentido: "A responsabilidade por danos ambientais é objetiva e, como tal, não exige a comprovação de culpa, bastando a constatação do dano e do nexo de causalidade. Excetuam-se à regra, dispensando a prova do nexo de causalidade, a responsabilidade de adquirente de imóvel já danificado porque, independentemente de ter sido ele ou o dono anterior o real causador dos estragos, imputa-se ao novo proprietário a responsabilidade pelos danos. Precedentes do STJ. A solidariedade nessa hipótese decorre da dicção dos arts. 3º, inc. IV, e 14, § 1º, da Lei 6.398/1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente)" (STJ, REsp 1.056.540/GO, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 14/09/2009). (...) XI. Tese jurídica firmada: "As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo possível exigi-las, à escolha do credor, do proprietário ou possuidor atual, de qualquer dos anteriores, ou de ambos, ficando isento de responsabilidade o alienante cujo direito real tenha cessado antes da causação do dano, desde que para ele não tenha concorrido, direta ou indiretamente." (...) (RECURSO ESPECIAL Nº 1.962.089 - MS (2021/0306967-3) RELATORA : MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL RECORRIDO : MARIA ISABEL DOMINGOS GONÇALVES LOPES ADVOGADOS : PEDRO RAMIREZ ROCHA DA SILVA - MS010111 RODRIGO GODOI ROCHA - MS015550) Assim, tendo em vista essas premissas fáticas e jurídicas que incidem nos autos, indefiro a produção dos meios de prova pleiteados pelo réu e passo a proferir sentença, nos termos do art. 355, inciso I e II do CPC. Mérito Inicialmente, consigno que a tutela do meio ambiente se encontra regida no caput do artigo 225 da Carta Maior, in fine: CF/88. Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. Ademais, o saudoso doutrinador José Afonso da Silva nos ensina que: “As normas constitucionais assumiram a consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do homem, é que há de orientar todas as formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente. Compreender que ele é um valor preponderante, que há de estar acima de quaisquer considerações como as de desenvolvimento, como as de respeito ao direito de propriedade, como as da iniciativa privada. Também estes são garantidos no texto constitucional, mas, a toda evidência, não pode primar sobre o direito fundamental à vida, que está em jogo quando se discute a tutela da qualidade do meio ambiente, que é instrumental no sentido de que, através dessa tutela, o que se protege é um valor maior: a qualidade da vida humana”. (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32 ed. rev. Atual. (até a Emenda Constitucional n. 57, de 18.12.2008). São Paulo-SP, Malheiros, 2009, pág. 849). Por essa razão, necessário verificar, agora, se as condutas postas em prática refletem alguma conduta ilícita ambiental que enseje a reparação na esfera civil. DO DANO AMBIENTAL Inexistem dúvidas acerca da ocorrência de dano ambiental na área. Devidamente comprovado em Relatório de Fiscalização, ID 47368031. Conforme se infere dos autos, foi utilizada tecnologia geoespacial, identificando-se com precisão a área desmatada e sua extensão. Dessa forma, a vasta documentação carreada aos autos comprova o dano ambiental ocasionado à região em área localizada no município de Porto dos Gaúchos/MT. DA RESPONSABILIDADE DA PARTE REQUERIDA Nesse passo, deve-se analisar a responsabilidade dos requeridos ROBERTO CARLOS SCATAMBULI e RUBENS PACOLA, pelos mencionados danos. De início, assevero que a responsabilidade pelo dano causado é de natureza objetiva. Decerto, a responsabilidade objetiva na esfera ambiental foi recepcionada pela nova ordem constitucional, refletindo seu fundamento a partir do art. 225, § 3º, da CRFB/1988, cujo teor dispõe que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. Visto isso, em sequência, examino a existência de dano ao meio ambiente, conduta e nexo de causalidade, para concluir se há ou não responsabilidade civil objetiva em matéria ambiental. Quanto ao dano: de acordo com Relatório de Fiscalização, ID 47368031, houve o desmatamento de 379,53 hectares em uma área localizada no Município de Porto dos Gaúchos/MT. A partir de tal elemento probatório, restou indene de dúvidas que a área foi desmatada sem licença ambiental expedida pelo IBAMA e, com efeito, sem quaisquer das verificações e exigências de controle e fiscalização. É presumível, inclusive, o potencial de destruição e lesividade de tal ação ilícita, notadamente quando se tem em mira que o desflorestamento abusivo, de certo, implicou danos ambientais difusos no local, alcançando não apenas a flora, mas também as espécies da fauna residentes no correspondente ecossistema. Quanto à conduta e ao nexo de causalidade: haja vista que a obrigação de reparar o dano ambiental acompanha o bem, não há necessidade de uma apreciação subjetiva da conduta do proprietário ou possuidor do imóvel, não importando, pois, se contribuiu ou não para a ocorrência do dano. Nesse contexto, o liame de causalidade se forma pelas percepções inerentes à própria posse da área, sendo que, como dito, a obrigação de reparar o dano ambiental provém de seu caráter propter rem e, por isso, imputável a quem quer que exerça seus direitos reais de uso, gozo e fruição da terra. Por certo, frente à convicção de que o caráter reparador dos danos ambientais é de conteúdo propter rem e, assim sendo, persegue o bem, resulta disso, em consequência, nascimento do fator jurígeno delineador da ligação lógica e causal da responsabilização ambiental em testilha. Nessa base é que os atuais e futuros proprietários ou possuidores de imóveis nos quais houve dano ambiental responsabilizam-se, em toda integralidade (mas na medida de suas culpabilidades), pela recuperação do passivo ambiental. Assim, no que concerne ao meio ambiente, é desnecessária a comprovação de dolo ou culpa para caracterizar a responsabilidade civil, bastando a prova do dano e de nexo causal, elementos esses que já foram analisados em linhas supra. Resta, pois, visualizada a conduta de desmatamento e sua pertinência com a parte ré, eis que possuidora da área em cujo interior observou-se o dano ambiental. DO DANO MATERIAL: CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM INDENIZAÇÃO No que respeita ao dano material, o Superior Tribunal de Justiça tem perfilhado entendimento de que “o sistema jurídico de proteção ao meio ambiente, disciplinado em normas constitucionais (CF, art. 225, § 3º) e infraconstitucionais (Lei 6.938/81, artigos 2º e 4º), está fundado, entre outros, nos princípios da prevenção, do poluidor-pagador e da reparação integral”. A reparação integral do meio ambiente é que fundamenta a condenação ao ressarcimento de danos materiais ao meio ambiente, consistente na indenização pelas lesões “insuscetíveis de recuperação in natura”. Por sua vez, a Lei 7.347/85 dispõe que a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente poderá ter como objeto o pagamento de indenização ou cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. Para Maria Pilar Prazeres de Almeida, “o estudo da dimensão patrimonial desta espécie de dano parte-se das seguintes premissas: o objetivo maior do Direito Ambiental é a reparação natural do meio ambiente e a responsabilidade civil ambiental norteia-se pelo princípio do ressarcimento integral do dano”, sendo esta a justificativa para a condenação em dano material na seara do meio ambiente (ALMEIDA, Maria Pilar Prazeres de. Dano moral ambiental coletivo. 1.ed. - Florianópolis: Tirant lo Blanch, 2018, pág. 74). Nesse sentido: AMBIENTAL. DESMATAMENTO. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DA NORMA AMBIENTAL. 1. Cuidam os autos de Ação Civil Pública proposta com o fito de obter responsabilização por danos ambientais causados pelo desmatamento de área de mata nativa. A instância ordinária considerou provado o dano ambiental e condenou o degradador a repará-lo; porém, julgou improcedente o pedido indenizatório. 2. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que a necessidade de reparação integral da lesão causada ao meio ambiente permite a cumulação de obrigações de fazer e indenizar. Precedentes da Primeira e Segunda Turmas do STJ. 3. A restauração in natura nem sempre é suficiente para reverter ou recompor integralmente, no terreno da responsabilidade civil, o dano ambiental causado, daí não exaurir o universo dos deveres associados aos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum. 4. A reparação ambiental deve ser feita da forma mais completa possível, de modo que a condenação a recuperar a área lesionada não exclui o dever de indenizar, sobretudo pelo dano que permanece entre a sua ocorrência e o pleno restabelecimento do meio ambiente afetado (= dano interino ou intermediário), bem como pelo dano moral coletivo e pelo dano residual (= degradação ambiental que subsiste, não obstante todos os esforços de restauração). 5. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, porquanto a indenização não é para o dano especificamente já reparado, mas para os seus efeitos remanescentes, reflexos ou transitórios, com destaque para a privação temporária da fruição do bem de uso comum do povo, até sua efetiva e completa recomposição, assim como o retorno ao patrimônio público dos benefícios econômicos ilegalmente auferidos. 6. Recurso Especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade, em tese, de cumulação de indenização pecuniária com as obrigações de fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, com a devolução dos autos ao Tribunal de origem para que verifique se, na hipótese, há dano indenizável e para fixar eventual quantum debeatur. (REsp 1180078/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/12/2010, DJe 28/02/2012) Os pedidos autorais, como se denota da inicial, pretendem a cumulação da obrigação de fazer com a de indenizar. Nesse compasso, compartilho do entendimento de que a cumulação requerida é medida que visa à reparação integral do meio ambiente e não configura bis in idem. Isso porque a indenização advém da necessidade de não somente compensar a coletividade pela privação do patrimônio imaterial ilicitamente dilapidado como também considera que a degradação abrange efeitos deletérios futuros e intangíveis, ainda que o responsável cumpra a obrigação de fazer e promova a reparação pretendida. Nesse diapasão, o E. STJ, no mesmo sentido, já solidificou essa compreensão por meio da edição da Súmula 629: "Quanto ao dano ambiental, é admitida a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de indenizar." No caso em tela, há que se considerar que o dano ambiental restou comprovado nos autos, conforme já delineado no tópico anterior. Ademais, o vínculo dos réus com os fatos e a responsabilidade ambiental está comprovada, igualmente, pois fora constatada a propriedade do imóvel rural. Ademais, há que se considerar a extensão do dano ambiental aferido, de modo que o ilícito ambiental constatado (379,53 hectares) gerou danos que transcendem o mero dever de recuperação como solução apta a compensação do meio ambiente. Para a hipótese dos autos, verifica-se ser evidente que a supressão de vegetação nativa gera danos que não podem ser restabelecidos ao status quo ante apenas com a regeneração da área, o que, diga-se de passagem, demorará vários anos para acontecer. A perda de biodiversidade e o desequilíbrio do ecossistema, entre outros prejuízos ambientais, certamente já se consolidaram e dificilmente serão recompostos às suas características originais. Até mesmo o mínimo esperado de restabelecimento do equilíbrio ambiental na propriedade do autor é algo que não se verá tão cedo, diante da demora inerente aos procedimentos de restauração da vegetação nativa. Há, portanto, dano material manifesto, o qual merece indenização por parte do proprietário do imóvel. DOS DANOS MORAIS COLETIVOS Inicialmente, por ser de cunho compreensível à lide, calha traçar o pórtico da matéria, por meio da lição de Carlos Alberto Bittar Filho: O dano moral coletivo é uma injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial. Tal como se dá na seara do dano moral individual, aqui também não há que se cogitar de prova da culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação (damnun in re ipsa). A lúcida lição de André de Carvalho Ramos (1998) sobre a efetiva configuração do dano moral coletivo nos dias correntes também esclarece: (...) é preciso sempre enfatizar o imenso dano moral coletivo causado pelas agressões aos interesses transindividuais. Afeta-se a boa-imagem da proteção legal a estes direitos e afeta-se a tranqüilidade do cidadão, que se vê em verdadeira selva, onde a lei do mais forte impera. (...) Tal intranqüilidade e sentimento de desapreço gerado pelos danos coletivos, justamente por serem indivisíveis, acarretam lesão moral que também deve ser reparada coletivamente. Ou será que alguém duvida que o cidadão brasileiro, a cada notícia de lesão a seus direitos não se vê desprestigiado e ofendido no seu sentimento de pertencer a uma comunidade séria, onde as leis são cumpridas? A expressão popular ‘o Brasil é assim mesmo’ deveria sensibilizar todos os operadores do Direito sobre a urgência na reparação do dano moral coletivo. A Constituição da República alberga, em nível de direito fundamental, a proteção da pessoa humana e jurídica, em face dos danos causados por ato ilícitos de terceiros, ainda que extrapatrimoniais, conforme exegese do art. 5º, X, o qual prevê serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Além disso, merece ser consignada a visão do e. STJ a respeito do tema, cujo posicionamento é compartilhado por este juízo. No julgamento do Recurso Especial nº 1.989.778, entendeu-se que, a lesão ao meio ambiente gera dano moral in re ipsa, ou seja, que dispensa a demonstração de prejuízos. Vejamos a ementa do REsp nº 1.989.778: EMENTARECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO DE FLORESTA NATIVA DO BIOMA AMAZÔNICO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. AUSÊNCIA DE PERTURBAÇÃO À PAZ SOCIAL OU DE IMPACTOS RELEVANTES SOBRE A COMUNIDADE LOCAL. IRRELEVÂNCIA. PRECEDENTES DO STJ. SIGNIFICATIVO DESMATAMENTO DE ÁREA OBJETO DE ESPECIAL PROTEÇÃO. INFRAÇÃO QUE, NO CASO, CAUSA, POR SI, LESÃO EXTRAPATRIMONIAL COLETIVA. CABIMENTO DE REPARAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. I. Trata-se, na origem, de Ação Civil Pública, proposta pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso, em decorrência do desmatamento de floresta nativa do Bioma Amazônico, objetivando impor, ao requerido, as obrigações de recompor o meio ambiente degradado e de não mais desmatar as áreas de floresta do seu imóvel, bem como a sua condenação ao pagamento de indenização por danos materiais e por dano moral coletivo. II. O Juízo de 1º Grau julgou parcialmente procedentes os pedidos, "para condenar o requerido à recomposição do meio degradado, apresentando PRADE junto ao órgão competente, no prazo de 60 dias, sob pena de conversão em multa pecuniária", bem como para lhe impor a obrigação de não desmatar III. O Tribunal de origem deu parcial provimento à Apelação do Ministério Público, por reconhecer, além das já impostas obrigações de fazer e de não fazer, a exigibilidade da obrigação de indenizar os "danos materiais decorrentes do impedimento da recomposição natural da área". Contudo, rejeitou a pretensão de indenização por dano moral coletivo. (...) V. Não se sustenta o fundamento adotado pelo Juízo a quo de que, no caso, não seria possível reconhecer o dano moral, porque, para isso, seria necessário que a lesão ambiental "desborde os limites da tolerabilidade". Isso porque, na situação sob exame, também se consignou, no acórdão recorrido, que houve "desmatamento e exploração madeireira sem a indispensável licença ou autorização do órgão ambiental competente", conduta que "tem ocasionado danos ambientais no local, comprometendo a qualidade do meio ambiente ecologicamente equilibrado". VI. Constatando-se que, por meio de desmatamento não autorizado, causaram-se danos à qualidade do meio ambiente ecologicamente equilibrado, não tem pertinência, para a solução da causa, o chamado princípio da tolerabilidade, construção que se embasa, precisamente, na distinção feita pela legislação ambiental entre, de um lado, impacto ambiental – alteração do meio ambiente, benéfica ou adversa (Resolução CONAMA 001/86, arts. 1º e 6º, II) – e, de outro, degradação e poluição (Lei 6.938/81, art. 3º, II e III). Como esclarece a doutrina especializada: "de um modo geral as concentrações populacionais, as indústrias, o comércio, os veículos, a agricultura e a pecuária produzem alterações no meio ambiente, as quais somente devem ser contidas e controladas, quando se tornam intoleráveis e prejudiciais à comunidade, caracterizando poluição reprimível. Para tanto, a necessidade de prévia fixação técnica dos índices de tolerabilidade, dos padrões admissíveis de alterabilidade de cada ambiente, para cada atividade poluidora" (MEIRELLES, Hely Lopes. Proteção Ambiental e Ação Civil Pública. Revista dos Tribunais nº 611, São Paulo: RT, 1986, p. 11). Especificamente quanto ao dano moral decorrente de ato lesivo ao meio ambiente, "há que se considerar como suficiente para a comprovação do dano extrapatrimonial a prova do fato lesivo – intolerável – ao meio ambiente. Assim, diante das próprias evidências fáticas da degradação ambiental intolerável, deve-se presumir a violação ao ideal coletivo relacionado à proteção ambiental e, logo, o desrespeito ao direito humano fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado" (LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental, do individual ao coletivo extrapatrimonial. Teoria e prática. 5ª ed. Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 288). VII. Assim, constatado o dano ambiental – e não mero impacto negativo decorrente de atividade regular, que, por si só, já exigiria medidas mitigatórias ou compensatórias –, incide a Súmula 629/STJ: "Quanto ao dano ambiental, é admitida a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de indenizar". Trata-se de entendimento consolidado que, ao amparo do art. 225, § 3º, da Constituição Federal e do art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81, "reconhece a necessidade de reparação integral da lesão causada ao meio ambiente, permitindo a cumulação das obrigações de fazer, não fazer e de indenizar, inclusive quanto aos danos morais coletivos" (STJ, EREsp 1.410.0698/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIS FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 03/12/2018). XI. Dessa forma, a jurisprudência dominante no STJ tem reiterado que, para a verificação do dano moral coletivo ambiental, é "desnecessária a demonstração de que a coletividade sinta a dor, a repulsa, a indignação, tal qual fosse um indivíduo isolado", pois "o dano ao meio ambiente, por ser bem público, gera repercussão geral, impondo conscientização coletiva à sua reparação, a fim de resguardar o direito das futuras gerações a um meio ambiente ecologicamente equilibrado" (REsp 1.269.494/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 01/10/2013) XII. Nesse sentido, há precedentes no STJ reconhecendo que a prática do desmatamento,em situações como a dos autos, pode ensejar dano moral: "Quem ilegalmente desmata, ou deixa que desmatem, floresta ou vegetação nativa responde objetivamente pela completa recuperação da área degradada, sem prejuízo do pagamento de indenização pelos danos, inclusive morais, que tenha causado" (REsp 1.058.222/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe de 04/05/2011). Adotando a mesma orientação: REsp 1.198.727/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 09/05/2013. Consigne-se, ainda, a existência das seguintes decisões monocráticas, transitadas em julgado, que resultaram no provimento de Recurso Especial contra acórdão, também do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, que adotou a mesma fundamentação sob exame: REsp 2.040.593/MT, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, DJe de 07/03/2023; AREsp 2.216.835/MT, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, DJe de 02/02/2023. XIV. Recurso Especial conhecido e provido, para reconhecer a ocorrência de dano moral coletivo no caso, com determinação de retorno dos autos ao Tribunal de origem, para que, à luz das circunstâncias que entender relevantes, quantifique a indenização respectiva. De mais a mais, a questão a ser depurada se resume a saber se configura dano moral coletivo o fato de a parte ré ser responsável pela reparação do dano ambiental perpetrado, ainda que não comprovada a conduta de ter desmatado vários hectares de floresta amazônica. Posto isso, é inegável que a degradação ambiental também traz prejuízos imateriais a toda coletividade, eis que o meio ambiente é um bem difuso, com base no artigo 225 da Constituição Federal. Diante do exposto, tenho como razoável a condenação do réu no pagamento de danos morais coletivos, na medida em que danos foram suportados pela reparação material ambiental. DAS MEDIDAS CAUTELARES INCIDENTES AO CASO A SEREM APLICADAS APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO DA AÇÃO Sobre as medidas cautelares e demais providências para se assegurar a recomposição do dano ambiental: sobre determinar medidas indutivas coercitivas ao cumprimento das obrigações ambientais impostas, e estando reconhecida a responsabilidade ambiental conforme tópicos precedentes, lembro que é inegável que o novo Código de Processo Civil ampliou em nosso ordenamento jurídico a concretude legal de determinadas medidas sendo, inclusive, dever do Juiz considerar a possibilidade de sua aplicação, até mesmo de ofício, a fim de assegurar a eficácia da prestação jurisdicional. Nesse sentido, transcrevo o art. 139, da Lei n. 13.105/15: Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (...) IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária; Com efeito, resta claro que, diante das disposições encartadas no artigo 139 do CPC, fica autorizada ao Juiz a determinação de medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial. Cabe perceber que tais medidas processuais visam, sim, inegavelmente atingir a esfera jurídica extraprocessual da parte condenada, já que se trata de instrumentos com finalidade híbrida na processualística pós-positivista, a qual consolidou a obrigação do julgador quanto à inafastável harmonização dos direitos constitucionais envolvidos (de um lado a menor onerosidade do devedor, mas de outro a efetividade da prestação jurisdicional). Assim é que, ao se permitir a imposição de constrições que vão além das clássicas implementações das astreintes, a norma processual confere fim, também, sancionador de ordem processual ao devedor. E nada há de inconstitucional nesta finalidade dupla (sanção – coerção) do art. 139, inciso IV, do CPC. As restrições de direitos, como inequívocas sanções que são, já de muito são autorizadas pelo legislador como imposição acessória em ações cíveis, tal como se vê, por exemplo, nas ações executivas fiscais. E, veja-se: tal restrição, na cobrança de dívida da União, pode ocorrer mesmo na fase pré-judicial, pois o contribuinte que tiver débitos inscritos em dívida ativa terá seus dados incluídos no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal – CADIN, após 75 (setenta e cinco) dias da comunicação do seu débito, nos termos do artigo 2º e parágrafos da Lei n°10.522, de 19 de julho de 2002. Sobre a possibilidade de aplicação de medidas cautelares restritivas, cautelares e indutivas, em caso de não cumprimento da obrigação de fazer reparatória do dano ambiental ou, ao menos, em caso de não garantidos os valores para tal fim: a Lei n. 6.938/81 aborda de maneira muito clara e didática que, não reparado o dano ambiental, o infrator ficará sujeito a perda de incentivos fiscais concedidos pelo Poder Público, bem como perda do direito à linhas de financiamento concedidos por instituições financeiras. Obviamente, o que se objetiva, primeiramente, é que o réu infrator proceda à recuperação das áreas degradas, de modo que a restrição de direitos relativos ao seu crédito e/ou seus financiamentos somente ocorrerá na hipótese de negativa de tal obrigação de fazer (ou, ao menos, no caso de ausência de garantia pecuniária do cumprimento dessa obrigação). Nesse contexto, pois, o art. 2º, inciso VIII, da Lei n. 6.038/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, colocou a recuperação das áreas degradadas como um dos seus princípios, senão vejamos: Art 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios: (...) VIII - recuperação de áreas degradadas; (Regulamento) O novo código florestal (Lei n. 12.651/12) no âmbito do PRA – Programa de Regularização Ambiental, também cuidou da obrigação de reparação dos danos ambientais, deixado clara a não elegibilidade do infrator para recebimento de incentivos fiscais se não houver o seu cumprimento por parte do poluidor, nos termos de seu art. 41, § 3o, que assim diz: Os proprietários ou possuidores de imóveis rurais inscritos no CAR, inadimplentes em relação ao cumprimento do termo de compromisso ou PRA ou que estejam sujeitos a sanções por infrações ao disposto nesta Lei, exceto aquelas suspensas em virtude do disposto no Capítulo XIII, não são elegíveis para os incentivos previstos nas alíneas a a e do inciso II do caput deste artigo até que as referidas sanções sejam extintas. E, justamente para explicitar a forma de se promover a recuperação das áreas degradas, no plano infralegal, a Instrução normativa IBAMA n. 4, de 13 de abril de 2011 alinha os procedimentos para a implementação do Projeto de Recuperação de Área Degradada - PRAD ou Área Alterada, orientando a forma e os requisitos de formalização e execução de um plano de recuperação ambiental. Dessa forma, diante do não atendimento dessas normas que impõem a reparação do meio ambiente atingido, o infrator fica sujeito ao disposto no art. 14, da Lei n. 6.938/81: Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: (...) II - à perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público; III - à perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito. Relevante ressaltar que, atualmente, com a promulgação da Lei nº 12.651/2012, nada se modificou, na essência, quanto à imposição desses gravames, esteja o infrator incluído ou não no âmbito do PRA. Isso porque a eventual suspensão das penalidades impostas – inclusive as previstas no art. 14, da Lei n. 6.938/81 – fica adstrita ao âmbito de cumprimento do Programa de Regularização Ambiental – PRA, e, ainda, somente depois de realizada a inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural e com assinatura no Termo de Compromisso (TC), o qual terá natureza de título extrajudicial. Feito este percurso procedimental, haverá a suspensão das penalidades impostas, com a ressalva de que apenas as multas serão convertidas em serviços de preservação, melhoria e qualidade do meio ambiente depois, obviamente, do cumprimento integral do PRA ou do TC. De tal modo, o IBAMA, então, poderá suspender os bloqueios acima se houver o cumprimento da recuperação ambiental aprovada. Sobre a restrição de benefícios fiscais e a suspensão de participação em linhas de financiamento: como alhures, nos termos do inciso VII, do art. 4º da Lei nº 6.938/81, com o não cumprimento de medidas necessárias à preservação ou correção dos danos ambientais causados, o infrator fica sujeito: - à perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público, bem como - perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito e à suspensão de sua atividade (art. 14 da Lei nº 6.938/81). Cabe registrar que essas restrições não se limitam ao campo do sancionamento penal e/ou administrativo das pessoas jurídicas infratoras da legislação ambiental. Alcançam também o campo civil, eis que a Lei n. 6.938/81, nos incisos II e III de seu art. 14, também assinala a perda ou suspensão acima destacada. Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes: AG 0018171-20.2012.4.01.0000/MT, Rel. Juíza Federal Hind Ghassan Kayath (Conv.), Sexta Turma, e-DJF1 12/02/2014, p. 339, e AC 0002835-36.2009.4.01.3603/MT, Rel. Des. Fed. Selene Maria de Almeida, Quinta Turma, e-DFJ1 p. 570, de 07/12/2012. Desta feita, tenho que a expedição de ofícios para que sejam implementadas tais medidas restritivas de direito se insere no poder geral de cautela conferido aos juízes pelo CPC, tudo para que a pessoa não ofereça mais risco de novas lesões ao bem jurídico ambiental. 3. DISPOSITIVO Isso posto: a) Julgo os pedidos PARCIALMENTE PROCEDENTES, extinguindo o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, para: a.1) Condenar os Requeridos na obrigação de fazer consistente na recuperação de área degradada explorada sem autorização do órgão ambiental competente, com base em plano de recuperação da área degradada elaborado por técnico habilitado, que preveja a plantação de espécies nativas da região, na seguinte proporção: a.1.1) ROBERTO CARLOS SCATAMBULI na área de 374,41 hectares; a.1.2) RUBENS PACOLA na área de 4,55 hectares; a.2) Condenar os requeridos na em obrigação de pagar quantia certa, correspondente ao dano material derivado do desmatamento, na seguinte proporção: a.2.1) ROBERTO CARLOS SCATAMBULI no montante de R$ 4.021.912,22 (quatro milhões, vinte e um mil, novecentos e doze reais e vinte e dois centavos); a.2.2) RUBENS PACOLA no montante de R$ 48.876,10 (quarenta e oito mil, oitocentos e setenta e seis reais e dez centavos). a.3) Condenar os requeridos na em obrigação de pagar quantia certa, correspondente ao dano moral difuso derivado do desmatamento, na seguinte proporção: a.3.1) ROBERTO CARLOS SCATAMBULI no montante de R$ 201.095,61 (duzentos e um mil, noventa e cinco reais e sessenta e um centavos); a.3.2) RUBENS PACOLA no montante de R$ 2.443,80 (dois mil, quatrocentos e quarenta e três reais e oitenta centavos); b) Deixo de condenar as requeridas em custas e honorários, nos termos do art. 18 da Lei 7347/1985, dados que os precedentes do STJ batem pela aplicação simétrica. c) Para assegurar o resultado prático da condenação imposta, determino que, com o trânsito em julgado da presente sentença, a secretaria deverá proceder à: c.1) expedição de ofício eletrônico (e-mail) à SEMA/MT e ao IBAMA para que informe se há algum PMFS, DOF, DVPF, guias florestais ou qualquer outro documento ou inscrição que indique a realização de negócios jurídicos de compra e venda de produtos ou subprodutos florestais, bem como para que BLOQUEIE A INSCRIÇÃO DA PARTE EXECUTADA NESSES SISTEMAS (prazo: 15 dias); c.2) expedição de ofício eletrônico (e-mail) ao INDEA/MT para que informe se há registros de negócios jurídicos de compra e venda de gado, de qualquer espécie, em nome da parte reconvinda, bem como para que BLOQUEIE A INSCRIÇÃO DA PARTE EXECUTADA EM SEUS SISTEMAS (prazo: 15 dias). c.3) A cópia da presente Sentença servirá como ofício/mandado para comunicação, registrado sob o número de id do PJE. d) Por fim, menciono que nada obsta a conciliação ainda após a formação do título condenatório. No caso dos autos, é bom que se ressalte, estamos a tratar de responsabilidade ambiental referente ao aspecto civil do fato lesivo ao meio ambiente. d.1) Com isso, é possível adesão ao programa de conciliação disponível no site www.amazoniaprotege.mpf.mp.br/regularize, de acordo com o "passo a passo" lá indicado: a) imprimir a minuta no site e preencher os campos em branco; b) apresentar em juízo petição com o Termo de Ajustamento de Conduta assinado. Do eventual recurso interposto: a) Opostos embargos de declaração, os autos deverão ser conclusos para julgamento somente após o decurso do prazo para todas as partes. b) Caso haja embargos de declaração com pedido de efeitos infringentes, intimem-se as partes adversas para manifestação no prazo legal. Após, façam os autos conclusos. c) Interposto recurso, intime-se a parte recorrida desta sentença para apresentar contrarrazões e/ou recurso no prazo de 15 (quinze) dias. d) Apresentado recurso pela parte contrária, intime-se a parte recorrida para ciência do recurso e querendo apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias. e) Decorrido(s) o(s) prazo(s), com ou sem contrarrazões, junte-se a Certidão de conferência do processo e remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Com o trânsito em julgado da sentença, nada sendo requerido, arquivem-se os autos. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Juína-MT, data da assinatura eletrônica. (assinado digitalmente) RODRIGO BAHIA ACCIOLY LINS Juiz Federal
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