Processo nº 0003070-12.2018.8.11.0099
ID: 336242599
Tribunal: TJMT
Órgão: VARA ÚNICA DE COTRIGUAÇU
Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL
Nº Processo: 0003070-12.2018.8.11.0099
Data de Disponibilização:
28/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
EDSON CAMPOS DE AZEVEDO
OAB/GO XXXXXX
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Vistos, Trata-se de Ação Civil Pública com pedido de tutela de urgência proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO em face de ALECIO DE AMORIM, em que objetiva a reparação de dano ambi…
Vistos, Trata-se de Ação Civil Pública com pedido de tutela de urgência proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO em face de ALECIO DE AMORIM, em que objetiva a reparação de dano ambiental e condenação por danos materiais, decorrentes de desmatamento ilegal de 245,82 hectares de floresta nativa do bioma amazônico, localizada na Estância Sá II, Rodovia MT 174, Km 28, Gleba Marchetti, Zona Rural, Juruena/MT (coordenadas geográficas 10º 21' 38'' S e 58º 42'51'' W). Em síntese, o Ministério Público narra que, após fiscalização realizada pelo IBAMA em 25/01/2017, foi constatado o desmatamento ilegal de 245,82 hectares de vegetação nativa do bioma Floresta Amazônica, sem autorização do órgão ambiental competente, tendo sido lavrado o Auto de Infração nº 6448-E e o Termo de Embargo nº 618295-E. Posteriormente, em 27/06/2018, nova vistoria realizada pelo IBAMA constatou que o requerido estava descumprindo o embargo mediante atividade de pecuária nas áreas embargadas, com presença de gado de corte da raça Nelore, o que ensejou a lavratura do Auto de Infração nº 9145027-E. Requereu, liminarmente, (i)- a imposição ao demandado de obrigação de não fazer, consistente em isolar a área e abster-se de exercer atividade agropecuária no local de floresta degradada; (ii)- obrigação de fazer, consistente em elaborar e executar Plano de Recuperação da Área Degradada (PRAD) ou, alternativamente, a juntada aos autos de laudo constatação de reparação de dano ambiental; (iv)- apresentar o Cadastro Ambiental Rural (CAR) atualizado, em que conste a área de reserva legal e área de preservação permanente ou sua confecção, na hipótese de não possuir; (v)- obrigação de fazer consistente em tolerar, permitir e respeitar os atos e ações de iniciativa de projetos do Poder público ou organizações não governamentais para promover de forma proativa o reflorestamento da área degradada. No mérito, pugnou pela confirmação da liminar e condenação do requerido na obrigação de fazer consistente na integral reparação da área degradada, comprovada mediante a apresentação de laudo de constatação de reparação do dano ambiental (art. 28, I, da Lei nº 9.099/95) e ao pagamento de indenização por danos materiais, pela degradação ao bem difuso violado no montante de R$ 1.000,00 mil reais) por hectare de área degrada, no total, assim, de R$ 245.820,00 (duzentos e quarenta e cinco mil, oitocentos e vinte reais) pelos danos ambientais causados. Deu à causa o valor de R$ 245.820,00 (duzentos e quarenta e cinco mil, oitocentos e vinte reais) – id. 69404832. A inicial veio instruída com documentos, incluindo os autos de infração, termos de embargo, relatórios técnicos e fotográficos. Por meio da decisão de id. 69406091 (pgs. 57/59), foi deferida parcialmente a tutela de urgência para: 1) impor ao requerido a obrigação de não fazer, consistente em isolamento da área e abstenção de exercer atividade agropecuária no local de floresta degradada, sob pena de multa diária de R$00,00 (cem reais); 2) determinar a apresentação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) atualizado no prazo de 90 dias contados da citação/intimação, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais) e 3) determinar ao requerido a obrigação de fazer consistente em tolerar, permitir e respeitar os atos e ações de iniciativa de projetos do Poder Público ou organizações não governamentais para promover de forma proativa o reflorestamento da área degradada. Foi indeferido o pleito relacionado à elaboração e execução de PRAD. Devidamente citado (id. 69404834, p. 14), o requerido apresentou contestação (id. 69404834, pgs. 15/38), em que defendeu a nulidade do Auto de Infração por vícios e irregularidades, falta de motivação e violação ao devido processo legal. Alternativamente, defendeu o arbitramento da multa de forma proporcional e razoável. No mérito, sustentou ter adquirido a propriedade de 1.350 (um mil e trezentos e cinqüenta hectares) da Madeireira e Laminadora Juruena Ltda., conforme escritura pública registrada em 03/07/2015, que já estava em litígio judicial, bem como não ser o responsável pelo desmatamento, cuja responsabilidade atribuiu a invasores que teriam praticado crimes ambientais na área desde 2014, conforme processo de reintegração de posse nº 115-47.2014.811.0099 na Comarca de Cotriguaçu. Argumentou que mesmo com o deferimento da liminar na ação possessória em 17.6.2014 os invasores continuaram a praticar crimes ambientais, porquanto invadiram novamente a área em 2015, conforme provam os mandados de reintegração deferido em 14.4.2015 e boletim de ocorrência registrado pelo atual proprietário Alecio de Amorim em 22.9.2015. Ao final requereu a nulidade do auto de infração, a improcedência da ação. Subsidiariamente a redução do valor da multa e/ou sua substituição por prestação de serviços de preservação, além do desembargo da área. O Ministério Público apresentou impugnação à contestação no id. 69404834, pgs. 61/63, em que rebateu as preliminares e reiterou os termos da inicial. Desistiu da oitiva das testemunhas arroladas e requereu a inversão do ônus da prova. Em 30.10.2024 foi determinada a especificação de provas (id. 172401627), tendo o requerido deixado decorrer o prazo em 26.11.2024 e o Ministério Público reiterado o pedido de inversão do ônus da prova e relacionado as questões de direito que entendeu ser relevantes ao julgamento do mérito, bem com o dispensou a produção e provas e requereu o julgamento antecipado da lide (id. 180806545). O processo veio concluso para julgamento. É o relatório. Decido. Conforme já consignado, trata-se de Ação Civil Pública com pedido de tutela de urgência proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO em face de ALECIO DE AMORIM, em que objetiva a reparação de dano ambiental e condenação por danos materiais, decorrentes de desmatamento ilegal de 245,82 hectares de floresta nativa do bioma amazônico, localizada na Estância Sá II, Rodovia MT 174, Km 28, Gleba Marchetti, Zona Rural, Juruena/MT (coordenadas geográficas 10º 21' 38'' S e 58º 42'51'' W). Não se verifica a existência de preliminares a serem analisadas. Logo, passa-se a análise do mérito da ação. Em sua contestação o requerido defendeu a nulidade do Auto de Infração, ao argumento de existência de vícios e irregularidades, falta de motivação e violação ao devido processo legal. Arguiu ainda não ser o responsável pelo desmatamento, cuja responsabilidade atribuiu a terceiros eventuais invasores. E quanto a arguida nulidade do auto de infração, tem-se que, em que pese a alegação, os dois autos de infração lavrados pelo IBAMA (nº 6448-E e nº 9145027-E) foram confeccionados por agentes públicos competentes, no exercício regular de suas funções, que gozam de presunção de legalidade e veracidade, bem como contêm todos os elementos necessários à sua validade, com descrição clara e objetiva das infrações constatadas, indicação dos dispositivos legais infringidos, identificação do autuado e demais requisitos previstos no art. 97 do Decreto nº 6.514/2008. Sobre o assunto: “DIREITO AMBIENTAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ATOS ADMINISTRATIVOS AMBIENTAIS. DESMATAMENTO DE VEGETAÇÃO NATIVA SEM AUTORIZAÇÃO. RECURSO NÃO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Agravo de instrumento interposto contra decisão que indeferiu tutela de urgência pleiteada em ação declaratória de nulidade de ato administrativo, que visava suspender os efeitos de auto de infração, termo de embargo/interdição e termo de apreensão relacionados a desmatamento de 16,7798 hectares de vegetação nativa no bioma Amazônia. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em verificar a presença dos requisitos para concessão de tutela de urgência visando à suspensão dos efeitos dos atos administrativos ambientais impugnados, mediante análise da suposta ilegalidade por vícios formais ou materiais. III. Razões de decidir 3. Os atos administrativos ambientais gozam de presunção de veracidade e legitimidade, incumbindo ao impugnante o ônus de comprovar eventuais irregularidades, especialmente em matéria ambiental, onde se aplica a inversão do ônus da prova como corolário do princípio da precaução. 4. A legislação ambiental autoriza expressamente o embargo/interdição de atividades executadas em desconformidade com as normas ambientais, conforme previsto na Lei 9.605/1998, art. 72, VII, no Decreto Federal 6.514/2008, art. 3º, VII, e no Código Estadual do Meio Ambiente (Lei Complementar 38/1995, art. 116). 5. A apreensão de bens utilizados na prática de infrações ambientais é legítima, independentemente da comprovação de uso exclusivo ou habitual para fins ilícitos, bastando o nexo de causalidade entre o bem e a infração, conforme jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça. 6. Ausente a comprovação da regularização da atividade embargada, de decisão da autoridade ambiental autorizando a retomada da atividade ou de que a área se destinava à subsistência familiar, não se verifica a probabilidade do direito invocado, requisito essencial à concessão da tutela de urgência nos termos do art. 300 do CPC. IV. Dispositivo e tese 7. Recurso não provido. Tese de julgamento: “1. Os atos administrativos ambientais gozam de presunção de legitimidade, sendo ônus do impugnante comprovar eventual ilegalidade. 2. A suspensão dos efeitos de auto de infração, termo de embargo/interdição e termo de apreensão exige a demonstração dos requisitos do art. 300 do CPC, notadamente a probabilidade do direito e o perigo de dano. 3. Em matéria ambiental, aplica-se o princípio da precaução, com inversão do ônus da prova, incumbindo ao particular demonstrar a regularidade de sua conduta.” __________ Dispositivos relevantes citados: Lei 9.605/1998, arts. 25 e 72, VII; Decreto Federal 6.514/2008, arts. 3º, VII, 15-B, 102; Lei Complementar Estadual 38/1995, art. 116; Decreto Estadual 1.436/2022, arts. 12, 18, § 1º; CPC, art. 300. Jurisprudência relevante citada: STJ, AREsp 1.084.396/RO, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, j. 19.09.2019. (N.U 1001458-81.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, RODRIGO ROBERTO CURVO, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 17/05/2025, Publicado no DJE 17/05/2025).” (grifei). Quanto à alegação de falta de motivação, verifica-se que os agentes ambientais indicaram o quantum exato do dano ambiental, por meio de relatório técnico e fotográfico, fazendo o adequado enquadramento da conduta do requerido. No que tange à suposta violação ao devido processo legal, cabe ressaltar que as esferas administrativa, civil e penal são independentes em matéria ambiental, conforme dispõe o art. 225, § 3º, da Constituição Federal. Assim, a presente ação civil pública é perfeitamente cabível, independentemente da conclusão do processo administrativo. Ademais, o requerido sequer produziu provas para desconstituir os atos administrativos. Sua contestação foi instruída apenas com cópias: da escritura pública de compra e venda, mandado de cumprimento de liminar e certidão, mandado de reintegração de posse, ofício de encaminhamento da liminar, extrato processual, boletim de ocorrência, cujos expedientes são todos oriundos da citada ação de reintegração de posse nº 115-47.2014.811.0099 (id. 69404834, pgs. 39/57). Assim, o requerido não trouxe nenhum documento que desqualificasse os autos de infrações. Aliás, intimado a especificar provas o requerido permaneceu inerte e nada postulou. Era ônus do requerido, conforme o art. 373, II, do CPC, do qual não desincumbiu, demonstrar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, o que não fez. Veja o disposto no citado regramento: “Art. 373. O ônus da prova incumbe: [...] II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.” Quanto ao pedido formulado pelo Ministério Público para inversão do ônus da prova, é certo que a Sumula 618 do STJ autoriza a inversão do ônus da prova em ações de degradação ambiental “"A inversão do ônus da prova aplica-se às ações de degradação ambiental." Todavia, não se mostra razoável inverter o ônus da prova na sentença, porquanto acaba por não oportunizar a produção de provas e, comprometer, assim, o direito ao contraditório e à ampla defesa. Neste sentido: “DIREITO AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. SENTENÇA ANULADA. RECURSO PROVIDO. I. [...] A jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça determina que a inversão do ônus da prova, sem oportunizar a produção de provas essenciais, compromete o direito ao contraditório e à ampla defesa, justificando a anulação da sentença. IV. Dispositivo e tese. Recurso provido. Sentença anulada. Tese de julgamento: “A inversão do ônus da prova sem a devida oportunidade para a produção de provas requeridas pela parte configura cerceamento de defesa, impondo-se a anulação da sentença para garantir o contraditório e a ampla defesa” (N.U 1000159-86.2022.8.11.0093, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, RODRIGO ROBERTO CURVO, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 25/09/2024, Publicado no DJE 27/09/2024).” (grifei). Ainda: “DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRELIMINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. ACOLHIDA. JULGAMENTO ANTECIPADO APÓS SUSPENSÃO DOS AUTOS. SEM INTIMAÇÃO PRÉVIA DA PARTE. ARTIGO 10 DO CPC. SENTENÇA ANULADA. RECURSO PROVIDO. RECURSO DO MP. PREJUDICADO. I. Caso em exame 1. Recursos de apelação contra sentença que julgou procedentes os pedidos iniciais para condenar o réu à recuperação ambiental de área degradada, abstenção de novas lesões ambientais, além do pagamento de indenizações por danos materiais e morais coletivos. II. Questão em discussão 2. A questão controvertida consiste em analisar eventual cerceamento de defesa em razão do julgamento antecipado da lide sem a devida intimação da parte. III. Razões de decidir 3. Configurou-se cerceamento de defesa em virtude da ausência de intimação do réu para manifestação após o encerramento da suspensão processual, com subsequente prolação de sentença, o que violou os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LV; CPC, arts. 9º e 10). 4. A jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça entende que a inversão do ônus da prova sem que posteriormente se oportunize a produção de provas compromete o direito ao contraditório e à ampla defesa. IV. Dispositivo e tese 5. Recurso de Manoel de Oliveira Neto provido. Recurso do Ministério Público prejudicado. Sentença anulada. Tese de julgamento: “Vide precedentes do STJ, a decisão surpresa e o cerceamento de defesa acarretam a nulidade do julgamento recorrido para que seja determinado o retorno dos autos ao tribunal de origem para o devido cumprimento de normas processuais, sobretudo dos artigos 9 e 10.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LV; CPC, arts. 9º, 10, 269, 487, I. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp 1.743.765/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, j. 16/11/2021; STJ, AgInt nos EDcl no AREsp 2049625/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 22.05.2023; TJMT, N.U. 1000159-86.2022.8.11.0093, Rel. Des. Rodrigo Roberto Curvo, j. 25.09.2024; TJMT, N.U. 0001538-83.2016.8.11.0095, Rel. Des. Mário Roberto Kono de Oliveira, j. 14/05/2024, TJMG, N.U 10024101873446007 Rel. José Arthur Filho, j. 25/06/2019. (N.U 1000399-20.2023.8.11.0100, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, JOSE LUIZ LEITE LINDOTE, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 24/04/2025, Publicado no DJE 24/04/2025).” (grifei). Por fim: “RECURSO DE APELAÇÃO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL – EXERCÍCIO DE ATIVIDADE POTENCIALMENTE POLUIDORA SEM LICENÇA DO ÓRGÃO AMBIENTAL COMPETENTE – CARVOARIA – SENTENÇA CONDENATÓRIA – JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA EM FAVOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL – AUSÊNCIA DE OPORTUNIZAÇÃO DA PRODUÇÃO DE PROVAS REQUERIDAS EM SEDE DE CONTESTAÇÃO – CERCEAMENTO DE DEFESA – CARACTERIZAÇÃO – ANULAÇÃO DA SENTENÇA – PREJUÍZO MANIFESTO – RECURSO PROVIDO. [...] 2. No caso, o Magistrado julgou a lide com a inversão do ônus da prova em favor do Ministério Público Estadual sem realização da etapa probatória do processo e não proferiu julgamento com base em questões incontroversas, mas sim a partir da valorização dos argumentos e provas até o momento constantes nos autos. Ao assim proceder, abreviou o rito processual, eliminando uma etapa do procedimento ordinário sem apresentar a necessária fundamentação e adequação às hipóteses legais, de forma a dar validade à opção por ele exercida, situação que caracteriza cerceamento de defesa e impõe a anulação da sentença, com o retorno dos autos para prosseguimento da ação com a produção de provas.” (TJMT, N.U. 0001623-57.2012.8.11.0015, Relª. Desa. Helena Maria Bezerra Ramos, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, j. 05.4.2021).” (grifei). De mais a mais o pedido de inversão do ônus da prova formulado pelo Ministério Público mostra-se incompatível com o pleito que fez de julgamento antecipado da lide. Não se mostra razoável inverter o ônus da prova nesta fase, sentença, quando o requerido sequer manifestou interesse de produzi-la e, principalmente, quando o Ministério Público pediu, expressamente, o julgamento antecipado da lide e o juízo também já verificou a presença de elementos suficientes para sua convicção. Logo, em razão da singularidade consistente no pedido expresso de julgamento antecipado da lide formulado pelo próprio autor, indefere-se o pedido de inversão do ônus da prova também por ele postulado. A controvérsia ainda se dá quanto à eventual responsabilidade do requerido pelo desmatamento ilegal de 245,82 hectares de floresta nativa do bioma amazônico, sem autorização do órgão ambiental competente, e pelo descumprimento do embargo mediante atividade de pecuária na área embargada. A Constituição Federal, em seu art. 225, estabelece que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações." E o § 3º do referido regramento dispõe que "as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados." No caso em tela, restou comprovado, por meio dos autos de infração, relatórios técnicos e fotográficos elaborados pelo IBAMA, que não foram desconstituídos pelo requerido, que houve mesmo o desmatamento ilegal de 245,82 hectares de floresta nativa do bioma amazônico na propriedade do requerido, sem autorização do órgão ambiental competente. Ademais, ficou demonstrado que o requerido descumpriu o embargo imposto pelo IBAMA, ao exercer atividade de pecuária na área embargada, conforme constatado em vistoria realizada em 27/06/2018, que resultou na lavratura do Auto de Infração nº 9145027-E. O requerido, por sua vez, embora tenha alegado, não logrou êxito em comprovar suas alegações de que o desmatamento teria sido causado por invasores. Embora tenha juntado documentos relativos a um processo de reintegração de posse (nº 115-47.2014.811.0099), não demonstrou de forma inequívoca que o desmatamento constatado pelo IBAMA em 2017 e 2018 foi praticado pelos supostos invasores. A prova diz respeito exclusivamente a invasão de terras, mas não atribui a terceiros a responsabilidade pelo desmatamento demonstrado pelo órgão ambiental. Conforme já consignado, era ônus do requerido, conforme o art. 373, II, do CPC, do qual não desincumbiu, demonstrar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, o que não fez. E a omissão importa suportar os ônus dela decorrentes. Aliás, importante ainda ressaltar que, em matéria ambiental, a responsabilidade civil é objetiva, conforme dispõe o §1º do art. 14, da Lei nº 6.938/81, que dispõe: “Art 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: [...] § 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.” Aliás, dispõe a Sumula 623 do STJ: “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor.” Veja ainda o disposto no §2º do art. 2º da Lei nº 12.651/2012: “Art. 2º As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação nativa, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem. [...] § 2º As obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural.” De notar-se que a jurisprudência, inclusive, do Tribunal de Justiça Estadual, é no mesmo sentido, ou seja, de que a responsabilidade civil por dano ambiental é objetiva, solidária e propter rem, vale dizer, segue o bem, independentemente do proprietário. Veja: “DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO ILEGAL EM IMÓVEL SITUADO NA AMAZÔNIA LEGAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA E PROPTER REM. POSSE FORMAL DO REQUERIDO. DANO PRATICADO POR INVASORES. IRRELEVÂNCIA JURÍDICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. ELABORAÇÃO E EXECUÇÃO DE PRAD. INDENIZAÇÃO PECUNIÁRIA COMO MEDIDA SUBSIDIÁRIA. DANO MORAL COLETIVO. AUSÊNCIA DE GRAVIDADE E REPERCUSSÃO SOCIAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. APELAÇÕES CÍVEIS CONHECIDAS E DESPROVIDAS. I. CASO EM EXAME 1. O Ministério Público do Estado de Mato Grosso propôs ação civil pública em face do requerido, em razão de desmatamento ilegal de 104,47 hectares em área de preservação permanente na Amazônia Legal, ocorrido em imóvel rural sob sua posse formal. 2. A sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Aripuanã reconheceu a responsabilidade civil do requerido, impondo-lhe obrigação de fazer – apresentação e execução do PRAD – e, subsidiariamente, o pagamento de R$ 540.229,00 em caso de inadimplemento. Rejeitou o pedido de indenização por dano moral coletivo. 3. O Ministério Público apelou para requerer a condenação por danos morais coletivos, ao passo que o requerido interpôs apelação sustentando ilegitimidade passiva, com pedido alternativo de inclusão dos invasores e, subsidiariamente, a redução do valor da indenização. 4. Ambas as apelações foram conhecidas e desprovidas. II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO 5. Há duas questões em discussão: (i) saber se o proprietário ou possuidor do imóvel responde pela recomposição da área degradada, mesmo quando o dano é atribuído a invasores; (ii) saber se estão presentes os requisitos para a caracterização do dano moral coletivo e sua consequente indenização. III. RAZÕES DE DECIDIR 6. A responsabilidade civil por dano ambiental é objetiva, nos termos do art. 225, § 3º, da Constituição Federal e art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81, sendo dispensável a prova de culpa. 7. A obrigação de reparar o dano tem natureza propter rem, recaindo sobre o proprietário ou possuidor da área degradada, ainda que terceiros tenham sido os autores do fato, conforme a Súmula 623 do STJ e o art. 2º, § 2º, da Lei nº 12.651/2012. 8. O Auto de Infração lavrado pela SEMA, juntamente com o relatório técnico, confirmou a extensão e localização do dano ambiental, permitindo imputar responsabilidade ao requerido. 9. A indenização fixada (R\$ 540.229,00) é adequada à extensão do dano e constitui medida subsidiária, exigível apenas na hipótese de inadimplemento da obrigação principal de recuperação ambiental. 10. Quanto ao pedido de indenização por danos morais coletivos, embora se reconheça a gravidade da conduta, não houve demonstração de ofensa direta a valores comunitários fundamentais, tampouco de repercussão social significativa. 11. O requerido adotou medidas judiciais prévias para impedir a continuidade da degradação, como ação possessória, o que reforça a ausência de dolo ou desprezo à coletividade. 12. A jurisprudência exige, para a configuração do dano moral coletivo, conduta com desprezo manifesto a valores difusos e repercussão moral coletiva, o que não ficou comprovado no caso concreto. IV. DISPOSITIVO E TESE 13. Negam-se provimentos às apelações interpostas pelo Ministério Público e pelo requerido. Tese de julgamento: “A responsabilidade ambiental por dano em área de preservação permanente recai sobre o proprietário ou possuidor do imóvel, ainda que o desmatamento tenha sido praticado por terceiros invasores, em razão da responsabilidade objetiva e da natureza propter rem da obrigação ambiental. A condenação por dano moral coletivo exige demonstração de especial gravidade e repercussão social do dano, o que não se verifica quando o responsável formal adota medidas para evitar o ilícito e não se evidencia nexo direto entre sua conduta e a lesão moral coletiva.” Dispositivos relevantes citados Constituição Federal, art. 225, § 3º; Lei nº 6.938/81, art. 14, § 1º; Lei nº 12.651/2012, art. 2º, § 2º. Jurisprudência relevante citada STJ, AgInt no REsp 1.633.715/SC; TJMT, AC 0000521-78.2017.8.11.0094; TJMT, AC 00019026320148110018; TJMT, N.U. 00022375420-10.8.11.0008; TJSP, AC 1007616-09.2015.8.26.0566; Súmula 623/STJ. (N.U 1001148-44.2021.8.11.0088, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, LUIS OTAVIO PEREIRA MARQUES, Regime de Cooperação da 2ª Câmara de Direito Público, Julgado em 09/06/2025, Publicado no DJE 09/06/2025).” (grifei). Assim, ainda que o requerido não tenha sido o autor direto do desmatamento, o que não restou comprovado nos autos, responde objetivamente pelos danos ambientais ocorridos em sua propriedade, em razão da natureza propter rem da obrigação de reparar o dano ambiental. Ademais, o requerido, ao adquirir a propriedade, assumiu a responsabilidade pela manutenção da área de preservação permanente e de reserva legal, bem como pela recuperação de eventuais danos ambientais preexistentes. Quanto ao descumprimento do embargo, ficou comprovado que o requerido exercia atividade de pecuária na área embargada, o que configura infração administrativa e impede a regeneração natural da vegetação. Portanto, restou configurada a responsabilidade do requerido pelos danos ambientais descritos na inicial, bem como pelo descumprimento do embargo imposto pelo IBAMA. Verifica-se do pedido inicial que foi postulado a condenação do requerido na recuperação da área desmatada e também ao pagamento de danos materiais. Não foi postulado pedido de condenação por danos morais coletivos, conforme fragmento da petição inicial que se transcreve (id. 69404832, p. 9); “DO DANO MORAL COLETIVO E DA PERDA DOS INCENTIVOS FISCAIS E FINANCIAMENTOS OFICIAIS Embora fosse possível a formulação de pedido de dano moral coletivo, previsto no artigo 1°. caput, Lei n° 7.347/85, bem como a perda de incentivos fiscais e financiamentos oficiais, prevista no artigo 14 da lei de Política Nacional do Meio Ambiente, tratando-se de desmatamento inferior a área do módulo fiscal neste Municipio (100ha) e, ainda, havendo sinais de hipossuficiência econômica, e, finalmente, considerando que a perda de incentivos fiscais ou financiamentos oficiais poderia impedir qualquer reparação do dano ambiental, bem como agravar a situação de pobreza, o MINISTÉRIO PÚBLICO entende não ser o caso de serem formulado tais pedidos. O objeto da presente ação é a tutela do meio ambiente, mas não é possível ao Parquet fechar os olhos diante da realidade social, nem tem a presente ação o objetivo de agravar a penúria de quem já enfrenta situações adversas de vida no campo.”. (grifo próprio e nosso). E quanto a cumulação das condenação de regeneração da área degradada e ao pagamento de danos materiais, não se olvida de que a Súmula 629 do STJ preceitua que “Quanto ao dano ambiental, é admitida a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de indenizar”. Contudo, a Corte Superior também reconhece que esse acúmulo não é obrigatório ou direto, porquanto está relacionado com a impossibilidade de recuperação total da área degradada. Vale dizer, a condenação do agente causador do dano ambiental ao pagamento de indenização por dano material justifica-se quando for impossível a recuperação total do dano ambiental causado. Caso em que não demonstrada tal situação, não há falar nesta específica indenização. Nesse sentido: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 489, § 1º, IV E VI E 1.022, II, DO CPC/2015. NÃO OCORRÊNCIA. DANO AMBIENTAL. INDENIZAÇÃO CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER. CABIMENTO. NÃO OBRIGATORIEDADE. POSSIBILIDADE DE RECUPERAÇÃO TOTAL DA ÁREA DEGRADADA. PRECEDENTES. PEDIDO INDENIZATÓRIO INDEFERIDO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. Tendo o recurso sido interposto contra decisão publicada na vigência do Código de Processo Civil de 2015, devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele previsto, conforme Enunciado Administrativo n. 3/2016/STJ. 2. É de se reconhecer a ausência de violação dos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015 quando a aplicação do direito ao caso, ainda que por meio de solução jurídica diversa da pretendida por um dos litigantes, não induz negativa ou ausência de prestação jurisdicional. Precedentes. 3. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que, em se tratando de dano ambiental, é possível a cumulação da indenização com obrigação de fazer, porém tal cumulação não é obrigatória e está relacionada com a impossibilidade de recuperação total da área degradada. Inteligência da Súmula 629/STJ. Precedentes. 4. O acórdão recorrido assentou compreensão segundo a qual a recuperação ambiental da área é possível e foi estabelecido o modo pelo qual se dará. A revisão do aludido entendimento, a fim de que o réu, ora agravado, arque com a indenização pecuniária, impõe o reexame de fatos e provas, o que, em sede de recurso especial, encontra óbice na Súmula 7/STJ. 5. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp n. 2.061.407/SP, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 20/11/2023, DJe de 22/11/2023)” (g.n.). Ainda: “PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. DESPROVIMENTO DO AGRAVO INTERNO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. NÃO VIOLAÇÃO DOS ARTS. 489 E 1.022 DO CPC/2015. INCIDÊNCIA ENUNCIADOS N. 283 E 284 DA SÚMULA DO STF. INCIDÊNCIA ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA DO STJ. [...] V - E, quanto à cumulação de obrigações em matéria de responsabilidade ambiental, tem-se que o enunciado n. 629 da Súmula do STJ consolidou o entendimento de que: "Quanto ao dano ambiental, é admitida a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de indenizar." VI - É dizer, "em se tratando de dano ambiental, é possível a cumulação da indenização com obrigação de fazer, porém tal cumulação não é obrigatória e está relacionada com a impossibilidade de recuperação total da área degradada." (AgInt no REsp 1.633.715/SC, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 11/5/2017.) [...] VIII - Agravo interno improvido. (AgInt no AREsp n. 2.196.891/RJ, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 27/3/2023, DJe de 31/3/2023)” (g.n.). No mesmo norte: “PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. DANO AO MEIO AMBIENTE (SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO). INDENIZAÇÃO PECUNIÁRIA. PAGAMENTO. CABIMENTO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIABILIDADE. 1. Inexiste ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015 quando o Tribunal de origem se manifesta de modo fundamentado acerca das questões que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos autos, porquanto julgamento desfavorável ao interesse da parte não se confunde com negativa ou ausência de prestação jurisdicional. 2. O Superior Tribunal de Justiça, apesar de admitir a possibilidade de cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar em decorrência de dano ambiental, tal como registra o enunciado da Súmula 629 do STJ, também reconhece que esse acúmulo não é obrigatório e se relaciona com a impossibilidade de recuperação total da área degradada. Precedentes. 3. Em ação civil pública proposta com o objetivo de reparar dano ambiental (supressão de vegetação), a Corte de origem manteve a rejeição da pretensão indenizatória por se convencer, após minucioso exame dos elementos fáticos contidos nos autos, que, "no caso concreto, o meio ambiente se recompôs naturalmente, e anos já se passaram desde o evento", de forma que inexiste "área a ser recuperada e dano a ser indenizado." 4. Como declinado pela eminente Subprocuradora-Geral da República que subscreve o parecer lançado nos presentes autos, "a reforma do julgado, com o reconhecimento da ocorrência de dano a ser indenizado, é questão que demanda a incursão no material probatório dos autos, medida indevida em sede de recurso especial, ante o óbice da Súmula 7 do STJ." Precedentes. 5. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 2.444.601/RS, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 6/8/2024, DJe de 23/8/2024)” (g.n.). Ora, tal entendimento encontra guarida no sentido de que a indenização pecuniária deverá ser a última opção de reparação ambiental, utilizada apenas, excepcionalmente, quando não for possível a reparação in natura, que, afinal, é o que efetivamente se espera do direito ambiental, ou seja, que se estabeleçam meios e condições para o reestabelecimento do status quo do meio ambiente, ou que se aproxime daquela condição anterior a degradação. Em outros termos, a cumulação só se justifica quando há necessidade de complementação, por insuficiência das demais condenações, e em razão das peculiaridades do litígio. Aliás, este também o entendimento do e. Tribunal de Justiça de nosso Estado. Veja: “DIREITO AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. DESMATAMENTO SEM AUTORIZAÇÃO. REPARAÇÃO PECUNIÁRIA E OBRIGAÇÃO DE FAZER. IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO. DANO RECUPERÁVEL. RECURSO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelação Cível interposta por Elenita Santos Cavalcante de Oliveira contra sentença que, nos autos de Ação Civil Pública Ambiental, julgou parcialmente procedente o pedido inicial, condenando a requerida à reparação pecuniária pelo dano ambiental e à recuperação da área degradada de 58,34 hectares, resultante de desmatamento sem autorização, localizado em área de preservação especial no bioma amazônico. II. Questão em discussão 2. A controvérsia envolve a possibilidade de cumulação da condenação pecuniária com a obrigação de fazer (reflorestamento e recuperação ambiental), considerando que a degradação é passível de recuperação. III. Razões de decidir 3. A responsabilidade civil ambiental é objetiva e impõe ao degradador a obrigação de reparar o dano na medida do possível. Conforme o entendimento consolidado pelo STJ, a cumulação de indenização pecuniária com a obrigação de fazer somente é admissível quando comprovado dano ambiental irreparável ou persistente. 4. No caso concreto, verifica-se que a sentença já impôs a obrigação de recuperação integral da área degradada, sendo desnecessária a reparação pecuniária, visto que não restou comprovada a irreversibilidade do dano ambiental. 5. Assim, a condenação à reparação pecuniária mostra-se desproporcional, devendo ser afastada, mantendo-se a obrigação de recuperação da área degradada. IV. Dispositivo e tese 6. Recurso conhecido e provido, reformando-se a sentença para afastar a condenação em indenização pecuniária, mantendo-se a condenação quanto à obrigação de recuperação ambiental. Tese de julgamento:"A cumulação de obrigação de fazer com indenização pecuniária em dano ambiental é incabível quando a degradação é recuperável, limitando-se a condenação à reparação integral da área degradada." Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 225; Lei n. 6.938/1981, art. 14, §1º; CPC/2015, art. 373. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1165281/MG, Rel. Ministra Eliana Calmon, DJe 17.05.2010; TJ-MT, APL 0001757-79.2010.8.11.0007, Rel. Des. Gilberto Lopes Bussiki, julgado em 10/06/2019. (N.U 1000014-65.2024.8.11.0091, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, Terceira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 04/12/2024, Publicado no DJE 07/01/2025)” (g.n.). Ainda: “AGRAVO INTERNO – RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL – SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO NATIVA EM ÁREA FORA DA RESERVA LEGAL, SEM AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO AMBIENTAL COMPETENTE – AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE – CONDENAÇÃO À OBRIGAÇÃO DE FAZER DE RECUPERAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA E AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO – PRETENSÃO DE CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO PELOS DANOS MATERIAIS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE – CUMULAÇÃO DE SANÇÕES QUE NÃO DECORRE DA LEI, MAS DAS PECULIARIDADES DE CADA CASO – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE DANO AMBIENTAL NÃO RECUPERÁVEL – INDENIZAÇÃO PECUNIÁRIA – DESCABIMENTO – PRECEDENTES DO STJ – RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO MONOCRATICAMENTE - DANOS MORAIS COLETIVOS – CARÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL – DECISÃO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. 1. Apesar da possibilidade de cumulação das medidas de obrigação de fazer e de indenização em sede de responsabilização por dano ambiental; segundo a jurisprudência do STJ, a sua aplicação não decorre de lei, mas da análise casuística de cada caso e as suas peculiaridades, ocasião em que são consideradas as consequências da prática danosa, a fim de se verificar a efetiva necessidade de que haja cumulação, uma vez que esta não é obrigatória e está relacionada com a impossibilidade de recuperação total da área degradada. 2. Ausente a comprovação da existência de dano material ambiental não recuperável, descabido o pleito de indenização pecuniária. (N.U 0002458-28.2018.8.11.0082, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 01/04/2024, Publicado no DJE 23/04/2024)” (g.n.). No mesmo sentido: “DIREITO AMBIENTAL – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL – ESGOTO A CÉU ABERTO – DANO AO MEIO AMBIENTE CONFIGURADO – IMPOSSIBILIDADE DE RECUPERAÇÃO – NÃO COMPROVAÇÃO – INDENIZAÇÃO PECUNIÁRIA – DESCABIDA – NÃO PROVIMENTO. A condenação do agente causador do dano ambiental ao pagamento de indenização pecuniária justifica-se quando houver a impossibilidade de recuperação total do dano ambiental causado. Não demonstrada tal situação, não há falar em indenização. (TJ-MT - AC: 00018049820208110008, Relator: MARCIO VIDAL, Data de Julgamento: 11/9/2023, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 18/9/2023)” (g.n.). Sob tal viés, em que pese a Constituição Federal impor a toda à coletividade o dever de preservar e proteger o meio ambiente, devem ser considerados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade para a aplicação da responsabilidade civil ambiental. Isto porque, frisa-se, o objetivo da reparação ambiental não implica tão somente a indenização pecuniária, mas, na medida do possível, na recuperação das condições ambientais anteriores, ou seja, o status quo – o que deve ser priorizado na responsabilização civil ambiental. Ou seja, se a recuperação in natura é suficiente para a recomposição do meio ambiente afetado, não há razão para impor, cumulativamente, o dever de indenizar em pecúnia o dano perpetrado pelo infrator, devendo, no entanto, tal condenação de indenização em dano material ambiental deve se dar como obrigação alternativa de pagar em caso de descumprimento da obrigação de fazer (apresentação de CAR e PRAD). E na hipótese não se mostra razoável a cumulação da obrigação de fazer e a de pagar pelo dano material ambiental, porquanto visualizado a possibilidade da recuperação/regeneração da área desmatada. Tanto é que o próprio autor pediu a condenação do requerido na recuperação da parte degradada. Contudo, deve ser mantida a condenação por danos materiais na forma de obrigação alternativa de pagar, em caso, portanto, de descumprimento da obrigação de fazer de regeneração da área, cujo valor será apurado em sede de liquidação de sentença. Ante o exposto, julgo parcialmente procedente os pedidos formulados na petição inicial e declaro a extinção da ação, com resolução de mérito, forte no art. 487, I, do Código de Processo Civil, para: 1. CONFIRMAR a tutela de urgência deferida, tornando definitivas as seguintes obrigações: a) Obrigação de não fazer, consistente em isolar a área degradada e abster-se de exercer atividade agropecuária no local de floresta degradada, de modo a permitir sua regeneração natural, sob pena de multa diária no valor de R$ 100,00 (cem reais) limitada ao valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais); b) Obrigação de fazer, consistente em apresentar o Cadastro Ambiental Rural (CAR) atualizado, com a indicação da área de reserva legal e área de preservação permanente, no prazo de 90 (noventa) dias, sob pena de multa diária no valor de R$ 50,00 (cinquenta reais), limitada ao valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais); c) Obrigação de fazer, consistente em tolerar, permitir e respeitar os atos e ações de iniciativa de projetos do Poder Público ou organizações não governamentais para promover de forma proativa o reflorestamento da área degradada, sob pena de multa de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) em caso de descumprimento; 2. CONDENAR o requerido na obrigação de fazer, consistente em elaborar e executar Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD) para a área de 245,82 hectares de floresta nativa desmatada ilegalmente, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, a ser aprovado pelo órgão ambiental competente, sob pena de multa diária no valor de R$ 100,00 (cem reais) limitada a R$ 100.000,00 (cem mil reais); 3. CONDENAR o requerido, subsidiariamente, ou seja, exclusivamente para o caso de eventual descumprimento do comando da sentença que o ordenou promover a regeneração da área degradada (item 2), ao pagamento de indenização pelos danos ambientais causados, no valor de R$ 245.820,00 (duzentos e quarenta e cinco mil, oitocentos e vinte reais), a ser revertido ao Fundo Estadual de Reparação de Direitos Difusos e Coletivos, com correção monetária pelo INPC a partir da data do evento danoso (25/01/2017) e juros de mora de 1% ao mês a partir da citação. Sem custas e honorários advocatícios, por ser o autor o Ministério Público (art. 18 da Lei nº 7.347/85). Após o trânsito em julgado, certifique-se e arquivem-se os autos com as baixas e anotações necessárias. Cumpra-se. (datado e assinado digitalmente) Laura Dorilêo Cândido Juíza de Direito designada para o NAE
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