Processo nº 1001214-55.2025.8.11.0000
ID: 336402354
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Turma de Câmaras Cíveis Reunidas de Direito Privado
Classe: AçãO RESCISóRIA
Nº Processo: 1001214-55.2025.8.11.0000
Data de Disponibilização:
28/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LANNING PIRES AMARAL
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA TURMA DE CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1001214-55.2025.8.11.0000 Classe: AÇÃO RESCISÓRIA (47) Assunto: [Locação de Imóvel, Co…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA TURMA DE CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1001214-55.2025.8.11.0000 Classe: AÇÃO RESCISÓRIA (47) Assunto: [Locação de Imóvel, Cobrança de Aluguéis - Sem despejo, Posse] Relator: Des(a). SERLY MARCONDES ALVES Turma Julgadora: [DES(A). SERLY MARCONDES ALVES, DES(A). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, DES(A). DIRCEU DOS SANTOS, DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [LANNING PIRES AMARAL - CPF: 890.365.731-49 (ADVOGADO), MARA REZENDE DE OLIVEIRA PIMENTEL - CPF: 875.306.511-53 (AUTOR), LUCIANA DE MATOS FIGUEIRA - CPF: 550.169.101-97 (REU), SAMUEL MORAES DE REZENDE - CPF: 383.690.281-87 (TERCEIRO INTERESSADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA TURMA DE CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: PROCEDENTE, UNÂNIME. E M E N T A DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. MANUTENÇÃO DE POSSE FUNDADA EM SUPOSTA UNIÃO ESTÁVEL E SIMULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO. VIOLAÇÃO MANIFESTA A NORMA JURÍDICA E ERRO DE FATO CONFIGURADOS. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO RESCISÓRIO COM REFORMA INTEGRAL DO ACÓRDÃO RESCINDENDO. I. CASO EM EXAME Ação Rescisória proposta por Mara Rezende de Oliveira Pimentel, com fundamento nos incisos V e VIII do art. 966 do CPC, visando à desconstituição de acórdão da Segunda Câmara de Direito Privado do TJMT que manteve sentença de procedência em ação de manutenção de posse ajuizada por Luciana de Matos Figueira, sob alegação de posse decorrente de união estável e simulação de compra e venda. A autora sustenta violação manifesta a normas jurídicas e erro de fato no acórdão rescindendo, requerendo, ainda, no juízo rescisório, o reconhecimento de seu direito à reintegração na posse do imóvel. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) verificar se o acórdão rescindendo violou manifestamente normas jurídicas ao reconhecer posse baseada em domínio não registrado e em alegações de simulação sem prévia desconstituição judicial do título; (ii) determinar se houve erro de fato na admissão de união estável e na origem dos recursos utilizados na aquisição do imóvel. III. RAZÕES DE DECIDIR A rescisão do acórdão se justifica por violação manifesta ao art. 1.245, § 2º, do CC e ao art. 252 da Lei nº 6.015/73, que atribuem eficácia plena ao registro imobiliário até sua desconstituição por ação própria. O acórdão rescindendo contrariou o art. 5º, XXXVI, da CF/1988 ao desconsiderar o registro de propriedade válido e o contrato de locação sem ação anulatória prévia, violando o princípio do ato jurídico perfeito e da segurança jurídica. A simulação da compra e venda e do contrato de locação foi reconhecida com base em prova exclusivamente testemunhal inconclusiva, em afronta à jurisprudência consolidada do STJ de que a simulação exige prova robusta. A caracterização da união estável foi feita em contrariedade aos elementos dos autos, que evidenciavam relação de concubinato impuro, dado que Samuel era e continua casado, configurando erro de fato nos termos do art. 966, VIII, do CPC. O reconhecimento da aquisição do imóvel “na constância da união estável” constitui erro de fato, uma vez que os documentos comprovam aquisição exclusiva por Samuel Moraes de Rezende, sem participação financeira da ré. A notificação extrajudicial enviada ao locatário para desocupação do imóvel constitui exercício regular de direito e não configura, por si só, turbação possessória, nos termos do art. 153 do CC e da jurisprudência consolidada. Contradições internas no acórdão rescindendo evidenciam fundamentação deficiente e erro na valoração da prova, comprometendo a coerência da decisão. No juízo rescisório, restou comprovada a propriedade da autora e a inexistência de posse autônoma da ré, impondo-se a improcedência da ação possessória e o reconhecimento do direito da autora à reintegração na posse. IV. DISPOSITIVO E TESE Pedido procedente. Tese de julgamento: Viola manifestamente norma jurídica a decisão que reconhece posse baseada em alegação de domínio não registrado, sem prévia desconstituição do título de propriedade por meio de ação própria. O reconhecimento de simulação de negócio jurídico exige prova robusta e não pode se fundar unicamente em depoimentos inconclusivos. Incorre em erro de fato a decisão que admite a existência de união estável quando os elementos dos autos indicam concubinato impuro. A notificação extrajudicial para desocupação de imóvel constitui exercício regular de direito e não configura turbação possessória. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXII, XXIII e XXXVI; CC, arts. 1.245, § 2º, 1.228, 104, 153 e 188; Lei nº 6.015/73, arts. 252 e 259; Lei nº 8.245/91, art. 13; CPC/2015, art. 966, V e VIII; Súmula 487 do STF. Jurisprudência relevante citada: TJ-SC, APL nº 5004591-94.2021.8.24.0015, Rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 16.05.2023; TJMG, APL nº 1.0434.18.000528-3/001, Rel. Des. Márcio Idalmo Santos Miranda, j. 26.07.2023. R E L A T Ó R I O AÇÃO RESCISÓRIA 1001214-55.2025.8.11.0000 AUTOR: MARA REZENDE DE OLIVEIRA PIMENTEL REQUERIDA: LUCIANA DE MATOS FIGUEIRA Eminentes Pares, Trata-se de Ação Rescisória ajuizada por MARA REZENDE DE OLIVEIRA PIMENTEL, com fundamento no art. 966, V e VIII, do Código de Processo Civil, com o objetivo de desconstituir acórdão proferido pela Segunda Câmara de Direito Privado deste Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso nos autos do recurso de Apelação Cível nº 748-22.2011.8.11.0048, de relatoria do Desembargador Sebastião de Moraes Filho, referente à Ação de Manutenção de Posse proposta por LUCIANA DE MATOS FIGUEIRA em face da ora autora e de SAMUEL MORAES DE REZENDE. Em síntese, aduz que o acórdão rescindendo viola manifestamente norma jurídica (art. 966, V, do CPC) e foi fundado em erro de fato verificável do exame dos autos (art. 966, VIII, do CPC). Sustenta, em síntese, que em agosto de 2011, diante do atraso no pagamento dos aluguéis, a autora, na qualidade de proprietária e locadora, enviou notificação extrajudicial para desocupação do imóvel ao locatário Samuel Moraes de Rezende, que comunicou a ré Luciana de Matos Figueira, sua concubina adulterina. Narra que, em resposta, a ré propôs ação de manutenção de posse alegando que o imóvel fora adquirido por ambas as partes – tanto por ela quanto por Samuel Moraes de Rezende – há aproximadamente 14 anos, pelo preço de R$ 18.000,00, sendo que Samuel optou por registrar o imóvel em nome de sua sobrinha Mara Rezende de Oliveira, a ora autora, que seria "interposta pessoa", ou seja, "laranja" de Samuel. Relata que a sentença de primeiro grau, confirmada pelo acórdão rescindendo, acolheu os argumentos da ré acerca da existência de união estável entre ela e Samuel, bem como considerou simulada a compra e venda do imóvel e o contrato de locação, determinando a manutenção da ré na posse do bem. Aduz que o acórdão rescindendo "mais rebuscado revelou-se supra abundante eivado" ao admitir "presunção de fato inexistente", qual seja, a união estável entre Luciana e Samuel, ignorando provas que demonstram se tratar de concubinato impuro, conforme confissão da beneficiária da locação, testemunhas e documentos. Igualmente, admitiu "presunção de fato inexistente" quanto à simulação da venda do imóvel e do contrato de locação, sem que existisse qualquer ação anulatória, e desprezado "fato efetivamente ocorrido", qual seja, a vigência do direito de propriedade e locação do imóvel, reconhecida por documentos, partes e testemunhas. Argumenta que o acórdão viola manifestamente dispositivos da lei, especificamente: art. 5º, XXII, XXIII e XXXVI, da Constituição Federal; art. 1.245, §2º, art. 1.228, art. 104 e art. 188, todos do Código Civil; art. 493 e art. 494, IV do Código Civil/1916; art. 252 e art. 259 da Lei nº 6.015/73; e art. 13 da Lei 8.245/91. Sustenta que, sem ação anulatória própria da compra e venda, manteve-se a posse de quem tem mera expectativa de direito em detrimento da proprietária, em violação frontal do direito de propriedade protegido pela Constituição Federal. Argumenta que é a legítima proprietária do imóvel, com registro no cartório imobiliário competente, e que a ela assiste o direito de usar, gozar e dispor da coisa, inclusive alugando-a. Alega que o acórdão, ao reconhecer simulação de venda e locação sem processo anulatório próprio, viola o ato jurídico perfeito e o direito adquirido, bem como a segurança jurídica das relações. Afirma que o contrato de locação preenche todos os requisitos legais de validade, tendo sido firmado entre agente capaz (locadora proprietária do imóvel e locatário responsabilizando-se pelo aluguel para moradia dos filhos), com objeto lícito e forma prescrita em lei. No tocante ao erro de fato, sustenta que nenhuma das testemunhas ouvidas fez referência à suposta união estável entre Samuel e Luciana ou à simulação da venda do imóvel, limitando-se a responder perguntas estranhas à lide e que os depoimentos revelam apenas que, no ano de 1999, o ex-proprietário adquiriu o imóvel e cedeu para moradia de Luciana e filhos em comum, por mera liberalidade. Argumenta que o acórdão adotou como prova um fato equivocadamente presumido, baseado em outro fato também presumido, violando o livre convencimento motivado, que deveria emanar das provas e ser condicionado a regras jurídicas, não se tratando de opinião ou convicção despida de elementos concretos. Alega que o acórdão ignorou provas em sentido oposto, como a Declaração de Imposto de Renda do ano de 1999/2000 de Samuel Moraes de Rezende, que comprova a aquisição do imóvel com recursos próprios, bem como o fato de que Samuel era casado e permanece até hoje com seu cônjuge Anadir. Afirma ainda que a ré morava em São Paulo e adentrou no imóvel por liberalidade do pai concubino dos filhos em comum. Sustenta que a confissão da própria ré em audiência (transcrita na petição inicial) revela que "ele [Samuel] comprou essa casa e colocou eu e meus filhos dentro", além de admitir que Samuel "vivia com duas mulheres" e que ela seria "a segunda". Aponta contradição no acórdão rescindendo, que afirmou que "a discussão acerca da existência ou inexistência da compra e venda pouco importa para o deslinde do feito", mas posteriormente afirmou que "ficou evidenciado a simulação da compra do imóvel", e depois voltou a dizer que "as provas carreadas para os autos sejam os documentos tanto quanto a testemunhal por sua clareza bem comprovam a posse da apelada sobre o imóvel objeto da lide no restando dúvidas que se trata de um bem que integra seu patrimônio adquirido na constância da união estável", para finalmente confessar que "tem-se assim que comporta a dilação probatória acerca da validade ou invalidade do negócio jurídico e por conseguinte da propriedade do imóvel". Alega, ainda, violação ao art. 153 do Código Civil, ao considerar a notificação extrajudicial para desocupação do imóvel como ato de turbação possessória, quando na verdade constituiria exercício regular de direito. Por fim, sustenta violação ao art. 485, VI, do CPC/1973 e à Súmula 487 do STF, pois a ação possessória teria sido proposta com fundamento em suposto domínio em comum, ao arguir que o imóvel foi adquirido por ambas as partes (Luciana e Samuel), mas o segundo optou por registrar o bem em nome de Mara (interposta pessoa/laranja). Requer a procedência da ação rescisória para desconstituir o acórdão impugnado e, em novo julgamento, reconhecer a violação frontal e direta aos dispositivos legais mencionados, acolhendo a reintegração na posse do imóvel. Juntou documentos, entre os quais a petição inicial da ação de manutenção de posse, o acórdão rescindendo, documentos relativos ao imóvel e contrato de locação (IDs 263531261 a 263531283). Devidamente citada, a ré não apresentou contestação, conforme certidão de ID 288083862. A d. Procuradoria-Geral de Justiça, deixou de emitir parecer por entender não se tratar de hipótese de intervenção compulsória prevista no art. 178 do CPC, uma vez que a ação original (ação de despejo) não envolve discussão ou estudo envolvendo defesa de interesses metaindividuais ou indisponíveis, tratando-se de interesse individual e disponível que não se confunde com interesse público primário (id 297370370). É o relatório. V O T O R E L A T O R Eminentes pares, Trata-se de Ação Rescisória interposta por MARA REZENDE DE OLIVEIRA PIMENTEL, com fundamento no artigo 966, incisos V e VIII, do Código de Processo Civil, visando a desconstituição de acórdão proferido pela Segunda Câmara de Direito Privado deste egrégio Tribunal de Justiça, nos autos do recurso de Apelação Cível nº 748-22.2011.8.11.0048, que manteve sentença de procedência em ação de manutenção de posse ajuizada por LUCIANA DE MATOS FIGUEIRA. A autora fundamenta seu pedido nos incisos V e VIII do artigo 966 do CPC, que assim dispõem: "Art. 966. A decisão de mérito transitada em julgado pode ser rescindida quando: [...] V - violar manifestamente norma jurídica; [...] VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos." Passa-se ao exame individualizado de cada fundamento da rescisória. Da alegada violação manifesta à norma jurídica (Art. 966, V, CPC) Para configurar a hipótese de rescindibilidade prevista no inciso V do artigo 966 do CPC, faz-se necessária a comprovação da violação manifesta à norma jurídica, assim entendida como aquela que se apresenta de forma clara, direta e evidente, destoando de forma inconciliável do teor do dispositivo legal. A controvérsia está em saber se o acórdão rescindendo violou: art. 5º, XXII, XXIII e XXXVI, da Constituição Federal; art. 1.245, §2º, art. 1.228, art. 104 e art. 188, todos do Código Civil; art. 493 e art. 494, IV do Código Civil/1916; art. 252 e art. 259 da Lei nº 6.015/73; e art. 13 da Lei 8.245/91. No âmago da argumentação da autora reside o direito de propriedade e seus desdobramentos. Alega a rescindente que o acórdão, ao manter a posse do imóvel com a ré sem que houvesse prévia desconstituição do título de propriedade por meio de ação própria, violou frontalmente o direito de propriedade e o ato jurídico perfeito. Procede a argumentação da autora nesse ponto específico. Com efeito, o art. 1.245, § 2º, do Código Civil estabelece expressamente que "enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel". Complementando essa disposição, o art. 252 da Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos) reforça que "o registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido". Da análise do acórdão rescindendo, verifica-se que o Tribunal reconheceu a validade da posse da ré, sob o fundamento de que o imóvel teria sido adquirido durante a união estável havida entre ela e Samuel Moraes de Rezende, e que a compra em nome da autora seria simulada. No entanto, o fez sem que houvesse prévia desconstituição do título de propriedade em ação própria, violando diretamente o disposto no art. 1.245, § 2º, do Código Civil e no art. 252 da Lei de Registros Públicos. É certo que em ações possessórias vige o princípio da separação entre posse e propriedade, pelo qual, em regra, não se admite discussão sobre domínio. Todavia, essa regra comporta exceção quando a própria parte fundamenta seu pedido possessório em alegação de domínio. É o que se depreende da Súmula 487 do STF: "Será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver o domínio, se com base neste for ela disputada". No caso em tela, a ré fundamentou sua pretensão possessória na alegação de que o imóvel teria sido adquirido por ela e por Samuel Moraes de Rezende, sustentando que a autora seria mera "interposta pessoa" ou "laranja". Ao fundamentar seu pedido possessório na existência de suposto domínio (ainda que não formalizado no registro imobiliário), a ré atraiu a incidência da mencionada súmula. Ocorre que, para prevalecer a posse baseada em domínio contra aquele que detém o registro de propriedade, seria necessária a prévia invalidação do título por meio de ação própria, o que não ocorreu na espécie. Assim, ao reconhecer a simulação da compra e venda e do contrato de locação sem que houvesse ação anulatória prévia, o acórdão rescindendo violou manifestamente o art. 1.245, § 2º, do Código Civil e o art. 252 da Lei de Registros Públicos. Ademais, ao desconsiderar o registro de propriedade e o contrato de locação sem a prévia desconstituição por via própria, o acórdão também acabou por violar o princípio da segurança jurídica e o ato jurídico perfeito, protegidos pelo art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal. Especificamente quanto ao contrato de locação, observo que o acórdão rescindendo considerou simulado o negócio jurídico sem a devida fundamentação legal e sem demonstrar de forma cabal a presença dos requisitos para o reconhecimento da simulação. Cumpre ressaltar que, nos termos da jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, a simulação não se presume, devendo ser demonstrada de forma cabal por meio de provas robustas. No caso, o acórdão baseou-se em depoimentos testemunhais que não afirmaram categoricamente a inexistência da relação locatícia, mas apenas que a ré residia no imóvel. Referidos depoimentos, por si sós, não são suficientes para caracterizar a simulação do contrato de locação, especialmente considerando que o contrato estava devidamente formalizado e que a própria ré, em depoimento, admitiu que Samuel "comprou essa casa e colocou eu e meus filhos dentro", o que é compatível com a tese da autora de que o imóvel foi adquirido por Samuel, registrado em nome da autora e posteriormente alugado para moradia da ré e dos filhos. Quanto à alegada união estável entre a ré e Samuel Moraes de Rezende, é importante destacar que, conforme documentos juntados aos autos, Samuel era e continua sendo casado, o que, em princípio, configuraria situação de concubinato impuro, e não de união estável, nos termos da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Verifico, portanto, que o acórdão rescindendo, ao considerar simulados tanto a compra e venda do imóvel quanto o contrato de locação, sem a existência de ação própria para desconstituição de tais negócios jurídicos, e ao reconhecer a existência de união estável entre a ré e Samuel, quando os elementos dos autos apontavam para situação de concubinato impuro, violou manifestamente as normas jurídicas acima mencionadas. No que tange ao erro de fato que autoriza a rescisão do julgado, nos termos do art. 966, VIII, do CPC, é aquele que ocorre quando a decisão rescindenda admite um fato inexistente ou quando considera inexistente um fato efetivamente ocorrido, sendo indispensável, em ambos os casos, que não tenha havido controvérsia nem pronunciamento judicial sobre o fato. No caso em exame, a autora alega que o acórdão incorreu em erro de fato ao admitir a existência de união estável entre a ré e Samuel Moraes de Rezende, quando, na verdade, tratava-se de concubinato impuro, conforme confissão da própria ré em audiência e documentos que comprovariam que Samuel era e continua sendo casado. Com efeito, da análise dos documentos juntados aos autos, especialmente a transcrição do depoimento da ré em audiência, revela que ela própria admitiu que Samuel "vivia com duas mulheres" e que ela seria "a segunda", o que é incompatível com a noção de união estável e se amolda ao conceito de concubinato impuro. O acórdão rescindendo, ao afirmar categoricamente a existência de união estável entre a ré e Samuel, sem considerar os elementos probatórios que apontavam em sentido contrário, incorreu em erro de fato, admitindo como existente fato (união estável) que não encontrava respaldo nos elementos probatórios dos autos. Além disso, o acórdão também incorreu em erro de fato ao afirmar que o imóvel foi adquirido "na constância da união estável" entre a ré e Samuel, quando os documentos juntados aos autos, especialmente a declaração de imposto de renda de Samuel do ano-calendário 1999, comprovam que o imóvel foi adquirido com recursos próprios dele, sem qualquer menção à participação da ré. Destaca-se que tais questões – a existência ou não de união estável e a origem dos recursos para aquisição do imóvel – eram centrais para o deslinde da controvérsia, uma vez que a tese da ré se baseava justamente na alegação de que o imóvel teria sido adquirido durante a união estável, com participação financeira de ambos. Verifica-se, portanto, que o acórdão rescindendo incorreu em erro de fato ao admitir a existência de união estável entre a ré e Samuel, quando os elementos probatórios apontavam para situação de concubinato impuro, e ao considerar que o imóvel foi adquirido na constância dessa suposta união estável, quando documentos comprovam que foi adquirido exclusivamente com recursos de Samuel. A autora alega, ainda, que o acórdão rescindendo violou o disposto no art. 153 do Código Civil ao considerar como turbação possessória a notificação extrajudicial para desocupação do imóvel, enviada por ela ao locatário. O art. 153 do Código Civil estabelece que "não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial". Embora o dispositivo trate especificamente do vício de consentimento denominado coação, seu espírito também se aplica à caracterização da turbação possessória. Com efeito, a notificação extrajudicial para desocupação do imóvel constitui exercício regular do direito do locador, não podendo ser considerada, por si só, como ato de turbação possessória. A jurisprudência é pacífica no sentido de que a mera notificação extrajudicial para desocupação do imóvel não configura turbação possessória apta a justificar a propositura de ação de manutenção de posse. Veja-se: PROCESSUAL CIVIL E CIVIL - APELAÇÕES - INTERPOSIÇÃO SUCESSIVA - UNIRRECORRIBILIDADE - PRECLUSÃO CONSUMATIVA - OCORRÊNCIA A interposição sucessiva por uma das partes de duas apelações em processos conexos julgados por sentença una caracteriza ofensa ao princípio da unirrecorribilidade e preclusão consumativa, ou seja, a perda da faculdade de realizar determinado ato processual em razão de a parte já tê-lo exercido anteriormente. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - INTERDITO PROIBITÓRIO - AMEAÇA IMINENTE À POSSE NÃO DEMONSTRADA 1 A notificação para desocupação da residência, sob pena de ingresso de ação de reintegração de posse, não configura a ameaça injusta autorizadora do interdito possessório. 2 "O interdito proibitório não pode ser utilizado para impedir, mesmo por via reflexa, que o réu lance mão das medidas judiciais que entenda cabíveis" (AI n. 2001 .022775-4, Des. Newton Janke).” (TJ-SC - APL: 50045919420218240015, Relator.: Luiz Cézar Medeiros, Data de Julgamento: 16/05/2023, Quinta Câmara de Direito Civil) “DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - REEXAME NECESSÁRIO E RECURSO VOLUNTÁRIO - APELAÇÃO CÍVEL. REPRODUÇÃO DE RAZÕES JÁ APRESENTADAS ANTERIORMENTE COMO FUNDAMENTOS RECURSAIS - FATO QUE POR SI SÓ NÃO IMPLICA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL DO MUNICÍPIO - DEFESA JUDICIAL PATROCINADA POR PROCURADOR PÚBLICO - APRESENTAÇÃO DE INSTRUMENTO DE PROCURAÇÃO - DESNECESSIDADE. AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE - TUTELA POSSESSÓRIA - REQUISITOS. BEM IMÓVEL - NOTIFICAÇÃO DO POSSUIDOR PELO SUPOSTO PROPRIETÁRIO DA COISA - SOLICITAÇÃO DE DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL - EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. TURBAÇÃO - ATO MATERIAL QUE IMPLICA EM EMBARAÇO CONCRETO À POSSE ATUAL EXERCIDA SOBRE A COISA. FIGURA QUE, PER SE, NÃO PODE CARACTERIZAR-SE POR MEIO ESCRITO OU VERBAL - PRECEDENTES. PRETENSÃO CONTRAPOSTA DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM FAVOR DO ENTE MUNICIPAL - POSSE VELHA - NECESSIDADE DE VEICULAÇÃO POR VIA ORDINÁRIA. APELO PROVIDO EM PARTE - SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA EM REEXAME NECESSÁRIO - PEDIDOS, DE MANUTENÇÃO E DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE IMPROCEDENTES. (...) Nesse escopo, tem-se que mera notificação, enviada ao possuidor por quem entenda fazer jus à coisa possuída não configura, per se, embaraço suficiente à caracterização de turbação, visto tratar-se de ato praticado para a conservação do pretenso direito que este julgue ter sobre o bem, amoldando-se, pois, à hipótese de exercício regular do correspondente interesse jurídico. 6. Não sendo, portanto, a prática dita turbadora - mera notificação do possuidor, de forma verbal/informal - considerada minimamente apta à importunação da posse, improcede o pedido de manutenção possessória exclusivamente nela fundada.”(TJMG - 1.0434.18.000528-3/001 Relator: Des.(a) Márcio Idalmo Santos Miranda - Data do Julgamento: 26/07/2023 Data da Publicação: 27/07/2023 Dito isto, o acórdão rescindendo, ao considerar a notificação extrajudicial como ato de turbação possessória, interpretou de maneira manifestamente equivocada o conceito jurídico de turbação e violou o princípio do exercício regular de direito, insculpido no art. 153 do Código Civil. A autora aponta ainda diversas contradições no acórdão rescindendo, que ora afirma que "a discussão acerca da existência ou inexistência da compra e venda pouco importa para o deslinde do feito", ora sustenta que "ficou evidenciado a simulação da compra do imóvel", e posteriormente afirma que "as provas carreadas para os autos sejam os documentos tanto quanto a testemunhal por sua clareza bem comprovam a posse da apelada sobre o imóvel objeto da lide no restando dúvidas que se trata de um bem que integra seu patrimônio adquirido na constância da união estável", para finalmente admitir que "tem-se assim que comporta a dilação probatória acerca da validade ou invalidade do negócio jurídico e por conseguinte da propriedade do imóvel". Tais contradições, além de comprometerem a clareza e a coerência do acórdão, revelam a insuficiência da fundamentação e a existência de erro na valoração das provas, o que reforça a necessidade de rescisão do julgado. Diante de todo o exposto, verifica-se que o acórdão rescindendo violou manifestamente normas jurídicas, especialmente o art. 1.245, § 2º, do Código Civil, o art. 252 da Lei de Registros Públicos e o art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, além de ter incorrido em erro de fato ao admitir a existência de união estável entre a ré e Samuel Moraes de Rezende e ao considerar que o imóvel foi adquirido na constância dessa suposta união estável. Presentes, portanto, as hipóteses de rescindibilidade previstas nos incisos V e VIII do art. 966 do Código de Processo Civil, impõe-se a procedência da presente ação rescisória, com a consequente desconstituição do acórdão rescindendo. Desconstituído o acórdão, passa-se ao rejulgamento da causa, nos termos do art. 974 do CPC. DO REJULGAMENTO DA CAUSA (JUÍZO RESCISÓRIO) Trata-se, na origem, de ação de manutenção de posse proposta por Luciana de Matos Figueira em face de Samuel Moraes de Rezende e Mara Rezende de Oliveira, ora autora, objetivando a manutenção de sua posse sobre imóvel urbano situado na Rua P, nº 431, Bairro Cajus I, município de Juscimeira/MT. A ação possessória fundamentou-se na alegação de que o imóvel teria sido adquirido por ela e por Samuel há aproximadamente 14 anos, sendo que este teria optado por registrar o bem em nome de sua sobrinha Mara (ora autora), que seria "interposta pessoa" ou "laranja". Conforme já exaustivamente analisado, não há nos autos prova inequívoca de que o imóvel tenha sido adquirido conjuntamente pela ré e por Samuel. Ao contrário, os documentos juntados aos autos, especialmente a declaração de imposto de renda de Samuel do ano-calendário 1999, comprovam que o imóvel foi adquirido com recursos próprios dele, sem qualquer menção à participação da ré. Além disso, não há comprovação da existência de união estável entre a ré e Samuel Moraes de Rezende. Os elementos probatórios dos autos, incluindo a confissão da própria ré em audiência, apontam para a existência de concubinato impuro, e não de união estável, uma vez que Samuel era e continua sendo casado. No mais, a propriedade do imóvel está regularmente registrada em nome da autora desde 2001, sem que tenha havido qualquer ação visando à anulação desse registro. Nos termos do art. 1.245, § 2º, do Código Civil e do art. 252 da Lei de Registros Públicos, enquanto não promovida a decretação de invalidade do registro por meio de ação própria, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel. Quanto à posse da ré sobre o imóvel, verifica-se que ela decorre de relação mantida com Samuel Moraes de Rezende, que, por sua vez, mantinha relação locatícia com a autora, conforme contrato de locação juntado aos autos. Não se trata, portanto, de posse própria e autônoma da ré, mas de posse derivada da relação locatícia mantida entre Samuel e a autora. A notificação extrajudicial enviada pela autora ao locatário Samuel para desocupação do imóvel, por si só, não configura turbação possessória apta a justificar a propositura de ação de manutenção de posse, constituindo exercício regular de direito do locador. Por fim, vale ressaltar que, em situações em que a posse é disputada com fundamento no domínio, aplica-se a Súmula 487 do STF: "Será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver o domínio, se com base neste for ela disputada". No caso, sendo inconteste a propriedade da autora sobre o imóvel, e não tendo sido esta desconstituída por meio de ação própria, impõe-se o reconhecimento de sua melhor posse. Diante de todo o exposto, no juízo rescisório, reforma-se integralmente o acórdão rescindendo para julgar improcedente a ação de manutenção de posse proposta por Luciana de Matos Figueira, reconhecendo o direito de Mara Rezende de Oliveira à reintegração na posse do imóvel objeto da lide. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a presente ação rescisória para desconstituir o acórdão proferido nos autos da Apelação Cível nº 748-22.2011.8.11.0048 e, em juízo rescisório, reformo integralmente o acórdão rescindendo para julgar improcedente a ação de manutenção de posse proposta por Luciana de Matos Figueira, reconhecendo o direito de Mara Rezende de Oliveira à reintegração na posse do imóvel objeto da lide e condeno a requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 24/07/2025
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