Processo nº 1017751-29.2025.8.11.0000
ID: 335536298
Tribunal: TJMT
Órgão: Quarta Câmara Criminal
Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL
Nº Processo: 1017751-29.2025.8.11.0000
Data de Disponibilização:
28/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1017751-29.2025.8.11.0000 Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Assunto: [Corrupção passiva, Lavagem ou Ocultação de Bens, D…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1017751-29.2025.8.11.0000 Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Assunto: [Corrupção passiva, Lavagem ou Ocultação de Bens, Direitos ou Valores Oriundos de Corrupção, Prisão Preventiva, Habeas Corpus - Cabimento, Promoção, constituição, financiamento ou integração de Organização Criminosa] Relator: Des(a). HELIO NISHIYAMA Turma Julgadora: [DES(A). HELIO NISHIYAMA, DES(A). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, DES(A). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO] Parte(s): [CIRILLO GONZAGA DE ALMEIDA - CPF: 956.524.501-34 (ADVOGADO), DIONY LEONEL - CPF: 897.290.801-00 (IMPETRANTE), 5 VARA CRIMINAL DA COMARCA DE SINOP (IMPETRADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (TERCEIRO INTERESSADO), CIRILLO GONZAGA DE ALMEIDA - CPF: 956.524.501-34 (IMPETRANTE), DIONY LEONEL - CPF: 897.290.801-00 (PACIENTE), CRISTIANO OLIVEIRA DA SILVA - CPF: 019.636.251-29 (TERCEIRO INTERESSADO), JUÍZO DA 5ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE SINOP (IMPETRADO), LEIDIANE FREITAS - CPF: 048.916.361-06 (TERCEIRO INTERESSADO), WARLEY FERNANDES PIRES - CPF: 003.960.931-67 (TERCEIRO INTERESSADO), MUNICIPIO DE PEIXOTO DE AZEVEDO - CNPJ: 03.238.631/0001-31 (VÍTIMA), MUNICIPIO DE PEIXOTO DE AZEVEDO - CNPJ: 03.238.631/0001-31 (VÍTIMA)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE CONCEDEU PARCIALMENTE A ORDEM, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. EMENTA DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CORRUPÇÃO ATIVA, FALSIDADE IDEOLÓGICA, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA, CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL E APLICAÇÃO DA LEI PENAL. MEDIDAS CAUTELARES DE NATUREZA MAIS BRANDA. SUFICIÊNCIA, PROPORCIONALIDADE E ADEQUAÇÃO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. I. CASO EM EXAME 1. Habeas corpus impetrado contra decisão que indeferiu o pedido de revogação da prisão preventiva do paciente, imposta com fundamento na garantia da ordem pública, na conveniência da instrução criminal e na aplicação da lei penal. 2. Fatos relevantes: (i) paciente preso preventivamente no interesse de ação penal que apura a suposta prática dos crimes de corrupção passiva (CP, art. 317), falsidade ideológica (CP, art. 299), lavagem de dinheiro (Lei n. 9.613/98, art. 1º) e organização criminosa (Lei n. 12.850/2013, art. 2º, § 4º, inc. II); (ii) paciente servidor público municipal; (iii) no desempenho das atribuições de fiscalizar, controlar e atestar os serviços das empresas responsáveis pelo transporte escolar em áreas rurais, o paciente teria reiteradamente inserido em seus relatórios quilometragens maiores do que as efetivamente percorridas por ônibus de uma das empresas prestadoras daquele serviço, gerando ao município a obrigação de pagar por percursos não realizados; (iv) segundo as apurações preliminares, depois de receber os valores superfaturados, o sócio-administrador da empresa beneficiada repassava parte dos recursos ilícitos ao paciente e outros dois servidores públicos, por meio de transferências realizadas para contas bancárias vinculadas aos filhos menores de idade daqueles agentes. 3. Requerimentos: (i) revogação da prisão preventiva ou (ii) substituição da cautela extrema por medidas cautelares de natureza mais branda. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 4. A questão em discussão consiste em verificar se os fundamentos apresentados pela autoridade coatora são capazes de justificar a prisão preventiva. III. RAZÕES DE DECIDIR 5. A prisão preventiva (stricto sensu) e as medidas cautelares de natureza pessoal introduzidas pela Lei n. 12.403/2011 devem estar amparadas em prova da materialidade do crime e indícios suficientes de autoria (fumus comissi delicti) e atender a uma das hipóteses legais justificadoras (periculum libertatis). 6. Em razão do seu caráter excepcional e subsidiário, a custódia cautelar é reservada apenas a situações em que as alternativas legais menos severas se mostrem insuficientes e inadequadas para garantir a ordem pública, a ordem econômica, a instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal (CPP, art. 282, § 6º). 7. Na hipótese, os fatos motivadores da segregação cautelar não se revestem de gravidade excepcional, tampouco refletem uma periculosidade acentuada do paciente, a ponto de justificar o recolhimento prematuro ao cárcere. 8. Os delitos imputados ao paciente não envolvem violência ou grave ameaça à pessoa e o prejuízo estimado aos cofres públicos municipais não é substancialmente expressivo quando confrontado com a receita do município em 2024. Somado a isso, o grupo criminoso foi desarticulado e, desde o início de 2025, a empresa envolvida no suposto esquema de superfaturamento não tem mais vínculo qualquer natureza com a municipalidade, que passou a contar com outra empresa para realizar o transporte escolar nas áreas rurais. 9. Essas circunstâncias fáticas, somadas à inexistência de registros criminais pretéritos, exercício de atividade lícita (servidor público) e endereço fixo, demonstram que medidas cautelares diversas da prisão podem cumprir, com particular eficiência, os propósitos de resguardar a ordem pública, prevenir a renitência delitiva, sobretudo contra o erário, resguardar a instrução processual de eventuais interferências e assegurar futura e aplicação da lei penal. IV. DISPOSITIVO 10. Ordem parcialmente concedida. ___________________ Dispositivos relevantes citados: CPP: arts. 282, 319 e 648; CP, arts. 317 e 299; Lei 9.613/98, art. 1º; Lei 12.850/13, art. 2º, § 4º, inc. II. Jurisprudências relevantes citadas: Jurisprudências relevantes citadas: STF, HC n. 126.815/MG; STJ, HC 996.315/RS. RELATÓRIO EXMO. SR. DES. HÉLIO NISHIYAMA Egrégia Câmara Criminal: Impetra-se ordem de habeas corpus, com pedido de liminar, com base no artigo 648, I, do Código de Processo Penal, contra decisão do Juízo da 5ª Vara Criminal da Comarca de Sinop, que indeferiu o pedido de revogação da prisão preventiva do paciente Diony Leonel, decretada com fundamento na garantia da ordem pública, na conveniência da instrução criminal e na aplicação da lei penal. De acordo com a petição inicial, o paciente está preso preventivamente no interesse de ação penal em que foi denunciado por praticar, em tese, os delitos de corrupção passiva (CP, art. 317), falsidade ideológica (CP, art. 299), lavagem de dinheiro (Lei n. 9.613/98, art. 1º) e constituição/integração de organização criminosa (Lei n. 12.850/2013, art. 2º, § 4º, inc. II). Oferecida a denúncia, o Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Peixoto de Azevedo declinou da competência em favor do Juízo da 5ª Vara Criminal de Sinop, diante da especialização da unidade para processar e julgar crimes de lavagem de dinheiro e organização criminosa, nos termos da Resolução n. 14/2023 – TJMT/OE. Resumidamente, o impetrante sustenta a inexistência de periculum libertatis e a invalidade dos fundamentos do ato acoimado coator, que estaria embasado, segundo afirma, apenas na gravidade abstrata dos delitos. Destaca que o paciente detém bons predicados pessoais, como primariedade, bons antecedentes, ocupação lícita e residência fixa, circunstâncias que, sob a sua óptica, seriam o bastante para demonstrar a prescindibilidade da custódia cautelar. Por fim, defende a suficiência de medidas cautelares menos gravosas para atingir os fins pretendidos com a constrição provisória. Com suporte nessas razões, busca a concessão da ordem para que a prisão preventiva seja revogada e, subsidiariamente, substituída por medidas cautelares diversas da custódia (id. 290470364). A liminar foi indeferida (id. 291783862). As informações de praxe foram prestadas pela acoimada autoridade coatora (id. 292684433). Instada a se manifestar, a Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela denegação da ordem (id. 297306890). É a síntese do necessário. VOTO EXMO. SR. DES. HÉLIO NISHIYAMA (RELATOR) Egrégia Câmara Criminal: Infere-se dos autos que foi instaurado inquérito policial para apurar uma denúncia anônima de que servidores públicos lotados na Secretaria Municipal de Educação de Peixoto de Azevedo vinham recebendo vantagens indevidas, via transferências bancárias, de representantes de empresas que prestam serviços ao Município. Iniciadas as investigações, apurou-se que, desde 2021, o Município de Peixoto de Azevedo mantém contrato de prestação de serviços com a empresa Pantanal Gestão e Tecnologia LTDA., cujo objeto é o gerenciamento e locação de veículos, máquinas e equipamentos por meio de sistema informatizado. Nesse sistema, empresas se cadastram e executam serviços ao Município com a intermediação da empresa Pantanal Gestão e Tecnologia LTDA., que se encarrega de consolidar os relatórios das atividades realizadas e encaminhá-los à administração municipal para pagamento. O Município, então, realiza os pagamentos para a Pantanal Gestão e Tecnologia LTDA., que, por sua vez, incumbe-se de repassar os valores às empresas cadastradas na sua plataforma. Dentre as empresas credenciadas está a Kaiapó Transportes LTDA., habilitada para a prestação de serviços de transporte escolar nas áreas rurais do Município. Seu sócio-administrador é Warley Fernandes Pires. De acordo com os dados coletados no curso das investigações, servidores públicos lotados na Secretaria de Educação do Município, em suposto conluio com Warley Fernandes Pires, teriam manipulado os registros de quilometragem dos ônibus encarregados de ônibus encarregados de efetuar o transporte escolar, gerando ao Município a obrigação de pagar por percursos não realizados. Ainda conforme os elementos indiciários, depois de receber os valores superfaturados, Warley Fernandes Pires repassava parte dos recursos aos servidores públicos, por meio de transferências realizadas para contas bancárias vinculadas aos filhos menores de idade daqueles agentes. À vista desse cenário, o Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Peixoto de Azevedo, atendendo à representação policial, decretou a busca e apreensão, a quebra de sigilo telefônico, o bloqueio de transferência ou alienação de bens e a prisão preventiva de Warley Fernandes Pires e dos servidores públicos Leidiane Freitas e Cristiano Oliveira de Araújo. Pouco depois, com o avanço das investigações e a celebração de acordo de colaboração premiada entre o Ministério Público e a servidora pública Leidiane Freitas, surgiram indicativos da possível participação de mais um servidor público no esquema criminoso, o paciente Diony Leonel. Segundo apurado, o paciente, no desempenho das atribuições de fiscalizar, controlar e atestar os serviços das empresas responsáveis pelo transporte escolar, teria, de forma reiterada, inserido em seus relatórios quilometragens maiores do que as efetivamente percorridas por ônibus da empresa Kaiapó Transportes LTDA. Nesse contexto, Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Peixoto de Azevedo, mais uma vez em atendimento à representação da autoridade policial, decretou a busca e apreensão, a quebra de sigilo telefônico, o bloqueio de transferência ou alienação de bens e a prisão preventiva do paciente. Com relação à prisão preventiva, o ato constritivo frisou a necessidade da custódia para a garantia da ordem pública, a conveniência da instrução criminal e assegurar a aplicação da lei penal, nos seguintes termos: “Diante dos elementos informativos colhidos na presente demanda, verifica-se que a necessidade da segregação cautelar tem por escopo, além da garantia da ordem pública e da conveniência da instrução criminal, tem-se a obrigatoriedade de assegurar a aplicação da lei penal (...). Pela própria qualificação dos envolvidos como agentes públicos, tem-se que a ordem pública jamais será restaurada caso as custódias cautelares não sejam efetivadas. É o que assevera o Superior Tribunal de Justiça: (...) Outrossim, adiantando-se à repercussão social causada pelo caso em testilha, por óbvio haverá grande divulgação nos meios de comunicação, de sorte que, por tratar-se de agentes públicos, insertos na Prefeitura, a divulgação trará intranquilidade à sociedade. Não bastasse isso, o fato de ter, ao que tudo indica, praticado o delito de corrupção, somado aos elementos acostados na representação, indicam, de plano, que sua liberdade gere risco à instrução criminal, diante da possibilidade de que tente frustrar as investigações, sobretudo considerando seus cargos e a viabilidade de os usarem para interferir nas diligências. (...)” (sic, id. 192278887 – PePrPr 1001097-92.2025.8.11.0023). Em 21/maio/2025, o Ministério Público ofereceu denúncia imputando ao paciente a suposta prática dos delitos de corrupção passiva (CP, art. 317), falsidade ideológica (CP, art. 299), lavagem de dinheiro (Lei n. 9.613/98, art. 1º) e constituição/integração de organização criminosa (Lei n. 12.850/2013, art. 2º, § 4º, inc. II). O Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Peixoto de Azevedo declinou da competência em favor do Juízo da 5ª Vara Criminal de Sinop, diante da especialização da unidade para processar e julgar crimes de lavagem de dinheiro e organização criminosa, nos termos da Resolução n. 14/2023 – TJMT/OE. Em 23/maio/2025, o Juízo da 5ª Vara Criminal da Comarca de Sinop recebeu a preambular acusatória (id. 195085386 – APOrd 1001004-32.2025.8.11.0023) e, logo na sequência, indeferiu o pedido de revogação da prisão preventiva formulado em prol do paciente, conforme motivação abaixo transcrita: “As razões expostas no pedido de revogação da prisão preventiva dos acusados não elidem os motivos que ensejaram a decretação da prisão preventiva. Além disso, não existe fato novo, o que obsta a reapreciação da 'quaestio' (art. 313, do CPP) (...). Ademais, encontram-se plenamente configurados os requisitos autorizadores da segregação cautelar, medida essencial para a garantia da ordem pública. Tal necessidade se torna ainda mais evidente ao se analisar a periculosidade do acusado, demonstrada pelo modus operandi empregado e pela forma de execução dos supostos delitos. Ressalte-se que os elementos constantes nos autos apontam para a prática de condutas que revelam a periculosidade do agente, especialmente considerando os indícios de que o representado utilizava-se de sua função para constranger servidores públicos a falsamente atestarem rotas inexistentes. Nesse contexto, a manutenção dos investigados em liberdade apresenta um risco concreto de interferência na instrução criminal, seja por meio do constrangimento de testemunhas, seja pela manipulação de provas, circunstâncias estas que tornam imprescindível a decretação da prisão preventiva (...)” (sic, id. 195930124 – PePrPr 1001097-92.2025.8.11.0023). Estabelecido esse panorama, a ordem comporta parcial concessão. A prisão preventiva (stricto sensu) e as medidas cautelares de natureza pessoal introduzidas pela Lei n. 12.403/2011 devem estar amparadas em prova da materialidade do crime e indícios suficientes de autoria (fumus comissi delicti) e atender a uma das hipóteses legais justificadoras (periculum libertatis). Apesar da identidade de requisitos e pressupostos legais, a custódia cautelar, dado o seu caráter excepcional e subsidiário, é reservada apenas às hipóteses em que as alternativas legais menos severas se mostrem insuficientes e inadequadas para garantir a ordem pública, a ordem econômica, a instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal (CPP, art. 282, § 6º). Como destacado pelo Supremo Tribunal Federal, “a prisão preventiva somente se justifica na hipótese de impossibilidade que, por instrumento menos gravoso, seja alcançado idêntico resultado acautelatório” (HC n. 126.815/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, Relator p/ acórdão Min. Edson Fachin, Primeira Turma, DJe 28.8.2015). Bom que se diga: as medidas cautelares previstas no art. 319 do Código de Processo Penal são substitutivas da segregação preventiva, não da liberdade. No caso em análise, os dados preliminares apontam que o paciente, associado a outros dois servidores públicos municipais e um empresário, integraria um esquema criminoso voltado ao superfaturamento de valores cobrados do Município de Peixoto de Azevedo por serviços de transporte escolar. Conforme os elementos investigatórios, após o paciente encaminhar aos seus superiores as planilhas com as quilometragens falsamente percorridas, os servidores públicos Leidiane Freitas e Cristiano Oliveira de Araújo autorizavam o pagamento dos valores à empresa Kaiapó Transportes LTDA., cujo sócio, então, encarregava-se de repassar parte dos valores superfaturados ao paciente e àqueles dois outros agentes públicos. Consta que, após receber os valores superfaturados, Warley Fernandes Pires teria transferido ao menos R$ 157.000,00 em favor de contas bancárias de menores de idade, filhos dos servidores públicos Leidiane Freitas e Cristiano Oliveira de Araújo, para ocultar a origem dos montantes auferidos com o esquema criminoso. Ademais, investigações preliminares sinalizam a dedicação do paciente a angariar recursos ilícitos em detrimento dos cofres do pequeno Município de Peixoto de Azevedo, por vezes constrangendo outros servidores públicos a atestar falsamente rotas que nunca foram percorridas. O quadro delineado bem demonstra os indícios de autoria dos crimes, a engenhosidade do paciente em manipular dados públicos para alcançar fins ilícitos, a habitualidade das condutas – que teriam perdurado até o grupo criminoso ser desarticulado – e o relevante grau de profissionalismo dos envolvidos. Todavia, muito embora esses elementos fundamentem a intervenção do Poder Judiciário com vistas tutelar o meio social, prevenir a renitência delitiva e frear as atividades do grupo criminoso, o cotejo analítico dos autos demonstra que medidas cautelares diversas da prisão são igualmente capazes de atingir essas finalidades. Primeiro, porque os delitos imputados na denúncia não envolvem violência ou grave ameaça à pessoa e o prejuízo estimado aos cofres públicos municipais, apesar de relevante, não é substancialmente expressivo quando confrontado com a receita do Município em 2024, estimada em R$ 241.152.500,00 (Lei Orçamentária Anual n. 1.242/2023). Segundo, porque desde o início de 2025, por ordem do Chefe do Poder Executivo Municipal, a empresa Kaiapó Transportes LTDA. foi descredenciada do serviço de transporte de alunos da zona rural e outra empresa passou a realizar essa atividade, circunstância que diminui significativamente o risco de continuidade da prática delitiva. Terceiro, porque, conquanto ainda integre o quadro de servidores públicos da municipalidade como motorista, o paciente já não exerce mais as atribuições de fiscalizar, controlar e atestar as rotas percorridas pelos ônibus encarregados do transporte escolar, o que, além de enfraquecer a possibilidade de reiteração delitiva contra o erário, mitiga o risco de eventual embaraço à instrução probatória. E quarto, porque os documentos que instruem o writ anotam que o paciente é primário, exerce profissão lícita (servidor público), tem endereço certo e mantém vínculos familiares e sociais na localidade, sinalizando ser pouco provável que empregue subterfúgios para se eximir de futura e eventual aplicação da lei penal. Aliás, anote-se não haver registros formais de que o paciente já tenha figurado no polo passivo de inquéritos policiais ou outras ações penais, o que, por evidenciar que os fatos motivadores da sua custódia seriam um evento isolado em sua vida, igualmente autorizam a substituição da custódia preventiva por medidas cautelares menos gravosas. Nesses moldes, apesar de o Juízo de origem ter consignado a necessidade da prisão preventiva, os fundamentos do ato acoimado coator são insuficientes, em juízo de proporcionalidade, para obstar a substituição da cautela extrema por restrições cautelares de natureza mais branda. Afinal, volta-se a frisar, os fatos motivadores da constrição objeto do writ não se revestem de gravidade excepcional, não foram cometidos com violência ou grave ameaça a pessoa e não refletem uma periculosidade acentuada do paciente. Essa linha de raciocínio, inclusive, foi a mesma adotada recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça em caso semelhante: “Caso em que existem indícios suficientes de autoria e materialidade dos crimes imputados ao paciente. Ele é apontado como integrante de um grupo de pessoas associadas para a prática de fraudes em licitações e corrupção, envolvendo contratos firmados entre sua empresa e um instituto municipal, tendo servidores públicos como intermediários e havendo evidências de pagamentos de propinas para beneficiar sua empresa. Há independência das esferas administrativa e penal, assim, eventual decisão do TCE/RS não elimina os indícios de irregularidades que sustentam a ação penal. 5. Quanto à prisão preventiva, apesar de o paciente estar foragido e da gravidade dos fatos, é possível substituí-la por medidas menos severas. Trata-se de crime contra a administração, o réu é primário, não houve violência contra pessoas e o esquema criminoso foi desvendado. O grupo envolvido foi desarticulado, com o principal servidor público que supostamente favorecia o paciente já afastado de suas funções. Dessa forma, os riscos de reiteração delitiva contra o erário estão reduzidos. 6. Existem medidas alternativas à prisão que são adequadas e suficientes para o caso concreto: retenção de passaporte; proibição de acesso à Prefeitura de Gravataí e às respectivas secretarias municipais; comparecimento quinzenal em Juízo; proibição de se ausentar da comarca sem prévia autorização judicial; proibição de manter contato, por qualquer meio, com qualquer pessoa ligada aos fatos em apuração; suspensão das atividades da pessoa jurídica a que o paciente integra como sócio ou participe de sua gestão diretamente relacionada com os fatos em questão; proibição de contratação com a administração pública; recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga; e monitoração eletrônica (...). 8. Ordem parcialmente concedida” (HC n. 996.315/RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJEN 13.6.2025). À vista desse panorama, restrições cautelares diversas da prisão podem cumprir, com particular eficiência, os propósitos de resguardar a ordem pública, cessar a habitualidade delitiva, interromper ou aos menos diminuir a atuação do grupo criminoso, prevenir a reprodução de fatos de igual natureza, resguardar a instrução processual de eventuais interferências e assegurar futura e aplicação da lei penal. Nessa ordem de ideias, a proibição de contato com outros réus e/ou testemunhas preserva a higidez da instrução processual, reduze as chances de reprodução de fatos criminosos de igual natureza e elimina os riscos de concertação entre os envolvidos. Também sob esse enfoque, a monitoração eletrônica assume papel fundamental, seja por permitir a fiscalização do cumprimento das medidas limitadoras da circulação do paciente, seja por reduzir o risco de fuga, assegurando, pois, a aplicação da lei penal. Associado a isso, a fixação de fiança (CPP, art. 323) constitui mecanismo adicional de acautelamento, criando vínculo patrimonial do paciente com o processo e reforçando seu interesse no comparecimento aos atos processuais. Sob esse prisma, o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) se mostra razoável e proporcional à capacidade econômica presumida do paciente e ao grau de reprovabilidade das condutas. Finalmente, o comparecimento mensal em juízo e a proibição de ausentar-se da comarca em que reside sem prévia autorização judicial complementam o sistema de cautelas, assegurando o controle necessário sobre as atividades do paciente. Por fim, deixo de afastar cautelarmente o paciente da função pública (motorista) em razão do encerramento do contrato de prestação de serviço celebrado entre a empresa investigada e o município de Peixoto de Azevedo, motivo pelo qual, a meu sentir, a cautelar em questão se mostra desnecessária e prejudicial ao interesse público. Pelo exposto, em dissonância do parecer ministerial, concedo parcialmente a ordem de habeas corpus para substituir a prisão preventiva do paciente Diony Leonel pelas seguintes medidas cautelares: (i) comparecimento mensal ao Juízo da localidade em que reside para informar e justificar suas atividades; (ii) proibição de se ausentar do município onde reside, sem prévia autorização judicial; (iii) proibição de manter contato, por qualquer meio, com os demais denunciados e testemunhas; (iv) monitoramento eletrônico pelo prazo 06 (seis) meses, podendo ser renovado a critério do Juízo de origem; (v) prestação de fiança no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a ser recolhido em até 05 (cinco) dias, mediante comprovação nos autos de origem; (vi) proibição de visitar ou frequentar os prédios da Secretaria Municipal de Educação de Peixoto de Azevedo; (vii) obrigação de comparecer a todos os atos processuais. Em tempo, nada impede que o Juízo a quo oficiante estabeleça outras providências cautelares que considerar necessárias e adequadas ao caso concreto ou, sobrevindo fatos novos, até mesmo volte a decretar a medida extrema. O alvará de soltura em favor do paciente Diony Leonel deverá ser expedido pela Diretoria desta Câmara Criminal, no Banco Nacional de Medidas Penais e Prisões (BNMP 3.0), em conformidade com o art. 6º, § 1º, da Resolução n. 417/2021 do Conselho Nacional de Justiça. Comunique-se, imediatamente, ao Juízo de origem e à autoridade responsável pelo estabelecimento prisional onde o paciente está custodiado, remetendo-se cópia desta decisão e do respectivo alvará de soltura expedido pelo BNMP, para fiscalização e cumprimento. Advirta-se à autoridade prisional que deverá informar o cumprimento da ordem de soltura ao endereço eletrônico quarta.secretariacriminal@tjmt.jus.br, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, para os devidos registros no BNMP e controle processual. Na falta de condições ou recursos para instalação imediata do aparelho de vigilância eletrônica indireta, a unidade prisional deverá colocar o paciente em liberdade, agendar a instalação do equipamento no prazo máximo de 05 (cinco) dias corridos e advertir ao paciente que o não comparecimento para instalação do equipamento acarretará o restabelecimento da custódia preventiva, nos termos do art. 282, § 4º, do Código de Processo Penal. Em caso de dúvidas quanto às condições impostas, o paciente deverá procurar seu advogado constituído, a Defensoria Pública ou a secretaria do Juízo de origem, preferencialmente no mesmo dia da soltura ou no primeiro dia útil subsequente. Serve esta decisão como ofício, termo de compromisso e mandado de intimação. Cumpra-se com urgência, independentemente de publicação. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 22/07/2025
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