Processo nº 1002145-32.2025.8.11.0041
ID: 329742726
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1002145-32.2025.8.11.0041
Data de Disponibilização:
21/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LETICIA DE ALMEIDA ARRUDA LOPES
OAB/MT XXXXXX
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EUSTAQUIO INACIO DE NORONHA NETO
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1002145-32.2025.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Tratamento médico-hospitalar, Fornecimento de in…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1002145-32.2025.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Tratamento médico-hospitalar, Fornecimento de insumos, Planos de saúde] Relator: Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA Turma Julgadora: [DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES] Parte(s): [EMILLY THICIANNE BEAL MATOS DE MOURA DOS SANTOS - CPF: 011.450.212-98 (APELADO), LETICIA DE ALMEIDA ARRUDA LOPES - CPF: 056.459.031-29 (ADVOGADO), EUSTAQUIO INACIO DE NORONHA NETO - CPF: 691.720.211-87 (ADVOGADO), UNIMED CUIABA COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO - CNPJ: 03.533.726/0001-88 (APELANTE), JORGE LUIZ MIRAGLIA JAUDY - CPF: 794.524.851-91 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. E M E N T A APELANTE(S): UNIMED CUIABA COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO APELADO(S): EMILLY THICIANNE BEAL MATOS DE MOURA DOS SANTOS EMENTA. DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. PROCEDIMENTO CIRÚRGICO BUCOMAXILOFACIAL. RECONSTRUÇÃO DE MANDÍBULA COM PRÓTESE CUSTOMIZADA. NEGATIVA DE COBERTURA. ABUSIVIDADE. DANO MORAL CONFIGURADO. PARCIAL PROVIMENTO. I. CASO EM EXAME Recurso de apelação interposto por operadora de plano de saúde inconformada com sentença que julgou procedente ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos morais, para determinar a cobertura integral de procedimento cirúrgico reconstrutivo de mandíbula com utilização de prótese customizada e materiais correlatos, e condená-la ao pagamento de R$ 6.000,00 a título de danos morais. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A controvérsia reside na legalidade da negativa de cobertura de prótese mandibular customizada e materiais cirúrgicos solicitados por profissional especializado, sob a alegação de ausência de previsão no rol da ANS e cláusula contratual, bem como na configuração de dano moral e no critério de aplicação de juros e correção monetária sobre a indenização. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor às relações contratuais de plano de saúde, nos termos da Súmula 469 do STJ. 4. É abusiva a negativa de cobertura de tratamento prescrito por profissional habilitado, ainda que fora do rol da ANS, quando evidenciada sua necessidade para o tratamento de doença coberta pelo contrato. 5. O procedimento cirúrgico indicado para reconstrução parcial de mandíbula, com uso de prótese customizada, possui respaldo técnico e urgência clínica comprovada, enquadrando-se como atendimento hospitalar com cobertura obrigatória nos termos da RN 465/2021 da ANS. 6. Caracterizada falha na prestação do serviço e conduta abusiva da operadora, violando o dever de boa-fé contratual e colocando em risco o direito à saúde e à dignidade da paciente. 7. Dano moral configurado em razão da recusa indevida ao tratamento necessário, sendo devida a reparação no valor de R$ 6.000,00, arbitrada segundo os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. 8. Aplicação das novas regras introduzidas pela Lei nº 14.905/2024 quanto à correção monetária e juros moratórios sobre a indenização: INPC até 29/08/2024 e, a partir de então, IPCA e juros pela taxa SELIC deduzido o índice de correção. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Recurso parcialmente provido para ajustar os critérios de correção monetária e juros moratórios aplicáveis à condenação por danos morais. Tese de julgamento: "É abusiva a negativa de cobertura por plano de saúde de procedimento hospitalar prescrito por profissional especializado, ainda que não previsto no rol da ANS, quando indispensável ao tratamento de doença contratualmente coberta. A recusa injustificada configura falha na prestação do serviço e enseja reparação por danos morais." Dispositivos relevantes citados: Constituição Federal, arts. 5º, X; 6º; 196; Código de Defesa do Consumidor, arts. 6º, I, 14, 47; Código Civil, arts. 186, 421, 422, 927, 389 (par. único), 406; Código de Processo Civil, arts. 85, §2º e §11; 497; 536. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmulas 469 e 608; REsp 1.721.705; AgInt no REsp 1836018/PR; AgInt no AREsp 1534265/ES; TJSP, Apelações 1001052-96.2020.8.26.0233 e 1007971-50.2021.8.26.0271; TJGO, Apelações 5661840-17.2020.8.09.0011 e 5341581-80.2022.8.09.0051; TJMT, APELAÇÃO CÍVEL: 00111390420168110002. R E L A T Ó R I O RELATÓRIO EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de Apelação Cível, interposto por UNIMED CUIABÁ – COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO, contra sentença (ID. 294913869 – Autos de Origem nº 1002145-32.2025.8.11.0041), proferida pelo Juízo da 9ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá-MT, que julgou procedente a Ação de Obrigação de Fazer c/c Danos Morais, ajuizada por Emilly Thicianne Beal Matos de Moura dos Santos, nos seguintes termos: “[...] DO MÉRITO. – Inicialmente mister realçar que os planos de saúde sujeitam-se à incidência das normas do Código de Defesa do Consumidor, enquadrando-se na modalidade de serviço prestado, sob remuneração, pelo mercado de consumo, nos termos do art. 3º, § 2º, daquele diploma normativo. Não fosse isso, a própria Lei nº. 9.656/98 que regulamenta a atividade dos planos e seguros privados de assistência à saúde, em vários dispositivos, ao tratar dos assistidos, utiliza a nomenclatura técnica “consumidor”, o que denota a incidência da legislação consumerista. O Superior Tribunal de Justiça inclusive já pacificou a questão sumulando o entendimento de que “aplica-se o Código de Defesa do Consumidor os contratos de plano de saúde” (Súmula 469). Pois bem. A requerida, na qualidade de operadora de plano de saúde suplementar, ao negar o fornecimento dos materiais cirúrgicos solicitados com urgência pelos médicos assistentes da autora especialmente os relacionados a órtese e prótese essenciais para a intervenção cirúrgica ortopédica violou frontalmente o disposto no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), que impõe ao prestador de serviço a obrigação de responder, independentemente de culpa, pela falha na prestação do serviço. A negativa se deu a despeito de pareceres médicos anexados aos autos (IDs. 181202607; 181202608 e 181202609), que atestam a urgência da intervenção cirúrgica como condição imprescindível para evitar agravamento irreversível do quadro clínico da requerente. Tal conduta revela abuso contratual, contrariando a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, conforme previsto no artigo 421 do Código Civil. É certo que o contrato firmado entre as partes é regido pelo princípio da função social (art. 421 do CC) e deve ser interpretado em favor do consumidor, parte hipossuficiente na relação, conforme artigo 47 do CDC. A recusa injustificada pela requerida impôs à autora um sofrimento desnecessário, colocando em risco seu direito à saúde e à dignidade, garantias fundamentais previstas nos artigos 1º, III, e 6º, caput, da Constituição Federal. Ademais, nos termos do artigo 422 do Código Civil, os contratantes são obrigados a guardar, tanto na conclusão quanto na execução do contrato, os princípios de probidade e boafé. A recusa em autorizar procedimento vital e amparado por cobertura contratual configura inadimplemento contratual que autoriza o Poder Judiciário a compelir a requerida à prestação devida. Ressalte-se que, nos contratos de plano de saúde, a exclusão de cobertura de itens essenciais à realização de cirurgia urgente — como a prótese indicada implica violação do dever de prestar assistência médica adequada, caracterizando descumprimento de obrigação contratual típica, com reflexos na tutela específica prevista nos artigos 497 e 536 do CPC. Nesse sentido: PLANO DE SAÚDE. MATERIAIS NECESSÁRIOS PARA REALIZAÇÃO DE CIRURGIA BUCOMAXILOFACIAL (RETIRADA DE TUMOR NA MANDÍBULA E RECONSTRUÇÃO ÓSSEA). PROCEDIMENTO COM EXPRESSA PREVISÃO DE COBERTURA OBRIGATÓRIA NO ROL DA ANS. NEGATIVA ABUSIVA . INTERFERÊNCIA DA OPERADORA NA ESCOLHA DA MEDIDA TERAPÊUTICA PRESCRITA. NÃO CABIMENTO. PRERROGATIVA DE INDICAÇÃO DO CIRURGIÃODENTISTA ASSISTENTE. DANO MORAL CARACTERIZADO . QUANTUM INDENIZATÓRIO REDUZIDO. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL DA CITAÇÃO. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL . APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (TJPR - 10ª C. Cível - 0002380- 51.2018 .8.16.0193 - Colombo - Rel.: DESEMBARGADOR ALBINO JACOMEL GUERIOS - J . 11.07.2022) (TJ-PR - APL: 00023805120188160193 Colombo 0002380-51.2018 .8.16.0193 (Acórdão), Relator.: Albino Jacomel Guerios, Data de Julgamento: 11/07/2022, 10ª Câmara Cível, Data de Publicação: 11/07/2022) Por sua vez, o artigo 6º, inciso I, do CDC, estabelece como direito básico do consumidor a proteção da vida, saúde e segurança contra riscos provocados por práticas no fornecimento de serviços. A conduta da requerida, ao negar cobertura sob argumento burocrático, fere esse direito elementar, agravando indevidamente a situação da requerente. A prestação de serviço por plano de saúde, especialmente quando se refere a procedimentos médicos urgentes e necessários, constitui obrigação de fazer e não mero compromisso potestativo. Diante da omissão da requerida, mostra-se legítima e necessária a atuação judicial para garantir a satisfação específica da obrigação, nos termos do artigo 497 do CPC. Além disso, o Código de Processo Civil em seu artigo 536 autoriza expressamente o juiz a determinar providências necessárias para a efetivação da obrigação de fazer. Assim, é plenamente cabível a imposição judicial à requerida para o cumprimento imediato da cobertura, com fixação de multa diária em caso de descumprimento, como meio coercitivo eficaz. Portanto, resta claro que a conduta da requerida enseja a tutela jurisdicional para compelir o cumprimento da obrigação de fornecer os materiais cirúrgicos indispensáveis ao tratamento da autora, sob pena de multa, considerando a urgência e a essencialidade do procedimento recomendado pelos médicos assistentes. Em relação aos danos morais, a conduta ilícita da requerida, ao negar cobertura de procedimento médico urgente, ultrapassa o mero aborrecimento cotidiano e adentra no campo da lesão à dignidade da pessoa humana, o que justifica a reparação por dano moral, conforme assegurado pelo artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal. A autora sofreu angústia, abalo psicológico e insegurança diante da negativa de atendimento médico essencial à preservação de sua integridade física. Tal sofrimento, decorrente de descaso evidente e injustificado, deve ser reconhecido como fonte autônoma de dano, apta a ensejar reparação pecuniária. Nesse sentido: APELAÇÃO – AÇÃO DECLARATÓRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA E EVIDÊNCIA - PACIENTE PORTADORA DE SEVERA ATROFIA ÓSSEA ALVEOLAR DE MANDÍBULA - NECESSIDADE DE RECONSTRUÇÃO PARCIAL COM ENXERTO ÓSSEO E OSTEOTOMIA – CUSTEIO NEGADO – COBERTURA DEVIDA - AUSÊNCIA DE LESÃO A DIREITOS DA PERSONALIDADE – INDENIZAÇÃO AFASTADA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Considera-se abusiva a recusa da operadora de plano de saúde de fornecer o material necessário para realização de procedimentos cirúrgicos de buco-maxilo-faciais que necessitem ser realizadas em ambiente hospitalar sobretudo porque há previsão no contrato celebrado entre as partes. Inexiste dano moral quando a negativa de custeio está fundada em dúvida razoável na interpretação de cláusula contratual. (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 00111390420168110002, Relator.: RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Data de Julgamento: 09/10/2024, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 13/10/2024) AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DECLARATÓRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA - DECISÃO QUE DETERMINOU A REALIZAÇÃO DE CIRURGIA E FORNECIMENTO DOS MATERIAIS NECESSÁRIOS - PACIENTE PORTADORA DE SEVERA ATROFIA ÓSSEA ALVEOLAR DE MANDÍBULA - NECESSIDADE DE RECONSTRUÇÃO PARCIAL COM ENXERTO ÓSSEO E OSTEOTOMIA - AUTORIZAÇÃO NEGADA PELA AGRAVANTE POR AUSÊNCIA DE COBERTURA CONTRATUAL - JUSTIFICATIVA INCONSISTENTE - PRESENÇA NO ROL DE PROCEDIMENTOS OBRIGATÓRIOS DA ANS - RISCO DE DANO GRAVE OU DE DIFÍCIL REPARAÇÃO PARA AGRAVADA - DECISUM MANTIDO - PRECEDENTES DO STJ - RECURSO NÃO PROVIDO. Estando as alegações da autora fundadas em prova inequívoca, e presente o "periculum in mora", mantém-se a decisão que determinou a realização da cirurgia de reconstrução de mandíbula, constante no rol de procedimentos obrigatórios da ANS (Resolução Normativa 338/2014 - Anexo I). (TJ-MT, N.U 0109685-03.2016.8.11.0000, , RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Julgado em 14/09/2016, Publicado no DJE 16/09/2016) O valor da indenização por danos morais deve cumprir finalidade compensatória e pedagógica, sem constituir fonte de enriquecimento ilícito, mas suficientemente expressiva para desestimular práticas semelhantes pela requerida. Por essa razão, requer-se a fixação da indenização no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), quantia razoável e proporcional à lesão sofrida. A reparação pretendida encontra respaldo também no artigo 927 do Código Civil, que consagra o dever de indenizar todo aquele que causar dano a outrem por ato ilícito. A negativa de atendimento médico, contrariando pareceres médicos e violando a confiança legítima da contratante, configura conduta reprovável que impõe à ré o dever de reparar. DO DISPOSITIVO. – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a presente ação, com fulcro no artigo 487, I do Código de Processo Civil, para: - AUTORIZAR todos os procedimentos médicos, materiais, órteses, próteses e demais itens prescritos pelos médicos assistentes da autora, necessários à realização do procedimento cirúrgico indicado. - CONDENO a requerida ao pagamento de de danos morais no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), a serem corrigidos monetariamente pelo IPCA a partir da data desta sentença, acrescido de juros mensais pela taxa referencial do SELIC a partir da citação; RATIFICO a tutela de urgência para DETERMINAR a REQUERIDA a cobertura do procedimento cirúrgico, incluindo a troca da placa e o enxerto ósseo, nos termos indicados pelo médico responsável, no prazo de 15 dias, conforme o ID. 181291658. CONDENO a requerida com o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, §2º do Código de Processo Civil.” Em razões recursais (ID. 294913876), a parte apelante sustenta as seguintes teses: - Da legalidade da não cobertura dos tratamentos solicitados – ausência de previsão no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar; - Da inexistência do alegado dano moral – ausência dos requisitos da responsabilização civil; - Do quantum indenizatório; - Matéria de ordem pública – taxa de juros legal em dissonância da legislação vigente; A parte apelada apresenta contrarrazões (ID. 294913880), nas quais rebate todos os fundamentos da apelação, defendendo a manutenção integral da sentença recorrida, sem suscitar preliminares. Dispensado o parecer ministerial, em razão da matéria e por inexistir parte incapaz. Recurso tempestivo, e preparo regular (ID. 294913877). É o relatório. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador Relator V O T O R E L A T O R APELANTE(S): UNIMED CUIABA COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO APELADO(S): EMILLY THICIANNE BEAL MATOS DE MOURA DOS SANTOS VOTO EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA. Egrégia Câmara: Inicialmente, constato que estão presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade do recurso. Como relatado, trata-se de Apelação Cível interposta por UNIMED CUIABÁ, inconformada com a sentença que julgou procedente a ação proposta por sua beneficiária, determinando a cobertura integral do procedimento cirúrgico prescrito, bem como a condenação ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 6.000,00. Passo ao exame das teses recursais. Da cobertura dos tratamentos O cerne da controvérsia cinge-se em definir se a apelante tem a obrigação de custear prótese customizada ao autor, fundando-se a recusa no argumento de que o método escolhido não tem cobertura por não estar previsto no contrato e incluído no rol da ANS. Pois bem. Prefacialmente, importa destacar que, consoante Súmula 469, do Superior Tribunal de Justiça, "aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde." Constatada a incidência das normas consumeristas ao caso em tela, deve ser considerado o princípio basilar da boa-fé e, decorrente deste, diversos outros deveres, tais como transparência, informação e cooperação, tendentes a preservar a harmonia dos interesses das partes nas relações de consumo em busca da sua finalidade social, que, nas palavras dos ilustres professores Daniel Amorim e Flávio Tartuce 1, objetiva "tentar equilibrar uma situação que sempre foi díspar, em que o consumidor sempre foi vítima das abusividades da outra parte da relação de consumo. Assim, tratando-se a hipótese de relação contratual firmada com a finalidade de garantir o ideal amparo à saúde do consumidor, admitir a limitação do tratamento de doença com cobertura prevista em contrato seria inviabilizar a satisfação do fim social a que se destina. Com efeito, os contratos de assistência à saúde firmados entre particulares têm natureza aleatória e relevante finalidade social, não podendo prevalecer a tese de que a cobertura de procedimentos esteja restrita aos casos previstos no instrumento contratual ou no rol publicado pela ANS, sob pena de desequilíbrio da avença em desfavor do aderente, que ficaria, assim, privado de usufruir de qualquer procedimento decorrente do avanço na medicina. Vale destacar, por fim, que a saúde, como bem de extraordinária relevância à vida e à dignidade humana, foi elevada pela Constituição Federal à condição de direito fundamental do homem, manifestando o legislador constituinte constante preocupação em garantir a todos uma existência digna, consoante os ditames da justiça social, o que ressai evidente da interpretação conjunta dos artigos 6º e 196 a 200. É firme a jurisprudência dos Tribunais, sobretudo do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o plano de saúde pode limitar as doenças a serem cobertas e não o respectivo tratamento, inclusive domiciliar. Confira-se: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 568/STJ. 1. Ação de obrigação de fazer cumulada com reparação por danos morais, fundada na negativa de cobertura de medicamento. 2. Ausentes os vícios do art. 1022 do CPC, rejeitam-se os embargos de declaração. 3. É abusiva a recusa da operadora do plano de saúde de arcar com a cobertura do medicamento prescrito pelo médico para o tratamento do beneficiário, sendo ele off label, de uso domiciliar, ou ainda não previsto em rol da ANS, e, portanto, experimental, quando necessário ao tratamento de enfermidade objeto de cobertura pelo contrato.Precedentes. 4. Agravo interno no recurso especial não provido." (AgInt no REsp 1849149/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 30/03/2020, DJe 01/04/2020) "APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - PLANO DE SAÚDE CASSEMS - PACIENTE PORTADOR DE CÂNCER DE MEDULA ÓSSEA - TRATAMENTO COM O MEDICAMENTO LENALIDOMIDA (REVLIMID) 25 MG - ROL DA ANS - RECURSO NÃO PROVIDO. O rol da ANS não é taxativo e se a doença estiver acobertada pelo plano de saúde, a operadora não pode negar o procedimento terapêutico adequado." (TJMS. Apelação Cível n. 0806822- 92.2019.8.12.0002, Dourados, 2a Câmara Cível, Relator (a): Des. Julizar Barbosa Trindade, j: 22/05/2020, p: 26/05/2020) No presente caso, o autor teve indicação de profissional da necessidade da utilização de próteses customizadas, entretanto, mesmo como a indicação do médico, a apelante/requerida seguiu negando o custeio desta. Os autos demonstram que a autora, então estudante universitária, passou por várias intervenções cirúrgicas odontofaciais, com recomendação médica de realização de novo procedimento reconstrutivo, incluindo substituição de placa de titânio e enxerto ósseo (ID. 294912927, ID. 294912928, ID. 294912933). O laudo de tomografia atesta material de síntese comprometido e sinais sugestivos de osteomielite, com urgência clínica no tratamento. Depreende-se do Relatório Médico elaborado pelo Dr. Everton J. Silva, cirurgião traumatoligista bucomaxilofacial (ID. 181202609), que a apelada foi diagnoticada com TRANSTORNOS DA ARTICULAÇÃO TEMPOROMANDIBULAR (HIPERPLASIA CONDILAR DA MANDIBULA) (CID. 10: K07.6), e SEQUELA DE RECONSTRAÇÃO DE MANDIBULA (CID 10: T90.2). Consta do relatório que o exame de tomografia computadorizada apresenta soltura dos parafusos de placa de reconstrução. Portanto, necessitava de procedimento cirúrgico de reconstrução parcial de mandíbula com instalação de prótese customizada. Para tanto, foi solicitado os seguintes materiais: - PLACA DE RECONSTRUÇÃO COSTUMIZADA, COM PARAFUSOS BLOQUEADOS (LOCKING) PARA O LADO DIREITO; -10 PARAFUSOS DO SISTEMA 2,4 MM; - 01 MICRO SERRA; - 2 G DE ENXERTO BIO OSS; - 01 LAMINA DE PIEZO; - 01 BROCA DE DESGASTE; - 01 BROCA 701; Além disso, restou expressamente consignado que o procedimento deve ser feito com urgência, senão vejamos: “O procedimento consiste na reconstrução utilizando prótese customizada, ou seja, personalizada para o paciente, com o objetivo de devolver e melhorar as funções da mastigação, deglutição, abertura bucal, fala e respiração do paciente, e por consequência melhorar a qualidade funcional, emocional e social do paciente. Devido as condições clínicas da paciente, tal procedimento requer URGÊNCIA na sua realização. “ Sob esse contexto, mostra-se abusiva a negativa a utilização de próteses personalizadas, por inferência lógica, já que plano prevê o tratamento da patologia que o acomete, e o impedimento à realização de tratamento indicado por profissional especialista, pelo simples fato de não constar em rol da ANS, não é suficiente para eximir o plano de saúde a sua integralidade. Ora, o profissional habilitado que acompanha o tratamento e evolução da doença da autor/apelado é quem tem melhores condições de averiguar as reais necessidades do paciente, tornando-se impertinente a discussão acerca da observância ou não aos parâmetros fixados nas políticas existentes, uma vez que demonstrada a necessidade do doente em realizar o procedimento indicado pelo especialista, frise-e, que o acompanha. É de bom tom consignar que, de acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, exarado no julgamento do REsp 1.721.705, "Quem decide se a situação concreta da enfermidade do paciente está adequada ao tratamento é o profissional médico". Conforme alhures esmiuçado, pelo que consta do caderno processual, é possível extrair com segurança a necessidade de realização do procedimento cirúrgico, no escopo de garantir a qualidade e dignidade de vida do paciente, até mesmo porque o procedimento cirúrgico bucomaxilofacial requerido não se trata de procedimento meramente odontológico, porquanto que deve ser realizado em ambiente hospitalar e com anestesia geral, enquadrando-se no conceito de atendimento hospitalar. Nessa linha de intelecção, o art. 19, VIII, da Resolução 465 da ANS, assim dispõe: Art. 19. O Plano Hospitalar compreende os atendimentos realizados em todas as modalidades de internação hospitalar e os atendimentos caracterizados como de urgência e emergência, conforme Resolução específica vigente, não incluindo atendimentos ambulatoriais para fins de diagnóstico, terapia ou recuperação, ressalvado o disposto no inciso X deste artigo e, devendo garantir cobertura para: (...) VIII - procedimentos cirúrgicos buco-maxilo-faciais listados nos Anexos desta Resolução Normativa, para a segmentação hospitalar, conforme disposto no art. 6º, incluindo a solicitação de exames complementares e o fornecimento de medicamentos, anestésicos, gases medicinais, transfusões, assistência de enfermagem, alimentação, órteses, próteses e demais materiais ligados ao ato cirúrgico utilizados durante o período de internação hospitalar; Reitere-se, não se trata de procedimento de natureza odontológica, segundo as orientações da ANS acima destacadas, de modo que as operadoras de planos privados de assistência à saúde devem cobrir as cirurgias buco-maxilo-faciais, inclusive internações hospitalares. Outrossim, a intervenção cirúrgica prescrita, segundo a prescrição destacada acima, objetiva fornecer, sem riscos, à autora/apelada, o melhor tratamento, logo não pode a operadora de saúde, sem fortes motivos e em parca fundamentação, negar tratamento ou procedimento médico a serem empregados em favor da paciente, contrariando a prescrição do médico assistente. Com efeito, restando devidamente comprovada a indicação médica da necessidade de intervenção em âmbito hospitalar, o que deve prevalecer é o tratamento mais adequado ao beneficiário do plano de saúde, de acordo com os recursos oferecidos pelos protocolos médicos vigentes, com as coberturas convencionadas, no prazo estabelecido pela legislação aplicável, sendo, no caso, obrigatória a cobertura do atendimento nos moldes prescrito, tal como aquela em que há o risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do cirurgião assistente. Assim, ainda que a negativa de cobertura tenha se baseado em parecer de Junta Médica, o que sequer é o caso dos autos, ainda assim não mereceria prevalecer, pois a constatação da necessidade do procedimento fundou-se em diagnóstico obtido por meio de exames clínicos, restando fundamentado o relatório de indicação do procedimento pelo cirurgião dentista que acompanha a paciente, profissional habilitado e especializado no caso em apreço. Nessa linha, cito julgados análogos: APELAÇÃO CÍVEL N.º 5661840-17.2020.8.09.0011 COMARCA DE APARECIDA DE GOIÂNIA APELANTE: CENTRAL NACIONAL UNIMED COOPERATIVA CENTRAL APELADA: SUZANE BARROSO DE ARAÚJO RELATOR: DESEMBARGADOR ÁTILA NAVES AMARAL EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E DANO MORAL. PLANO DE SAÚDE. RECONSTRUÇÃO PARCIAL DA MANDÍBULA COM ENXERTO ÓSSEO E OSTEOTOMIAS ALVÉOLO PALATINAS. CIRURGIA REALIZADA POR CIRURGIÃO DENTISTA. NECESSIDADE DE SUPORTE HOSPITALAR. INCIDÊNCIA DO CDC. DANO MORAL. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. 1. Nos termos da Súmula 608 do STJ, mostra-se cabível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, razão pela qual eventual interpretação das cláusulas contratuais deve ser feita de modo mais favorável ao consumidor, sem prejuízo, ainda, do uso do princípio da razoabilidade. 2. É abusiva a negativa de cobertura do plano de saúde a algum tipo de procedimento, medicamento ou material necessário para assegurar o tratamento de doenças previstas pelo contrato, uma vez que a operadora do plano de saúde pode delimitar as doenças passíveis de cobertura, mas não pode restringir os procedimentos e as técnicas a serem utilizadas no tratamento da doença. 3. A Resolução Normativa - RN Nº 428, da ANS prevê, no inciso VIII, do artigo 22, a cobertura dos procedimentos cirúrgicos buco-maxilo-faciais listados nos Anexos da RN, para a segmentação hospitalar, conforme disposto no art. 5º, incluindo a solicitação de exames complementares e o fornecimento de medicamentos, anestésicos, gases medicinais, transfusões, assistência de enfermagem, alimentação, órteses, próteses e demais materiais ligados ao ato cirúrgico utilizados durante o período de internação hospitalar. No caso dos autos, mostra-se ilegítima a negativa de cobertura do plano de saúde ao procedimento cirúrgico buco-maxilo-faciais indicado pelo cirurgião dentista da apelada. 4. Não se afiguram presentes os requisitos para a condenação do plano de saúde ao pagamento de indenização por danos morais, pois, não evidenciada má-fé do plano de saúde, ao negar a cobertura com amparo em parecer de Junta Médica regularmente instaurada para tal fim, não há falar-se em prática de ato ilícito passível de condenação, não podendo ser erigida ao caráter doloso, no intuito de ofender o patrimônio moral da segurada. 5. Considerando-se que cada litigante foi, em parte, vencido e vencedor, mister o reconhecimento da sucumbência recíproca das partes, conforme o art. 86, caput, do Código de Processo Civil, observada a gratuidade concedida em favor da parte recorrida. 6. Sem honorários recursais diante do parcial provimento do recurso. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5661840-17.2020.8.09.0011, Rel. Des (a). ÁTILA NAVES AMARAL, Aparecida de Goiânia - UPJ Varas Cíveis: 1a, 2a, 3a, 4a, 5a e 6a, julgado em 20/11/2023, DJe de 20/11/2023). EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CONFIGURADO. RECONSTRUÇÃO PARCIAL DA MANDÍBULA COM ENXERTO ÓSSEO E OSTEOTOMIAS ALVÉOLO PALATINAS. CIRURGIA REALIZADA POR CIRURGIÃO DENTISTA. NECESSIDADE DE SUPORTE HOSPITALAR. COBERTURA CONTRATUAL. INCIDÊNCIA DO CDC. DANO MORAL. NÃO OCORRÊNCIA. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. 1. Convencido o magistrado da desnecessidade de produção de outras provas para julgar o feito, somando-se ao fato de que a insurgente não demonstrou o efetivo prejuízo pela não produção de prova pericial, não há que se falar em cerceamento de defesa e, muito menos, em nulidade da sentença e sua cassação para reabrir a instrução processual. 2. Nos termos da Súmula 608 do STJ, mostra-se cabível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, razão pela qual eventual interpretação das cláusulas contratuais deve ser feita de modo mais favorável ao consumidor, sem prejuízo, ainda, do uso do princípio da razoabilidade. 3. É abusiva a negativa de cobertura do plano de saúde a algum tipo de procedimento, medicamento ou material necessário para assegurar o tratamento de doenças previstas pelo contrato, uma vez que a operadora do plano de saúde pode delimitar as doenças passíveis de cobertura, mas não pode restringir os procedimentos e as técnicas a serem utilizadas no tratamento da doença. 4. A Resolução Normativa - RN Nº 428, da ANS prevê, no inciso VIII, do artigo 22, a cobertura dos procedimentos cirúrgicos buco-maxilo-faciais listados nos Anexos desta RN, para a segmentação hospitalar, conforme disposto no art. 5º, incluindo a solicitação de exames complementares e o fornecimento de medicamentos, anestésicos, gases medicinais, transfusões, assistência de enfermagem, alimentação, órteses, próteses e demais materiais ligados ao ato cirúrgico utilizados durante o período de internação hospitalar. No caso dos autos, mostra-se ilegítima a negativa de cobertura do plano de saúde ao procedimento cirúrgicos buco-maxilo-faciais indicado pelo cirurgião dentista da apelada, uma vez que a cobertura encontra categórica previsão contratual. 5. Não se afiguram presentes os requisitos para a condenação do plano de saúde ao pagamento de indenização por danos morais, uma vez que a recusa ao procedimento pleiteado partiu-se de interpretação contratual e não pode ser erigida ao caráter doloso, no intuito de ofender o patrimônio moral do segurado. 6. Considerando-se que cada litigante foi, em parte, vencido e vencedor, mister o reconhecimento da sucumbência recíproca das partes, conforme o art. 86, caput, do Código de Processo Civil, observada a gratuidade concedida em favor da parte recorrida. 7. Sem honorários recursais diante do parcial provimento do recurso. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA."(TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5341581-80.2022.8.09.0051, Rel. Des (a). DESEMBARGADOR JAIRO FERREIRA JUNIOR, 6a Câmara Cível, julgado em 26/06/2023, DJe de 26/06/2023). EMENTA: DUPLA APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER PROPOSTA CONTRA PLANO DE SAÚDE (UNIMED). CIRURGIA BUCO MAXILO FACIAL E OPME. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. PROCEDIMENTO SOLICITADO POR CIRURGIÃO DENTISTA. COBERTURA OBRIGATÓRIA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL: IMPROPRIEDADE. SENTENÇA MANTIDA. 1. Não merece acolhida a alegação da Unimed, de que teria ocorrido cerceamento de defesa, porquanto é matéria predominantemente de direito a questão da obrigatoriedade ou não de cobertura, pelo Plano de Saúde, de honorários de dentista não credenciado e das OPMEs por este eleitas, além do que o aspecto fático da controvérsia está demonstrado por meio dos documentos acostados pela autora e pela decisão da Junta odontológica instaurada pelo Plano de Saúde, deliberando acertadamente o Juiz sentenciante quando reputou desnecessária a realização de novas provas (Súmula 28/TJGO). 2. O Plano Hospitalar abarca cirurgia bucomaxilofacial, com necessidade de internação (no caso, procedimento de Osteotomias alvéolo palatinas e reconstrução total com prótese e/ou enxerto ósseo), a qual consta do rol de cobertura obrigatória para os beneficiários dos planos de saúde (RN 465/2021). E, conforme expresso na referida Normativa, há obrigatoriedade da cobertura também quando o procedimento for prescrito/solicitado por cirurgião dentista habilitado para sua execução. 3. O posicionamento predominante da jurisprudência pátria é no sentido de que não se deve erigir os contratempos por que passou a paciente a acontecimentos extraordinários a ponto de agredir a própria dignidade da vítima, em virtude da negativa perpetrada pelo Plano de Saúde, notadamente pelo fato de que tal conduta foi embasada nas cláusulas (controvertidas) do contrato firmado com a apelante. Apelações cíveis desprovidas." (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5450089-57.2021.8.09.0051, Rel. Des (a). DESEMBARGADOR ZACARIAS NEVES COELHO, 2a Câmara Cível, julgado em 29/05/2023, DJe de 29/05/2023). Diante disso, afigura-se ilegítima a negativa de cobertura do plano de saúde ao procedimento indicado pelo cirurgião dentista da apelada/autora. Assim, não há como prosperar a irresignação, impondo-se o desprovimento do recurso interposto nesta extensão. Dano moral A operadora sustenta, ainda, que não estariam presentes os requisitos do dano moral, visto que a negativa de cobertura decorreu do exercício regular de um direito contratual, sem prova de sofrimento anormal ou abalo relevante. A responsabilidade civil decorre da ilicitude, ou seja, quando o agente age em desconformidade ao ordenamento jurídico, lesando direito privado. Isto porque a teoria da responsabilidade civil tem por base fundamental o preceito de que a ninguém é dado causar prejuízo a outrem, regra consagrada no art. 186, do Código Civil. Uma vez constatado o dano, cabe ao causador do prejuízo repará-lo, consoante art. 927, do Código Civil: "Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo". Neste diapasão, somado aos dispositivos retro, também a CF/88 autoriza a reparação dos danos morais e patrimoniais, nos termos do artigo 5º, inciso X. Assim sendo, os pressupostos formadores da responsabilidade civil, imputáveis à operadora de saúde ré, compõem-se de conduta ilícita, dano experimentado e nexo de causalidade que os une. Ademais, por se tratar de relação consumerista, o fornecedor de serviços responde de forma objetiva, e este só não será responsabilizado quando provar que a falha na prestação do serviço ocorreu por culpa exclusiva de terceiro, conforme Código de Defesa do Consumidor, art. 146. Observa-se, na espécie, que a indenização pretendida ampara-se na alegação de negativa abusiva e injustificada de cobertura de tratamento de saúde. Sobre o temo, o entendimento do juízo a quo não está em consonância com pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual a recusa pela operadora de plano de saúde de cobertura a que está obrigada configura ato ilícito e induz dano in re ipsa: "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA DE PROCEDIMENTO PARA TRATAMENTO. PREVISÃO CONTRATUAL PARA COBERTURA DA DOENÇA. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE CONCLUIU CONFORME A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. NEGATIVA DE COBERTURA. DANO MORAL CONFIGURADO. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Delineado pelas instâncias de origem que o contrato celebrado entre as partes previa a cobertura para a doença que acometia o autor, é abusiva a negativa da operadora do plano de saúde de utilização da técnica mais moderna disponível no hospital credenciado pelo convênio e indicada pelo médico que assiste o paciente. 2. A orientação desta Corte Superior é de que a recusa indevida ou injustificada pela operadora de plano de saúde em autorizar a cobertura financeira de tratamento médico a que esteja legal ou contratualmente obrigada gera direito de ressarcimento a título de dano moral, em razão de tal medida, agravar a situação tanto física quanto psicologicamente do beneficiário. Caracterização de dano moral in re ipsa. 3. Agravo interno desprovido." (AgInt no AREsp 1534265/ES, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/12/2019, DJe 19/12/2019) "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA INDEVIDA. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA. DECISÃO MANTIDA. 1. A jurisprudência desta Corte firmou o entendimento de que é "abusiva a recusa de custeio do medicamento prescrito pelo médico responsável pelo tratamento do beneficiário, ainda que ministrado em ambiente domiciliar" (AgInt no AREsp 1.433.371/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 17/9/2019, DJe 24/9/2019). 2. "É pacífica a jurisprudência da Segunda Seção no sentido de reconhecer a existência do dano moral nas hipóteses de recusa injustificada pela operadora de plano de saúde, em autorizar tratamento a que estivesse legal ou contratualmente obrigada, por configurar comportamento abusivo" (AgInt no AREsp n. 1.379.491/PE, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 29/4/2019, DJe 2/5/2019). 3. Agravo interno a que se nega provimento." (AgInt no REsp 1836018/PR, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 20/04/2020, DJe 24/04/2020) Evidente, portanto, que há provas suficientes de que a recusa de cobertura da prótese customizada foi abusiva, pois indicada como única forma de recuperar a saúde do autor, descabida opinião diversa por junta médica parcial e unilateral. A propósito: "APELAÇÃO. Plano de saúde. Negativa de cobertura. Abusividade. RECONSTRUÇÃO DE MANDÍBULA. Custeio de material rejeitado pela operadora (Prótese mandibular customizada). Histórico de crescimento de tumor na região da boca. Expressa indicação médica. Risco ao bem estar físico e emocional da paciente. Dever de cobertura que se impõe. Inteligência da Súmula nº 102 do TJSP e da disciplina protetiva do CDC (NOTADAMENTE QUANDO AS PRÓTESES ORIGINALMENTE IMPLANTADAS ACABARAM REJEITADAS, POR MAIS DE UMA VEZ, PELO ORGANISMO DA PACIENTE). AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO ROL DA ANS. IRRELEVÂNCIA. CARÁTER EXEMPLIFICATIVO E NÃO TAXATIVO DO ALUDIDO ROL (STATUS DE"REFERÊNCIA BÁSICA"CONSAGRADO PELA LEI Nº 14.454/22). Dever de reparação moral. Transtornos experimentados, angústia e frustração decorrentes da postura da operadora de saúde que em muito extrapolam a esfera do dissabor, tanto mais quando considerada a gravidade do diagnóstico e a sequência de procedimentos. Quantum indenizatório arbitrado em R$ 15.000,00. Minoração/cassação indevida. Gratuidade judiciária. Concessão mantida à beneficiária do plano. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Valor da causa. Adequação.Pertinência. Inteligência do art. 292, VI do CPC. Sentença reformada em parte. Adoção parcial do art. 252 do RITJSP. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE" . (TJSP; Apelação Cível 1001052-96.2020.8.26.0233; Relator (a): Jair de Souza; Órgão Julgador: 10a Câmara de Direito Privado; Foro de Ibaté - Vara Única; Data do Julgamento: 03/03/2023; Data de Registro: 03/03/2023) "Apelação - Plano de Saúde - Ação de Obrigação de Fazer - Cirurgia de Osteotomia - Recusa de cobertura de prótese customizada - Procedência - Insurgência - Cirurgia prescrita por médico responsável pelo tratamento da paciente - Relatórios médicos confirmam a necessidade da cirurgia - Materiais inerentes ao ato - Junta médica que não pode estabelecer qual o método mais adequado para tratamento da doença - Divergência no tocante aos materiais fica superada pela indicação e justificativa adequadas constantes do Relatório Médico - Entendimento jurisprudencial desta C. Câmara - Sentença mantida - Recurso improvido" . (TJSP; Apelação Cível 1007971-50.2021.8.26.0271; Relator (a): Luiz Antonio Costa; Órgão Julgador: 7a Câmara de Direito Privado; Foro de Itapevi - 1a Vara Cível; Data do Julgamento: 29/06/2022; Data de Registro: 30/06/2022) Inegável, outrossim, que a recusa da operadora de saúde em realizar o tratamento como prescrito prolongou o estado de sofrimento, angústia e qualidade de vida da autora, o que ultrapassou o mero aborrecimento. Em relação à fixação do quantum indenizatório deve-se levar em conta as condições das partes e o grau da ofensa moral e, ainda, os elementos dos autos, servir de desestímulo ao causador do dano, a fim de que analise o seu comportamento e não pratique mais a conduta lesiva, não podendo ser exorbitante, capaz de servir para enriquecimento sem causa da vítima e nem irrisório, a ponto de não servir de função punitiva ao ofensor. Para o arbitramento do dano moral deve-se então levar em consideração as condições do ofensor, do ofendido, bem como do bem jurídico lesado, atendendo ao princípio da razoabilidade e proporcionalidade. No presente caso, a recorrente negou e criou diversos obstáculos para a cobertura do tratamento indicado por profissional especializado, alongando ainda mais o sofrimento, a angústia e a dor da recorrida, a qual amargou espera desnecessária para realizar a cirurgia imprescindível para recuperar a qualidade de vida e o bem-estar. Diante disso, levando-se em consideração as circunstâncias a emoldurar o caso em comento, entendo ser suficiente o arbitramento da indenização no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), a qual é condizente com a situação aflitiva pelo que desnecessariamente passou o autor e o porte econômico da ré, visando a melhor reparação do dano e reincidência da contratada. Da taxa de juros – aplicação da SELIC A apelante sustenta, por fim, que a aplicação de juros pela taxa SELIC seria indevida, por não encontrar respaldo na legislação civil (ID. 294913876). A parte apelante requer, ainda, a readequação dos critérios de atualização monetária e dos juros moratórios incidentes sobre a condenação por danos morais, sustentando que não é cabível a cumulação de juros de 1% ao mês com correção monetária, devendo incidir apenas a Taxa SELIC. Com razão, em parte. Com a entrada em vigor da Lei nº 14.905, de 03 de julho de 2024, foram alterados os artigos 389 (parágrafo único) e 406 do Código Civil, estabelecendo-se novo regime legal aplicável às dívidas civis não contratuais, entre elas as de natureza indenizatória, com efeitos escalonados a partir de 30 de agosto de 2024, nos seguintes termos: a) Correção monetária: Até 29/08/2024, deve-se aplicar o índice INPC, conforme entendimento consolidado até então pela jurisprudência dos tribunais superiores; A partir de 30/08/2024, a correção monetária será feita pelo índice IPCA, ou outro que vier a substituí-lo, nos termos do art. 389, parágrafo único, do Código Civil. b) Juros moratórios: Até 29/08/2024, aplica-se a taxa de 1% ao mês, conforme o entendimento jurisprudencial pacificado antes da vigência da nova legislação; A partir de 30/08/2024, incidirá a taxa legal prevista no art. 406 do Código Civil, qual seja, a Taxa SELIC, com a dedução do índice de correção monetária adotado (IPCA), nos termos expressamente definidos pelo novo texto legal. Dessa forma, não se trata mais da aplicação unitária e cumulativa da SELIC como antes entendida, mas sim de um sistema bifásico, que impõe a observância dos marcos legais e dos componentes autônomos de juros e atualização. Assim sendo, acolho parcialmente o pedido recursal, para que a atualização da condenação por danos morais observe os seguintes parâmetros: -Correção monetária: pelo INPC até 29/08/2024, e a partir de então, pelo IPCA (ou índice que vier a substituí-lo); - Juros moratórios: 1% ao mês até 29/08/2024, e a partir de 30/08/2024, a Taxa SELIC, deduzido o IPCA, na forma dos arts. 389, parágrafo único, e 406 do Código Civil, com a redação dada pela Lei nº 14.905/2024. Dispositivo Diante do exposto, conheço do recurso e DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO, para redefinir os critérios de atualização da condenação por danos morais, nos seguintes termos: correção monetária pelo IPCA (ou índice que o substitua); juros de mora pela taxa SELIC deduzido o índice de correção monetária, conforme previsão do art. 406 do Código Civil, mantendo-se, na integralidade, a sentença fustigada. Aplicável à hipótese o Tema Repetitivo n. 1059, que não autoriza a majoração da verba em caso de provimento parcial do recurso. Confira-se: TEMA REPETITIVO 1059: A majoração dos honorários de sucumbência prevista no art. 85, § 11, do CPC pressupõe que o recurso tenha sido integralmente desprovido ou não conhecido pelo tribunal, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente. Não se aplica o art. 85, § 11, do CPC em caso de provimento total ou parcial do recurso, ainda que mínima a alteração do resultado do julgamento ou limitada a consectários da condenação. É como voto. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador Relator Data da sessão: Cuiabá-MT, 15/07/2025
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