Processo nº 0000742-25.2013.8.18.0056
ID: 337882928
Tribunal: TJPI
Órgão: 5ª Câmara de Direito Público
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0000742-25.2013.8.18.0056
Data de Disponibilização:
30/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ 5ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO APELAÇÃO CÍVEL nº 0000742-25.2013.8.18.0056 Órgão Julgador: 5ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO Origem: Vara Única da Com…
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ 5ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO APELAÇÃO CÍVEL nº 0000742-25.2013.8.18.0056 Órgão Julgador: 5ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO Origem: Vara Única da Comarca de Itaueira Apelantes: VERÔNICA BEZERRA LIMA AVELINO e outros Advogados: Felipe de Jesus Avelino (OAB/PI nº 16.261) e outros Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ Procuradoria Geral do Estado do Piauí Relator: DES. SEBASTIÃO RIBEIRO MARTINS Ementa: DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÕES DIRETAS. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. INEXISTÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO. ABSOLVIÇÃO DOS RÉUS. RECONHECIMENTO DE NULIDADE PROCESSUAL EM RELAÇÃO A ALGUNS APELANTES. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de Apelações Cíveis interpostas contra sentença que julgou parcialmente procedente Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Piauí contra agentes políticos e empresas, imputando-lhes contratações irregulares durante a gestão da ex-prefeita de Itaueira/PI. O juízo de origem condenou diversos réus com base no art. 10 da LIA (Lei nº 8.429/92), aplicando as penalidades do art. 12, II, da mesma lei. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) reconhecer a nulidade da sentença em razão de cerceamento de defesa de alguns apelantes; (ii) verificar a existência de dolo específico e demais pressupostos legais para caracterização de atos de improbidade administrativa por parte dos demais apelantes, à luz da nova redação da LIA introduzida pela Lei nº 14.230/2021. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A ausência de intimação do novo patrono dos apelantes Aldenor Nogueira Lima – ME e Valdemir Nogueira Lima – ME para apresentação de alegações finais compromete o contraditório e a ampla defesa, configurando nulidade absoluta do processo quanto a esses réus. 4. A Lei nº 14.230/21 exige a comprovação de dolo específico para a configuração de ato de improbidade, não bastando a mera ilegalidade ou culpa. 5. Em relação à ex-prefeita Verônica Bezerra Lima Avelino, não foi comprovado dolo específico nas contratações emergenciais ou no pagamento a cargos não previstos em lei, sendo demonstrada a efetiva prestação dos serviços contratados. 6. A locação do imóvel pertencente a Quirino Avelino Neto foi amparada em decretos de emergência e parecer jurídico, inexistindo prova de fraude, superfaturamento ou enriquecimento ilícito. 7. Quanto à empresa Casa Cota 2, o valor pago superior ao contratado não foi tecnicamente comprovado como superfaturado, tampouco houve prova de dolo ou dano ao erário. 8. A contratação da empresa Disnomed ocorreu sob justificativa de urgência e foi posteriormente regularizada, não se evidenciando má-fé, dolo ou dano efetivo. 9. Os demais serviços contratados pela administração municipal foram prestados e não demonstraram dolo específico, desvio de recursos ou enriquecimento ilícito, afastando a caracterização de ato ímprobo. IV. DISPOSITIVO E TESE 10. Apelações providas quanto a Verônica Bezerra Lima Avelino, Quirino Avelino Neto, Raimundo José de Sousa – EPP (Casa Cota 2) e Distribuidora Disnomed Ltda. Sentença anulada exclusivamente em relação a Aldenor Nogueira Lima – ME e Valdemir Nogueira Lima – ME. 11. Agravos internos julgados prejudicados por perda superveniente do objeto. Tese de julgamento: 1. A configuração de ato de improbidade administrativa exige a comprovação de dolo específico, não sendo suficiente a mera irregularidade ou culpa. 2. A ausência de intimação para apresentação de alegações finais configura cerceamento de defesa e acarreta nulidade da sentença. 3. A contratação direta fundamentada em decretos de emergência e amparada por parecer jurídico não configura, por si só, ato de improbidade se ausente o dolo e o dano ao erário. 4. O reconhecimento da prestação efetiva dos serviços e a ausência de sobrepreço ou enriquecimento ilícito afastam a responsabilização por improbidade administrativa. _________________ Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LIV e LV; art. 37, §§ 4º e 5º; Lei nº 8.429/92 (arts. 10, 11, 12, II, e 23); Lei nº 14.230/2021; CPC/2015, arts. 487, I, e 932, III. Jurisprudência relevante citada: STF, RE 852.475 (Tema 897), j. 19.08.2020; STF, ARE 843.989 (Tema 1.199), j. 18.08.2022; TJSP, ApCiv 1000931-26.2019.8.26.0323, Rel. Martin Vargas, j. 15.07.2024; TJPA, ApCiv 0004096-15.2007.8.14.0045, Rel. Des. Rosileide Cunha, j. 27.05.2024; TRF1, AC 0034876-08.2013.4.01.3800, Rel. Des. Ney Bello, j. 21.06.2017. ACÓRDÃO Acordam os componentes da 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, por unanimidade, nos termos do voto do Relator, em ACOLHER a preliminar de cerceamento de defesa suscitada por ALDENOR NOGUEIRA LIMA – ME e VALDEMIR NOGUEIRA LIMA – ME, para declarar a nulidade da sentença de primeiro grau exclusivamente em relação a esses apelantes, determinando o retorno dos autos à Vara Única da Comarca de Itaueira/PI, a fim de que seja reaberto o prazo para apresentação de alegações finais por seus patronos regularmente habilitados, com posterior prolação de nova sentença. No mérito, DAR PROVIMENTO às apelações interpostas por VERÔNICA BEZERRA LIMA AVELINO, QUIRINO AVELINO NETO, RAIMUNDO JOSÉ DE SOUSA – EPP (CASA COTA 2) e DISTRIBUIDORA DISNOMED LTDA., para reformar integralmente a sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa e julgar improcedente a pretensão punitiva do Ministério Público do Estado do Piauí em face destes recorrentes, extinguindo o feito com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC. Em razão da reforma da sentença, e da ausência de condenação, ficam prejudicadas as sanções impostas na origem quanto aos apelantes ora absolvidos. Agravos internos de IDs. 22986064, 23005833, 23133510, JULGADOS PREJUDICADOS por perda superveniente do objeto. Ausência de parecer ministerial. RELATÓRIO O EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO RIBEIRO MARTINS (Relator): Trata-se de Apelações Cíveis da Sentença de ID. 7337942, oriunda da Vara Única da Comarca de Itaueira, nos autos de Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa, proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ, em face de VERÔNICA BEZERRA LIMA AVELINO, WBERSON GOMES DE ARAUJO, RAIMUNDO NONATO REGO DE ARAUJO, SERGIO AVELINO LIMA, MARILENE CABRAL AIRES, QUIRINO AVELINO NETO, ALDENOR NOGUEIRA LIMA - MEE, CONSTRUAGRO, D1 TUDO ENTREGA LTDA, CONSTRUTORA SERTEPLAN, DISTRIBUIDORA DISNOMED, COTA 2, em razão suposta prática de atos ímprobos e ilegais no período em que VERÔNICA BEZERRA LIMA AVELINO exerceu a função de Prefeita do Município de Itaueira/PI. O juízo de primeiro grau julgou parcialmente procedente a Ação de Improbidade Administrativa, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC, condenando os requeridos nos seguintes termos: “Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE A PRETENSÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, para condenar os requeridos: Verônica Bezerra Lima Avelino, Raimundo Nonato Rêgo da Silva, Sérgio Avelino Lima, Quirino Avelino Neto, Aldenor Nogueira Lima MEE, CONSTRUAGO, D1 TUDO ENTREGA LTDA, CONSTRUTORA SERTEPLAN, Cota 2 e Distribuidora DISNOMED, na prática do artigo 10 da Lei de licitação. Em relação as penas, registro a existência de prova de dano ao erário motivo pelo qual os condeno ao ressarcimento dos valores apontados pelo Ministério Público Quanto às sanções a serem aplicadas, leva-se em consideração que dispõe o art. 12, inciso II, da lei de improbidade administrativa. Condeno, portanto, Verônica Bezerra Lima Avelino, Raimundo Nonato Rêgo da Silva, Sérgio Avelino Lima, Quirino Avelino Neto, Aldenor Nogueira Lima MEE, CONSTRUAGO, D1 TUDO ENTREGA LTDA, CONSTRUTORA SERTEPLAN, Cota 2 e Distribuidora DISNOMED ao pagamento integral do dano a ser apresentado pelo Ministério Público após a exclusão dos demandados Wberson Gomes de Araújo e Marilene Cabral Aires, valor a ser acrescido de correção monetária, desde a data do repasse dos valores entre o Município e as partes. Suspendo os direitos políticos dos réus por 8 anos (anos); Perda da função pública; Condeno ao pagamento de multa equivalente a 2 vezes o valor do dano; As partes ficam proibidas de contratar com o Poder Público, de quaisquer das esferas da federação, ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos. Custas pelos requeridos, pro rata. Sem honorários advocatícios, em razão do que dispõe o art. 17 da Lei nº 7.347/85 (REsp 785.489/DF)”. Irresignada, a DISTRIBUIDORA DISNOMED adentrou com Embargos de Declaração (ID. 7337955), com pedido de efeitos infringentes, objetivando o reconhecimento de omissões acerca atos de improbidade administrativa e dano ao erário público praticados pela então embargante. Porém, reconhecido o mero inconformismo com o entendimento adotado, foram rejeitados pelo juízo a quo (ID. 7337984). Por seu turno, ALDENOR NOGUEIRA LIMA – ME e VALDEMIR NOGUEIRA LIMA – ME adentram com a 1ª Apelação Cível em discussão (ID. 7337961). Preliminarmente, aduzem cerceamento de defesa decorrente da ausência da reabertura de prazo ao novo patrono dos apelantes para apresentação de alegações finais, como determinado na audiência de instrução e julgamento. No mérito, defendem a ausência de ato ímprobo, pois as notas fiscais e demais documentos acostados aos autos afastam as alegadas irregularidades cometidas pelo representante da CONSTRUAGRO, bem como pela microempresa ALDENOR NOGUEIRA LIMA – MEE. Por fim, alegam a ausência da comprovação de elemento subjetivo, dolo ou culpa, nas condutas apontadas em juízo. No que diz respeito à 2ª apelação (ID. 7337964), QUIRINO AVELINO NETO alega a inexistência dos atos ímprobos que lhe foram apontados, tendo em vista que os Decretos nº 003/2009 e 010/2009 comprovam o estado de emergência da municipalidade, sendo a ausência de licitação justificável no caso, nos termos do art. 24, IV, da Lei 8.666/93. Ademais, aponta a ausência da comprovação de elemento subjetivo, em razão da sua conduta estar legalmente amparada nos referidos decretos, bem como alega a inexistência de dano ao erário. Desse modo, requer o integral provimento do recurso. Após, VERÔNICA LIMA BEZERRA AVELINO adentrou com a 3ª apelação (ID. 7337968). Preliminarmente, pleiteia o reconhecimento da inépcia da inicial, alegando que as imputações à demanda foram genéricas. No mérito, aduz que não é cabível responsabilidade objetiva na Lei de Improbidade, bem como aponta que inexiste dolo ou culpa em suas condutas. Após, afirma que não houve pagamento em duplicidade ao Secretário Wberson Gomes de Araújo e ao subsecretário Raimundo Nonato Rego da Silva. Por fim, defende a legalidade das despesas apontadas na inicial. Dessa forma, aduzindo a inexistência de atos de improbidade administrativa, requer a sua absolvição. Então, RAIMUNDO JOSÉ DE SOUSA – EPP, representante legal da empresa CASA COTA 2, interpôs a 4ª Apelação (ID. 7337972). Em síntese, alega a ausência de ato ímprobo; a inexistência de prova de lesão ao erário e a inexistência de elemento subjetivo caracterizador da improbidade. A DISTRIBUIDORA DISNOMED, por seu turno, adentrou com a 5ª Apelação (ID. 7337972). Preliminarmente, aduz a nulidade da sentença por inépcia da inicial e a prescrição dos atos apontados. No mérito, alega que o procedimento licitatório cumpriu todos os requisitos legais, aponta a inexistência de danos ao erário e, por fim, defende a ausência de improbidade em suas condutas. Devidamente intimado, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ apresentou Contrarrazões (ID. 7338010). Preliminarmente, aponta que assiste razão aos apelantes ALDENOR NOGUEIRA LIMA e VALDEMIR NOGUEIRA LIMA no que concerne à preliminar de cerceamento de defesa. No mérito, no que concerne às Razões de Apelação de QUIRINO AVELINO NETO e RAIMUNDO JOSÉ DE SOUSA, alega que esses apelantes não produziram provas documentais aptas a demonstrar que o estado de calamidade e a ausência de licitação atendiam aos critérios legais, não sendo comprovada a regularidade da contratação por emergência. Acerca da apelação de VERÔNICA LIMA BEZERRA AVELINO, o Parquet aduz ter correlacionado as condutas aos demandados, individualizando os atos e comprovando o dolo, sobretudo, da ex-gestora. Após, também aponta a insubsistência da alegada nulidade levantada pela empresa DISNOMED, na medida em que “a sentença demonstra que as condutas, em que pese, a ausência de individualização junto à exordial, o foi sendo feita no curso da ação, e na plena vigência da Lei 8.249/92, cujas alterações advindas por meio da Lei 14.230/21, não desanturaram o teor das imputações e o objeto de apuração da ação”. Desse modo, requer o provimento apenas da Apelação de ALDENOR NOGUEIRA LIMA – ME e VALDEMIR NOGUEIRA LIMA – ME, bem como pleiteia o improvimento de todas as demais apelações. Uma vez remetidos ao presente juízo ad quem, os autos foram erroneamente distribuídos à 2ª Câmara Especializada Cível. Então, sem discriminar o efeito de recebimento, o então relator conheceu das apelações e remeteu os autos ao Parquet Superior (ID. 7532295) Instado a se manifestar, o Ministério Público Superior devolveu os autos sem emitir parecer de mérito, em decorrência de sua atuação como parte no juízo a quo viabilizar a dispensa de intervenção do Parquet Superior (ID. 8220764). Na decisão de ID. 22094460 chamei o feito à ordem para tornar sem efeito o decisum de ID. 9832188 que recebeu os recursos no duplo efeito, bem como recebi todas as 05 (cinco) Apelações Cíveis interpostas somente no efeito devolutivo, conforme a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº. 7.347/85). Em face de tal decisão, QUIRINO AVELINO NETO, DISTRIBUIDORA DISNOMED LTDA., ALDENOR NOGUEIRA LIMA - ME E VALDEMIR NOGUEIRA LIMA – ME, interpuseram agravo interno nas IDs. 22986064, 23005833, 23133510, respectivamente. Contrarrazões ao agravo interno em ID. 23471262 É o relatório. VOTO O EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO RIBEIRO MARTINS (Relator): I. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DA APELAÇÃO CÍVEL Presentes os pressupostos gerais de admissibilidade recursal objetivos (previsão legal, forma prescrita e tempestividade) e subjetivos (legitimidade, interesse e possibilidade jurídica), e, cumpridos os requisitos estabelecidos pelos artigos 1.010 e seguintes do Novo Código de Processo Civil, conheço as apelações interpostas. II. PRELIMINARES II. 1. Da Preliminar de Cerceamento de Defesa (Apelação de ALDENOR NOGUEIRA LIMA – ME e VALDEMIR NOGUEIRA LIMA – ME) Os apelantes ALDENOR NOGUEIRA LIMA – ME e VALDEMIR NOGUEIRA LIMA – ME sustentam que foram privados do direito de apresentar alegações finais, ante a ausência de intimação de seu novo patrono regularmente habilitado nos autos. De fato, conforme registrado na decisão proferida na audiência de instrução e julgamento, houve determinação expressa para a abertura de prazo com vistas à apresentação de alegações finais pelas partes, conforme ID. 7337917. No entanto, verifica-se que, por erro processual, não foi oportunizado ao novo advogado dos recorrentes o cumprimento deste ato essencial, o que comprometeu a plenitude do contraditório e da ampla defesa, direitos constitucionalmente assegurados no art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal de 1988. Assim é que, a ausência de tal providência representa vício de natureza insanável, passível de nulidade absoluta, a macular o processo a partir da fase de encerramento da instrução, comprometendo a validade da sentença de mérito. Corroborando com o exposto é o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo: DIREITO CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA . PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA PELOS REQUERIDOS. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PARA APRESENTAR ALEGAÇÕES FINAIS. 1 . Ação civil pública ajuizada por suposta prática de ato de improbidade administrativa, com pedido de liminar de afastamento cautelar do cargo de vereador, proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo. 2. Juízo de admissibilidade do recurso de apelação. Pedido de Justiça Gratuita formulado pelos apelantes diretamente em Segunda Instância . Respeitando o direito constitucional garantido aos cidadãos de acesso à justiça, disciplinado pelo art. 5º, XXXV e LXXIV, da CF, é o caso de conhecer do recurso interposto, porquanto tempestivo. Além disso, dispensável o recolhimento do preparo como requisito para seu conhecimento, tendo em vista possibilidade de recolhimento das custas ao final, nos termos do art. 23-B, § 1º, da Lei n . 14.230/21. 3. Na eventualidade, após prolação de nova sentença pelo Juízo de primeiro grau, de nova interposição de recurso de apelação, deverão, os apelantes, demonstrar, sob pena de indeferimento, documentação suficiente à comprovação da alegada hipossuficiência . 4. Nulidade da sentença recorrida caracterizada, sob o fundamento de que não houve intimação dos requeridos para apresentarem as alegações finais em memoriais, mesmo com clara determinação presente no r. termo de audiência de prazo sucessivo de 15 dias para apresentação de alegações finais em memoriais. Inteligência dos arts . 364 e 366, ambos do CPC 5. Precedente deste E. TJSP. Preliminar acolhida . Sentença anulada. Recurso dos apelantes parcialmente provido, prejudicadas as demais alegações recursais. (TJ-SP - Apelação Cível: 10009312620198260323 Lorena, Relator.: Martin Vargas, Data de Julgamento: 15/07/2024, 10ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 18/07/2024) Assim, acolho a preliminar de cerceamento de defesa, declarando a nulidade da sentença de ID. 7337942 exclusivamente em relação aos recorrentes ALDENOR NOGUEIRA LIMA – ME e VALDEMIR NOGUEIRA LIMA – ME, determinando o retorno dos autos ao juízo de origem para que seja reaberto o prazo para alegações finais, com posterior prolação de nova sentença quanto a tais réus. II.2. Da Preliminar de Nulidade da Sentença por Inépcia da Inicial (Apelação de VERÔNICA BEZERRA LIMA AVELINO e DISTRIBUIDORA DISNOMED) Os apelantes sustentam que a petição inicial seria inepta por ausência de individualização das condutas imputadas aos réus, violando os requisitos do art. 319 do CPC e o devido processo legal. Pois bem, o Ministério Público do Estado do Piauí ajuizou ajuizou ação civil pública por ato de improbidade administrativa em face dos apelantes sob o argumento de irregularidades na administração da ex-prefeita (Verônica Bezerra Lima) os quais supostamente importam em prejuízo ao erário e afronta aos princípios constitucionais da Administração Pública. Assim, pugnou pela condenação dos requeridos, nas infrações previstas nos artigos 10 e 11 da Lei 8.429/92, sujeitando-o às sanções previstas no artigo 12, incisos II e III, da mesma norma, conforme inicial de ID. 7337893 - Págs. 1/14. Com efeito, a Lei de Improbidade Administrativa, que regulamenta o disposto no art. 37, § 4º, da Constituição Federal de 1988, tem por finalidade a imposição de sanções aos agentes públicos que pratiquem atos ímprobos, enquadrando-os em três categorias: enriquecimento ilícito (art. 9º), prejuízo ao erário (art. 10) e atentado contra os princípios da Administração Pública (art. 11), incluindo a lesão à moralidade administrativa. Ao analisar os autos, verifico que a petição inicial acusatória conseguiu demonstrar, de forma satisfatória, a adequação das condutas dos requeridos aos dispositivos da Lei nº 8.429/92, vigente à época dos fatos, vez que especificou, com precisão e clareza, quais práticas atribuídas ao ex-prefeito e à construtora ré caracterizariam atos de improbidade. Dessa forma, não há que se falar de inépcia da inicial vez que à época do ajuizamento da ação, estava vigente a Lei nº 8.429/92, bastando para o recebimento da ação, a individualização e subsunção das condutas com as previstas na citada lei. Razão disso, rejeito a preliminar de inépcia da inicial. II.3. Da Preliminar de Prescrição (Apelação de DISTRIBUIDORA DISNOMED) A empresa apelante suscitou a prescrição da pretensão punitiva e ressarcitória em face dos atos descritos na exordial. Ocorre que, tratando-se de ação de improbidade administrativa, a pretensão de ressarcimento ao erário é imprescritível, nos termos do art. 37, § 5º, da Constituição Federal, entendimento que também foi reafirmado pelo STF no julgamento do RE 852.475 (Tema 897). Quanto às sanções de natureza política, administrativa e civil, estas obedecem ao prazo prescricional de 5 (cinco) anos previsto no art. 23 da Lei nº 8.429/1992, contados do término do exercício do mandato da agente política, isto é, em 2012. No caso concreto, a ação foi proposta tempestivamente vez que protocolada em 30/09/2013, abordando, principalmente, atos praticados nos anos de 2009, conforme se extrai dos marcos processuais dos autos, não havendo que se falar em prescrição. Diante disso, rejeito a preliminar de prescrição. III. MÉRITO III.1. DO JULGAMENTO DAS APELAÇÕES CÍVEIS Trata-se de Apelações Cíveis interpostas contra sentença proferida nos autos de Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ, em face de diversos requeridos, notadamente agentes políticos e pessoas jurídicas, com fundamento em irregularidades ocorridas durante o exercício de mandato de VERÔNICA LIMA BEZERRA AVELINO como Prefeita do Município de Itaueira/PI. Conforme relatado, o juízo de primeiro grau julgou parcialmente procedente a pretensão ministerial, condenando os réus pela prática de atos de improbidade administrativa previstos no artigo 10 da lei de licitações, com base na instrução probatória dos autos. Constatou-se dano ao erário decorrente de contratações diretas sob alegação de emergência não comprovada, pagamentos duplicados, e ausência de prestação de serviços. Deste modo, as penas impostas incluíram o ressarcimento integral do dano ao erário (a ser apurado em liquidação), suspensão dos direitos políticos por oito anos, perda da função pública, pagamento de multa civil equivalente ao dobro do valor do dano, e proibição de contratar com o poder público por cinco anos, levando-se em consideração o que dispõe o art. 12, inciso II, da lei de improbidade administrativa. Por conseguinte, impende registrar que a Lei 8.429/92, vigente à época dos fatos, foi alterada pela Lei nº 14.230/2021, a qual, de acordo com o Tema 1.199/STF “aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude de revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente”. Logo, tendo em vista que a presente ação fora ajuizada no ano de 2013 e até então não houve o seu trânsito em julgado, mister a aplicação retroativa da lei mais benéfica, qual seja a Lei nº 14.230/2021. Com estas considerações, insta averiguar as consequências concretas da superveniência desta lei em relação à conduta imputada no caso concreto, qual seja: o ato que causa lesão ao erário, consubstanciado no art. 10 da LIA. Com efeito, a Lei nº 14.230/2021 determinou que, para a aplicação das sanções aos agentes públicos que, por ação ou omissão, violem os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, lealdade às instituições e notadamente: a) importem enriquecimento ilícito (art. 9º); b) causem prejuízo ao erário (art. 10); c) atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11), é necessária a presença do elemento subjetivo (dolo). Não obstante, no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 843989, apreciando o tema 1.199 da repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei". Assim, apenas a forma dolosa se aplica aos tipos de improbidade administrativa, especificamente os atos que importem enriquecimento ilícito (art. 9º, Lei nº 8.492/92), causem prejuízo ao erário (art. 10, Lei nº 8.492/92) e atentem contra os princípios da administração pública (art. 11, Lei nº 8.492/92), não havendo mais que se falar na forma culposa, anteriormente admitida com relação a atos que causem lesão ao erário (art. 10, Lei nº 8.492/92), sendo esta uma das principais mudanças promovidas pela Lei n.º 14.230, de 25 de outubro de 2021. Por sua vez, não há responsabilidade objetiva em relação aos atos de improbidade, bem como a inversão do ônus da prova não se aplica a esses casos, ou seja, quem ingressa com a ação deve provar o dolo do agente. Cabe, portanto, ao Poder Judiciário extrair dos autos se há prova de que os apelantes agiram com dolo ou má-fé, também não bastando para o tipo a mera culpa. III. 1.1. DAS CONDUTAS IMPUTADAS À VERÔNICA BEZERRA LIMA AVELINO Depreende-se da inicial que, enquanto Prefeita do Município de Itaueira/PI, a apelante foi apontada como a principal responsável pelos atos administrativos que resultaram em contratações diretas sem respaldo legal, simulações de processos licitatórios e pagamentos indevidos sem a contraprestação de serviços. Alega o Ministério Público que a ex-prefeita realizou despesas com pagamento de pessoal que ocupavam cargos inexistentes, bem como, realizou a contratação direta e, dispensou a licitação fora das hipóteses legais legalmente autorizadas. Em suas razões recursais, a apelante aduz que não é cabível responsabilidade objetiva na Lei de Improbidade, bem como aponta que inexiste dolo ou culpa em suas condutas. Após, afirma que não houve pagamento em duplicidade ao Secretário Wberson Gomes de Araújo e ao subsecretário Raimundo Nonato Rego da Silva. Por fim, defende a legalidade das despesas apontadas na inicial. Dessa forma, aduzindo a inexistência de atos de improbidade administrativa, requer a sua absolvição. Isto posto, é oportuno perscrutar o caso em tela. Pois bem, compulsando-se os autos, verifica-se que a Lei nº 313/2001 (ID. 7337811 - Pág. 93/100) criou os seguintes cargos: Art. 14º. Ficam criados os seguintes cargos em comissão; I - Chefe de Gabinete do Prefeito; II - Secretário de Administração; III - Secretário de Finanças; IV - Secretário de Saúde; V - Secretário de Educação e Cultura; VI - Secretário de obras e serviços urbanos; VII - Secretário do Bem Estar Social; IX - Secretário de Esporte e lazer. Logo, verifica-se que o cargo de Subsecretário não possui previsão na Lei Municipal nº 313/2001, e o Projeto nº 01/2008 constante no ID. 7337811 - Págs. 52 e 53 limita-se a fixar valor de remuneração, sem, contudo, criar validamente o referido cargo por meio de norma legal específica. Veja-se: Art. 1° - Ficam fixados os subsídios mensais dos Agentes Políticos de Itaueira-Pl, para a Legislatura 2009/2012, conforme seguem: (...) VI.Dos Subsecretários Municipais ou Diretores Equivalentes será de R$ 1.200,00 (hum mil e duzentos reais). Entretanto, não se pode atribuir automaticamente a essa irregularidade a configuração de ato de improbidade administrativa. Isso porque, conforme exige a redação atual da Lei nº 8.429/1992, com as alterações da Lei nº 14.230/2021, é imprescindível a demonstração de dolo específico para a responsabilização. No presente caso, não há elementos que evidenciem a intenção deliberada de lesar o erário ou de burlar os princípios da Administração Pública. A conduta da gestora mostra-se, no máximo, negligente, pois baseou-se equivocadamente no decreto que fixou o subsídio para o cargo em questão, sem atentar para a ausência de lei formal que o criasse validamente. Assim, diante da ausência de dolo específico, não há que se falar em configuração de ato ímprobo nos termos da legislação vigente. No que tange à contratação direta e à dispensa de licitação fora das hipóteses legalmente autorizadas, apontou-se a locação direta de imóvel pertencente ao Sr. Quirino Avelino Neto, parente da então Prefeita Verônica Bezerra Lima Avelino, sem a observância do devido procedimento licitatório. Todavia, apesar das irregularidades supostamente existentes quanto à ausência de comprovação da regularidade do procedimento administrativo, não foi produzida prova idônea que atestasse a existência de dolo específico na conduta da gestora. Ademais, verificou-se que o galpão objeto da contratação foi efetivamente utilizado pela Administração Pública, o que enfraquece a tese de desvio de finalidade ou de dano ao erário, não se evidenciando, ao menos neste ponto, a prática de ato doloso de improbidade administrativa. Não obstante, quanto à contratação direta para a aquisição de combustíveis, conforme contrato de ID. 7337868 - Págs. 124/130, impende destacar que a Lei nº 14.230/2021 promoveu significativa alteração no regime jurídico da improbidade administrativa, passando a exigir, como pressuposto essencial para a configuração de qualquer ato ímprobo, a demonstração inequívoca do dolo específico de causar dano ao erário, obter enriquecimento ilícito ou atentar contra os princípios da administração pública. O novo art. 2º, § 2º da Lei de Improbidade Administrativa assim dispõe: considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente. Essa alteração reforça o caráter sancionatório da legislação de improbidade, exigindo não apenas a demonstração de uma irregularidade administrativa, mas sim a intenção deliberada de lesar o patrimônio público ou violar, de forma dolosa e consciente, os princípios administrativos. No caso em apreço, não se vislumbra qualquer elemento que demonstre o dolo específico da ex-gestora municipal ou do fornecedor envolvido (Sr. Quirino Avelino Neto) em causar prejuízo ao erário ou obter vantagem indevida. Ao contrário, os elementos constantes nos autos revelam uma situação emergencial devidamente reconhecida por meio dos Decretos Municipais nº 003/2009 (ID. 7337811 - Págs. 85/87) e nº 010/2009 (ID. 7337811 - Págs. 90/91), bem como a orientação técnica da assessoria jurídica do próprio Município no sentido da possibilidade de dispensa de licitação com fundamento no art. 24, inciso V, da Lei nº 8.666/1993. Conforme se extrai do parecer constante no ID. 7337868 - Pág. 121, a contratação direta foi recomendada por razões de urgência e devidamente amparada em previsão legal expressa, sendo clara a preocupação da administração em minimizar prejuízos e manter a prestação dos serviços públicos essenciais. Além disso, o parecer da assessoria jurídica do município recomenda o cadastramento de potenciais fornecedores para garantir maior transparência e regularidade futura, demonstrando boa-fé e zelo com a gestão pública. É de se ressaltar, ainda, que os valores envolvidos — R$70.833,30 e R$152.762,80 — não se mostram desarrazoados, tampouco desproporcionais ou indicativos de superfaturamento, inexistindo nos autos qualquer prova técnica ou contábil que comprove dano efetivo ao erário. A própria utilização dos bens e serviços adquiridos é reconhecida, o que afasta a caracterização de lesividade ao patrimônio público, conforme reiterada jurisprudência dos tribunais superiores. Ademais, não há nos autos prova de conluio, fraude ou má-fé entre os envolvidos. As contratações emergenciais foram, em parte, sucedidas pela instauração de procedimento licitatório ainda nos primeiros meses do exercício, denotando a intenção de regularização da situação. Por fim, é importante observar que, mesmo diante de eventual falha formal ou deficiência no trâmite administrativo, não se pode confundir irregularidade com improbidade, sobretudo diante da nova sistemática legal que prestigia o elemento subjetivo do dolo específico. A mera ausência de procedimento licitatório, por si só, não configura ato ímprobo, conforme expressamente consignado na nova redação do art. 10, caput e §1º, da LIA, exigindo-se a presença cumulativa do dolo qualificado e da efetiva lesão ao erário, o que não restou comprovado. Assim, à luz da legislação vigente, das provas constantes dos autos e da orientação pacificada dos tribunais, não há como subsistir a imputação de ato de improbidade administrativa à ex-gestora ou aos particulares envolvidos, razão pela qual se impõe o reconhecimento da ausência de dolo específico e, por conseguinte, a absolvição das condutas ora questionadas. Passo, então, à análise da contratação da empresa ALDENOR NOGUEIRA LIMA ME para coleta de lixo. Do exame dos documentos constantes nos autos, especialmente na ID. 7337868 – Páginas 154 a 165, revela que houve a instauração do procedimento licitatório na modalidade Tomada de Preço nº 05/2009, cujo trâmite resultou na habilitação e adjudicação do objeto à empresa de Aldenor Nogueira Lima, único licitante habilitado no certame. O Ministério Público sustenta, em sua manifestação, que a empresa em questão seria ligada a parente da prefeita, que sua constituição seria posterior à contratação e que teriam sido pagos R$128.000,00 antes da homologação da licitação. Todavia, não se verifica nos autos prova cabal e documental que corrobora tais afirmações, tampouco se comprova a efetiva irregularidade da contratação, a existência de fraude, simulação, ou dolo específico dos agentes envolvidos. Com efeito, é princípio basilar do Direito Administrativo a presunção de legalidade e veracidade dos atos administrativos, sendo ônus da acusação a comprovação efetiva de ilicitude e má-fé. No caso concreto, o processo licitatório foi efetivamente instaurado e concluído, com adjudicação formalizada, e não se constatam vícios formais insanáveis no procedimento licitatório. Ademais, a empresa contratada atuou por oito meses mediante contrato emergencial, invocando situação de calamidade pública, devidamente reconhecida por decretos municipais, conforme já analisado anteriormente. A existência de pagamento anterior à homologação, ainda que confirmada, deve ser contextualizada dentro do quadro emergencial do município à época, e não se presume, por si só, como indicativo de má-fé ou lesão ao erário. Veja-se trecho do decreto nº 003/2009 constante na ID. 7337811 - Págs. 85/87: A PREFEITA MUNICIPAL DE ITAUEIRA ESTADO DO PIAUÍ, no uso de atribuições que lhe são conferidas pelo Art. 122, inciso VI, que estabeleça as competências do Prefeito. CONSIDERANDO, que ao assumir a administração pública Municipal em 01 de janeiro de 2008; encontrando num caos financeira e administrativa de município. CONSIDERANDO, a necessidade de execução de serviços essenciais, sem os quais administração e a população sofreriam prejuízos e correriam o risco de danos a bens ou a vida de pessoas CONSIDERANDO, que ainda existe urgência concreta e efetiva no atendimento da Situação decorrente do estado emergencial calamitoso tecnicamente apurado pelo o meio adequado, efetivo e eficiente. DECRETA: Art 1°.- Fica declarada a existência de situação anormal provocada por atos administrativos da gestão anterior e caracterizada como um ato de improbidade administrativa. Parágrafo único - Esta situação de anormalidade é válida apenas para as áreas. deste município comprovadamente pelas ações descritas no TERMO DE VERIFICAÇÃO da comissão instituída pela portaria 15/2009 da mesma data, (Comissão Formada pelo assessor jurídico, funcionários efetivo e Secretários deste município) que verificou-se situação dos bens e finanças do município efetuado na transição do govemo. Cujo termo integra o corpo da referido decreto. Art 2º.- Fica autorizado a Secretaria de Administração juntamente com o setor de compras e contratações, fundamentado pelo art nº 24, inciso VI da Lei nº 8.666/93, para proceder às contratações, compras e serviços no atendimento das necessidades especiais. (...) Deste modo, entendo que no presente caso, não há elementos que evidenciem o dolo específico da prefeita ou dos envolvidos em lesar o erário ou violar princípios da administração pública, tampouco se comprova a inexistência da prestação do serviço ou o superfaturamento dos valores pagos. Ademais, ainda que houvesse indicativo de parentesco entre a prefeita e o representante da empresa contratada, tal fato não é, por si só, suficiente para configurar ato de improbidade, sobretudo quando não há prova de favorecimento ilícito, simulação ou direcionamento do certame, o que não restou demonstrado nos autos. Outro ponto relevante é a ausência de comprovação de dano efetivo ao erário público. Não houve demonstração de sobrepreço, superfaturamento, inexecução contratual ou ausência de prestação dos serviços. Acerca da alegação e superfaturamento na aquisição de materiais da empresa CASA COTA 2, o Ministério Público alega que detectou-se pagamento de R$ 37.256,45, valor muito acima do homologado na Tomada de Preços nº TC-N-019416/09 que previa o fornecimento no valor de R$ 19.422,82, caracterizando indício de superfaturamento. Embora tal fato possa indicar potencial extrapolação contratual, é imprescindível destacar que não há, nos autos, qualquer elemento técnico que comprove a ocorrência de superfaturamento no sentido jurídico do termo — ou seja, ausência de estudo comparativo com os preços de mercado à época, laudo de órgão de controle, auditoria independente ou perícia técnica que demonstre que os valores pagos foram indevidos ou superiores aos praticados ordinariamente pela administração. Ademais, os pagamentos foram justificados pelas partes envolvidas com base na situação de calamidade pública vigente, contexto que pode ensejar variações contratuais dentro dos limites da razoabilidade, especialmente quando há necessidade de continuidade no fornecimento de insumos essenciais. Ressalte-se, ainda, que a mera execução de objeto além do valor formalmente previsto na adjudicação inicial não configura, por si só, ato de improbidade administrativa, se não acompanhada de prova de má-fé, dolo específico ou efetivo prejuízo ao erário, nos termos do que exige o art. 2º, §2º da Lei nº 14.230/2021. Nesse sentido, alguns Tribunais de Justiça tem reiteradamente decidido que a extrapolação contratual sem demonstração de dano ou dolo qualificado não atrai a incidência da LIA. Veja-se: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MUNICÍPIO DE ARAÇOIABA DA SERRA. Contratação emergencial de empresa para execução de transporte escolar de alunos, com dispensa de licitação, nos termos do art . 24, IV, da Lei nº 8.666/1993. IRRETROATIVDADE DA NOVA LEI Nº 14.230/21 . Ação de improbidade administrativa. Índole civil e administrativa. Não retroação da Lei nº 14.230/21, que deu nova redação a diversos artigos da Lei nº 8 .429/1992, em relação a assuntos de direito material. O princípio da retroatividade da lei nova mais benéfica não se aplica às penalidades por improbidade administrativa. Precedentes. Observância ao Tema nº 1 .199, do E. STF. Ocorrência de situação emergencial que justifica a contratação emergencial, na espécie, a qual perdurou pelo tempo necessário para atendimento do interesse público. Extrapolação do prazo de vigência do contrato emergencial e prorrogação tácita que, no caso concreto, se tratou de mera irregularidade . Não verificado o elemento subjetivo dolo. Comprovação nos autos de que o serviço foi efetivamente prestado, pelo menor valor ofertado. Não comprovação de inobservância dos princípios constitucionais, tampouco lesão ao erário ou enriquecimento sem causa. Precedentes . Ausente hipótese de conversão da ação de improbidade administrativa em ação civil pública. Manutenção da r. sentença de improcedência. RECURSO DE APELAÇÃO DO MUNICÍPIO AUTOR DESPROVIDO . (TJ-SP - Apelação Cível: 1001215-07.2018.8.26 .0602 Sorocaba, Relator.: Flora Maria Nesi Tossi Silva, Data de Julgamento: 30/04/2024, 13ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 30/04/2024) APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MUNICÍPIO DE NOVO HAMBURGO . OBRA DE CONTENÇÃO. CONTRATAÇÃO DE EMPRESA SEM LICITAÇÃO. SELEÇÃO MEDIANTE TRES ORÇAMENTOS. OBRA DE URGÊNCIA . ILEGALIDADE QUE NÃO SE CONFUNDE COM IMPROBIDADE. AUSÊNCIA DE DOLO, DESONESTIDADE OU MÁ-FÉ. IMPROCEDÊNCIA. Considerando que não há nos autos prova do agir doloso dos réus, tampouco prova de conduta desonesta ou de má-fé, a configurar ato de improbidade administrativa, impositiva a improcedência do pedido . Não há que se falar em punir o Administrador se não evidenciada, demonstrada, comprovada a presença do elemento subjetivo do agente. É que este é elemento integrante da infração administrativa como previsto na Lei de Improbidade Administrativa. A condenação de agentes políticos à prática de improbidade administrativa é gravíssima, e deve vir embasada em prova que não deixe nenhuma dúvida quanto ao cometimento do ato ímprobo. Sentença de improcedência confirmada . RECURSO DESPROVIDO.(Apelação Cível, Nº 70075175349, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator.: Carlos Roberto Lofego Canibal, Julgado em: 12-09-2018) (TJ-RS - Apelação: 70075175349 NOVO HAMBURGO, Relator: Carlos Roberto Lofego Canibal, Data de Julgamento: 12/09/2018, Primeira Câmara Cível, Data de Publicação: 25/09/2018) Assim, não se revela juridicamente viável a condenação dos envolvidos por ato ímprobo, diante da ausência de elementos suficientes a demonstrar que houve intenção deliberada de violar os princípios da administração pública ou causar lesão ao erário, motivo pelo qual se impõe o afastamento da tipificação da conduta como improbidade administrativa. No que se refere à contratação da empresa DISNOMED para o fornecimento de medicamentos, cumpre assinalar que, embora o Ministério Público tenha alegado a ocorrência de contratação emergencial seguida de regularização por meio de processo licitatório, não logrou êxito em demonstrar, de forma robusta e inequívoca, a presença dos elementos essenciais à configuração do ato de improbidade administrativa, conforme a disciplina atualmente imposta pela Lei nº 14.230/2021. Com efeito, a imputação ministerial carece de comprovação quanto à existência de dolo específico por parte dos agentes envolvidos, elemento subjetivo indispensável para a subsunção típica na seara da improbidade. Ademais, não se evidenciou qualquer prejuízo concreto ao erário, tampouco enriquecimento ilícito ou violação aos princípios da Administração Pública. A contratação emergencial, contextualizada sob a alegação de situação de urgência e posteriormente regularizada mediante certame licitatório, encontra amparo em interpretação razoável da norma administrativa, razão pela qual não se pode extrair, a partir dos autos, ilicitude apta a ensejar a responsabilização por ato ímprobo. Trata-se, portanto, de hipótese em que o órgão acusatório não se desincumbiu do ônus de provar, de forma cabal, os requisitos exigidos pela nova sistemática legal para a configuração da improbidade administrativa. Relativo aos serviços contratados com a empresa SERTEPLAN, o Ministério Público alega que não foram apresentados documentos que comprovem a execução dos serviços, tampouco a devida publicidade do procedimento licitatório referente à Tomada de Preço nº 006/2009. Observa-se, que nos autos, não foram juntadas ordens de serviço, laudos, medições ou quaisquer registros documentais que atestem a efetiva realização dos serviços de roço e recuperação de estradas. A ausência desses elementos probatórios é reforçada pela análise dos documentos acostados às fls. 24/61 (ID 7337814), os quais se restringem à comprovação de pagamentos realizados à empresa SERTEPLAN por serviços contratados mediante dispensa de licitação. Tais documentos, embora atestem o desembolso financeiro, não demonstram, de forma concreta e objetiva, a contraprestação efetiva dos serviços. No entanto, conquanto se reconheça a gravidade das omissões administrativas apuradas, a configuração do ato de improbidade administrativa, à luz da Lei nº 14.230/2021, exige a demonstração inequívoca de dolo específico, consubstanciado na vontade livre e consciente de causar dano ao erário ou de violar os princípios da Administração Pública. Na espécie, embora haja fortes indícios de gestão temerária dos recursos públicos, não se extrai dos autos, com a precisão exigida pelo novo regime legal, a intenção deliberada dos agentes públicos de fraudar o processo, de beneficiar indevidamente à contratada ou de causar deliberadamente dano ao erário. Não se vislumbra, igualmente, prova contundente de enriquecimento ilícito ou desvio de recursos. Dessa forma, à míngua de prova robusta do elemento subjetivo exigido pela norma – qual seja, o dolo específico –, não se pode reconhecer a tipicidade da conduta como ato ímprobo, embora subsista a possibilidade de apuração por outras vias de responsabilização administrativa ou de controle externo. Destarte, relativo à contratação direta de serviços vinculados à realização de eventos públicos tradicionais encontra respaldo jurídico na atual conformação do regime licitatório brasileiro, notadamente no art. 74, inciso II, da Lei nº 14.133/2021, que admite, de forma expressa, a inexigibilidade de licitação na contratação de artista consagrado, diretamente ou por empresário exclusivo. Embora a norma faça referência direta a artistas, a doutrina e a prática administrativa reconhecem a possibilidade de extensão dessa excepcionalidade a bens e serviços relacionados indissociavelmente à execução do evento, desde que demonstrada a inviabilidade de competição, a razoabilidade dos valores praticados e a efetiva execução do objeto contratual. Nesse sentido, no presente caso, é incontroverso que os eventos festivos foram de fato realizados e que os pagamentos efetuados guardam correlação com os preços praticados no mercado à época. A gestora municipal apresentou justificativas documentais e administrativas para a contratação direta, ancorando-se na relevância cultural das festividades para o Município de Itaueira/PI, o que afasta, ao menos em tese, a intenção de burlar o procedimento licitatório em prejuízo do erário. Contudo, a acusação dirige-se a um ponto mais sensível: a regularidade da empresa contratada — D1 Tudo Entrega LTDA — cuja existência jurídica teria sido posta em dúvida por inconsistências entre os documentos fiscais apresentados e o CNPJ declarado. Mesmo nessa hipótese, cumpre ressaltar que, à luz da nova Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 14.230/2021), não se presume mais a improbidade com base apenas em irregularidades formais ou ausência de diligência administrativa. É imprescindível a demonstração de dolo específico, isto é, da vontade consciente e deliberada do agente público de causar lesão ao erário, obter proveito pessoal ou favorecer indevidamente terceiros, o que não se extrai, de forma inequívoca, dos elementos constantes nos autos. Portanto, embora eventual inconsistência cadastral da empresa deva ser apurada no âmbito do controle interno e das responsabilidades administrativas típicas, não se pode extrair, automaticamente, que a gestora agiu com dolo específico voltado à prática de ato ímprobo. Dessa forma, considerando-se a realização efetiva das festividades, a compatibilidade dos valores pagos com os preços de mercado, e a ausência de qualquer demonstração de enriquecimento ilícito ou desvio de recursos públicos, não se configura o elemento subjetivo exigido pela nova moldura legal para responsabilização por improbidade administrativa. O fato de a empresa apresentar posterior irregularidade cadastral ou documental, se não acompanhado de prova da ciência ou conluio da agente pública com a situação, não é suficiente para justificar condenação por improbidade à luz do ordenamento jurídico vigente. No que tange às demais contratações diretas, como aquelas referentes ao transporte escolar, fornecimento de merenda e locação de veículos, é imperioso destacar que tais serviços envolvem atividades de continuidade essencial à administração pública, cuja interrupção comprometeria diretamente o funcionamento de políticas públicas fundamentais, como educação e mobilidade dos estudantes. Nessas hipóteses, alguns Tribunais de Justiça tem admitido a flexibilização dos rigores formais, desde que não se configure lesão ao erário ou favorecimento ilícito, especialmente quando os serviços foram efetivamente prestados e os preços compatíveis com o mercado: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI 14 .230/21. EXIGÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO . SENTENÇA DE 1º GRAU MANTIDA. DECISÃO UNÂNIME. I- Cinge-se a controvérsia recursal em verificar o acerto ou não da sentença que julgou improcedente o pedido inicial, o qual visava a condenação do requerido, ex-prefeito do Município de Redenção, pela prática de ato de improbidade administrativa, consistente na violação de dispositivos da Lei 8.666/93, ao deixar de licitar a compra de merenda escolar da municipalidade . II- O Apelante aduz que não se trata de erro grosseiro, mas de dolo livre e consciente do agente público em realizar a aquisição de bens/serviços de maneira fracionada e em modalidades de licitação diversa, bem como realizar a aquisição de bens/serviços em dispensa de licitação ao seu bel-prazer, defendendo estarem presentes os requisitos caracterizadores do ato de improbidade. III- De início, devemos considerar as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021 à Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), tornando-se imprescindível a análise quanto a aplicação imediata das modificações promovidas na Lei de Improbidade aos processos em curso, com o fito de prestar a correta jurisdição . IV- Contudo, tendo em vista a natureza jurídica da ação de improbidade administrativa de caráter eminentemente penal e, dado que no seu bojo são admitidas aplicações de penas ao réu, com subtração de atributos da cidadania e de vida honrada, é aplicável, nestes casos, regras atinentes ao processo criminal. V- Considerando a retroatividade da nova lei de improbidade administrativa, e após analisar os autos, entendo que não restou demonstrada ação ou omissão dolosa do Apelado em não prestar contas, isto é, não há provas que indiquem a existência de dolo com manifestação de vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito. VI- Não bastasse isso, o inciso II, do art. 11º, da Lei 8 .429/92 foi revogado pela Lei 14.230/21, que deixou de considerar ato improbo “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício”. VII- Recurso conhecido e improvido. Sentença mantida . Decisão Unânime. Vistos, etc., Acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores componentes da 1ª Turma de Direito Público, por unanimidade de votos, em CONHECER E NEGAR PROVIMENTO ao recurso de apelação, nos termos do voto da Desembargadora Relatora. Plenário Virtual da 1ª Turma de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, com início aos vinte e sete dias do mês de maio do ano de dois mil e vinte e quatro . (TJ-PA - APELAÇÃO CÍVEL: 00040961520078140045 19915458, Relator.: ROSILEIDE MARIA DA COSTA CUNHA, Data de Julgamento: 27/05/2024, 1ª Turma de Direito Público) Dessa forma, à míngua de comprovação de dolo específico, ausente prejuízo ao erário público, e sendo comprovada a efetiva execução dos serviços contratados, não há como subsumir as condutas narradas às hipóteses típicas da Lei de Improbidade Administrativa. A acusação deve ser, assim, afastada sob os auspícios do princípio da legalidade estrita, da razoabilidade administrativa e da justiça material, sob pena de desvirtuar-se a finalidade repressiva da norma em questão para punir o que, em verdade, se revela como gestão administrativa sujeita a falhas formais, mas desprovida de má-fé ou lesividade efetiva. Por fim, no que tange à aquisição de passagens aéreas, sem relação com a atividade administrativa, oportuno consignar que no caso em apreço, restou demonstrado que os valores despendidos com passagens aéreas foram devidamente devolvidos ao Município, totalizando R$ 1.802,93, o que afasta, de plano, qualquer alegação de lesão ao erário, nos termos do art. 10 da LIA. A simples ocorrência de falha no procedimento, sem prejuízo efetivo ao patrimônio público e sem prova de intenção deliberada de lesar ou beneficiar-se, não se subsume ao tipo legal de improbidade administrativa, sendo apenas uma irregularidade administrativa atípica, no máximo passível de apuração no âmbito do controle interno. A jurisprudência do TRF da 1ª Região também ilustra bem o entendimento atual: ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE PROCESSO LICITATÓRIO. INEXISTÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO . IRREGULARIDADES SEM O QUALIFICATIVO DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. 1. Pagamentos de passagens aéreas utilizada pelo IPEM/MG, em face de convênio com o INMETRO, sem respaldo contratual, nos exercícios de 2005 a 2007. 2 . A sentença, todavia, afiançou que não há provas da efetiva lesão aos cofres públicos em decorrência da imputação. 3. Mesmo na ausência de licitação, houve a efetiva aquisição das passagens aéreas, em relação aos quais não houve prova de superfaturamento. 4 . A configuração da conduta ímproba demanda o elemento subjetivo do agente para a configuração da conduta ímproba, admitindo-se a modalidade culposa somente nas hipóteses de atos que acarretem lesão ao erário. A hipótese retrata atipicidade administrativa que não assume o qualificativo de ato de improbidade. 5. Não provimento da apelação . (TRF-1 - AC: 00348760820134013800 0034876-08.2013.4.01 .3800, Relator.: DESEMBARGADOR FEDERAL NEY BELLO, Data de Julgamento: 21/06/2017, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: 01/09/2017 e-DJF1) Aplicando-se esse entendimento ao caso concreto, vê-se que não houve prejuízo patrimonial, tampouco enriquecimento ilícito ou afronta deliberada aos princípios da Administração Pública. Também inexiste qualquer prova de que a gestora tenha agido com dolo específico, elemento central da nova moldura legal para caracterização da improbidade. Portanto, considerando: a devolução integral dos valores despendidos; a ausência de dolo específico ou de qualquer vantagem pessoal; e a inexistência de dano ao erário; impõe-se reconhecer que não se caracteriza ato de improbidade administrativa, devendo eventual falha no procedimento ser tratada no âmbito da responsabilidade administrativa ordinária, e não sob o pálio do direito sancionador previsto na Lei nº 14.230/21. Diante de todo o exposto, à luz da sistemática jurídica vigente, especialmente após as substanciais alterações introduzidas pela Lei nº 14.230/2021, não se vislumbra a presença dos elementos indispensáveis à configuração do ato de improbidade administrativa, a saber: o dolo específico do agente público, o dano efetivo ao erário, o enriquecimento ilícito ou a violação deliberada aos princípios da Administração Pública. As condutas apontadas, conquanto revelem possíveis falhas de natureza formal na gestão administrativa, não extrapolam o campo da irregularidade, tampouco evidenciam desvio ético ou funcional que justifique a aplicação das severas sanções previstas na LIA. Ausente, portanto, o suporte probatório mínimo e imprescindível à responsabilização por improbidade, impõe-se o reconhecimento da atipicidade das condutas e, por consequência, a improcedência da ação, com a absolvição da Sra. Verônica Bezerra Lima Avelino das acusações que lhe foram imputadas. III. 1.2. DAS CONDUTAS IMPUTADAS À QUIRINO AVELINO NETO No que tange à contratação direta e à dispensa de licitação fora das hipóteses legalmente autorizadas, apontou-se a locação de imóvel pertencente ao Sr. Quirino Avelino Neto, parente da então Prefeita Verônica Bezerra Lima Avelino, sem a observância do devido procedimento licitatório. Todavia, apesar das eventuais irregularidades formais suscitadas, a responsabilização por ato de improbidade administrativa, nos moldes da atual redação da Lei nº 8.429/1992, dada pela Lei nº 14.230/2021, exige a presença de dolo específico — ou seja, a vontade consciente e dirigida de causar prejuízo ao erário, obter enriquecimento ilícito ou violar os princípios da Administração Pública. No caso em tela, não se extrai dos autos qualquer elemento objetivo que indique a existência de conluio, fraude, simulação ou má-fé por parte do Sr. Quirino Avelino Neto. Ao revés, os documentos constantes nos autos demonstram que o imóvel de sua titularidade foi efetivamente utilizado pela Administração Pública para o fim contratado, sendo inexistente qualquer prova de que tenha havido superfaturamento, ausência de contraprestação ou desvio de finalidade no uso do bem. Importante ressaltar que, conforme relatado na análise das condutas imputadas à ex-prefeita, o reconhecimento de situação emergencial pelo Poder Executivo local, mediante a edição dos Decretos Municipais nº 003/2009 e 010/2009, conferiu substrato legal à contratação direta, a qual foi ainda precedida de parecer jurídico favorável exarado pela assessoria da municipalidade, o que atesta, ao menos em tese, a boa-fé dos envolvidos e a tentativa de conformação da conduta à legalidade administrativa. Em síntese, ausente qualquer demonstração de enriquecimento ilícito, dano ao erário ou violação dolosa aos princípios administrativos por parte do Sr. Quirino Avelino Neto, e não havendo prova de ciência ou participação dele em suposta irregularidade do procedimento, impõe-se sua absolvição, por inexistência dos pressupostos legais para o reconhecimento de ato ímprobo, em estrita consonância com os preceitos da Lei nº 14.230/2021. III. 1. 3. DAS CONDUTAS IMPUTADAS À RAIMUNDO JOSÉ DE SOUSA – EPP (CASA COTA 2) No que tange à suposta ocorrência de superfaturamento na aquisição de materiais da empresa CASA COSTA 2, sustenta o Ministério Público que houve pagamento da quantia de R$ 37.256,45, valor superior ao previsto na Tomada de Preços nº TC-N-019416/09, cujo montante homologado fora de R$ 19.422,82, o que, a princípio, caracterizaria um indicativo de extrapolação contratual e possível dano ao erário. Entretanto, para que tal alegação resulte na responsabilização por ato de improbidade administrativa, é imprescindível a demonstração de que a diferença apontada decorreu de conduta dolosa, intencional, com o fim de enriquecimento ilícito, lesão ao erário ou violação deliberada aos princípios da administração pública, conforme exige a atual redação do art. 2º, §2º, da Lei nº 14.230/2021. No caso concreto, os pagamentos foram realizados no contexto de situação de calamidade pública, sendo invocada a urgência no fornecimento de insumos essenciais à manutenção de serviços públicos básicos. Tal cenário autoriza, dentro de certos limites, ajustes contratuais justificados pela continuidade administrativa, sem que isso represente, necessariamente, ilicitude. Dessa forma, diante da ausência de comprovação de dolo qualificado, lesão ao erário ou enriquecimento ilícito, e considerando que os materiais foram efetivamente fornecidos e utilizados pela Administração Pública, não subsistem os pressupostos legais para a configuração de ato de improbidade administrativa imputável à empresa CASA COSTA 2 ou a qualquer agente público vinculado a tal contratação. Por tais razões, impõe-se o afastamento da pretensão punitiva e o reconhecimento da improcedência da ação no ponto, com a consequente absolvição dos envolvidos, nos termos da Lei nº 14.230/2021. III. 1.4. DAS CONDUTAS IMPUTADAS À DISTRIBUIDORA DISNOMED LTDA No que se refere à contratação da empresa DISNOMED para o fornecimento de medicamentos ao Município de Itaueira/PI, verifica-se que a alegação ministerial repousa na suposta irregularidade decorrente da contratação emergencial, a qual teria sido posteriormente sucedida pela regularização via procedimento licitatório. Contudo, tal imputação, para subsistir sob a égide da Lei nº 8.429/1992, conforme alterada pela Lei nº 14.230/2021, requer prova cabal e inequívoca de que a conduta dos envolvidos se revestiu do dolo específico exigido pela atual redação legal. O art. 2º, §2º, da Lei de Improbidade é categórico ao condicionar a configuração de ato ímprobo à demonstração de conduta dolosa, caracterizada pela vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito, o que não se confunde com a simples ilegalidade ou falha procedimental. No presente caso, os elementos dos autos não revelam qualquer ato intencional por parte dos gestores ou da empresa contratada voltado à produção de lesão ao erário, ao enriquecimento ilícito ou à afronta deliberada aos princípios constitucionais da Administração Pública. Pelo contrário, a contratação foi motivada por situação de urgência devidamente contextualizada e documentada, e a posterior formalização por via licitatória evidencia a intenção da Administração em regularizar a aquisição dos insumos de saúde. Ademais, não houve comprovação de sobrepreço, superfaturamento, nem de ausência de entrega dos medicamentos, tampouco qualquer benefício indevido à empresa contratada. A inexistência de dano ao erário é circunstância que, aliada à ausência de dolo específico, afasta por completo a tipicidade da conduta no âmbito da improbidade administrativa. Destaca-se, por oportuno, que a jurisprudência atual dos Tribunais Superiores tem reafirmado que a improbidade exige a presença cumulativa de elementos objetivos (dano, enriquecimento ou afronta aos princípios) e subjetivos (dolo específico), não se admitindo a responsabilização com base em mera presunção de ilegalidade. Assim, a conduta da empresa DISNOMED, no contexto delineado, não se subsume a qualquer das hipóteses legais descritas nos artigos 9º, 10 ou 11 da LIA. Diante disso, não se revela juridicamente viável a condenação por improbidade administrativa, razão pela qual se impõe o afastamento da pretensão punitiva, com o consequente reconhecimento da improcedência da ação no ponto e a absolvição dos agentes públicos e da empresa DISNOMED, por ausência dos pressupostos legais exigidos para a configuração do ilícito administrativo. III.2. DA PREJUDICIALIDADE DOS AGRAVOS INTERNOS Conforme relatado, QUIRINO AVELINO NETO, DISTRIBUIDORA DISNOMED LTDA., ALDENOR NOGUEIRA LIMA - ME E VALDEMIR NOGUEIRA LIMA – ME, interpuseram agravo interno nas IDs. 22986064, 23005833, 23133510, respectivamente, contra a decisão monocrática proferida nos autos desta Apelação Cível, que recebeu os recursos somente no efeito devolutivo. O Novo Código de Processo Civil estabelece que “contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal”, nos termos do art.1.021, do NCPC, a seguir in verbis: Art. 1.021. Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal. (...) § 2º O agravo será dirigido ao relator, que intimará o agravado para manifestar-se sobre o recurso no prazo de 15 (quinze) dias, ao final do qual, não havendo retratação, o relator levá-lo-á a julgamento pelo órgão colegiado, com inclusão em pauta. Dessa forma, resta claro que tanto o agravante quanto os agravados se utilizaram do recurso adequado, em conformidade com o art. 1.021, do CPC/15, de forma tempestiva, bem como são parte legítimas para recorrer. No entanto, ocorre que as razões recursais dos agravos internos não são aptas a desconstituir o entendimento firmado nas apelações cíveis, aqui em debate, desta forma, julgo prejudicado os Agravos Internos por perda do objeto, nos termos do art. 932, III, do CPC/15, tendo em vista o julgamento do mérito do processo principal, qual seja, a Apelação Cível, acima analisada. IV. DISPOSITIVO Ante o exposto, ACOLHO a preliminar de cerceamento de defesa suscitada por ALDENOR NOGUEIRA LIMA – ME e VALDEMIR NOGUEIRA LIMA – ME, para declarar a nulidade da sentença de primeiro grau exclusivamente em relação a esses apelantes, determinando o retorno dos autos à Vara Única da Comarca de Itaueira/PI, a fim de que seja reaberto o prazo para apresentação de alegações finais por seus patronos regularmente habilitados, com posterior prolação de nova sentença. No mérito, DOU PROVIMENTO às apelações interpostas por VERÔNICA BEZERRA LIMA AVELINO, QUIRINO AVELINO NETO, RAIMUNDO JOSÉ DE SOUSA – EPP (CASA COTA 2) e DISTRIBUIDORA DISNOMED LTDA., para reformar integralmente a sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa e julgar improcedente a pretensão punitiva do Ministério Público do Estado do Piauí em face destes recorrentes, extinguindo o feito com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC. Em razão da reforma da sentença, e da ausência de condenação, ficam prejudicadas as sanções impostas na origem quanto aos apelantes ora absolvidos. Agravos internos de IDs. 22986064, 23005833, 23133510, JULGADOS PREJUDICADOS por perda superveniente do objeto. Ausência de parecer ministerial. É como voto. Des. SEBASTIÃO RIBEIRO MARTINS Relator
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