Processo nº 1008174-27.2025.8.11.0000
ID: 299421353
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara Criminal
Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL
Nº Processo: 1008174-27.2025.8.11.0000
Data de Disponibilização:
16/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1008174-27.2025.8.11.0000 Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Assunto: [Estupro, Liberdade Provisória, Prisão em flagrant…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1008174-27.2025.8.11.0000 Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Assunto: [Estupro, Liberdade Provisória, Prisão em flagrante] Relator: Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO, DES(A). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, DES(A). JUVENAL PEREIRA DA SILVA] Parte(s): [LUIZ FERNANDO PETINI - CPF: 046.986.741-82 (ADVOGADO), KAUAN VINICIUS SOUZA RODRIGUES - CPF: 105.579.681-94 (PACIENTE), JUÍZO PLANTONISTA DA COMARCA DE MIRASSOL D'OESTE (IMPETRADO), LUIZ FERNANDO PETINI - CPF: 046.986.741-82 (IMPETRANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (TERCEIRO INTERESSADO), THAIS REGINA DA SILVA - CPF: 061.821.791-63 (VÍTIMA), JUIZO DA 3ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE MIRASSOL D'OESTE (IMPETRADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). Não encontrado, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, CONCEDEU A ORDEM PARA RATIFICAR A LIMINAR DEFERIDA. E M E N T A HABEAS CORPUS – ESTUPRO DE VULNERÁVEL (ART. 217-A, § 1º, DO CÓDIGO PENAL) – PRISÃO PREVENTIVA – LIMINAR DEFERIDA – AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA – DECISÃO BASEADA APENAS NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO – MATERIALIDADE E AUTORIA AINDA NÃO SUFICIENTEMENTE DEMONSTRADAS – AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA PARA DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA – LAUDO PERICIAL INCONCLUSIVO – CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS – PRIMARIEDADE – RESIDÊNCIA FIXA – POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO POR MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS – ADEQUAÇÃO E SUFICIÊNCIA – PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E DA INTERVENÇÃO MÍNIMA – LIMINAR RATIFICADA – ORDEM CONCEDIDA. A prisão preventiva, enquanto medida excepcional, somente pode ser decretada quando fundamentada em elementos concretos que demonstrem o periculum libertatis, não bastando a mera referência à gravidade abstrata do delito. Inexistindo nos autos elementos concretos que indiquem periculosidade diferenciada do paciente ou risco efetivo à ordem pública, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal, mostra-se desarrazoada a manutenção da prisão cautelar. O exame pericial realizado na vítima não apresentou sinais evidentes de violência física para vencer o dissenso, o que gera dúvidas acerca da materialidade delitiva suficientes para afastar a necessidade de prisão cautelar nesta fase processual. As condições pessoais favoráveis do paciente – primariedade, bons antecedentes e residência fixa – aliadas à ausência de elementos concretos que justifiquem a prisão preventiva, recomendam a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, em observância ao princípio da intervenção mínima. A prisão preventiva deve ser substituída por medidas cautelares alternativas quando estas se mostrarem suficientes para acautelar o processo e a ordem pública, preservando a liberdade do indivíduo enquanto não houver condenação transitada em julgado. Ordem concedida para ratificar a liminar anteriormente deferida, substituindo a prisão preventiva por medidas cautelares alternativas. R E L A T Ó R I O Com fulcro no artigo 5º, incisos LXV e LXVII da Constituição Federal e artigos 567, 647, 648, incisos I e VI e 654, todos do Código de Processo Penal, foi o presente habeas corpus liberatório, com pedido liminar, impetrado em favor de Kauan Vinicius Souza Rodrigues, qualificado, que estaria a sofrer constrangimento ilegal nos autos nº 1000546-51.2025.8.11.0011, oriundo de ato da autoridade judiciária plantonista da Comarca de Mirassol D’Oeste/MT, aqui apontada como coatora. É da impetração que o paciente foi preso em flagrante delito no dia 16 de março de 2025, pela suposta prática do crime previsto no artigo 217-A, § 1º do Código Penal. Sustenta o impetrante que, submetida a exame pericial, a vítima não apresentou sinais de agressão sexual, havendo dúvidas acerca do ocorrido. Afirma que o paciente está sofrendo constrangimento ilegal, pois, a decisão que decretou a prisão preventiva não está devidamente fundamentada, posto que ausentes os requisitos autorizadores da medida extrema. Alega que o paciente é possuidor de predicados pessoais favoráveis. Desse modo, busca a concessão da ordem, liminarmente inclusive, para que seja revogada a prisão do paciente, ainda que mediante a aplicação de medidas cautelares alternativas (Id. 275100895). Juntou documentos (Ids. 275105850 a 275100898). A análise da liminar foi postergada, sendo requisitadas informações à autoridade indigitada coatora (Id. 276725360). Informações prestadas (Id. 278744912). Juntou documentos (Ids. 278744913 a 278744923). A liminar vindicada foi deferida, para substituir a prisão preventiva por medidas cautelares alternativas, determinando-se, dentre outras medidas: a) comparecimento a todos os atos processuais; b) proibição de contato com a vítima, testemunhas ou informantes; c) monitoramento eletrônico pelo período de 60 dias; d) proibição de se apresentar em público alcoolizado; e) comparecimento mensal em juízo; f) proibição de se ausentar da Comarca sem autorização judicial; g) não se envolver em práticas delituosas; h) proibição de portar armas (Id. 280190356). A Procuradoria-Geral de Justiça, através do Procurador de Justiça Adriano Augusto Streicher de Souza, manifestou-se pela denegação da ordem (Id. 283754865), sintetizando seu entendimento com a seguinte ementa: “HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. VÍTIMA EMBRIAGADA. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA. ALEGADA CARÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA E AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PARA A DECRETAÇÃO E MANUTENÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. IMPERTINÊNCIA. ELEMENTOS DE CONVICÇÃO SUFICIENTES PARA DEMONSTRAR A NECESSIDADE DA MEDIDA EXCEPCIONAL. PRISÃO INDISPENSÁVEL À GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA DO DELITO. REQUISITOS DA PRISÃO PREVENTIVA SUFICIENTEMENTE DEMONSTRADOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO VERIFICADO. PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM.” (Sic.) É o relatório. V O T O R E L A T O R Conforme relatado, trata-se de habeas corpus impetrado em favor de Kauan Vinicius Souza Rodrigues, que estaria a sofrer constrangimento ilegal nos autos nº 1000546-51.2025.8.11.0011, oriundo de ato da autoridade judiciária plantonista da Comarca de Mirassol D’Oeste/MT, aqui apontada como coatora. Extrai-se que o paciente foi preso em flagrante delito em 13 de março de 2025, pelo suposto cometimento do crime de estupro de vulnerável (art. 217-A, § 1º, CP). Em resumo, aduz-se que a prisão em flagrante foi convertida em prisão preventiva através de decisão destituída de fundamentação idônea, baseada na garantia da ordem pública de forma abstrata e genérica, sendo que ilações abstratas acerca da gravidade do delito em apuração e de clamor público são argumentos inválidos para fundamentar a medida excepcional que é a prisão preventiva. Consta dos autos que no dia 16 de março de 2025, na residência da vítima T. R. D. S., que estaria sob efeito de bebida alcoólica, o paciente, aproveitando-se que a ofendida se encontrava desacordada, praticou conjunção carnal sem o seu consentimento. No caso sub examine, a prisão em flagrante foi homologada e convertida em prisão preventiva nos seguintes termos: “[...] Trata-se de auto lavrado a partir da prisão em flagrante delito de KAUAN VINICIUS SOUZA RODRIGUES (inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas sob o número 105.579.681-94). Durante a respectiva audiência de custódia (vide Relatório de Mídias juntado no Id. 187202718), o Ministério Público pugnou pela homologação do flagrante com a consequente conversão das prisões em flagrante em preventiva. A Defesa, por concessão de liberdade provisória com ou sem imposição de medidas cautelares diversas da prisão. É o relatório do essencial. Decido. - DA HOMOLOGAÇÃO (AFASTAMENTO DA HIPÓTESE ELENCADA NO INCISO I DO ART. 310 DO CPP) Consoante a dicção do art. 302 do CPP, “considera-se em flagrante delito quem: I - está cometendo a infração penal; II - acaba de cometê-la; III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração”. É necessário não perder de vista que, “nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência” (art. 303 do CPP). [...] Desse modo, não havendo irregularidades (vícios formais) ou ilegalidades (vícios materiais) neste Auto de Prisão em Flagrante ante o preenchimento de uma das situações capituladas no art. 302 do CPP e observância das diretrizes elencadas no art. 303 e seguintes do mesmo diploma legal, HOMOLOGO-O. - DA CONVERSÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE DE LUIZ FERNANDO DELUQUE SILVA EM PREVENTIVA O Superior Tribunal de Justiça, a respeito do tema, firmou o entendimento de que, “[...] em vista da natureza excepcional da prisão preventiva, somente se verifica a possibilidade da sua imposição quando evidenciado, de forma fundamentada e com base em dados concretos, o preenchimento dos pressupostos e requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal - CPP [...]” (STJ - AgRg no HC: 884146 PE 2024/0003693-7, Relator: Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Julgamento: 24/06/2024, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/06/2024) Nesse sentido, consta do Boletim de Ocorrência que “[...] COMPARECEU NESTA UNIDADE A VITIMA ACIMA QUALIFICA INFORMANDO QUE TERIA SIDO VITIMA DE VIOLENCIA SEXUAL. A VITIMA INFORMA QUE ESTAVA NA FESTA NA PRAÇA DO ROTARY COM UMAS AMIGAS E QUE DEPOIS FORAM PARA OUTRA FESTA EM UMA RESIDENCIA PARTICULAR, QUE INGERIU BEBIDA ALCOÓLICA E QUE NÃO SE RECORDA DE MAIS NADA. QUE AO ACORDAR JÁ EM SUA RESIDENCIA PERCEBEU QUE ESTAVA SEM SUAS VESTES INTIMA, E QUE HAVIA UM RAPAZ DEITADO AO SEU LADO E SUAS VESTES INTIMAS ESTAVAM ENROLADAS AO LADO DO SUSPEITO, E QUE TERIA SIDO ABUSADA SEXUALMENTE. QUE CHAMOU POR SUAS AMIGAS QUE ACORDARAM O SUSPEITO E PERGUNTARAM SOBRE O ABUSO SEXUAL, ENTRETANTO O MESMO NEGOU O ATO. QUE DESLOCARAM ATÉ ESTA UNIDADE PARA FAZER O BOLETIM DE OCORRÊNCIA E QUANDO A GUARNIÇÃO RETORNOU ATÉ A RESIDENCIA O SUSPEITO JÁ HAVIA FUGIDO DO LOCAL. A VITIMA DURANTE A CONFECÇÃO DO BOLETIM DE OCORRÊNCIA PASSOU MAU SENDO SOCORRIDA POR ESTA GUARNIÇÃO ATÉ O HOSPITAL SAMUEL GREVE ONDE FOI MEDICADA E LIBERADA. A VITIMA INFORMOU QUE O SUSPEITO ERA MORADOR DA CIDADE DE CURVELANDIA DE IMEDIATO ESTA GUARNIÇÃO JUNTAMENTE COM A GUARNIÇÃO DE CURVELANDIA E LAMBARI DOESTE DESLOCARAM AO POSSÍVEL ENDEREÇO DO SUSPEITO ONDE O MESMO TINHA ACABADO DE CHEGAR DE MIRASSOL, O SUSPEITO FOI ABORDADO E INFORMADO O MOTIVO DE SUA PRISÃO E INFORMADO SEUS DIREITOS CONSTITUCIONAIS, O SUSPEITO NÃO REAGIU A PRISÃO [...]”. Na espécie, a prova da materialidade e indícios suficientes da autoria podem ser auferidos por meio do Boletim de Ocorrência nº 2025.80784 (Id. 187211297), dos Termos de Declarações acostados nos Ids. 187211323, 187211322, 187211321, 187211320, 187211319 e 187211305, do prontuário médico acostado no Id. 187211299 e Termos de Depoimentos nos Ids. 187211303 e 187211301. Há, desse modo, gravidade concreta - estupro de vulnerável, vítima embriagada, o que ultrapassa as elementares do tipo penal, motivos suficientes à decretação da prisão preventiva para resguardar a ordem pública. Destaca-se, a propósito, que a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça é na direção de que “[...] A aferição de gravidade concreta, amparada em circunstâncias que extrapolam as elementares de tipos penais, é válida para justificar a decretação e/ou manutenção da prisão preventiva [...]” (STJ - AgRg no HC: 837919 TO 2023/0241147-7, Relator.: Ministro JESUÍNO RISSATO DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT, Data de Julgamento: 15/04/2024, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/04/2024). Pelas razões apresentadas, “[...] é incabível a substituição por medidas cautelares menos gravosas [...]” (TJ-MT - HABEAS CORPUS CRIMINAL: 10147411120248110000, Relator: HELIO NISHIYAMA, Data de Julgamento: 18/06/2024, Quarta Câmara Criminal, Data de Publicação: 21/06/2024). Ante o exposto, presentes o fumus comissi delicti (pressupostos) e periculun libertatis (fundamentos), CONVERTO, em consonância com o parecer ministerial em audiência, a prisão em flagrante de em preventiva de KAUAN VINICIUS SOUZA RODRIGUES; o que faço com fundamento nos arts. 312, “caput” (garantia da ordem pública), do CPP. Em tempo, esclareça-se que, “[...] quando a necessidade da prisão preventiva estiver demonstrada pelos fatos e pressupostos contidos no art. 312 do CPP, não há afronta ao princípio da presunção de inocência, tampouco antecipação ilegal da pena [...]” (STJ - AgRg no HC: 855449 SP 2023/0339371-2, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 08/04/2024, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/04/2024); isto, é, violação ao princípio da homogeneidade das prisões. Ainda, que “[...] eventuais condições pessoais favoráveis aventadas na impetração não garantem, de per si, a liberdade almejada, quando presentes os requisitos da prisão preventiva [...]” (TJ-MT - HABEAS CORPUS CRIMINAL: 1010061-80.2024.8.11.0000, Relator: RUI RAMOS RIBEIRO, Data de Julgamento: 21/05/2024, Segunda Câmara Criminal, Data de Publicação: 24/05/2024). [...]” (Id. 275100898, p. 73/77) Como se percebe, a decisão se limitou a consignar que há indícios de autoria e indicar a gravidade do crime supostamente praticado pelo paciente. A decisão constritiva está fundamentada na garantia da ordem pública, consubstanciada na gravidade da conduta, visto que o paciente supostamente praticou o crime de estupro enquanto a vítima estava embriagada. O c. Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que a gravidade delitiva, extraída da forma de execução do crime, somado ao risco de reprodução dos fatos criminosos, constitui fundamentação cautelar idônea e suficiente para a prisão preventiva (RHC n. 110927/MG - Relator: Min. Felix Fischer – 7.6.2019). Todavia, o paciente é primário, tem bons antecedentes, possui endereço certo no Município de Curvelândia/MT (Rua Minas Gerais, s/nº, esquina com a Rua Bahia, possuindo contato telefônico: (65) 99638-8807) (Id. 275100899). Portanto, de fato, o decisum não aponta nenhuma circunstância concreta que justifique a medida extrema, salva a garantia da ordem pública de forma abstrata, inerente ao crime supostamente praticado. Além do mais, conforme se observa no laudo pericial nº 110.1.04.9067.2025.014101-A01 (Id. 275100898, p. 89/91), a vítima não apresenta lesões de violência física para vencer o dissenso. As equimoses presentes na mucosa vaginal e lesões anais não são tão anormais a uma cópula (vaginal e anal). Como se observa, a decisão limita-se a mencionar a gravidade concreta do delito, sem, contudo, demonstrar quais elementos extrapolam a tipicidade do crime em questão, uma vez que a embriaguez da vítima constitui elemento próprio do tipo penal de estupro de vulnerável, na modalidade prevista no § 1º do art. 217-A do Código Penal. Desta feita, a prisão preventiva está alicerçada tão somente no lado abstrato do próprio fato. Nesse sentido, é pacífico o entendimento jurisprudencial de que a decretação da prisão preventiva não pode se fundamentar apenas na gravidade abstrata do delito ou em argumentos genéricos desprovidos de elementos concretos. A propósito: [...] A prisão preventiva é medida excepcional, de natureza cautelar, que exige a demonstração de pressupostos e fundamentos concretos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal, não se justificando por meras suposições ou pela gravidade abstrata do delito. [...] (AgRg no HC n. 989.760/MG, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 13/5/2025, DJEN de 21/5/2025.) Assim foram as informações prestadas pela autoridade indigitada coatora: “[...] Na oportunidade em que me apraz cumprimenta-lo, venho, por meio deste prestar-lhe informações no bojo do Habeas Corpus nº 1008174-27.2025.8.11.0000, em que figura como paciente KAUAN VINICIUS SOUZA RODRIGUES e o Juízo da 3ª Vara de Mirassol D’Oeste/MT como coator, proveniente do auto de prisão em flagrante n. 1000464-20.2025.8.11.0011 e do inquérito policial n. 1000627-97.2025.8.11.0011. No auto de prisão em flagrante movido pela Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso e pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso, o investigado KAUAN VINICIUS SOUZA RODRIGUES foi preso pela prática, em tese, do crime previsto no art. 217-A § 1º, do Código Penal. A prisão em flagrante delito ocorreu no dia 16/03/2025. Durante a audiência de custódia, a prisão em flagrante do custodiado foi convertida em prisão preventiva para garantia da ordem pública, nos seguintes termos: [...] Em 17/03/2025, os autos foram remetidos para o órgão julgador de origem. Em 18/03/2025, este Juízo manifestou ciência da decisão proferida em Plantão Judicial Regionalizado. Em 25/03/2025, a Autoridade Policial apresentou a conclusão do inquérito policial, distribuído sob o n. 1000627-97.2025.8.11.0011. Em 26/03/2025, nos autos do auto de prisão em flagrante (PJe n. 1000546-51.2025.8.11.0011), foi certificada a vinculação destes aos autos do inquérito policial e promovido o seu arquivamento. Na mesma data, os autos do inquérito policial (autos n. 1000627-97.2025.8.11.0011) foram encaminhados para o Ministério Público, aguardando-se o decurso do prazo legal para oferecimento da denúncia e o consequente prosseguimento do feito. Posteriormente, foi noticiada o pedido de antecipação de tutela em sede de Habeas Corpus, cujas informações são prestadas neste ato. Sem prejuízo, convém informar que não houve alteração superveniente do quadro fático e/ou jurídico do feito originário que possa influenciar no julgamento de mérito da ação mandamental. Eram, pois, estas as informações que me competia prestar. [...]” (Id. 278744912) Nesse aspecto, registro que, a partir da documentação que instrui os autos não há evidências que o paciente apresenta periculosidade diferenciada, ou que, em liberdade, poderia cometer novos delitos, notadamente porque o caso em análise se trata do único registro criminal que pesa contra ele. Também merece destaque o fato de que as testemunhas que estavam no local na ocasião dos fatos (Geissiely Alves de Carvalho, Ludmila do Nascimento Ferreira e Simone Zarzenan Silva) relataram não ter ouvido nada de anormal, embora estivessem dormindo no mesmo quarto da vítima e do paciente, conforme mencionado na petição inicial do writ. Outro ponto relevante é que, contrariamente à narrativa inicial, o paciente não fugiu do local após os fatos, tendo sido buscado pelo irmão, o que afasta a ideia de que ele teria empreendido fuga, circunstância que poderia indicar risco à aplicação da lei penal. Para decretar a prisão preventiva, além de provas da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria, exige-se que a medida constritiva esteja consubstanciada em elementos concretos, demonstrando sua necessidade e a adequação, o que não ocorre no presente caso. Diante desse cenário, entendo que a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares alternativas, conforme determinado na decisão liminar, mostra-se suficiente para acautelar o processo e a ordem pública, em consonância com o princípio da intervenção mínima. De mais a mais “o simples clamor popular ou repercussão do delito e o risco à credibilidade das instituições não autorizam a prisão preventiva” (STJ, HC 461.263/RJ, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 16/10/2018, DJe 13/11/2018). Destarte, inexistindo fundamentação idônea para sustentar o decreto de prisão, a liberdade é impositiva, conforme se vê no seguinte aresto: [...] Caso em que o decreto que impôs a prisão preventiva ao paciente não apresentou qualquer motivação concreta, apta a justificar a segregação, tendo se limitado a abordar, de modo genérico, a descrição da conduta típica e a necessidade de garantia da ordem pública, além da gravidade abstrata do delito. A necessidade de garantia da ordem pública e a gravidade abstrata do delito, dissociadas de quaisquer elementos concretos e individualizados que indicassem a necessidade da rigorosa providência cautelar, não constituem fundamentação idônea para justificar a medida extrema, especialmente diante das condições pessoais favoráveis do paciente [...] (STJ, HC 465.543/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 27/11/2018, DJe 10/12/2018) (negritou-se) Com efeito, não se pode perder de vista o resultado final do processo, sob pena de aplicar, em antecipação cautelar, medida mais gravosa do que o próprio provimento final buscado na ação penal (TJMT, HC n. 72800/2015 - Segunda Câmara Criminal - 8.7.2015; TJMG, HC n. 10000130569163000 - Relatora: Des. Maria Luíza de Marilac - 10.9.2013). Nesse quadro, ponderados os fundamentos do ato constritivo, as condições pessoais do paciente, mostra-se pertinente a substituição da custódia preventiva por medidas cautelares alternativas, instrumentos de natureza inibitória e/ou proibitiva eficazes para atingir a mesma finalidade da prisão (STF, HC n. 127823 - Relator: Min. Teori Zavascki - 23.6.2015; STJ, HC n. 533.436/RS - Relator: Min. Rogerio Schietti Cruz - 2.12.2019; STJ, HC n. 540.217/SC- Relator: Min. Jorge Mussi - 21.2.2020). Por fim, diante do que foi apurado até o momento, entendo que a imposição de cautelares previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal basta para preservar a ordem pública e/ou a finalidade do processo. Entendo, portanto, que a ordem deve ser concedida, ratificando-se a liminar anteriormente deferida. Nesse ponto, registro que as medidas cautelares impostas ao paciente - comparecimento aos atos processuais; proibição de contato com a vítima, testemunhas ou informantes; monitoramento eletrônico; proibição de se apresentar em público alcoolizado; comparecimento mensal em juízo; proibição de se ausentar da Comarca sem autorização judicial; não se envolver em práticas delituosas; e proibição de portar armas - mostram-se compatíveis com o disposto no art. 282 do CPP, que estabelece que "as medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais". Vale destacar que o monitoramento eletrônico, pelo período inicial de 60 dias, configura medida adequada para acompanhar o comportamento do paciente e garantir o cumprimento das demais cautelares, podendo ser reavaliada periodicamente pela autoridade coatora. Ante o exposto, em dissonância do parecer ministerial, concedo a ordem de habeas corpus impetrada em favor Kauan Vinicius Souza Rodrigues, para ratificar a liminar anteriormente deferida e manter a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares alternativas. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 10/06/2025
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