Processo nº 5002117-20.2023.8.24.0068
ID: 314161565
Tribunal: TJSC
Órgão: Diretoria de Recursos e Incidentes
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 5002117-20.2023.8.24.0068
Data de Disponibilização:
02/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JULIANO RICARDO SCHMITT
OAB/RS XXXXXX
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JULIANO RICARDO SCHMITT
OAB/PR XXXXXX
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JULIO MANUEL URQUETA GOMEZ JUNIOR
OAB/SC XXXXXX
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GABRIELE JULI GANDOLFI
OAB/SC XXXXXX
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Apelação Nº 5002117-20.2023.8.24.0068/SC
APELANTE
: LUCILA DE SOUZA (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: JULIO MANUEL URQUETA GOMEZ JUNIOR (OAB SC052867)
ADVOGADO(A)
: GABRIELE JULI GANDOLFI (OAB SC055387)
APELANT…
Apelação Nº 5002117-20.2023.8.24.0068/SC
APELANTE
: LUCILA DE SOUZA (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: JULIO MANUEL URQUETA GOMEZ JUNIOR (OAB SC052867)
ADVOGADO(A)
: GABRIELE JULI GANDOLFI (OAB SC055387)
APELANTE
: BANCO ITAU CONSIGNADO S.A. (RÉU)
ADVOGADO(A)
: JULIANO RICARDO SCHMITT (OAB RS099963A)
ADVOGADO(A)
: JULIANO RICARDO SCHMITT (OAB PR058885)
DESPACHO/DECISÃO
Adoto, por economia processual e em homenagem à sua completude, o relatório da sentença,
in verbis
:
Lucila de Souza
ajuizou ação em desfavor de
Banco Itau Consignado S.A.
, ambos qualificados, objetivando:
a)
a declaração de nulidade do contrato de empréstimo n. 594823679, consignado em seu benefício previdenciário (NB 187.848.372-0);
b)
a declaração de inexistência de relação jurídica entre as partes;
c)
a condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais; e
d)
a condenação da parte ré ao ressarcimento dos valores descontados do seu benefício, de forma dobrada.
Para tanto, alegou, em síntese, que:
a)
nunca firmou contrato com a parte ré;
b)
acredita ter sido vítima de fraude;
c)
os descontos mensais são ilegais; e
d)
a conduta da parte ré constitui ato ilícito e enseja o dever de reparação de danos. No mais, pugnou pela concessão da gratuidade judiciária (evento
1.1
).
Foi deferida a gratuidade judiciária à parte autora e extinto o processo sem resolução do mérito (evento
10.1
). A autora interpôs recurso de apelação (evento
14.1
), o qual foi provido (evento
13.1
).
Em prosseguimento, foi determinada a inversão do ônus da prova (evento
31.1
).
Citada, a parte ré apresentou contestação, suscitando preliminares e, no mérito, requerendo a improcedência da pretensão inicial, sob os argumentos de que os contratos foram convencionados de forma válida, sendo legítimas as assinaturas apostas nos instrumentos negociais. Expressou que, dada a regularidade das contratações não há ato ilícito a justificar o pleito indenizatório. No mais, pugnou pela compensação dos valores disponibilizados à consumidora (evento
38.2
).
Houve réplica, na qual a parte autora aventou preliminar de falta de pressuposto processual da reconvenção (não recolhimento de custas) e reiterou a ausência de contratação válida, impugnando a autenticidade dos contratos e, ao final, requerendo a improcedência do pedido reconvencional (evento
41.1
).
As partes foram intimadas para indicarem as provas que pretendiam produzir, tendo a parte ré requerido o depoimento pessoal (evento
49.1
).
Segue parte dispositiva da decisão:
Ante o exposto,
JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES
os pedidos contidos na inicial, extinguindo o feito com resolução do mérito (art. 487, I, do CPC), para:
a) DECLARAR
a
inexistência
de relação jurídica entre as partes quanto ao
contrato
594823679
;
b) DETERMINAR
, em decorrência do decidido na alínea anterior, a
suspensão definitiva
dos descontos efetuados no benefício previdenciário da parte autora;
c) CONDENAR
a parte ré a restituir, de
forma simples
, os valores descontados do benefício previdenciário da autora relativos às parcelas anteriores a
30/03/2021
, e,
em dobro
, os valores descontados posteriormente à referida data, nos termos da fundamentação, corrigidos monetariamente pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a partir do evento danoso (cada desconto indevido - art. 398 do CC e Súmula 54 do STJ), até 29/08/2024, indexadores que, a partir do início da vigência da Lei n.º 14.905/24 (30/08/2024), passarão a incidir unicamente pela taxa referencial SELIC,deduzido o IPCA (art. 389, parágrafo único, e art. 406, § 1º, ambos do CC);
d) AUTORIZAR
a
compensação
com as quantias recebidas pela parte autora, as quais deverão ser corrigidas pela mesma forma, observando-se, porém, quanto aos termos iniciais, que a correção monetária inicia-se da data do recebimento dos valores e os juros de mora a partir do trânsito em julgado desta decisão.
Em razão da sucumbência recíproca,
condeno
a parte ré ao pagamento de 30% (trinta por cento) das custas processuais, além de honorários advocatícios de sucumbência em favor do procurador da parte autora, os quais arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação (arts. 85, §§2º e 8º, e 86, ambos do CPC).
De outro lado, também
condeno
a parte autora ao pagamento de 70% (setenta por cento) das custas processuais, além de honorários advocatícios de sucumbência em favor do procurador do réu, os quais arbitro em 10% (dez por cento) sobre a sua sucumbência - diferença entre o que foi pleiteado e o que foi concedido (arts. 85, §§2º e 8º, e 86, ambos do CPC).
A exigibilidade das verbas de sucumbência fica suspensa em relação à parte autora, porque beneficiária da gratuidade judiciária.
Publicada e registrada eletronicamente.
Intimem-se
.
Irresignada, a parte ré interpôs recurso de apelação (
61.1
), sustentando, em resumo: a) a possibilidade de apresentação de documentos com o recurso; b) a prescrição da pretensão autor, pela inaplicabilidade do prazo quinquenal; c) a regularidade da contratação, ressaltando a similitude da assinatura aposta, a apresentação de documentos pessoais da parte e a prova do cumprimento do sinalagma; d) pela disponibilização dos valores e realização dos descontos há considerável tempo, requer aplicação do instituto da supressio; e) inexistência de danos materiais, porque regulares as cobranças; f) subsidiariamente, a impossibilidade de devolução dobrada, porque "inexiste má-fé, tampouco comportamento grosseiro, crasso e, muito menos, quase com consciência de que se está a cobrar algo possivelmente indevido"; g) caso mantida a condenação, deve ser reformada a sentença de primeiro grau para que os juros de mora incidam a partir da decisão que os fixar.
A parte autora, por seu turno, também aviou apelo (
65.1
), pugnando pela (i) impossibilidade de compensação, porque implica enriquecimento ilícito da ré; (ii) acaso mantida, que não se admite aplicação de juros sobre o montante a ser restituído; (iii) há danos morais, porque a prática abusiva comprometeu valores inerentes à subsistência da demandante. Sugere o patamar indenitário de R$ 10.000,00; (iv) "considerando que o Apelante foi vitorioso na presente ação, de modo que o principal pedido foi julgado procedente (declaração de inexistência da relação contratual), deve ser a Instituição Financeira condenada ao pagamento das custas processuais bem como ao pagamento de honorários advocatícios em favor do patrono da parte embargante".
Contrarrazões nos evs. 68 e 72
Após, vieram-me os autos conclusos.
É o relatório.
Inicialmente, autorizado o julgamento monocrático, com fulcro no art. 932, incisos IV e V, do Código de Processo Civil, além do art. 132 do RITJSC, porquanto se trata de matéria pacificada neste Órgão Fracionário.
Admissibilidade
O recurso da parte autora preenche os requisitos necessários ao seu conhecimento.
Por seu turno, embora próprio, tempestivo e preparado, o recurso da ré comporta apenas parcial conhecimento.
É que não há causa à juntada extemporânea dos documentos anexos ao apelo.
Conforme é consabido, "
incumbe à parte instruir a petição inicial ou a contestação com os documentos destinados a provar suas alegações
" (art. 434 do CPC).
Excepcionalmente, a juntada posterior é admitida:
Art. 435. É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos.
Parágrafo único. Admite-se também a juntada posterior de documentos formados após a petição inicial ou a contestação, bem como dos que se tornaram conhecidos acessíveis ou disponíveis após esses atos, cabendo à parte que os produzir comprovar o motivo que a impediu de juntá-los anteriormente e incumbindo ao juiz, em qualquer caso, avaliar a conduta da parte de acordo com o art. 5º.
Ocorre que a parte ré não demonstrou a impossibilidade de juntada em momento anterior.
Insuficiente a alegação de que "a documentação ora apresentada não pôde ser acostada aos autos pelo Apelante no curso da demanda em primeira instância, tendo em vista a impossibilidade de localizá-la, devido ao grande número de documentos constantes do acervo da parte apelante, que, por vezes, torna dificultosa a localização de determinados instrumentos contratuais", eis que a parte sequer requereu ao juízo de origem prazo para a diligência, a qual, ademais, é própria e esperada em função da atuação comercial da ré.
Logo, uma vez que o requerido não comprovou a ocorrência de motivo extraordinário para ter deixado tempestivamente de trazer o instrumento em questão, não há razão ao seu conhecimento.
A propósito:
PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. JUNTADA DE DOCUMENTOS EM APELAÇÃO. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE FATOS NOVOS. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. PERÍCIA TÉCNICA. CERCEAMENTO DE DEFESA. REVISÃO DE FATOS E PROVAS. NÃO CABIMENTO. SÚMULA N.º 7 DO STJ. SENTENÇA FUNDAMENTADA. VIOLAÇÃO DO ART. 489 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. PRECEDENTES DO STJ. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. NEGOU-SE PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO.
1. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito e fundamentado corretamente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em violação do art. 489 do CPC/15.
2. "A regra prevista no art. 396 do CPC/73 (art. 434 do CPC/2015), segundo a qual incumbe à parte instruir a inicial ou a contestação com os documentos que forem necessários para provar o direito alegado, somente pode ser excepcionada se, após o ajuizamento da ação, surgirem documentos novos, ou seja, decorrentes de fatos supervenientes ou que somente tenham sido conhecidos pela parte em momento posterior, nos termos do art. 397 do CPC/73 (art. 435 do CPC/2015)" (AgInt no AREsp n. 1.734.438/RJ, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 15/3/2021, DJe de 7/4/2021).
3. O exame da pretensão recursal de reforma do v. acórdão recorrido exigiria a alteração das premissas fático-probatórias estabelecidas pelo acórdão, com reexame de matéria fática, o que é vedado em recurso especial, nos termos da Súmula n.º 7 do STJ.
4. Negou-se provimento ao agravo interno.
(AgInt no AREsp n. 2.084.990/GO, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 22/11/2022, DJe de 24/11/2022.)
E, desta Corte de Justiça estadual:
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE/INEXIGIBILIDADE DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES. RECURSO DA RÉ. CONTRATO OBJETO DA LIDE NÃO APRESENTADO. ÔNUS DA PROVA DE FATO IMPEDITIVO, MODIFICATIVO OU EXTINTIVO DESCUMPRIDO. INTELIGÊNCIA DO ART. 373, INC. II, DO CPC. ADEMAIS, JUNTADA EXTEMPORÂNEA QUE NÃO SE MOSTRA POSSÍVEL, A TEOR DO ARTS. 434 E 435 DO CÓDIGO FUX. AUSÊNCIA, OUTROSSIM, DE COMPROVAÇÃO DE QUE O VALOR CONTRATADO FOI DISPONIBILIZADO PARA A PARTE AUTORA. DESCONTOS INEXIGÍVEIS. INTELIGÊNCIA DO ART. 476 DO CÓDIGO CIVIL. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. TESE FIXADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO JULGAMENTO DO EARESP N. 676.608/RS DISPENSANDO A EXISTÊNCIA DA MÁ-FÉ. PRETENSÃO PARCIALMENTE ACOLHIDA. REPETIÇÃO SIMPLES PARA OS DESCONTOS OPERADOS ATÉ 30/03/2021 E, NA FORMA DOBRADA, PARA OS POSTERIORES A ESSA DATA. PRECEDENTES. REFORMA DA SENTENÇA NO PONTO. APELO DA PARTE AUTORA. PLEITO DE CONDENAÇÃO DA CASA BANCÁRIA AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INSUBSISTÊNCIA. ABALO ANÍMICO NÃO CARACTERIZADO NO CASO EM APREÇO. MANUTENÇÃO. ÔNUS SUCUMBENCIAIS INALTERADOS. HONORÁRIOS RECURSAIS. MAJORAÇÃO. RECURSO DA RÉ CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. APELO DA AUTORA CONHECIDO E DESPROVIDO.
(TJSC, Apelação n. 5001418-24.2021.8.24.0060, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Sérgio Izidoro Heil, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 06-06-2023).
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. DESCONTOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DAS PARTES.
CONTRARRAZÕES DO DEMANDADO. ALEGADA A AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE RECURSAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. ARGUMENTOS RECURSAIS DO ACIONANTE COMPATÍVEIS COM OS TEMAS ENFRENTADOS NO DECISUM. IRRELEVÂNCIA DA REPETIÇÃO DE ARGUMENTOS DE PEÇAS ANTERIORES. CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE (ART. 1.010, II E III, DO CPC). PREFACIAL RECHAÇADA.
APELAÇÃO DO RÉU. DEFENDIDA A EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CONTRATUAL. INSUBSISTÊNCIA. SUPOSTO CONTRATO EXIBIDO DE MODO EXTEMPORÂNEO NA APELAÇÃO. DEMORA INJUSTIFICADA. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 434 E 435 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. NÃO CONHECIMENTO. CARÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA CELEBRAÇÃO DO NEGÓCIO PELO DEMANDANTE. REGISTRO DE "SAQUE" POR MEIO DO CARTÃO NO MESMO DIA DA SUPOSTA REALIZAÇÃO DO NEGÓCIO. VALOR TRANSFERIDO À CONTA BANCÁRIA EM NOME DO ACIONANTE. IRRELEVÂNCIA. ALEGAÇÃO DO AUTOR DE DESCONHECIMENTO DA CONTA INDICADA NO COMPROVANTE DE DEPÓSITO E DE NÃO RECEBIMENTO DE VALORES. VERIFICADA, POR MEIO DA REFERIDA DOCUMENTAÇÃO INTEMPESTIVA, A ABERTURA DE CONTA BANCÁRIA DIVERSA DAQUELA MANTIDA PELO AUTOR NA MESMA OCASIÃO DO CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. CIRCUNSTÂNCIA QUE CONFIRMA A VERSÃO DE FRAUDE ARGUIDA PELO REQUERENTE. IMPOSSIBILIDADE, ADEMAIS, DE O AUTOR PRODUZIR PROVA DIABÓLICA (NEGATIVA). SÚMULA 31 DESTA CORTE DE JUSTIÇA. INCIDÊNCIA DO ARTIGO 373, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. SENTENÇA MANTIDA.
PLEITO DO DEMANDADO DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES. TESE PARCIALMENTE ACOLHIDA. NOVO ENTENDIMENTO FIRMADO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (EARESP 676.608/RS) QUANTO À PRESCINDIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO DA MÁ-FÉ. MODULAÇÃO PARCIAL DOS EFEITOS DA DECISÃO. ORIENTAÇÃO A INCIDIR SOBRE AS COBRANÇAS INDEVIDAS EM CONTRATOS DE CONSUMO QUE NÃO ENVOLVAM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS PELO ESTADO OU POR CONCESSIONÁRIAS REALIZADAS SOMENTE A PARTIR DA DATA DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO. CONDENAÇÃO DO RÉU À REPETIÇÃO DE INDÉBITO EM DOBRO. INSUBSISTÊNCIA. DEVOLUÇÃO NA FORMA SIMPLES DOS VALORES DESCONTADOS ANTES 30-3-2021 (DATA DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO DO STJ). DECISÃO MODIFICADA NO PONTO.
SUSTENTADA PELO REQUERIDO A NÃO COMPROVAÇÃO DO ABALO ANÍMICO. TESE ACOLHIDA. CONDUTA DESIDIOSA DO BANCO RÉU QUE, A PAR DE CAUSAR TRANSTORNOS, NO CASO CONCRETO, NÃO DEU AZO À CARACTERIZAÇÃO DE DANO MORAL. AUSÊNCIA DE INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES OU COMPROVAÇÃO DE SITUAÇÃO GRAVOSA DIVERSA. AUSÊNCIA DE PROVA DE QUE OS ABATIMENTOS PREJUDICARAM O SEU SUSTENTO. INÉRCIA POR MAIS DE TRÊS ANOS. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO DANO IN RE IPSA. MERO ABORRECIMENTO OU DISSABOR. PRECEDENTE DESTA CORTE DE JUSTIÇA. ÔNUS DO REQUERENTE EM DEMONSTRAR A OCORRÊNCIA DE FATOS EXTRAORDINÁRIOS E CAPAZES DE PROVOCAR VIOLAÇÃO À SUA HONRA, IMAGEM E INTIMIDADE, NOS TERMOS DO ART. 373, I, DA LEI ADJETIVA CIVIL. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. SENTENÇA REFORMADA.
RECURSO DO AUTOR. PEDIDO DE REEMBOLSO DOS VALORES LANÇADOS NO SEU BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO NA PLANILHA DENOMINADA "DESCONTOS DE CARTÃO". ACOLHIMENTO. INCLUSÃO NA CONDENAÇÃO À REPETIÇÃO DE INDÉBITO.
PRETENDIDO O AFASTAMENTO DA ORDEM DE DEVOLUÇÃO DO CRÉDITO DISPONIBILIZADO EM CONTA BANCÁRIA E RESPECTIVA COMPENSAÇÃO. ACOLHIMENTO. CONTA DESCONHECIDA PELO REQUERENTE, CRIADA NO MOMENTO DA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. AUSÊNCIA DE PROVA DO SEU USO PELO AUTOR. ORDEM DE DEVOLUÇÃO AFASTADA.
POSTULADA A MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. ANÁLISE PREJUDICADA. ENCARGOS SUCUMBENCIAIS REDISTRIBUÍDOS NESTA INSTÂNCIA APÓS A MODIFICAÇÃO DO RESULTADO DO JULGAMENTO.
ALTERAÇÃO DO JULGADO. PROCEDÊNCIA EM PARTE DOS PEDIDOS. ENCARGOS SUCUMBENCIAIS READEQUADOS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.
RECURSOS CONHECIDOS E PROVIDOS EM PARTE.
(TJSC, Apelação n. 5001685-72.2023.8.24.0012, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Luiz Felipe Schuch, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 14-09-2023).
Isso dito, passa-se aos reclamos.
Recurso da ré
Prescrição
A parte pretende a declaração de prescrição da pretensão autoral, por entender aplicável prazo trienal.
Sem razão.
Primeiramente, convém assentar que a hipótese aventada nos autos, ainda que fundada na alegada inexistência de relação jurídica entre as partes, submete-se à disciplina do Código de Defesa do Consumidor.
Seja porque a ré equipara-se ao conceito de fornecedor previsto no art. 3.º do CDC, ao oferecer serviço de natureza bancária; seja porque a parte autora é consumidora, mesmo que por equiparação, na forma do art. 17 do diploma consumerista.
A pretensão amealhada, ademais, equipara-se a fato do serviço.
De tal forma que a prescrição da pretensão de direito material é aquela consignada no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 27.
Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço
prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.
Por conseguinte, diante da existência do regramento específico, razão não há para aplicação do disposto pelo art. 205 do Código Civil. Tanto assim o é que o próprio
caput
do dispositivo prevê que
“a prescrição ocorre em dez anos,
quando a lei não lhe haja fixado prazo menor
”
(grifo meu).
Portanto, consoante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "
tratando-se de pretensão decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação, em decorrência de defeito do serviço, aplica-se o prazo prescricional quinquenal previsto no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor (CDC)
" - (AgInt no AREsp 1.673.611/RS, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 14/9/2020, DJe 22/9/2020).
Não obstante, quanto ao termo inicial de contagem do lapso prescricional, a Corte Superior igualmente estabeleceu que" [...] o prazo prescricional é o quinquenal previsto no art. 27 do CDC,
cujo termo inicial da contagem é a data em que ocorreu a lesão ou pagamento, ou seja, o último desconto
" (AgInt no AgInt no AREsp n. 1.844.878/PE, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 13/12/2021, DJe de 15/12/2021- grifo meu).
No mesmo sentido:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IRRESIGNAÇÃO MANIFESTADA NA VIGÊNCIA DO NCPC. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PRAZO PRESCRICIONAL. CINCO ANOS. ART. 27 DO CDC. TERMO INICIAL. ÚLTIMO DESCONTO. DECISÃO EM CONFORMIDADE COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE. PRESCRIÇÃO RECONHECIDA NA ORIGEM COM BASE NOS FATOS DA CAUSA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7 DO STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. NÃO DEMONSTRAÇÃO, NOS MOLDES LEGAIS. RECURSO MANIFESTAMENTE INADMISSÍVEL. INCIDÊNCIA DA MULTA DO ART. 1.021, § 4º, DO NCPC. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Aplica-se o NCPC a este julgamento ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 2.
O Tribunal a quo dirimiu a controvérsia em conformidade com a orientação firmada nesta Corte, no sentido de que, para a contagem do prazo prescricional quinquenal previsto no art. 27 do CDC, o termo inicial a ser observado é a data em que ocorreu a lesão ou pagamento, o que, no caso dos autos, se deu com o último desconto do mútuo da conta do benefício da parte autora.
Incidência da Súmula nº 568 do STJ, segundo a qual, o relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema. 3. Para modificar o termo inicial firmado no acórdão recorrido, para efeito de contagem do início de fluência da prescrição nos autos, seria imprescindível derruir a afirmação contida no decisum atacado, o que, forçosamente, ensejaria em rediscussão de matéria fática, incidindo, na espécie, o óbice contido na Súmula nº 7 do STJ. 4. A não observância dos requisitos do art. 255, §§ 1º e 2º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça torna inadmissível o conhecimento do recurso com fundamento na alínea c do permissivo constitucional. 5. Em virtude do não provimento do presente recurso, e da anterior advertência em relação a aplicabilidade do NCPC, incide ao caso a multa prevista no art. 1.021, § 4º, do NCPC, no percentual de 3% sobre o valor atualizado da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito da respectiva quantia, nos termos do § 5º daquele artigo de lei. 6. Agravo interno não provido, com imposição de multa. (AgInt no AREsp 1478001/MS, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/08/2019, DJe 21/08/2019)
E, deste órgão fracionário:
EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO RELATIVO A DESCONTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL CORRETAMENTE PRONUNCIADA NA ORIGEM. DIES A QUO POSICIONADO NA DATA DO ÚLTIMO DESCONTO. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO STJ. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE APENAS PARA CONCEDER A JUSTIÇA GRATUITA. (TJSC, Apelação n. 5002915-12.2020.8.24.0027, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Maria do Rocio Luz Santa Ritta, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 15-03-2022).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS. SENTENÇA DE EXTINÇÃO PELO RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO. INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA. PEDIDO DE DEFERIMENTO DA JUSTIÇA GRATUITA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. DEFERIMENTO. IRRESIGNAÇÃO EM RELAÇÃO AO PRAZO PRESCRICIONAL APLICÁVEL E AO SEU TERMO INICIAL. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RELAÇÃO DE CONSUMO. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APLICAÇÃO DO PRAZO QUINQUENAL PREVISTO NO ART. 27 DO CDC. TERMO A QUO. PRESTAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. INÍCIO DA CONTAGEM A PARTIR DA DATA DO ÚLTIMO DESCONTO. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTA CORTE. LAPSO PRESCRICIONAL TRANSCORRIDO ANTES DA PROPOSITURA DA AÇÃO. PRESCRIÇÃO CORRETAMENTE RECONHECIDA. SENTENÇA MANTIDA. HONORÁRIOS RECURSAIS. INVIABILIDADE DE MAJORAÇÃO EM GRAU RECURSAL DIANTE DA AUSÊNCIA DE FIXAÇÃO DA VERBA NA ORIGEM. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
(TJSC, Apelação n. 5032046-62.2021.8.24.0038, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Sérgio Izidoro Heil, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 19-07-2022).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ALEGAÇÃO DE DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO ALEGADAMENTE NÃO FIRMADO PELA PARTE AUTORA. RECONHECIMENTO, PELO MAGISTRADO, DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO, COM BASE NO ART. 27 DO CDC. INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA. PRETENDIDA APLICAÇÃO DA PRESCRIÇÃO DECENAL DO ART. 205 DO CC. INSUBSISTÊNCIA. RELAÇÃO SUBMETIDA AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRETENSÃO FUNDADA EM SUPOSTO FATO DO SERVIÇO. INCIDÊNCIA DO PRAZO QUINQUENAL DO ART. 27 DO CDC. TERMO INICIAL DA CONTAGEM DO PRAZO. DATA DO ÚLTIMO DESCONTO OPERADO EM FOLHA DE PAGAMENTO. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
(TJSC, Apelação n. 5015004-97.2021.8.24.0038, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Saul Steil, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 27-09-2022).
Nessa contextura, considerando que o contrato encontrava-se inclusive ativo ao tempo da propositura da ação não há espaço para a prejudicial de mérito.
Regularidade do contrato
Quanto à aventada regularidade da contratação, não acode razão à ré.
Cumpre à requerida comprovar a existência e regularidade do contrato que, segundo a parte autora, não tomou junto à ré.
A requerida, entretanto, deixou de apresentar, em momento oportuno, o contrato impugnado em exordial. A juntada extemporânea, como analisado acima, não foi admitida.
Ademais, "
a eventual circunstância de ter existido o depósito do valor mutuado em favor da parte autora não tem relevância na análise da existência e da validade do negócio jurídico. Conhecidas são as fraudes praticadas por correspondentes bancários com o objetivo de atingir metas de produtividade. Além disso, ninguém é obrigado a contratar empréstimo consignado, tomando dinheiro a juro sem que haja manifestação de vontade válida nesse sentido
" (TJSC, Apelação n. 5003621-93.2021.8.24.0080, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Maria do Rocio Luz Santa Ritta, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 07-03-2023).
Assim sendo, ressoando ausente prova do aludido contrato, verifica-se que o édito de inexistência da relação jurídica deve prevalecer.
Inaplicável, ademais, o instituto da
supressio
.
A realização de empréstimo não contratado constitui prática ilícita, uma vez que infringe manifestamente a vedação de condutas abusivas prevista no art. 39, III e VI, do CDC, que passo a transcrever:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
[...]
III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço; [...]
VI - executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes;
[...]
Em outras palavras,
nas relações de consumo não se admite nem a concordância tácita, nem a concordância posterior do consumidor, sendo imperativo que sua adesão a serviços bancários se dê de forma expressa e anterior à disponibilização do serviço
.
Em julgamento de caso algo distinto pelo Superior Tribunal de Justiça, extrai-se tal entendimento aplicável à espécie:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MATERIAIS E MORAIS.
INVESTIMENTO DE RISCO REALIZADO PELO BANCO SEM AUTORIZAÇÃO EXPRESSA DOS CORRENTISTAS. DEVER QUALIFICADO DO FORNECEDOR DE PRESTAR INFORMAÇÃO ADEQUADA E TRANSPARENTE. INOBSERVÂNCIA. CONSENTIMENTO TÁCITO PREVISTO NO CÓDIGO CIVIL. INAPLICABILIDADE.
1. A Lei 8.078/90, cumprindo seu mister constitucional de
defesa
do consumidor, conferiu relevância significativa aos princípios da confiança, da boa-fé, da transparência e da equidade nas relações consumeristas, salvaguardando, assim, os direitos básicos de informação adequada e de livre escolha da parte vulnerável, o que, inclusive, ensejou a criminalização da "omissão de informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços" (caput do artigo 66 do CDC).
2. Sob tal ótica, a cautela deve nortear qualquer interpretação mitigadora do dever qualificado de informar atribuído, de forma intransferível, ao fornecedor de produtos ou de serviços, porquanto certo que uma "informação deficiente" - falha, incompleta, omissa quanto a um dado relevante - equivale à "ausência de informação", na medida em que não atenuada a desigualdade técnica e informacional entre as partes integrantes do mercado de consumo.
3. Nessa ordem de ideias, a jurisprudência desta Corte reconhece a responsabilidade das entidades bancárias por prejuízos advindos de investimentos malsucedidos quando houver defeito na prestação do serviço de conscientização dos riscos envolvidos na operação.
Precedentes.
4. Ademais,
a proteção contra práticas abusivas, assim como o direito à informação, é direito básico do consumidor, cuja manifesta vulnerabilidade (técnica e informacional) impõe a
defesa
da qualidade do seu consentimento, bem como a vedação da ofensa ao equilíbrio contratual.
5. Com esse nítido escopo protetivo, o artigo 39 do CDC traz rol exemplificativo das condutas dos fornecedores consideradas abusivas, tais como o fornecimento ou a execução de qualquer serviço sem "solicitação prévia" ou "autorização expressa" do consumidor (incisos III e VI), requisitos legais que ostentam relação direta com o direito à informação clara e adequada, viabilizadora do exercício de uma opção desprovida de vício de consentimento da parte cujo déficit informacional é evidente.
6. Nessa perspectiva,
em se tratando de práticas abusivas vedadas pelo código consumerista, não pode ser atribuído ao silêncio do consumidor (em um dado decurso de tempo) o mesmo efeito jurídico previsto no artigo 111 do Código Civil (anuência/aceitação tácita), tendo em vista a exigência legal de declaração de vontade expressa para a prestação de serviços ou aquisição de produtos no mercado de consumo
, ressalvada tão somente a hipótese de "prática habitual" entre as partes.
7. Ademais, é certo que o código consumerista tem aplicação prioritária nas relações entre consumidor e fornecedor, não se afigurando cabida a mitigação de suas normas - que partem da presunção legal absoluta da existência de desigualdade técnica e informacional entre os referidos agentes econômicos -, mediante a incidência de princípios do Código Civil que pressupõem a equidade (o equilíbrio) entre as partes.
8. Na espécie, conforme consta da moldura fática, se o correntista tem hábito de autorizar investimentos sem nenhum risco de perda (como é o caso do CDB - título de renda fixa com baixo grau de risco) e o banco, por iniciativa própria e sem respaldo em autorização expressa do consumidor, realiza aplicação em fundo de risco incompatível com o perfil conservador de seu cliente, a ocorrência de eventuais prejuízos deve, sim, ser suportada, exclusivamente, pela instituição financeira, que, notadamente, não se desincumbiu do seu dever de esclarecer de forma adequada e clara sobre os riscos da operação.
9. A manutenção da relação bancária entre a data da aplicação e a manifestação da insurgência do correntista não supre seu déficit informacional sobre os riscos da operação financeira realizada a sua revelia. Ainda que indignado com a utilização indevida do seu patrimônio, o consumidor (mal informado) poderia confiar, durante anos, na expertise dos prepostos responsáveis pela administração de seus recursos, crendo que, assim como ocorria com o CDB, não teria nada a perder ou, até mesmo, que só teria a ganhar.
10. A aparente resignação do correntista com o investimento financeiro realizado a sua revelia não pode, assim, ser interpretada como ciência em relação aos riscos da operação. Tal informação ostenta relevância fundamental, cuja incumbência cabia ao banco, que, no caso concreto, não demonstrou ter agido com a devida diligência.
11. Consequentemente, sobressai a ilicitude da conduta da casa bancária, que, aproveitando-se de sua posição fática privilegiada, transferiu, sem autorização expressa, recursos do correntista para modalidade de investimento incompatível com o perfil do investidor, motivo pelo qual deve ser condenada a indenizar os danos materiais e morais porventura causados com a operação.
12. Recurso especial dos correntistas provido. Recurso especial da casa bancária prejudicado.
(REsp n. 1.326.592/GO, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 7/5/2019, DJe de 6/8/2019, grifou-se.)
Da jurisprudência desta Corte, extrai-se o mesmo entendimento aplicado ao julgamento de casos semelhantes ao destes autos:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - OBRIGAÇÕES - RESPONSABILIDADE CIVIL - EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO - AUSÊNCIA DE CONTRATAÇÃO - DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - IMPROCEDÊNCIA EM 1º GRAU - RECURSO DO AUTOR - 1. INEXIGIBILIDADE DOS DESCONTOS - INACOLHIMENTO - INEXISTÊNCIA DE PROVA DO CONTRATO ENSEJADOR DA DÍVIDA - TELA DO SISTEMA INTERNO INSUFICIENTE PARA DEMONSTRAR A ORIGEM DA DÍVIDA - ART. 373, II, DO CPC -
AUTORIZAÇÃO DE DESCONTO INDEMONSTRADA - TESE DE ACEITAÇÃO TÁCITA PELO CONSUMIDOR INVIÁVEL
- RELAÇÃO CONTRATUAL ENTRE AS PARTES INCOMPROVADA - REPETIÇÃO EM DOBRO DOS VALORES DEBITADOS - AUSÊNCIA DE ENGANO JUSTIFICÁVEL - APLICAÇÃO DO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC - PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS DECLARATÓRIO E DE REPETIÇÃO DOBRADA MANTIDA - 2. DEVER DE INDENIZAR ABALO MORAL - COMPROMETIMENTO DE RENDA - INCOMPROVAÇÃO - MERO DISSABOR - INDENIZAÇÃO INACOLHIDA - RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Indemonstrada pelo réu a autorização para desconto em benefício previdenciário do autor, procedem os pleitos declaratório de inexistência de débito e de repetição de indébito.
2. Desconto não autorizado por pensionista, a título de empréstimo consignado, sem nenhum reflexo moral ou econômico grave, não enseja indenização porque a tolerância é um dos esteios do ordenamento jurídico. (TJSC, Apelação n. 5014473-89.2022.8.24.0033, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Monteiro Rocha, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 03-08-2023, destacou-se).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO.
CERCEAMENTO
DE
DEFESA
. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. ALEGAÇÃO DE CONTRATO REALIZADO POR MEIO FRAUDULENTO. PERÍCIA TÉCNICA NÃO OPORTUNIZADA. PROVA IMPRESCINDÍVEL AO JULGAMENTO. ADEMAIS, ERRO DO SERVIÇO JUDICIÁRIO EM CÓPIA DE CONTRATOS DEPOSITADOS EM CARTÓRIO NÃO DISPONIBILIZADOS AO AUTOR. SENTENÇA QUE UTILIZOU A AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO PARA CONCLUIR PELA ACEITAÇÃO TÁCITA. ERROR IN PROCEDENDO. PRECEDENTES DESTA CORTE. CASSAÇÃO DA SENTENÇA. HONORÁRIOS RECURSAIS INCABÍVEIS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
1. Configura error in procedendo o julgamento antecipado da lide quando presente equívoco na apreciação dos fatos e provas contidos nos autos, sobretudo se houver necessidade de dilação probatória imprescindível para melhor elucidação dos fatos narrados na exordial.
2. Nas ações de empréstimo consignado, a alegação do consumidor de suposta fraude na contratação do empréstimo tem direção certa: presunção juris tantum de ato ilícito de preposto da instituição financeira; assim, em não havendo prova cabal documental da contratação, imperiosa a realização de exame grafotécnico para comprovação da alegação do autor, salvo na hipótese de inversão do onus probandi em prol do consumidor hipossuficiente e de julgamento favorável a ele; fora dessas circunstâncias, o julgamento antecipado da lide configura evidente
cerceamento
de
defesa
.
3. Apresentando-se evidenciada a suposta fraude ou ardil na elaboração de (pseudo) contratação, impõe-se encaminhar a prova ao representante do Ministério Público com atuação na área de
defesa
do consumidor para averiguar prática comercial abusiva, da instituição ou de preposto desta. (TJSC, Apelação n. 5007831-42.2020.8.24.0075, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Silvio Dagoberto Orsatto, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 11-08-2022).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C DANOS MORAIS E RESTITUIÇÃO DE VALORES. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NÃO CONTRATADO ATRELADO A BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE RÉ ALEGADA EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE AS PARTES. ARGUMENTO DE QUE TERIA OCORRIDO A "ACEITAÇÃO TÁCITA" EM RELAÇÃO AO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO, UMA VEZ QUE O AUTOR, DEPARANDO-SE COM O DEPÓSITO DA QUANTIA EM SUA CONTA, TERIA FICADO INERTE, CONSENTINDO COM A CONTRATAÇÃO. REJEIÇÃO. DEMANDADO QUE NÃO ACOSTOU QUALQUER DOCUMENTO CAPAZ DE CORROBORAR A EXISTÊNCIA DO SUPOSTO NEGÓCIO JURÍDICO. ÔNUS QUE LHE CABIA, DIANTE DA IMPOSSIBILIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA NEGATIVA PELO AUTOR. ADEMAIS, ENVIO DE SERVIÇO, SEM SOLICITAÇÃO PRÉVIA DO CONSUMIDOR, CONFIGURA PRÁTICA ABUSIVA (ART. 39, III, CDC) E, PARA QUE HAJA DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, SE FAZ NECESSÁRIO O CONSENTIMENTO DO APOSENTADO (ART. 2º, §1º, LEI N. 10.820/03). RELAÇÃO JURÍDICA INEXISTENTE. DEPÓSITO EM JUÍZO DO VALOR DO EMPRÉSTIMO. DANOS MATERIAIS. DESCONTOS REFERENTES AO EMPRÉSTIMO NÃO CONTRATADO QUE NÃO CHEGARAM A SER REALIZADOS. AUSÊNCIA DE DANO PATRIMONIAL. REFORMA DA SENTENÇA NO PONTO. DANOS MORAIS. PLEITO DE AFASTAMENTO DA CONDENAÇÃO. POSSIBILIDADE. VINCULAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NÃO CONTRATADO AO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DO DEMANDANTE QUE, POR SI SÓ, NÃO CONFIGURA O DEVER DE INDENIZAR. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE O ILÍCITO REPERCUTIU DE FORMA LESIVA À DIGNIDADE DO REQUERENTE. ABALO MORAL INEXISTENTE. DECISÃO MODIFICADA NO PONTO. ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. NECESSIDADE DE REDISTRIBUIÇÃO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DESSAS VERBAS EM RELAÇÃO AO RECORRIDO, POR SER BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA, NA FORMA DO ART. 98, § 3º, DO CPC. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5000744-42.2021.8.24.0029, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Cláudia Lambert de Faria, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 19-04-2022).
E, da lavra deste relator:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA EM RAZÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO ALEGADAMENTE NÃO CONTRATADO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. APELOS DE AMBAS AS PARTES. EXAME DE ADMISSIBILIDADE. NÃO CONHECIMENTO DE PARTE DO RECURSO DA REQUERIDA. TESE RECURSAL QUE PARTE DA PREMISSA DE QUE SE TERIA COMPROVADO A CONTRATAÇÃO, EM AFRONTA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE, TENDO EM VISTA QUE NÃO IMPUGNA O FUNDAMENTO SENTENCIAL PARA A DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DA CONTRATAÇÃO, QUAL SEJA, A INÉRCIA DA REQUERIDA EM PRODUZIR PROVA PERICIAL ACERCA DAS ASSINATURAS IMPUGNADAS PELA PARTE AUTORA. ALEGADO O CERCEAMENTO DE DEFESA EM RAZÃO DO JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO. INSUBSISTÊNCIA. ACERVO PROBATÓRIO SUFICIENTE À FORMAÇÃO DO CONVENCIMENTO DO JULGADOR, NOTADAMENTE, EM VISTA DA AUSÊNCIA DE PROVA DA AUTENTICIDADE DA ASSINATURA IMPUGNADA E, POR CONSEGUINTE, DA REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO. PROVA ORAL REQUERIDA QUE NÃO TERIA O CONDÃO DE CONDUZIR A CONCLUSÃO DISTINTA. RECURSO DA REQUERIDA. SUSCITADA A ANUÊNCIA TÁCITA DA CONSUMIDORA COM O CONTRATO. TESE RECHAÇADA, EM VISTA DA FLAGRANTE OFENSA AO DISPOSTO NO ART. 39, III E VI, DO CDC. NAS RELAÇÕES REGIDAS PELA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA, EXIGE-SE ACEITAÇÃO EXPRESSA E PRÉVIA DO CONSUMIDOR. TESE DE QUE A REPETIÇÃO DO INDÉBITO DEVE SE DAR NA FORMA SIMPLES. PARCIALMENTE ACOLHIDA, DE ACORDO COM A MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO PROFERIDA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUANDO DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA N. 676608/RS. RECURSO DA AUTORA. POSTULADA A CONDENAÇÃO DA REQUERIDA AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IMPROCEDÊNCIA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE SITUAÇÃO QUE EXTRAPOLE O MERO ABORRECIMENTO. CONSECTÁRIOS LEGAIS. SENTENÇA EM QUE SE DETERMINOU A INCIDÊNCIA DOS JUROS DE MORA RELATIVOS À INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS (REPETIÇÃO DO INDÉBITO) DESDE A CITAÇÃO. POSTULADA A INCIDÊNCIA DESDE O EVENTO DANOSO. PROCEDÊNCIA, NOS TERMOS DO ENUNCIADO SUMULAR N. 54 DO STJ. RECURSO DA REQUERIDA PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DA AUTORA CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5018026-92.2022.8.24.0018, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. André Carvalho, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 04-07-2023, sem grifos no original).
Assim, mantido o acolhimento do pleito declaratório, incontornável a devolução dos valores indevidamente cobrados.
Repetição
A parte pugna, subsidiariamente, a devolução simples dos valores cobrados.
A respeito da repetição, convém asseverar que o parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor preconiza que "
o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável
".
O Superior Tribunal de Justiça firmou posicionamento, no sentido de que: "
A restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que realizou a cobrança indevida, revelando-se cabível quando a referida cobrança consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva
" (STJ, Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial n. 676.608/RS, Rel. Min. Og Fernandes, j. 21-10-2020, DJe 30-3-2021).
Decidiu-se ainda "
modular os efeitos da presente decisão para que o entendimento aqui fixado seja aplicado aos indébitos não-decorrentes da prestação de serviço público a partir da publicação do acórdão",
esta operada em 30/03/2021.
Significa dizer que, para os descontos anteriores à modulação, prospera a compreensão até então aplicada por este órgão fracionário de que a comprovação de má-fé seria indispensável à recomposição em dobro. Aos descontos posteriores, porém, aplica-se o entendimento de que os abatimentos violam a boa-fé objetiva, atraindo, assim, a devolução dobrada.
Nesse sentido:
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. 10 (DEZ)
CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO IMPUGNADOS NA INICIAL.
SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES.
1. CERCEAMENTO DE DEFESA. PARTE RÉ QUE PRETENDE A EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DIVERSA PARA PROVAR A DISPONIBILIZAÇÃO DE VALORES EM FAVOR DA PARTE AUTORA. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA DA REFERIDA TRANSFERÊNCIA. PARTE AUTORA QUE PRETENDE, A SEU TURNO, A PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL DOCUMENTAL E GRAFOTÉCNICA. PERÍCIA DOCUMENTAL INÚTIL NA HIPÓTESE. EVENTUAL PREENCHIMENTO DO DOCUMENTO EM BRANCO QUE NÃO INDUZ A SUA INVALIDADE. FALSIDADE DE ASSINATURA NÃO AVENTADA DE FORMA EXPRESSA EM RÉPLICA, TORNANDO DESPICIENDA A PERÍCIA GRAFOTÉCNICA. PRELIMINARES AFASTADAS.
2. PRESCRIÇÃO. INCIDÊNCIA DO PRAZO QUINQUENAL PREVISTO NO ART. 27 DO CDC. TERMO INICIAL NA DATA DO ÚLTIMO DESCONTO. PRECEDENTES. TRANSCURSO DO PRAZO PRESCRICIONAL EM RELAÇÃO A 6 (SEIS) DOS 10 (DEZ) CONTRATOS IMPUGNADOS NA EXORDIAL. SENTENÇA MANTIDA NO PONTO.
3. CONTRATOS N. 590270129, 735808112 E 804050086. INSTRUMENTO CONTRATUAL NÃO COLIGIDO AO FEITO. INEXISTÊNCIA DA RELAÇÃO JURÍDICA. SENTENÇA REFORMADA NESSE PARTICULAR.
4. CONTRATO N. 805366937. EXISTÊNCIA DO CONTRATO COMPROVADA PELA CASA BANCÁRIA RÉ. AUSÊNCIA, CONTUDO, DE PROVA DA DISPONIBILIZAÇÃO DOS VALORES CONTRATADOS. INEXIGIBILIDADE DOS DESCONTOS OPERADOS SOBRE O BENEFÍCIO DA PARTE AUTORA.
5. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. DETERMINAÇÃO DE QUE A DEVOLUÇÃO DOS VALORES INDEVIDAMENTE DESCONTADOS DÊ-SE NA FORMA SIMPLES E NA FORMA DOBRADA, A DEPENDER DA DATA EM QUE REALIZADOS. TESE RECENTEMENTE FIXADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RESSARCIMENTO NA FORMA SIMPLES PARA OS DESCONTOS OPERADOS ATÉ 30.03.2021, E NA FORMA DOBRADA PARA OS POSTERIORES A ESSA DATA.
6. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. ATO ILÍCITO RECONHECIDO. DESCONTOS QUE ALCANÇARAM MAIS DE 17% (DEZESSETE POR CENTO) DA MÓDICA RENDA DO CONSUMIDOR. COMPROMETIMENTO À SUBSISTÊNCIA QUE REVELA AFRONTA À ESFERA DE DIREITOS EXTRAPATRIMONIAIS DO AUTOR. INDENIZAÇÃO FIXADA EM R$ 500,00 (QUINHENTOS REAIS). PRECEDENTES.
SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. RECURSOS CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS.
(TJSC, Apelação n. 5002391-76.2021.8.24.0060, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Saul Steil, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 27-09-2022).
Logo, os valores descontados antes de 30/03/2021 devem ser restituídos na forma simples, pois não há prova de má-fé, e os descontados posteriormente a tal data devem ser restituídos na forma dobrada, porque a cobrança sem lastro contratual é suficiente para denotar violação à boa-fé objetiva.
Assim, tendo a sentença aplicado idêntico entendimento, deve ser mantida.
Consectários legais
Os consectários aplicáveis foram assim dispostos:
c) CONDENAR
a parte ré a restituir, de
forma simples
, os valores descontados do benefício previdenciário da autora relativos às parcelas anteriores a
30/03/2021
, e,
em dobro
, os valores descontados posteriormente à referida data, nos termos da fundamentação, corrigidos monetariamente pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a partir do evento danoso (cada desconto indevido - art. 398 do CC e Súmula 54 do STJ), até 29/08/2024, indexadores que, a partir do início da vigência da Lei n.º 14.905/24 (30/08/2024), passarão a incidir unicamente pela taxa referencial SELIC,deduzido o IPCA (art. 389, parágrafo único, e art. 406, § 1º, ambos do CC);
A parte pretende fluam desde a fixação, no que não lhe socorre razão, porque não corresponde ao efetivo prejuízo/evento danoso (Súmulas 43 e 54 do STJ).
Por todo o exposto, o recurso da ré deve ser parcialmente conhecido e, na extensão, desprovido.
Passo ao recurso autoral.
Recurso autoral
O recurso autoral, como dito, comporta conhecimento.
Compensação
Como visto, a parte autora tenciona a reforma do capítulo decisório que autorizou a compensação entre os valores que lhe são devidos a título desta ação e aqueles anteriormente depositados em conta de sua titularidade.
Sem razão razão. Explica-se.
Quando demonstrada a efetiva disponibilização de tal numerário, a medida vindicada é devida, eis que constitui corolário lógico do retorno das partes ao
status quo ante
(art. 182 do CC) e visa evitar o locupletamento da parte acionada (art. 884 do CC).
Em outras e melhores palavras: "
pela declaração de inexistência de relação jurídica entre as partes, a restituição dos valores indevidamente descontados do benefício da requerente é consequência lógica do retorno das partes ao status quo ante, assim como o dever da parte autora em restituir ao banco o valor injustificadamente depositado em sua conta bancária a título de empréstimo, sob pena de enriquecimento ilícito das partes
" (TJSC, Apelação n. 5000325-20.2021.8.24.0256, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Maria do Rocio Luz Santa Ritta, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 21-03-2023).
A corroborar, haure-se da jurisprudência desta Casa de Justiça:
APELAÇÃO CÍVEL. "
AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER E INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA"- RMC
. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DOS REQUERIMENTOS DEDUZIDOS NA PEÇA PORTAL. INCONFORMISMO DO BANCO. PRETENDIDA REFORMA DA SENTENÇA PARA RECONHECER A REGULARIDADE DA PACTUAÇÃO. INACOLHIMENTO. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). PACTO NÃO EXIBIDO. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 6º, III E 52, AMBOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INEXISTÊNCIA DA CONTRATAÇÃO PROCLAMADA, COM DETERMINAÇÃO DE RETORNO DAS PARTES AO STATUS QUO ANTE. SENTENÇA MANTIDO NO VIÉS. [...]
NECESSIDADE, POR OUTRO LADO, DO AUTOR RESTITUIR AO RÉU, DE FORMA SIMPLES, O VALOR QUE RECEBEU A TÍTULO DE EMPRÉSTIMO, CORRIGIDO MONETARIAMENTE DESDE A DATA DO DEPÓSITO. IMPOSSIBILIDADE DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.
POSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS. INTELIGÊNCIA DO ART. 368, DO CÓDIGO CIVIL. SENTENÇA MODIFICADA NO PONTO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. BANCO QUE PUGNA PELO AFASTAMENTO. CHANCELA. DANO MORAL NÃO CARACTERIZADO. PRECEDENTES DESTE COLEGIADO. DECISUM ALTERADO NESTE ASPECTO. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. RECALIBRAGEM IMPERATIVA FACE A MODIFICAÇÃO DO DECISÓRIO. PARTES RECIPROCAMENTE VENCEDORAS E VENCIDAS. RESPONSABILIDADE DISTRIBUÍDA PROPORCIONALMENTE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO (TJSC, Apelação n. 5018254-90.2022.8.24.0075, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. José Carlos Carstens Kohler, Quarta Câmara de Direito Comercial, j. 31-10-2023, grifou-se).
Se não bastasse, embora creditada indevidamente, tais depósitos não se equiparam à amostra grátis (art. 39, parágrafo único, do CDC), de maneira que a parte lesada não pode, simplesmente, apropriar-se desta monta.
A alegação autoral de enriquecimento indevido, ademais, é absolutamente indevida, mormente ambas as partes estejam restituindo o acréscimo patrimonial advindo da contratação declarada inexistente. É evidente que a prescrição, portanto, parte do pressuposto da prova do cumprimento do sinalagma pela ré- o que poderá ser confirmado no cumprimento da sentença.
Com razão, porém, quanto ao pleito subsidiário, mormente não se possa, em casos deste jaez, falar em mora do consumidor. Mantida, portanto, apenas a incidência da correção monetária.
Dano moral
Prosseguindo, a parte acionante afirma que os descontos em disputa ensejaram sofrimento anímico que ultrapassa o liame do mero dissabor, demandando contraprestação pecuniária, inclusive porque tal condenação ostenta caráter pedagógico e sancionador.
Neste ponto, sem razão.
Ora, segundo o escólio de Carlos Roberto Gonçalves: "
Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, a intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos artigos 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação
" (
in Direito Civil brasileiro
. v4: responsabilidade civil. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 388).
E, em definição de Sílvio de Salvo Venosa: "
dano moral é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. Sua atuação é dentro dos direitos da personalidade
" (
in Direito Civil: responsabilidade civil
. Ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 38).
Nesse sentido, esta Corte já decidiu que a presença de "
descontos indevidos no holerite do aposentado, conquanto a ele representem incômodos e insatisfação, não revelam, por si sós, abalo de ordem moral, ainda mais num cenário em que os valores que foram descontados deverão ser restituídos por expressa ordem judicial, isto é, o dano (material) será ressarcido, não havendo sentido em buscar indenização moral como forma de suprir o prejuízo financeiro objetivamente sentido
" (TJSC, Apelação Cível n. 5003727- 55.2019.8.24.0038, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 28-3-2022).
E, embora não se descuide do aborrecimento experimentado pelos consumidores em casos deste jaez, "
tal fato, por si só, não faz presumir a existência de dano moral indenizável, sobretudo à falta de prova de evento grave que possa expor a vítima à humilhação, vexame ou abalo psicológico significativo
" (TJSC, Apelação Cível n. 0301583-51.2015.8.24.0074, rel. João Batista Goés Ulysséa, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 8-3-2018).
O entendimento foi, inclusive, confirmado em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, no âmbito do Grupo de Câmaras de Direito Civil desta Corte (Tema 26),
in verbis
:
1) INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. RISCO DE OFENSA À ISONOMIA E À SEGURANÇA JURÍDICA. REQUISITOS DOS INCISOS I E II DO ART. 976 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL QUE FORAM OBJETO DE ANÁLISE POR OCASIÃO DA ADMISSIBILIDADE DO INCIDENTE. DESCONTO INDEVIDO DE VERBA QUE, "IPSO FACTO", NÃO ENSEJA VIOLAÇÃO A ELEMENTO DA PERSONALIDADE, À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA OU A INTERESSE EXISTENCIAL DO INDIVÍDUO. RECONHECIMENTO DO DANO MORAL QUE DEPENDE DE ANÁLISE INDIVIDUALIZADA DO CASO CONCRETO. NATUREZA ALIMENTAR DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO QUE, EMBORA DECORRA DO CONCEITO DE DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, NÃO AUTORIZA O IMEDIATO RECONHECIMENTO DE RISCO À SUBSISTÊNCIA. REITERAÇÃO DE CONDUTAS QUE DEVEM SER LEVADAS EM CONSIDERAÇÃO PARA FINS DE EVENTUAL FIXAÇÃO DO MONTANTE DE INDENIZAÇÃO, CASO A CASO. SUPOSTA VIOLAÇÃO DE DADOS PESSOAIS, NO ÂMBITO DA LEI N. 13.709/18, QUE SEQUER FEZ PARTE DAS ASSERTIVAS DA BENEFICIÁRIA, NEM MESMO INTEGROU A ADMISSIBILIDADE DO INCIDENTE. TESE JURÍDICA FIRMADA: "NÃO É PRESUMIDO O DANO MORAL QUANDO O DESCONTO INDEVIDO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DECORRER DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO DECLARADO INEXISTENTE PELO PODER JUDICIÁRIO".
2) JULGAMENTO DO CASO CONCRETO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE CONTRATO C/C RESTITUIÇÃO EM DOBRO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA AUTORA. ADMISSIBILIDADE. PRETENDIDA REDISCUSSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. QUESTÃO DECIDA EM INTERLOCUTÓRIO ANTERIOR E NÃO RECORRIDO. TEMÁTICA PRECLUSA. RAZÕES DO APELO QUE ENFRENTAM ADEQUADAMENTE O CAMINHO INTELECTIVO PERCORRIDO PELO JUÍZO SINGULAR E AUTORIZAM O AFASTAMENTO DA AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE DEDUZIDA NAS CONTRARRAZÕES. MÉRITO. ALEGADO DESACERTO DA DECISÃO RECORRIDA. SUBSISTÊNCIA PARCIAL. REQUERIDA QUE DEIXOU DE RECOLHER OS HONORÁRIOS DA PERÍCIA GRAFOTÉCNICA. PROVA ESSENCIAL PARA AFERIR A AUTENTICIDADE DAS ASSINATURAS LANÇADAS NOS DOCUMENTOS JUNTADOS COM A CONTESTAÇÃO, SOBRETUDO DIANTE DA IMPUGNAÇÃO REALIZADA PELA AUTORA. INTELIGÊNCIA DO TEMA 1.061 DO STJ. CONTRATOS ACOSTADOS PELA RECORRIDA QUE, ADEMAIS, TRATAM DE RELAÇÕES JURÍDICAS DISTINTAS E NÃO SERVEM AO AFASTAMENTO DA PRETENSÃO DECLARATÓRIA. RESTITUIÇÃO DOS VALORES QUE DEVE SER SIMPLES, EM OBEDIÊNCIA À MODULAÇÃO IMPOSTA PELO STJ NO EARESP N. 600.663/RS. AUSÊNCIA DE PROVA DA AFETAÇÃO DE ELEMENTO DA PERSONALIDADE OU DE QUALQUER OUTRA CIRCUNSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. AUTORA QUE CHEGOU A LEVAR QUASE DEZ ANOS PARA PERCEBER OS DESEMBOLSOS EM SEU BENEFÍCIO. DANO MORAL INEXISTENTE. NECESSÁRIO AFASTAMENTO DAS PENAS DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. REDISTRIBUIÇÃO DA SUCUMBÊNCIA. SEM FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO EM PARTE. (TJSC, Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (Grupo Civil/Comercial) n. 5011469-46.2022.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Marcos Fey Probst, Grupo de Câmaras de Direito Civil, j. 9-8-2023).
A teor de tal precedente, de força obrigatória (art. 927, inc. III, do CPC), é preciso que os descontos operados denotem abalo à honra, imagem, moral, bom nome ou psique que ultrapasse o mero dissabor comezinho da vida em sociedade, não se fazendo presumir o abalo anímico pela mera ação fraudulenta ou simplesmente pela natureza da verba de que foram deduzidos.
Dos autos, porém, não exsurge a ocorrência de dano moral à parte autora, já que não restaram demonstrados efeitos excepcionais decorrentes do ato ilícito.
No caso concreto, os descontos, de acordo com afirmação da própria parte autora na inicial, foram de R$ 13,20 (treze reais e vinte centavos) e o valor do seu benefício previdenciário é de R$ 1.320,00 (um mil trezentos e vinte reais).
Nessa moldura, o valor dos abatimentos não permite, por si, a conclusão de comprometimento financeiro excepcional, mesmo à luz da hipossuficiência da parte.
Ademais, os descontos começaram em 03/2019 e a ação foi proposta em 11/2023 - interregno de tempo que tampouco corrobora a indispensabilidade do numerário.
Logo, tal situação, conquanto desagradável e passível de repreensão, por si e sem demonstração outra não tem o condão de ensejar prejuízo de cunho anímico.
Anote-se, derradeiramente, que o caráter pedagógico da indenização tampouco justifica a cominação, eis que, como dito, não restou demonstrado a contento o abalo anímico indenizável.
Assim decide esta Corte:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO REQUERIDO. SUSTENTADA A AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO. RELAÇÃO CONTRATUAL ENTRE OS LITIGANTES NÃO COMPROVADA. DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO QUE SE AFIGURAM INDEVIDOS. PLEITO PARA AFASTAMENTO DA REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. INVIABILIDADE. EXEGESE DO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DESCONTOS SEM RESPALDO CONTRATUAL. NEGLIGÊNCIA DO BANCO NO MOMENTO DA IMPLEMENTAÇÃO DO DESCONTO. ERRO INJUSTIFICÁVEL. CONDENAÇÃO MANTIDA.ABALO MORAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO NO CASO CONCRETO. DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO QUE, ISOLADAMENTE, NÃO ENCERRAM DANO ANÍMICO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE GRAVE IMPACTO AO ORÇAMENTO. INEXISTÊNCIA DE CONSEQUÊNCIAS LESIVAS À DIGNIDADE OU AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE DA RECORRIDA. LESÃO EXTRAPATRIMONIAL NÃO EVIDENCIADA. REPARAÇÃO AFASTADA.SUCUMBÊNCIA. REDISTRIBUIÇÃO ANTE A REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA. CONTENDORES RECIPROCAMENTE VENCEDORES E VENCIDOS. APLICAÇÃO DO ART. 86, DA LEI N. 13.105/2015. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ARBITRADOS NA FORMA DO ART. 85, § 2º, DO DIPLOMA LEGAL APONTADO. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 5009520-61.2021.8.24.0019, rel. Desa Rosane Portella Wolff, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 14-7-2022).
E, também, este colegiado:
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E COMPENSATÓRIA DE DANOS MORAIS. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTOS OPERADOS NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DA PARTE AUTORA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES. (I) EXISTÊNCIA E REGULARIDADE DOS CONTRATOS CONTROVERTIDOS NÃO DEMONSTRADAS. ASSINATURA CONSTANTE NOS CONTRATOS EXIBIDOS PELA RÉ QUE TEVE SUA AUTENTICIDADE IMPUGNADA LOGO APÓS SUA APRESENTAÇÃO. CIRCUNSTÂNCIA QUE FAZ CESSAR A FÉ DOS DOCUMENTOS PARTICULARES. INTELIGÊNCIA DO ART. 428, INC. I, DO CPC. ÔNUS DE COMPROVAR A AUTENTICIDADE DA FIRMA QUE INCUMBE À CASA BANCÁRIA. ENTENDIMENTO FIRMADO PELO STJ EM JULGAMENTO DE RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (TEMA 1.061). DEMANDADA QUE NÃO POSTULOU A REALIZAÇÃO DE PERÍCIA GRAFOTÉCNICA. SENTENÇA MANTIDA NO PONTO. "Na hipótese em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em contrato bancário juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a sua autenticidade" (CPC, arts. 6º, 368 e 429, II)" (REsp 1846649/MA, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, j. 24-11-2021). (II) REPETIÇÃO DO INDÉBITO. SENTENÇA QUE CONDENOU RÉ À RESTITUIÇÃO, NA FORMA SIMPLES, DAS PARCELAS DESCONTADAS DO BENEFÍCIO DA PARTE AUTORA. MANUTENÇÃO. AUSÊNCIA DE INSURGÊNCIA AUTORAL NO PONTO. INCABÍVEL ALTERAÇÃO, SOB PENA DE CONFIGURAR-SE REFORMATIO IN PEJUS EM DESFAVOR DA DEMANDADA, TAMBÉM RECORRENTE. (III) COMPENSAÇÃO DE VALORES AUTORIZADA PELO JUÍZO, INSUBSISTÊNCIA. INVALIDADE DA CONTRATAÇÃO E AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE QUE VALORES FORAM VERTIDOS EM FAVOR DA PARTE AUTORA. PROVIMENTO DO RECLAMO NO PONTO. (IV)
DANO MORAL. NÃO OCORRÊNCIA. DESCONTOS QUE NÃO SE REVELAM CAPAZES DE OFENDER OS DIREITOS DE PERSONALIDADE DA CONSUMIDORA. MERO ABORRECIMENTO. PRECEDENTES DA CÂMARA. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE. REFORMA DA SENTENÇA NO PARTICULAR.
"[...] descontos indevidos em conta corrente não ensejam a presunção de dano moral" (TJSC, Apelação Cível n. 2016.021928-2, de Balneário Camboriú, rel. Des. Tulio Pinheiro, j. 19-05-2016), de modo que eventual caracterização de abalo moral indenizável depende do exame das peculiaridades de cada caso. [...]" (TJSC, Apelação Cível n. 0303201-70.2015.8.24.0061, de São Francisco do Sul, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, j. 25.10.2016). SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. RECURSOS CONHECIDOS E AMBOS PARCIALMENTE PROVIDOS. (TJSC, Apelação Cível n. 5000502-81.2021.8.24.0256, rel. Des Saul Steil, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 30-8-2022, destacou-se).
Distribuição dos ônus sucumbenciais
Derradeiramente, a parte acionante pretende a modificação do capítulo decisório que procedeu à distribuição dos ônus sucumbenciais, asseverando que tais encargos devem ser suportados exclusivamente pela ré, por ter sucumbido em parcela mínima.
Sem razão.
É que, no ordenamento pátrio prevalece, enquanto regra geral, o princípio da sucumbência, segundo o qual: "
a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor
" (art. 85,
caput
, do CPC).
Assim, preceitua o art. 86 do CPC que "
se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido, serão proporcionalmente distribuídas entre eles as despesas
".
Em casos tais, "
o princípio da razoabilidade reza que tanto é vencido em parte quem não ganhou parte do que pediu, quanto é vencedor em parte quem não foi condenado no todo pedido"
(NERY JÚNIOR, Nelson.
Código de Processo Civil Comentado
. 19 ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 356).
Acerca do tema, Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini professam:
[...] a sucumbência recíproca é a situação em que nenhuma das partes obteve exatamente o que queria, mas ambas foram parcialmente satisfeitas. [...] Por exemplo, A intenta ação contra B, pleiteando a cobrança de R$ 100.000,00. O juiz condena B a pagar R$ 90.000,00. Há sucumbência recíproca: A foi derrotado em R$ 10.000,00; B, em R$ 90.000,00. Quando isso acontece, ambas as partes podem recorrer, para impugnar, cada uma delas, a respectiva parte em que foi derrotada (WAMBIER, Luiz; TALAMINI, Eduardo.
Curso Avançado de Processo Civil
- Vol. 2 - Ed. 2022. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2022).
Nesta perspectiva: "
Havendo pluralidade de vencedores, os honorários da sucumbência deverão ser partilhados entre eles, na proporção das respectivas pretensões
" (STJ, AgRg no Ag 1241668/RS, Rel. Ministro Og Fernandes, DJe 11/05/2011) e "
Verificada a existência de sucumbência recíproca, os honorários e ônus decorrentes devem ser distribuídos adequada e proporcionalmente, levando-se em consideração o grau de êxito de cada um dos envolvidos, bem como os parâmetros dispostos no art. 85, § 2º, do CPC/2015
" (STJ. 4ª Turma. EDcl no AgInt nos EDcl no AREsp 1553027-RJ, Rel. Min. Marco Buzzi, j. 03/05/2022).
Ao discorrer sobre a distribuição dos ônus da contenda, o juízo a quo aplicou a exegese do parágrafo único do art. 86 do CPC, segundo o qual: "
Se um litigante sucumbir em parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e pelos honorários".
Fábio Araújo bem elucida a dita
mens legis
:
A sucumbência recíproca não se confunde com a sucumbência mínima (art. 86, parágrafo único, do CPC). Fala-se em sucumbência mínima quando uma das partes decai em parcela insignificante do pedido, que não justifica a imputação de sucumbência recíproca. O conceito de “parte mínima do pedido” é tormentoso. Ele deve ser avaliado no caso concreto. Um dos parâmetros utilizados pela jurisprudência é a correlação entre a quantidade de pedidos formulados e sua improcedência (ARAÚJO, Fabio. Curso de Processo Civil - Ed. 2023. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2023).
Convém lembrar que "
A jurisprudência do STJ está pacificada no sentido de adotar, como critério norteador para a distribuição das verbas de sucumbência, o número de pedidos formulados e atendidos' (EDcl no REsp 953.460/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/08/2011, DJe de 19/08/2011)
" (STJ, AgInt no AREsp: 1872628 SP 2021/0105775-6, rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, j. 29-11-2021, DJe 09-12-2021).
Tenho que não há falar em decaimento mínimo da autora apto a deslocar a sucumbência integralmente à parte ré.
É que a parte autora deflagrou a presente contenda visando ao acautelamento dos seguintes pedidos: (i) anulação do contrato; (ii) repetição dobrada do indébito e; (iii) ressarcimento anímico.
Assim, vê-se que decaiu de parcela que não pode ser tida como mínima, nada havendo a se reparar na sentença a tal título.
Honorários recursais
Rememora-se que o provimento do recurso, ainda que parcial, redunda no descabimento de honorários sucumbenciais recursais (
ex vi
do Tema Repetitivo n. 1.059 do STJ e EDcl no AgInt no REsp 1.573.573/RJ).
O desprovimento do recurso da ré enseja a fixação de honorários recursais em favor do patrono autoral, o que faço em 2% sobre o valor da condenação.
Ante o exposto, (i) conheço parcialmente, e, na extensão, desprovejo o recurso da ré, fixando honorários recursais; (ii) conheço e provejo parcialmente o recurso autoral, a fim de afastar a incidência de juros sob o montante a ser restituído pelo consumidor.
Publique-se. Intimem-se.
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