Processo nº 5034244-57.2023.8.08.0035
ID: 342825379
Tribunal: TJES
Órgão: Vila Velha - Comarca da Capital - 4ª Vara Criminal - Tribunal do Júri
Classe: AçãO PENAL DE COMPETêNCIA DO JúRI
Nº Processo: 5034244-57.2023.8.08.0035
Data de Disponibilização:
05/08/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ARTUR DAVID DEPIZZOL DOS SANTOS
OAB/ES XXXXXX
Desbloquear
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Vila Velha - Comarca da Capital - 4ª Vara Criminal - Tribunal do Júri Rua Doutor Annor da Silva, 191, Fórum Desembargador Annibal de Athayde Lima, B…
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Vila Velha - Comarca da Capital - 4ª Vara Criminal - Tribunal do Júri Rua Doutor Annor da Silva, 191, Fórum Desembargador Annibal de Athayde Lima, Boa Vista II, VILA VELHA - ES - CEP: 29107-355 Telefone:(27) 31492743 PROCESSO Nº 5034244-57.2023.8.08.0035 AÇÃO PENAL DE COMPETÊNCIA DO JÚRI (282) AUTORIDADE: POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO ESPIRITO SANTO REU: KAYKY DE OLIVEIRA Advogado do(a) REU: ARTUR DAVID DEPIZZOL DOS SANTOS - ES39313 SENTENÇA Trata-se de Ação Penal Pública proposta em face de KAYKY DE OLIVEIRA, imputando-lhe a prática dos crimes tipificados no art. 121, § 2º, VII, c/c o art. 14, II (por duas vezes), ambos do Código Penal, e dos delitos conexos previstos no art. 14 da Lei 10.826/03, art. 33, caput, da Lei 11.343/06, art. 330 do Código Penal e art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro. Narra a exordial acusatória: “Depreende-se dos autos, que no dia 16 de novembro 2023, por volta das 15h00min, na Rua Professor Telmo de Souza Torres, bairro Praia da Costa, em Vila Velha/ES, na alça da ponte sentido Itapoã, o denunciado Kayky de Oliveira, com intenção matar, tentou atropelar os policiais PCDP/PCES Christhian Carvalho Waichert e o PCIP/PCES Maurício de Souza Machado que somente não vieram à óbito por motivos alheios à vontade do denunciado, uma vez que o policial/vítima Christhian, fazendo uso de uma carabina, efetuou dois disparos, levando Kayky a fugir do local. Na data dos fatos, as vítimas, Policiais Civis, Christhian e Mauricio acompanhados de outros policiais, deflagraram uma operação visando localizar Kayky e dar cumprimento a um mandado de prisão de homicídio em desfavor do mesmo. Após informações recebidas de onde o denunciado Kayky se encontrava, se dirigiram ao local e ficaram de campana. Algum tempo após, o indiciado apareceu e se dirigiu ao veículo Toyota Etios hacth branco que estava estacionado, momento em que os policiais deram ordem de parada, que não foi obedecida. Ato contínuo o denunciado Kayky objetivando fugir do local jogou o veículo sobre as vítimas visando atingi-las, conseguindo em seguida escapar, vindo a colidir logo após com um veículo; momento em que parou o seu veículo e se entregou. Na abordagem realizada no interior do veículo foi encontrado arma e drogas, relacionadas no auto de apreensão nº 308.3.00602/2023, à fls. 21. As vítimas, policiais civis, estavam no exercício de sua função e são autoridades/agentes descritos no art. 144, V, da Constituição Federal. Autoria e materialidade comprovadas pelos depoimentos das vítimas e das testemunhas ouvidas.” A peça vestibular foi instruída com o Inquérito Policial nº 245/2023, que contém, dentre outros elementos: o Auto de prisão em flagrante delito, conforme ID 34685671; declarações testemunhais, as fls 11/19; o auto de apreensão de arma de fogo e drogas, as fls. 21; audiência de custódia, as fls. 27; relatório de informação, as fls. 31/50; o relatório final de inquérito, as fls. 53/59, todos estes últimos do ID 34685672; e o Laudo de Exame de Arma de Fogo e Material, conforme o ID 43595551. A denúncia foi recebida em sede de ID 35622667 , ocasião em que a prisão em flagrante do acusado foi convertida em preventiva. O acusado KAYKY DE OLIVEIRA foi devidamente citado, conforme o ID 36858403, apresentando Resposta à Acusação por meio de advogado constituído, em sede de ID 39468829. A Audiência de Instrução e Julgamento foi realizada em 27 de maio de 2024, conforme ata disposta no ID 43806126, ocasião em que foram inquiridas as vítimas Christhian Carvalho Waichert e Mauricio de Souza Machado, e as testemunhas Andrielly Degan Passos, Antonio Francisco dos Santos, Alex Vilela Santana, Fábio Hastenreiter e Rodnes Soneguete. Após, o acusado foi interrogado. O Ministério Público apresentou Memoriais em sede de ID 44609778, requerendo a pronúncia do acusado nos termos da denúncia. A Defesa, por sua vez, apresentou Alegações Finais no ID 72752783, requerendo a absolvição do acusado quanto aos crimes de tentativa de homicídio; subsidiariamente, a desclassificação para desobediência ou resistência; a absolvição quanto aos crimes de tráfico e porte de arma; o reconhecimento da ausência de dolo no crime de direção perigosa; e, por fim, a não pronúncia em relação aos crimes dolosos contra a vida. É o breve relatório. Decido. A presente decisão limita-se a um juízo de admissibilidade da acusação, nos termos do art. 413 do Código de Processo Penal. Para que o réu seja pronunciado, não se exige a certeza da condenação, mas sim a demonstração da materialidade delitiva e a presença de indícios suficientes de autoria ou participação, vigendo nesta fase o princípio in dubio pro societate. A materialidade delitiva e os indícios suficientes de autoria restam devidamente comprovados nos autos, extraindo-se um conjunto probatório coeso e contundente a partir dos depoimentos prestrados em Audiência de Instrução e Julgamento dos agentes policiais que participaram da operação, os quais foram uníssonos e harmônicos em descrever detalhadamente a dinâmica dos fatos e a deliberada ação do acusado contra as equipes. O Policial Civil Christian Carvalho Waichert, vítima e condutor da abordagem, narrou em juízo: “QUE, no dia dos fatos, participou de uma operação policial para cumprir dois mandados de prisão contra alvos envolvidos na guerra do tráfico entre os bairros Concrevit e Boa Vista; QUE a operação foi montada com urgência, pois os mandados haviam sido expedidos sem sigilo e havia o risco de os alvos fugirem; QUE, com o apoio da Sejus, foram informados de que um dos alvos, o acusado Caíque, estaria escondido próximo ao McDonald's; QUE se deslocaram para o local em três viaturas, duas descaracterizadas e uma caracterizada, que ficou mais afastada; QUE, ao chegarem à quadra indicada, avistaram um carro parado com um indivíduo do lado de fora, que não foi imediatamente identificado como sendo o alvo; QUE, após cerca de 5 a 10 minutos de monitoramento, o indivíduo abriu a porta do carro, momento em que a equipe notou uma tornozeleira eletrônica em sua perna e um movimento na cintura, como se estivesse armado; QUE, de imediato, prosseguiram com a viatura para realizar a abordagem, já se identificando como policiais e ordenando que ele parasse; QUE a outra viatura descaracterizada, que vinha atrás, avistou outros dois indivíduos mais à frente e prosseguiu para abordá-los; QUE, ao descer do veículo, o depoente ordenou novamente que o acusado parasse, mas este não obedeceu e começou a dar ré com o carro, colidindo com a viatura da equipe; QUE se posicionou na frente do carro do acusado, com a arma em punho, ordenando que ele parasse, mas o réu jogou o veículo em sua direção, forçando o depoente a desviar para não ser atingido; QUE, diante da agressão e da fuga em direção a outros policiais, foi necessário efetuar disparos de arma de fogo; QUE o acusado conseguiu manobrar e fugir em direção à alça da Terceira Ponte; QUE, ao retomar o contato visual, já na alça da ponte, avistou o veículo do acusado acidentado no final do trajeto; QUE, ao se aproximar, o acusado estava fora do carro com um bebê no colo, o qual o depoente prontamente segurou para verificar seu estado de saúde; QUE o acusado alegou ter sido atingido por estilhaços, sendo providenciado socorro para ele; QUE a mulher que estava no carro, identificada como esposa do acusado, foi retirada e informou que estava bem; QUE outros policiais no local informaram que havia arma e droga dentro do veículo, sendo o local isolado para a perícia; QUE uma equipe prestou socorro ao acusado enquanto outra deu continuidade à operação para cumprir os mandados de busca e apreensão, dos quais o depoente não participou; QUE permaneceu no local do acidente até a chegada da perícia e depois se dirigiu à delegacia; QUE, perguntado se o carro do acusado estava parado no momento da abordagem, respondeu que sim, não estava em movimento; QUE, perguntado sobre suas vestimentas, respondeu que utilizava colete e uniforme da Polícia Civil, assim como os demais policiais, devido à periculosidade do alvo e à grande probabilidade de confronto armado; QUE, perguntado se o acusado já estava dentro do veículo quando recebeu a ordem de parar, respondeu que ele tinha acabado de entrar; QUE, perguntado se o acusado conseguia vê-lo através do para-brisa, respondeu que sim, claramente; QUE, mesmo com a visualização clara dos policiais, o acusado deu ré, colidiu com a viatura e, quando o depoente se postou à sua frente, o acusado jogou o carro em sua direção para conseguir escapar, pois estava cercado e não teria conseguido sair de outra forma; QUE, perguntado se foi atingido pelo veículo, respondeu que não; QUE, perguntado se estava sozinho na frente do carro, respondeu que sim, mas que havia outros dois policiais posicionados na parte de trás do veículo do acusado; QUE, perguntado sobre a perseguição, esclareceu que foi a outra equipe que a realizou, pois a viatura do depoente estava mais atrás e a outra, mais à frente, conseguiu iniciar o acompanhamento; QUE, perguntado se a viatura que realizou a perseguição era caracterizada, respondeu que era descaracterizada, mas estava com o giroflex ligado; QUE, perguntado sobre o que viu ao chegar ao local do acidente, respondeu que o acusado já estava fora do carro com o bebê no colo e sua preocupação inicial foi com a criança; QUE, após retirarem a esposa do acusado do veículo, os policiais informaram da existência de arma e droga, o que o depoente chegou a ver; QUE, perguntado sobre a localização da arma, respondeu que ela estava entre os dois bancos dianteiros; QUE, perguntado se havia drogas no carro, respondeu que sim, tendo visto uma bucha de maconha; QUE, perguntado sobre o resultado da busca e apreensão na residência do acusado, da qual não participou, respondeu que sim, foram encontrados materiais para o preparo de drogas e uma balança de precisão; QUE, perguntado sobre a origem do mandado de prisão, confirmou que era desta Quarta Vara Criminal, referente a um homicídio ocorrido dias antes em uma distribuidora em Santa Mônica; QUE, perguntado sobre o encaminhamento da companheira do acusado e da criança, respondeu que a companheira foi levada à delegacia e que a criança, acredita, foi entregue a um parente; QUE, perguntado sobre o estado emocional da companheira do acusado, respondeu que não a ouviu na delegacia, mas que se lembra que, no local do acidente, ela estava extremamente revoltada com o acusado por ter colocado a vida dela e da criança em risco, e que ela dizia aos populares: "Era polícia, ele sabia que era polícia, Eu mandei ele parar e ele não quis parar. Eu mandei ele parar; QUE, afirmou que a DHPP já tinha certeza de sua participação em um homicídio ocorrido em Santa Mônica; QUE a guerra entre os grupos de Concrevit e Boa Vista representava um grande risco para a população, pois a área de conflito incluía locais de grande circulação como o Fórum, a UVV e o Shopping; QUE a polícia havia recebido diversas denúncias de que Caíque portava arma de fogo e efetuava disparos em via pública, e que, em uma ocasião anterior, ele conseguiu se evadir de uma abordagem da Força Tática; QUE, perguntado pela Defesa se houve troca de tiros no momento em que o acusado foi alvejado, respondeu que não; QUE o acusado jogou o carro para cima do depoente e em direção aos outros policiais; QUE, com o intuito de cessar essa agressão e por receio de que o acusado atropelasse os policiais, efetuou dois disparos de fuzil em direção ao pneu do carro; QUE acredita que um dos projéteis ricocheteou no chão e atingiu o acusado, o que o fez desviar sua rota; QUE, perguntado se outro policial de sua equipe efetuou disparos, respondeu que acredita que não, que apenas o depoente atirou, pois agiu rapidamente e logo em seguida correu para entrar na viatura que estava atrás” (grifo nosso) Corroborando a narrativa, o Policial Civil Maurício de Souza Machado, também vítima no evento, declarou: “QUE percebeu que o acusado não obedeceu à voz de parada dada pela primeira equipe; QUE, por estar mais à frente, o depoente também deu voz de parada ao acusado, mas este não obedeceu e veio com o veículo em velocidade considerável em sua direção; QUE, após ser efetuado um disparo pela outra equipe, o veículo do acusado desviou e seguiu em direção à alça da ponte, sendo abordado mais à frente; QUE, perguntado se o carro do acusado estava parado no início da abordagem, respondeu que sim; QUE, perguntado sobre as vestimentas da equipe, respondeu que todos estavam uniformizados, com coletes balísticos com a identificação da Polícia Civil; QUE, perguntado se de sua posição conseguia ver a abordagem realizada pela equipe do policial Christian, respondeu que sim, mas que tudo ocorreu muito rápido; QUE, sobre o posicionamento da outra equipe, declarou que, pelo que pôde ver, tentaram cercar o carro, com o policial Christian mais à frente e outros policiais atrás; QUE, perguntado se perdeu o veículo de vista após a fuga, respondeu que não, pois o carro veio em sua direção; QUE, após o acusado passar por si, o depoente entrou na viatura com o Delegado Tarek e o policial Fábio e iniciaram a perseguição, com a sirene e o giroflex ligados; QUE, na curva da descida da alça da ponte, viu que o acusado perdeu o controle do veículo, colidiu com outro carro e parou; QUE, ao chegarem ao local do acidente, o acusado desceu do carro com uma criança no colo, em gesto de rendição; QUE realizaram a abordagem, constataram que havia também uma mulher no veículo, que seria sua companheira, e detiveram o acusado; QUE, após verificarem que a criança estava bem, puderam ver uma arma entre os bancos dianteiros, momento em que foi dada voz de prisão; QUE, perguntado sobre a localização da arma, respondeu que estava entre os bancos; QUE, perguntado se foi encontrada droga no interior do veículo, respondeu que não se recorda; QUE, perguntado se sua equipe cumpriu o mandado de busca, respondeu que sim, posteriormente, na casa do acusado Caíque; QUE, sobre o resultado da busca, afirmou que encontraram material para embalo de droga e uma quantidade razoável de entorpecentes; QUE, perguntado sobre o estado emocional da companheira do acusado no local, respondeu que ela estava bem nervosa com a situação da perseguição; QUE, lido em audiência o seu depoimento prestado em sede policial, confirmou integralmente os termos.” (grifo nosso) No mesmo sentido, o Policial Civil Alex Vilela Santana, que integrava uma das equipes, afirmou: “QUE viram o acusado do lado de fora de um carro e, no momento em que ele foi entrar no veículo, notaram um volume em sua cintura; QUE a equipe desembarcou para a abordagem, com todos os policiais uniformizados com coletes balísticos da Polícia Civil, apesar de estarem em viaturas descaracterizadas; QUE, nessa hora, o policial Christian se identificou e pediu para que ele saísse do carro; QUE o acusado jogou o carro para cima do policial Christian; QUE o policial Christian teve a impressão, depois confirmada, de que o acusado estava segurando uma arma enquanto dirigia; QUE, após a investida contra o primeiro policial, o acusado jogou o carro em direção à outra equipe, onde estavam os policiais Maurício, Tarek e Fábio, mirando no policial Maurício; QUE foi nesse momento que o policial Christian, para tentar reverter a situação, efetuou dois disparos para ver se ele parava; QUE o acusado seguiu pela alça da Terceira Ponte, perdeu o controle do carro no final, em uma curva bem acentuada, e colidiu, momento em que já desceu do veículo se rendendo; QUE a esposa e uma criança estavam dentro do carro; QUE a esposa do acusado afirmou no local, e também em seu depoimento na delegacia, que disse para ele parar o carro e descer, pois era a polícia, mas ele respondeu que não iria descer e jogou o carro para cima dos policiais; QUE, ao vistoriarem o carro, viram que havia uma arma dentro; QUE, perguntado pela Defesa sobre a localização da arma, respondeu que acredita que estava junto ao freio de mão, no meio do carro; QUE, perguntado pelo Ministério Público se o carro estava parado no início da abordagem, respondeu que sim, e que a viatura parou atrás do veículo dele no momento em que ele entrou, e já deram a ordem para descer; QUE, perguntado sobre seu posicionamento e visibilidade, respondeu que estava do lado de fora, mais para a lateral e atrás do veículo do acusado, e que era possível ver o policial Christian, que estava na lateral do carro, na rua, no momento em que Caíque jogou o veículo contra ele; QUE, perguntado se haveria a chance de o acusado não ter visto o policial Christian, respondeu que não havia chance, pois a abordagem já tinha sido iniciada e sinalizada, reforçando que a própria esposa do acusado confirmou ter dito a ele: "desce, que é polícia"; QUE confirmou ter visto o momento em que o acusado jogou o veículo também na direção do policial Maurício, pois ocorreu na mesma hora e ele estava ao lado; QUE, perguntado se atirou, respondeu que não, que apenas o policial Christian efetuou disparos; QUE, perguntado novamente sobre a declaração da companheira do acusado, afirmou que acredita que ela falou no local do fato, no desespero por estar com a criança no colo, e que também confirmou a informação em sua oitiva na delegacia; QUE, perguntado se participou das buscas e apreensões nas residências, respondeu que não, pois ficou com o policial Christian no local do acidente aguardando a perícia chegar; QUE, confirmou a autoria do relatório constante nas folhas 62 a 99 dos autos, e, questionado sobre os diversos boletins de ocorrência anteriores juntados, esclareceu que eles servem para indicar a periculosidade do acusado, que está no "movimento" desde muito cedo, se não se engana, desde os 13 anos; QUE o acusado tem muitas passagens no sistema criminal e está na vida criminosa na Concrevit há muito tempo, liderando o tráfico ali junto com Marcelo.” (grifo nosso) A testemunha Policial Civil Rodnes do Nascimento Soneguete, que também participou da operação, relatou: “QUE se posicionou mais ao fundo do carro do acusado Caíque; QUE a equipe estava monitorando o acusado por meio da tornozeleira eletrônica e conseguiu sua localização; QUE, ao chegarem no local, avistaram o acusado de longe, com um volume na cintura, e o viram entrar no carro; QUE a equipe cercou o veículo, com todos os policiais identificados com coletes da Polícia Civil, e deram ordem para que ele saísse para os procedimentos de praxe; QUE o acusado não obedeceu, ficando ali, movimentando o carro para trás e para frente; QUE o depoente e o policial Alex estavam mais atrás do veículo, enquanto o policial Christian estava mais à frente; QUE, em certo momento, o acusado jogou o carro para cima do Delegado Christian, que conseguiu desviar; QUE, em seguida, o acusado dirigiu o carro em direção à outra equipe, que estava posicionada mais à frente, na direção do policial Maurício, com a intenção de atropelá-lo; (...) QUE, perguntado se havia a possibilidade de o acusado não ter visto que se tratava de uma abordagem policial, respondeu que não, que com certeza ele viu; QUE reforçou essa afirmação relatando que, no local do acidente, conversou com a esposa do acusado e ela lhe disse: "Eu falei com ele que era polícia, que não era para ele fazer aquilo que ele fez"; QUE, perguntado se já conhecia o acusado de outras investigações, respondeu que, embora não atue diretamente na área dele, já tinha ouvido falar muito de Caíque na delegacia, por ser um dos chefes do tráfico da região do Concrevit, por ter diversas passagens pela justiça e por estar sempre armado.” (grifo nosso) Por fim, o Policial Civil Fábio Luiz Leite Rastainhaite, que auxiliou na perseguição e no socorro, esclareceu: “QUE se recorda dos fatos e estava presente na operação; QUE fazia parte da equipe do Delegado Tarek; QUE, no momento da abordagem inicial, estava de costas para a equipe do policial Christian, pois vigiava outra pessoa nas proximidades; QUE ouviu gritos de "cuidado, cuidado, cuidado", olhou para trás rapidamente e, logo em seguida, ouviu um disparo e viu o carro do acusado saindo em disparada; QUE pôde observar que o carro foi em direção ao policial Maurício, que "ficou até branco de susto na hora";” (grifo nosso) A Defesa sustenta teses que visam à impronúncia ou à desclassificação da conduta. Contudo, os argumentos apresentados, nesta fase processual, não merecem prosperar. Primordialmente, no que pese a Defesa do acusado ter dito que “deixar de acolher a tese desclassificatória para garantir uma suposta competência do Conselho de Sentença iria contra a própria essência do Júri”, este não é o entendimento seguido pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Espírito Santo, que diz, entre outras decisões, que “Na pronúncia não se faz necessário um juízo de certeza acerca da existência e da autoria do crime, sendo bastante a verificação de indícios, já que todas as acusações que tenham ao menos possibilidade de procedência deverão ser submetidas ao Tribunal do Júri, juiz natural da causa. (RESE nº 0000202-31.2013.8.08.0031, Primeira Câmara Criminal, Rel. Des. Willian Silva, j. 22/07/2020, DJe 01/10/2020). Em prosseguimento, Defesa argumenta que o acusado agiu por medo e perturbação, sem a intenção de matar (animus necandi), e que a ausência de lesões nos policiais reforça a tese de uma mera manobra de fuga. Ocorre que a análise aprofundada acerca do dolo do agente é matéria de mérito, cuja competência constitucional é do Tribunal do Júri. Há nos autos versão probatória que sustenta a narrativa acusatória, notadamente os diversos relatos da dinâmica dos fatos de que o acusado teria jogado o veículo na direção dos policiais, com o ânimo de atingi-los. Desta feita, não cabe a este juízo togado subtrair a causa de seu juiz natural. Dessa forma, a pretensão de desclassificação para os crimes de desobediência ou resistência é incabível nesta fase, por constituir usurpação da competência do Júri, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça: "PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. INDÍCIOS DE AUTORIA. PROVAS DOS AUTOS. QUALIFICADORAS FUNDAMENTADAS. AUSÊNCIA DE ANIMUS NECANDI. TESE RECHAÇADA PELA CORTE LOCAL. SÚMULA 7 DO STJ. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DE PRONÚNCIA. INSUBSISTÊNCIA DA ALEGAÇÃO. TÉCNICA PER RELATIONEM. LEGALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. A decisão de pronúncia encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, satisfazendo-se, tão somente, pelo exame da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria. A pronúncia não demanda juízo de certeza necessário à sentença condenatória, uma vez que as eventuais dúvidas, nessa fase processual, resolvem-se em favor da sociedade - in dubio pro societate. 2. Além disso, a jurisprudência do STJ é no sentido de que constitui usurpação da competência do Conselho de Sentença a desclassificação do delito operado pelo Juízo togado, na hipótese em que não há provas estreme de dúvidas sobre a ausência de animus necandi. Precedentes. 3. In casu, a Corte local manteve a sentença de pronúncia, ao fundamento de que: a) extraí-se dos depoimentos testemunhais e das declarações da vítima indícios suficientes de autoria delitiva; b) existe filmagens claras do atropelamento; c) ausente a demonstração da não existência de animus necandi; e d) presente elementos concretos a justificar a incidência das qualificadoras. (...) (AgRg no AREsp 1276888/RS, Rel; Ministro Ribeiro Dantas, QUINTA TURMA, julgado em 19/03/2019, DJe 25/03/2019). (GRIFEI) Nesse mesmo sentido, colaciona-se jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Espírito Santo: RECURSOS EM SENTIDO ESTRITO. RECURSO DA DEFESA. DECISÃO DE PRONÚNCIA. ART. 121, §2º, INCISO IV, DO CP. LEGÍTIMA DEFESA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA E PROVA DA MATERIALIDADE DO DELITO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. Pode o juiz absolver sumariamente o acusado quando se convencer, dentre outras hipóteses, de que ele agiu ao abrigo de uma causa excludente da antijuridicidade ou da culpabilidade (art. 415, inciso IV do Código de Processo Penal). Entretanto, a absolvição sumária nos crimes de competência do Júri, exige uma prova segura, incontroversa, plena, límpida, cumpridamente demonstrada e escoimada de qualquer dúvida, o que não ocorreu no caso dos autos. 2. Havendo nos autos tanto a prova da materialidade delitiva quanto os indícios suficientes de autoria por parte dos recorrentes, deve-se submeter o ato supostamente praticado ao crivo do Tribunal Popular do Júri. 3. Recurso conhecido e improvido. (RESE nº 0020123-36.2009.8.08.0024, Segunda Câmara Criminal, Rel. Des. Sérgio Luiz Teixeira Gama, j. 22/06/2020, DJe 01/10/2020) (grifo nosso) Ademais, a tese de que o réu não teria identificado os agentes como policiais é frontalmente contrariada pela prova dos autos. Os depoimentos são uníssonos ao afirmar que a equipe estava devidamente identificada com coletes da Polícia Civil. A versão é corroborada, ainda, pelo relato da própria companheira do acusado, que, segundo as testemunhas, afirmou no local dos fatos ter gritado para que ele parasse, pois se tratava da polícia. A Defesa ainda questiona a imparcialidade dos relatos dos policiais, por figurarem também como vítimas. Contudo, tal condição não invalida seus testemunhos, que são dotados de fé pública e se mostraram coerentes e foram corroborados com outros depoimentos. Ademais, segundo entendimento do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, “a palavra da vítima assume especial importância, especialmente quando corroborada pelas demais provas existentes nos autos, não havendo nenhuma irregularidade em considerar o depoimento da ofendida como meio de prova. Ademais, do teor do art. 206, do CPP, a vítima não está dentre as exceções ao compromisso de dizer a verdade, sendo seu testemunho perfeitamente válido. (TJES; RSE 0031902-41.2016.8.08.0024; Rel. Des. Sérgio Luiz Teixeira Gama; Julg. 16/12/2020; DJES 18/01/2021). Portanto, os depoimentos dos agentes constituem indícios robustos e válidos para fundamentar a decisão de pronúncia. Acerca do crime de direção perigosa, tipificado no art. 309 do CTB, valendo-me da base do princípio da consunção, julgo que este é absorvido pelo crime maior, notadamente o de homicídio. A fuga na direção do veículo foi o que caracterizou, segundo a prova dos autos, a prática dos delitos dolosos contra a vida. Desta feita, “o fato de maior amplitude consome ou absorve o de menor graduação (lex consumens derogat lex consumptae) e o crime-fim absorve o crime-meio.”(TJES, SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL, Recurso em sentido estrito 0018631-29.2016.8.08.0035, j. 30/03/2022, DJe 07/04/2022). Por fim, a Defesa alega a ausência de comprovação da posse consciente da arma e das drogas, bem como a quebra da cadeia de custódia. No entanto, os depoimentos policiais são claros ao afirmar que antes da abordagem o indivíduo estaria com “um volume na cintura”, e após a abordagem, a arma teria sido visualizada no interior do veículo, na parte da frente, próximo ao motorista. Além disso, conforme consta do testemunho do dotado policial Christian, o local foi devidamente isolado para a realização da perícia. No que tange à denúncia relacionada ao tráfico de drogas, constatados o auto de apreensão, as fls. 21, e o auto provisório de natureza e quantidade de drogas, as fls. 22, estando estas dentro do carro do acusado, pronuncia-se também neste sentido. Quanto às qualificadoras imputadas na denúncia, não se mostram manifestamente improcedentes, pela própria condição das vítimas e pelo contexto da abordagem policial. DISPOSITIVO Em face do exposto, com fundamento no art. 413 do Código de Processo Penal, PRONUNCIO o réu KAYKY DE OLIVEIRA, já qualificado nos autos, submetendo-o a julgamento perante o Egrégio Tribunal do Júri, como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, VII, c/c o art. 14, II (por duas vezes), ambos do Código Penal, e do delito conexo previsto no art. 14 da Lei 10.826/03. Nos termos do art. 413, § 3º, do Código de Processo Penal, MANTENHO a custódia preventiva do acusado, por entender que subsistem os motivos que ensejaram o seu decreto, notadamente para assegurar a aplicação da lei penal, não havendo fatos novos que justifiquem a sua revogação. VILA VELHA-ES, 1 de agosto de 2025. ANA AMÉLIA BEZERRA RÊGO Juiz(a) de Direito
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear