Processo nº 1003463-07.2024.8.11.0002
ID: 315535554
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1003463-07.2024.8.11.0002
Data de Disponibilização:
03/07/2025
Polo Passivo:
Advogados:
PEDRO BARASNEVICIUS QUAGLIATO
OAB/SP XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1003463-07.2024.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1003463-07.2024.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano Material] Relator: Des(a). MARCOS REGENOLD FERNANDES Turma Julgadora: [DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [ERIVELTO CESAR DA SILVA - CPF: 810.295.191-53 (APELADO), BRUNO COSTA ALVARES SILVA - CPF: 019.346.011-44 (ADVOGADO), JOAO RICARDO VAUCHER DE OLIVEIRA - CPF: 015.078.971-89 (ADVOGADO), FERNANDA VAUCHER DE OLIVEIRA KLEIM - CPF: 007.471.911-40 (ADVOGADO), BOOKING.COM BRASIL SERVICOS DE RESERVA DE HOTEIS LTDA. - CNPJ: 10.625.931/0001-39 (APELANTE), PEDRO BARASNEVICIUS QUAGLIATO - CPF: 226.034.278-73 (ADVOGADO), KARINA MACIEL COSTA SALES - CPF: 048.743.831-06 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. E M E N T A Direito do consumidor. Recurso de apelação cível. Plataforma digital. Intermediação de locação de veículo. Falha na prestação do serviço. Cobrança indevida. Repetição em dobro. Dano moral configurado. Redução do quantum indenizatório. Recurso parcialmente provido. I. Caso em exame 1. Recurso de Apelação Cível interposto contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados em ação indenizatória fundada em suposta falha na prestação de serviço de intermediação de locação de veículo contratada por meio de plataforma digital. O autor alegou ter realizado reserva de automóvel para viagem familiar, tendo efetuado o pagamento correspondente, mas, ao chegar ao destino, foi surpreendido com a recusa na entrega do veículo, sendo compelido a utilizar transporte alternativo. Pleiteou a repetição do indébito, indenização por danos materiais e morais. A sentença reconheceu a falha na prestação do serviço, condenando a ré à devolução em dobro do valor cobrado e ao pagamento de R$ 8.000,00 a título de danos morais, mas rejeitou o pedido de ressarcimento de danos materiais por ausência de prova idônea. II. Questão em discussão 2. Há cinco questões em discussão: (i) definir se há responsabilidade da plataforma digital pelos danos causados; (ii) estabelecer a legalidade da cobrança realizada; (iii) determinar a possibilidade de restituição em dobro dos valores pagos; (iv) verificar a configuração de dano moral indenizável; e (v) apurar a adequação do valor fixado a título de dano moral. III. Razões de decidir 3. A plataforma digital que intermedeia contratação de serviços integra a cadeia de fornecimento e responde objetivamente por falhas na prestação, nos termos dos arts. 7º, parágrafo único, e 14 do CDC. 4. A responsabilidade solidária independe da execução direta do serviço, bastando que a empresa intermedeie, viabilize e se beneficie economicamente da operação. 5. A recusa injustificada na entrega do veículo reservado caracteriza falha na prestação do serviço, pois o consumidor compareceu ao local no horário estipulado e teve frustrada a legítima expectativa contratual. 6. A cobrança indevida, diante da não prestação do serviço, impõe a repetição do indébito em dobro, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC, por ofensa à boa-fé objetiva, independentemente de demonstração de má-fé subjetiva. 7. O dano moral se configura quando a falha na prestação do serviço ultrapassa o mero aborrecimento e compromete a dignidade do consumidor, especialmente em contextos de viagem familiar. 8. O valor da indenização por danos morais deve observar os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, podendo ser reduzido quando ausentes agravantes relevantes, para evitar enriquecimento sem causa. IV. Dispositivo e tese 9. Recurso parcialmente provido para minorar o valor da indenização por danos morais para R$ 6.000,00 (seis mil reais), mantida, no mais, a sentença recorrida. Tese de julgamento: 1. “A plataforma digital que intermedeia contratação de serviço integra a cadeia de fornecimento e responde objetivamente pelos danos causados ao consumidor”. 2. “A recusa na entrega do bem contratado, quando não justificada, caracteriza falha na prestação do serviço e impõe o dever de indenizar”. 3. “A cobrança indevida autoriza a repetição em dobro dos valores pagos, salvo engano justificável”. 4. “O dano moral é devido quando a falha compromete direitos da personalidade do consumidor, e seu valor deve respeitar a proporcionalidade do abalo sofrido”. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, X; CDC, arts. 2º, 3º, 7º, parágrafo único, 14, 25, § 1º, e 42, parágrafo único; CPC, arts. 373, I e II, e 85, § 11. Jurisprudência relevante citada: STJ, EAREsp n. 1501756/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Corte Especial, DJe 23/05/2024; STJ, AgInt no REsp n. 1.967.220/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, DJe 11/10/2023; TJMT, N.U 1003380-87.2022.8.11.0025, Rel. Des. Luiz Octavio Saboia Ribeiro, DJE 23/05/2025; TJMT, N.U 1036651-39.2022.8.11.0041, Rel. Des. Antônia Siqueira Gonçalves, DJE 16/04/2025. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR) Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação cível interposto por BOOKING.COM BRASIL SERVIÇOS DE RESERVA DE HOTÉIS LTDA. contra sentença proferida pela MM. Dra. Ester Belém Nunes, Juíza de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Várzea Grande, que nos autos da Ação Indenizatória por Danos Morais e Materiais ajuizada por ERIVELTO CESAR DA SILVA, julgou parcialmente procedentes os pedidos deduzidos na inicial para: (i) condenar a ré à repetição de indébito referente ao dobro do valor de R$ 765,22 (setecentos e sessenta e cinco reais e vinte e dois centavos), bem como ao pagamento de indenização por danos morais no montante de R$ 8.000,00 (oito mil reais); (ii) rejeitar o pedido de indenização por danos materiais; e (iii) estabelecer a sucumbência recíproca, fixando o êxito do autor em 80% (oitenta por cento) e o da parte adversa em 20% (vinte por cento), critério empregado tanto em relação às custas processuais quanto aos honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa. Em suas razões recursais (id. 291998880), a apelante sustenta que não houve qualquer falha na prestação de seus serviços, tampouco descumprimento contratual, pois atuou apenas como intermediadora da reserva, não sendo responsável pelo serviço de locação em si. Aduz que o transtorno enfrentado pelo apelado teve origem no atraso de sua chegada ao local de retirada do veículo, o que, segundo os “Termos e Condições” previamente aceitos pelo cliente, caracteriza “no-show” e implica no cancelamento da reserva, isentando-a de qualquer responsabilidade. Menciona que o recorrido deveria ter fornecido o número do voo com pelo menos três dias antes da data de embarque, o que não foi realizado. Alega que todas as informações necessárias foram disponibilizadas ao apelado, inclusive sobre a necessidade de chegada pontual e comunicação prévia em caso de atrasos, bem como canais de atendimento 24 horas, os quais não foram utilizados pela parte. Defende, portanto, a inexistência de nexo causal entre sua conduta e o alegado dano, e que o próprio apelado contratou um horário de retirada que sabia não poder cumprir, o que configura fato exclusivo de terceiro. Argumenta que, à luz do artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, a restituição em dobro só seria cabível diante de cobrança indevida com má-fé, o que não ocorreu, pois a cobrança teve amparo contratual, e o apelado estava ciente das condições da reserva, não havendo qualquer valor a ser restituído. Quanto aos danos morais, afirma que não se configuram no caso concreto, uma vez que não houve violação a direitos de personalidade, tampouco prática de qualquer ato ilícito. Enfatiza que não basta a simples alegação de frustração ou aborrecimento, sendo necessária prova concreta do abalo, o que não foi demonstrado. Reitera que os transtornos relatados derivam exclusivamente de falha da locadora ou do transporte aéreo utilizado pelo apelado, inexistindo ato ilícito e configurando responsabilidade de terceiros. Com essas considerações, requer o provimento do recurso para que seja reformada a sentença, isentando-a de qualquer obrigação; o reconhecimento da inexistência de dano material e moral; e, alternativamente, que seja revisto o valor da indenização, para que se adeque aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. O recurso é tempestivo e devidamente preparado (id. 291998883 e 293808367). O apelado apresentou contrarrazões, pugnando pelo desprovimento do presente e condenação da recorrente ao pagamento das custas recursais e honorários advocatícios majorados (id. 291998885). É o relatório. Inclua-se em pauta. V O T O R E L A T O R EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR) Egrégia Câmara: Extrai-se da origem que ERIVELTO CESAR DA SILVA ajuizou Ação Indenizatória por Danos Morais e Materiais em face de BOOKING.COM BRASIL SERVIÇOS DE RESERVA DE HOTÉIS LTDA., com a pretensão de ser ressarcido pelos prejuízos sofridos em decorrência de suposta falha na prestação de serviço de intermediação de locação de veículo (id. 291998395). Na exordial, relatou que, ao planejar uma viagem com sua família para visitar o sogro em Curitiba/PR, realizou, por meio da plataforma ré, a reserva da locação de um veículo entre os dias 01 e 09 de setembro de 2022, pelo valor de R$ 720,84 (setecentos e vinte reais e oitenta e quatro centavos). Afirmou que, contudo, ao chegar no destino, foi surpreendido com a negativa de entrega do automóvel, sob a justificativa de suposta inadimplência contratual, mesmo tendo apresentado o comprovante da reserva e tentado efetuar novo pagamento. Esclareceu que, apesar da recusa na entrega do veículo, o valor foi debitado em seu cartão de crédito, no montante final de R$ 765,22 (setecentos e sessenta e cinco reais e vinte e dois centavos), devido à cobrança em moeda estrangeira e à conversão cambial. Consignou que, após tentativas frustradas de resolução administrativa e reembolso, viu-se compelido a utilizar transporte alternativo, como Uber e caronas, o que lhe acarretou novos gastos e aborrecimentos. Asseverou que a ré não apenas deixou de prestar o serviço contratado como também não procedeu à restituição dos valores pagos, o que lhe causou prejuízos de ordem material e moral. Diante disso, requereu a condenação da empresa ao pagamento de R$ 1.623,68 (mil, seiscentos e vinte e três reais e sessenta e oito centavos) a título de danos materiais e de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) de danos morais, além da inversão do ônus da prova, com fundamento no Código de Defesa do Consumidor. Ambas as partes se manifestaram pelo julgamento antecipado da lide, nos termos do artigo 355, I, do Código de Processo Civil (id. 291998876 e 291998877). Assim, o Juízo de origem prolatou sentença, julgando parcialmente procedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos: “[...] A relação entre as partes é regida pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), por envolver relação de consumo, conforme arts. 2º e 3º. O serviço prestado pela requerida enquadra-se no conceito de atividade-fim do fornecedor, pois a intermediação realizada pelo aplicativo entre motoristas e passageiros faz parte de sua operação comercial. Assim, aplicam-se as normas do artigo 14 do CDC, que estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor pelos defeitos e falhas na prestação do serviço, independentemente da comprovação de culpa. No caso concreto, restou demonstrado que o autor realizou a reserva e efetuou o pagamento do serviço, mas não recebeu o veículo, caracterizando evidente falha na prestação do serviço. A tese da ré de que atua apenas como intermediadora não a exime de responsabilidade, pois as empresas que operam plataformas de reserva são solidariamente responsáveis pelo serviço contratado por meio de seus sistemas. Logo, não tenho dúvidas quanto ao dano e culpa da ré pelo evento narrado na inicial, e ao contrário do alegado, ao que concluo, não envidou todos os esforços para minimizar os percalços causados ao autor, o que evidencia, também o nexo de causalidade. DOS DANOS MATERIAIS Pleiteia o autor a condenação da ré ao pagamento de R$ 239,60 (duzentos trinta e nove reais e sessenta centavos),referente aos prejuízos. A devolução do valor pago depende da comprovação inequívoca de que houve pagamento efetivo pelo serviço que não foi prestado. No entanto, o autor não apresentou qualquer documento hábil que comprove que o valor de R$ 239,60 (duzentos trinta e nove reais e sessenta centavos) gastos com transporte. Apenas alegações genéricas não são suficientes para demonstrar a efetivação do pagamento, sendo indispensável a apresentação de documentos como fatura do cartão de crédito, comprovante bancário ou recibo de pagamento emitido pela ré ou pela locadora do veículo. O artigo 373, I, do Código de Processo Civil estabelece que incumbe ao autor o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito. No caso em análise, o autor não apresentou qualquer prova idônea que demonstre o pagamento do valor cobrado, razão pela qual não há como determinar a restituição do valor. Dessa forma, não há fundamento para a restituição do valor pago. DA REPETIÇÃO DE INDÉBITO Consta na exordial pedido referente a repetição de indébito, para configurar o direito à repetição de indébito há que se demonstrar o seu pagamento, que de fato foi devidamente demostrado,entendo desta forma que o reclamante está sendo cobrado de forma indevida. [...]. Assim é devida a dobra quando o consumidor é cobrado em excesso e quando paga, sendo-lhe direito a restituição do dobro daquilo que pagou, o que torna de plano devido a dobra do valor deR$765,22 (setecentos e sessenta e cinco reais e vinte e dois centavos)pagos pelo autor. DOS DANOS MORAIS Demonstrada a culpa da ré pelo evento não há como afastar o dano moral sofrido pela autora. O dano moral decorre da violação dos direitos da personalidade da autora, que foi exposta a uma situação de extremo desconforto e humilhação. No caso, a autora sofreu constrangimento, insegurança e frustração, além de ter sua integridade emocional comprometida. Assim, é devida a indenização pelos danos morais experimentados. Para a fixação do quantum indenizatório, devem ser observados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como o caráter punitivo e pedagógico da indenização, para que a requerida adote medidas que evitem a repetição de condutas semelhantes. Por outro lado, tenho que o valor pleiteado na inicial é elevado, na ordem de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), pois mesmo sopesando o grau de culpa da ré, representaria, a meu ver, enriquecimento sem causa. Assim, não havendo nada mais a aquilatar neste feito e concluindo pela culpa efetiva da empresa demandada, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos desta Ação para: I- CONDENAR a ré a repetição de indébito referente ao dobro do valor de R$765,22 (setecentos e sessenta e cinco reais e vinte e dois centavos). II- JULGAR IMPROCEDENTES o pedido referente aos danos materiais; III - CONDENAR o réu a proceder à reparação dos danos morais ao autor, no montante, que fixo, mediante fundamentação alhures, em R$ 8.000,00 (oito mil reais). Para fins de cumprimento da sentença quanto aos danos morais o valor deverá ser atualizado com juros de 1% ao mês desde a citação e correção monetária pelo INPC desde o arbitramento, por tratar-se de relação de natureza contratual. Da repetição de indébito deverão ser corrigidos com juros de 1% ao mês desde a citação e correção monetária pelo INPC a partir dos respectivos desembolsos, considerando tratar-se de relação contratual. Diante da sucumbência recíproca, arbitro o ganho de causa em favor do autor em 80% e do réu em 20%, o que norteará o pagamento das custas processuais, bem como, honorários advocatícios, esses arbitrados em dez por cento sobre o valor atribuído à causa, com a ressalva do art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil com relação ao autor. [...]” (id. 291998878). Irresignada, a apelante interpôs o presente recurso, por meio do qual objetiva a reforma da sentença para que seja isentada de qualquer obrigação, além do reconhecimento da inexistência de dano material e moral. De forma alternativa, pleiteia a revisão do valor da condenação, em observância à razoabilidade e à proporcionalidade. Pois bem. In casu, a controvérsia recursal se restringe às seguintes questões: (i) a responsabilidade civil da plataforma digital, ora apelante; (ii) a legalidade da cobrança efetuada; (iii) a possibilidade de devolução em dobro dos valores pagos; (iv) a caracterização do dano moral; e (v) a adequação do valor fixado a esse título na sentença. Após detida análise dos autos, vislumbro que o presente recurso comporta parcial provimento. Vejamos. Inicialmente, cumpre reconhecer que a relação jurídica estabelecida entre as partes configura típica relação de consumo, nos termos dos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que o apelado figura como destinatário final dos serviços prestados pela apelante, empresa que desenvolve atividade econômica de intermediação de reservas de hospedagem e locação de veículos. Nesse contexto, afasta-se a alegação da apelante no sentido de que sua condição de mera intermediadora a eximiria de responsabilidade. Ao contrário, a jurisprudência consolidada impõe o reconhecimento de que as plataformas digitais que intermediam a contratação de serviços efetivamente integram a cadeia de fornecimento e, como tal, respondem solidariamente pelos danos decorrentes de falhas na prestação do serviço. O artigo 7º, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor é categórico ao dispor que “tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo”, o que revela a opção legislativa por responsabilização ampla e solidária de todos os partícipes da cadeia de consumo, com o objetivo de proteger de forma eficaz o consumidor e evitar a dispersão de responsabilidades. Em consonância com essa diretriz, o Superior Tribunal de Justiça já assentou que “todos os integrantes da cadeia de consumo respondem solidariamente pelos danos causados ao consumidor” (STJ, AgInt no REsp n. 1.967.220/SP, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 9/10/2023, DJe de 11/10/2023). Importa destacar, ainda, que a responsabilidade da plataforma apelante é objetiva, nos termos do artigo 14 do CDC, bastando a demonstração do dano e do nexo causal, independentemente de culpa, pois, ao intermediar, viabilizar e lucrar com a operação comercial, a empresa assume os riscos do empreendimento, sendo juridicamente compelida a garantir a adequada e segura prestação do serviço ofertado em seu ambiente digital. A propósito, este Egrégio Tribunal tem reconhecido a responsabilidade objetiva e solidária das plataformas digitais nos casos em que, mesmo não executando diretamente o serviço, exercem papel essencial na sua disponibilização e comercialização, veja-se: “DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PLATAFORMA DIGITAL DE VENDAS. ENTREGA DE PRODUTO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. RECURSO DESPROVIDO. [...] III. Razões de decidir 3. A relação jurídica é de consumo, abrangendo todos os integrantes da cadeia de fornecimento, inclusive plataformas digitais, nos termos dos arts. 2º, 3º e 7º, p.u., do CDC. 4. Constatada a falha na prestação do serviço, pela entrega a terceiro não autorizado, e ausente excludente de responsabilidade, incide a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços (art. 14 do CDC). 5. A plataforma, ao intermediar a transação e beneficiar-se economicamente da operação, assume o risco do empreendimento (art. 927, p.u., do CC/2002), respondendo solidariamente pelos danos causados. [...] Tese de julgamento: "1. A plataforma digital que intermedeia a venda de produtos responde solidariamente pelos danos decorrentes da falha na entrega da mercadoria, nos termos do Código de Defesa do Consumidor." "2. A responsabilidade do fornecedor de serviços é objetiva, independentemente de culpa, bastando a demonstração do dano e do nexo causal." [...]” (TJMT, N.U 1003380-87.2022.8.11.0025, Rel. Des. Luiz Octavio Oliveira Saboia Ribeiro, Quinta Câmara de Direito Privado, julgado em 23/05/2025, publicado no DJE 23/05/2025 – grifo nosso). “DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR – APELAÇÃO CÍVEL [...] AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS [...] INTERMEDIAÇÃO DIGITAL DE SERVIÇO DE TRANSPORTE – TRANSPORTE CLANDESTINO – FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – DANOS MORAIS CONFIGURADOS – QUANTUM RAZOÁVEL E PROPORCIONAL – DANOS MATERIAIS DEVIDOS – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO – HONORÁRIOS MAJORADOS. [...] III. Razões de decidir 3. A empresa apelante integra a cadeia de fornecimento do serviço, na qualidade de intermediadora, devendo responder objetivamente por falhas verificadas na prestação do serviço contratado, nos termos do art. 14 do CDC. [...] Tese de julgamento: “1. A empresa intermediadora digital que oferta serviço de transporte coletivo responde objetivamente por falhas na prestação do serviço causado por parceiros contratados, integrando a cadeia de fornecimento prevista no art. 14 do CDC. [...]” (TJMT, N.U 1036651-39.2022.8.11.0041, Rel. Antônia Siqueira Gonçalves, Terceira Câmara de Direito Privado, julgado em 16/04/2025, publicado no DJE 16/04/2025 – grifo nosso). Dessa forma, evidenciada a condição de fornecedora da apelante e sua inserção na cadeia de consumo, impõe-se o reconhecimento de sua responsabilidade objetiva e solidária pelos eventuais danos causados ao consumidor. Superada essa questão, passo à análise da legalidade da cobrança realizada em desfavor do apelado, aspecto central para a definição da devolução pleiteada e dos consectários indenizatórios. Na peça recursal, a apelante sustenta que a exclusão de sua responsabilidade decorreria do fato de o apelado não ter comparecido no horário contratado para a retirada do veículo, circunstância que, segundo os “Termos e Condições” pactuados, caracterizaria a figura do “no-show” e, por conseguinte, eximiria a intermediadora de qualquer obrigação contratual. Sem razão, contudo. No caso em exame, o apelado procedeu à reserva da locação de um veículo por meio da plataforma da apelante, com período de locação entre os dias 1º e 9 de setembro de 2022, sendo prevista a retirada do automóvel no aeroporto de Curitiba, às 12h do dia 1º (id. 291998399). Entretanto, ao comparecer ao local, dentro do horário previamente contratado, teve frustrada a prestação do serviço, pois a locadora se recusou a entregar o veículo, sob a alegação de inadimplemento contratual. Ressalta-se que o valor referente à locação foi devidamente debitado no cartão de crédito do apelado na data estipulada para a retirada do veículo (id. 291998851), embora o serviço contratado não tenha sido prestado. A cobrança, portanto, ocorreu sem a entrega do bem acordado e sem que a fornecedora apresentasse qualquer justificativa plausível para o descumprimento, configurando, por si só, falha na prestação do serviço. Além disso, os documentos acostados aos autos demonstram que, às 11h18 do dia 1º de setembro, ou seja, antes mesmo do horário fixado para a retirada do automóvel, o apelado já iniciava a solicitação de corridas por aplicativo de transporte (Uber), com ponto de partida no próprio aeroporto de Curitiba (id. 291998850, p. 1-3). Isso evidencia que ele não apenas estava presente no local estipulado com a devida antecedência, como também foi surpreendido com a negativa da prestação, tendo que buscar, de forma emergencial, alternativas para seguir viagem com sua família. Desse modo, tem-se que a negativa na entrega do veículo não decorreu de conduta omissiva ou negligente do consumidor, mas sim de falha exclusiva dos prestadores envolvidos na cadeia de fornecimento, sem que a plataforma intermediadora, ora apelante, tenha oferecido qualquer suporte eficaz ou solução alternativa diante da situação emergencial vivenciada pelo contratante, o qual se encontrava em viagem com sua família. Aliás, observa-se que a apelante não logrou êxito em comprovar qualquer fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito suscitado pelo apelado, nos termos do artigo 373, inciso II, do Código de Processo Civil, limitando-se a invocar, genericamente, cláusula contratual de exclusão de responsabilidade, sem demonstrar de forma inequívoca que o consumidor tenha descumprido qualquer obrigação contratual ou tenha, de fato, deixado de comparecer para efetuar a retirada do veículo no horário estabelecido. À vista disso, a tese defensiva de que a recusa se deu por ausência do consumidor, além de carecer de respaldo fático, revela-se incompatível com a boa-fé objetiva que deve nortear as relações de consumo. Ainda que se admitisse, por hipótese, a validade dos “Termos e Condições” invocados pela apelante, cumpre salientar que cláusulas contratuais que estabeleçam a exclusão ou limitação da responsabilidade do fornecedor por falha essencial na prestação do serviço são nulas de pleno direito, nos termos do artigo 25, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor. Trata-se de norma cogente, que visa resguardar a parte vulnerável da relação, impedindo que o fornecedor se exima de sua obrigação fundamental por meio de disposições contratuais que contrariem os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato. Logo, evidente o nexo de causalidade entre a conduta omissiva da intermediadora apelante e os prejuízos experimentados pelo apelado, revelando-se, com clareza, o dever de indenizar pelos danos decorrentes da falha na prestação do serviço. No que tange à condenação à restituição em dobro dos valores pagos, com fundamento no parágrafo único do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor, impõe-se a manutenção da sentença recorrida, por estar em conformidade com a legislação aplicável e com o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça. Nos termos do dispositivo legal mencionado, “o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável”. A literalidade da norma já revela que a devolução em dobro constitui a regra, admitindo-se a repetição simples apenas quando demonstrado erro justificável por parte do fornecedor. A jurisprudência da Corte Especial do STJ, ao interpretar o alcance desse dispositivo, firmou entendimento no sentido de que a repetição em dobro independe da comprovação de má-fé subjetiva, sendo suficiente a constatação de que a cobrança indevida contrariou a boa-fé objetiva, princípio basilar das relações de consumo. Confira-se: “CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. SERVIÇOS BANCÁRIOS. COBRANÇA INDEVIDA. CULPA DA CONCESSIONÁRIA. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. PRESSUPOSTO. MÁ-FÉ. PRESCINDIBILIDADE. DEFINIÇÃO DO TEMA PELA CORTE ESPECIAL DO STJ (EARESP 600.663/RS, DJE DE 30.3.2021). MODULAÇÃO DOS EFEITOS. [...] 1. Nos presentes Embargos, discute-se a prescindibilidade ou não de se aferir a má-fé como condição essencial para se exigir a restituição em dobro de quantia cobrada indevidamente, nos termos do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor. DISCIPLINA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 2. Consoante o art. 42, parágrafo único, do CDC, na relação de consumo, o pagamento de cobrança indevida, a restituição do indébito dar-se-á em dobro, salvo se o fornecedor provar, no caso concreto, o engano justificável. A norma analisada não exige culpa, dolo ou má-fé do fornecedor quando este cobra - e recebe - valor indevido do consumidor. Ao fornecedor, a imputação que se lhe faz a lei é objetiva, independentemente de culpa ou dolo. DEFINIÇÃO PELA DA CORTE ESPECIAL DO STJ 3. A Corte Especial do STJ definiu a questão, em data posterior à prolação do acórdão embargado, no julgamento dos EAREsp 600.663/RS (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Rel. para acórdão Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, DJe de 30 .3.2021.). Assentou a tese: "A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo. modulação dos efeitos". MODULAÇÃO DOS EFEITOS 4. A regra geral é a devolução, na forma dobrada, dos valores debitados. [...]” (STJ, EAREsp n. 1501756 SC 2019/0134650-5, Rel. Min. Herman Benjamin, data de julgamento: 21/02/2024, CE - Corte Especial, data de publicação: DJe 23/05/2024 – grifo nosso). No caso dos autos, é incontroverso que houve cobrança integral do valor correspondente à locação de veículo que sequer chegou a ser entregue ao consumidor. A falha na prestação do serviço foi noticiada à plataforma, ora apelante, que, apesar disso, não procedeu à devolução do importe cobrado, tampouco apresentou justificativa razoável para a retenção da quantia. Essa conduta revela evidente violação ao dever de boa-fé objetiva, ao impor ao consumidor não apenas o prejuízo financeiro da cobrança indevida, mas também o ônus de buscar, por vias judiciais, o reembolso do valor pago por serviço jamais prestado. Ademais, a ausência de devolução espontânea, diante de situação evidente de cobrança indevida, afasta qualquer alegação de engano justificável, atraindo a incidência da sanção legal na forma dobrada, conforme preconiza o artigo 42, parágrafo único, do CDC. Portanto, necessário reconhecer a correção da sentença no ponto em que determinou a restituição em dobro dos valores indevidamente debitados do apelado. De igual modo, mostra-se adequada a condenação da apelante ao pagamento de indenização por danos morais, tendo em vista a configuração de ofensa aos direitos da personalidade do consumidor, conforme reconhecido de forma acertada pelo Juízo de origem. Isso porque a frustração da legítima expectativa do consumidor, em especial quando ocorrida em contexto de deslocamento familiar previamente planejado, ultrapassa o mero dissabor cotidiano, caracterizando dano moral indenizável. Trata-se de consequência jurídica imposta a condutas que violam os deveres anexos da boa-fé objetiva, notadamente os de cooperação, confiança e lealdade contratual. Todavia, no que tange ao valor fixado a título de compensação moral, entendo ser o caso de minoração do montante indenizatório para R$ 6.000,00 (seis mil reais), pois, embora configurado o dano, a extensão do abalo sofrido, à luz do conjunto probatório dos autos, não se revela de intensidade suficiente a justificar a quantia arbitrada na sentença (R$ 8.000,00), devendo-se observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. A jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça orienta que a quantificação do dano moral deve atender ao caráter compensatório e pedagógico da indenização, sem, contudo, ensejar enriquecimento indevido. Nesse sentido, e considerando as circunstâncias específicas do caso - inexistência de agravantes relevantes, ausência de tratamento indigno ou humilhante, bem como a limitada repercussão prática da falha -, a quantia de R$ 6.000,00 (seis mil reais) se mostra mais adequada e suficiente para atender aos fins reparatórios e sancionatórios que se impõem. Dessa forma, acolhe-se em parte a pretensão recursal, apenas para reduzir o valor da indenização por danos morais, mantendo-se os demais termos da sentença por seus próprios fundamentos. Ante o exposto, conheço e DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação interposto por BOOKING.COM BRASIL SERVIÇOS DE RESERVA DE HOTÉIS LTDA., para minorar o valor da indenização por danos morais para R$ 6.000,00 (seis mil reais), mantida, no mais, a sentença recorrida. Deixo de majorar os honorários recursais (art. 85, § 11, do CPC), uma vez que condicionado ao não conhecimento do recurso ou seu improvimento, e incabível quando for provida a apelação, ainda que parcialmente, como na espécie (STJ, Tema n. 1.059, REsp n. 1.864.633/RS, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, Corte Especial, j. 09/11/2023, DJe 21/12/2023). É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 01/07/2025
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