Processo nº 5030673-05.2025.8.13.0024
ID: 260645365
Tribunal: TJMG
Órgão: 3ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte
Classe: MANDADO DE SEGURANçA CíVEL
Nº Processo: 5030673-05.2025.8.13.0024
Data de Disponibilização:
25/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ISABELLE APARECIDA LIMA MARTINS
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Belo Horizonte / 3ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte Avenida Raja Gabaglia, 1753, …
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Belo Horizonte / 3ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte Avenida Raja Gabaglia, 1753, Luxemburgo, Belo Horizonte - MG - CEP: 30380-900 PROCESSO Nº: 5030673-05.2025.8.13.0024 CLASSE: [CÍVEL] MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) ASSUNTO: [Jornada de Trabalho, Jornada Especial] AUTOR: ANA MARIA PEREIRA GOMES CPF: 059.592.266-00 RÉU: Chefe da Polícia Civil de Minas Gerais CPF: não informado SENTENÇA Vistos. I – RELATÓRIO ANA MARIA PEREIRA GOMES impetrou MANDADO DE SEGURANÇA com pedido liminar, contra a CHEFE DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS, pelos seguintes fundamentos: Que é servidora pública do Estado de Minas Gerais desde janeiro de 2016, exercendo o cargo de Investigadora de Polícia, MASP 1.411.634-7, cumprindo carga horária semanal, por vezes, superior a 40 (quarenta) horas. Que é profissional extremamente competente, comprometida e eficiente, possuindo, ainda, experiência anterior de seis anos nas Forças Armadas, onde prestou relevantes serviços ao Exército Brasileiro, tendo vários elogios registrados em seus assentamentos funcionais. Que, atualmente, está lotada no Departamento Estadual de Combate à Corrupção e às Fraudes. Que exerce, ainda, a função de curadora de sua genitora, Sra. Naídia Cândida Pereira Gomes, conforme termo de curatela constante nos autos n. 5227135-66.2024.8.13.0024, em trâmite na 3ª Vara de Família da Comarca de Belo Horizonte. Que a curatelada, nascida em 17/01/1951, atualmente com 74 anos de idade, é viúva e aposentada. Que é a única familiar que reside em Belo Horizonte/MG e está apta a oferecer o amparo e o atendimento integral necessário à curatelada. Que seus irmãos residem em localidades distantes: uma em Caxambu/MG (a 370 km) e outro na zona rural de Lassance/MG (a 350 km). Dentre essas localidades, Belo Horizonte é a cidade que oferece melhor disponibilidade de serviços médicos e profissionais adequados ao tratamento da curatelada, a qual, em razão de suas necessidades mentais específicas, exige acompanhamento constante e dedicado. Que o tratamento da curatelada envolve diversos profissionais, incluindo médicos, dentista, fisioterapeuta, massoterapeuta e psicólogo, demandando sua presença ativa para garantir a adesão e a eficácia das terapias. Que, nos últimos anos, o quadro de saúde da curatelada tem se agravado rapidamente, comprometendo sua capacidade física e mental para a realização de tarefas simples, tornando-a completamente dependente dos cuidados prestados pela impetrante. Que, entretanto, devido à sua jornada laboral, tem encontrado dificuldades para atender adequadamente sua genitora, comprometendo o tratamento e a qualidade de vida da curatelada. Que a ausência de vigilância e cuidados pode representar risco significativo, considerando o histórico de surtos psicóticos e tentativas anteriores de suicídio. Que, desde que ficou viúva, em 08/05/2020, a curatelada passou a residir com a impetrante, a qual tem se dedicado integralmente aos seus cuidados, assumindo responsabilidades relacionadas ao tratamento, à residência, bem como ao amparo social e afetivo. Que, com a progressão da doença, os cuidados necessários aumentaram, impactando diretamente sua rotina pessoal e profissional. Que, diante dessa realidade e amparada pela legislação federal e estadual vigente, protocolou, em 14/10/2024, o requerimento administrativo n. 1510.01.0236697/2024-98, com fundamento na Lei Estadual de Minas Gerais nº 9.401, de 18 de dezembro de 1986, regulamentada pelo Decreto nº 27.471, de 22 de outubro de 1987, junto à Chefia da Polícia Civil de Minas Gerais, solicitando a redução de sua carga horária semanal, fixando-a em 20 horas semanais. Contudo, a Chefe da Polícia indeferiu o pedido, sem apresentar qualquer motivação ou fundamentação jurídica. Que, diante da extrema necessidade sua e de sua genitora, a fixação de jornada especial é medida indispensável, em consonância com a legislação vigente e os princípios constitucionais aplicáveis ao caso. Que a negativa injustificada do pedido resultou em prejuízos a si e à curatelada, ensejando a propositura da presente ação como única alternativa para garantir o direito pleiteado. Que a curatela da Sra. Naídia Cândida Pereira Gomes foi determinada em razão de seu quadro psicótico, sendo portadora de Transtorno Bipolar com sintomas psicóticos (CID-10 F31.2), o que a torna incapaz de responder civilmente por seus atos, colocando-a em situação de risco para si mesma. Que, de acordo com o relatório médico mais recente, a curatelada apresenta diagnóstico de Transtorno Esquizoafetivo do tipo misto (CID-10 F25.2), caracterizado por episódios de mania típicos e episódios psicóticos circunscritos, sem componente de humor. Que o início do quadro da curatelada ocorreu aos 16 anos de idade, com sintomas prodrômicos de delírios e desorganização mental, tendo sua primeira internação em hospital psiquiátrico aos 21 anos, conforme informado por familiares. Que, ao longo da vida, houve ao menos duas outras internações associadas à redução ou interrupção do uso de medicamentos, ocasião em que se fez necessária, inclusive, a retirada temporária dos filhos do convívio com a genitora para garantir sua segurança. Que, nos últimos 20 anos, a curatelada tem apresentado episódios depressivos recorrentes, mantendo sintomas psicóticos congruentes com o humor, intercalados com episódios persecutórios de intensidade variável, parcialmente estabilizados com medicação psiquiátrica. Também houve evolução com perda gradual da cognição e distanciamento afetivo, padrão compatível com síndromes psicóticas. Que, recentemente, com o ajuste da medicação e a introdução de um antipsicótico de maior potência, observou-se melhora dos sintomas psicóticos e da expressão afetiva. Entretanto, a curatelada continua apresentando dificuldades organizacionais e comprometimento da memória de trabalho, impactando suas atividades diárias e exigindo supervisão constante. Que, diante desse contexto, a impetrante tem desempenhado, diariamente, o papel de acompanhamento terapêutico psicopedagógico, buscando retardar a progressão das perdas cognitivas, garantir a adesão às terapias propostas e estimular a organização e a manutenção da vida social da curatelada. Discorreu sobre questões que entende de direito e requereu, liminarmente, que seja determinado à autoridade coatora a redução da jornada de trabalho semanal da impetrante de 40 para 20 horas, sem prejuízo ou qualquer minoração em relação aos vencimentos que atualmente percebe, mantendo-se intangível sua remuneração, e sem a perda de eventuais direitos inerentes ao seu cargo, até decisão final do presente feito. No mérito, requereu a concessão da segurança, confirmando-se a liminar, para que seja definitivamente reconhecido o seu direito à redução da jornada semanal de 40 para 20 horas, sem prejuízo de qualquer minoração dos vencimentos que atualmente recebe, mantendo-se intangível sua remuneração, e sem a perda de direitos funcionais previstos na legislação específica que regula sua carreira. Pugnou pela concessão dos benefícios da gratuidade de justiça. As custas foram devidamente recolhidas, conforme comprovantes de ID's 10391287814, 10391273358 e 10391285633. A decisão constante no ID 10398779424 deferiu o pedido liminar. Devidamente notificada, a autoridade coatora apresentou suas informações no ID 10422211470. Arguiu que a negativa ao pedido administrativo de redução de jornada encontra respaldo na Lei Estadual nº 9.401/1986, que condiciona o deferimento do benefício à comprovação de que o dependente é pessoa “excepcional” em tratamento especializado. Segundo o laudo pericial emitido pelo setor de Perícias Médicas do Hospital da Polícia Civil, a condição de saúde da genitora da impetrante não se enquadra na definição legal de pessoa excepcional, uma vez que não foi demonstrada a presença de limitações psicossociais manifestadas antes dos 18 anos de idade, conforme previsto no Portal do Servidor de Minas Gerais. Ressaltou que o ato administrativo que indeferiu o pedido da servidora foi devidamente motivado e fundamentado em critérios legais e técnicos, conforme publicação no Diário Oficial do Estado. Afirmou que não há qualquer ilegalidade ou abuso de poder no ato praticado pela Administração, sendo, portanto, incabível a concessão da segurança por ausência de direito líquido e certo. Além disso, invocou o princípio da separação dos poderes, destacando que ao Poder Judiciário compete apenas o controle da legalidade dos atos administrativos, não lhe sendo permitido substituir o juízo de conveniência e oportunidade da Administração Pública. As decisões administrativas, desde que motivadas e em conformidade com a legislação vigente, devem ser respeitadas como expressão legítima da discricionariedade administrativa. A respeito do laudo médico, informou que o documento técnico pericial não foi anexado à manifestação por conter informações protegidas por sigilo médico, conforme determina o Código de Ética Médica. No entanto, sugeriu que, caso o Juízo entenda necessário para o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, requeira diretamente a juntada da cópia do referido laudo, que se encontra arquivado na Diretoria de Perícias Médicas da Polícia Civil. Por fim, requereu a denegação da segurança à impetrante. O Estado de Minas Gerais requereu seu ingresso no feito, conforme ID 10424754899. O Ministério Público do Estado de Minas Gerais emitiu parecer opinando pela concessão da segurança, conforme ID 10430728197. Os autos vieram-me conclusos para julgamento. É o relatório. Decido. II – FUNDAMENTAÇÃO O presente feito foi processado com respeito aos princípios do devido processo legal e do contraditório, não apresentando vícios aparentes capazes de eivá-lo de nulidade. Diante da inexistência de preliminares, passo à análise do mérito. II.1 – MÉRITO O mandado de segurança é a via adequada para proteção de direito contra ato ilegal ou abusivo emanado por parte de Autoridade, desde que tenha lesado direito líquido e certo do Impetrante, como realça a Constituição da República, em seu art. 5º, inciso LXIX, “verbis”: “LXIX – Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”. Conforme se constata, o mandado de segurança, como ação de natureza constitucional, está subordinado a dois requisitos: o primeiro é a existência, comprovada de plano, do direito líquido e certo, não amparado por “habeas corpus” ou “habeas data”. O segundo é que o ato, marcado pela ilegalidade ou pelo abuso de poder, tenha sido praticado por Autoridade pública ou Agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. O doutrinador Hugo de Brito Machado explicita o que vem a ser direito líquido e certo: "Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais. Quando a lei alude a direito líquido e certo, está exigindo que esse direito se apresente com todos os requisitos para seu reconhecimento e exercício no momento da impetração. Em última análise, direito líquido e certo é direito comprovado de plano. Se depender de comprovação posterior, não é líquido nem certo, para fins de segurança" (" in "" Mandado de Segurança", Malheiros Editores, São Paulo, 20º ed., 1998, p. 34/35). No caso em apreço, a impetrante objetiva, por meio do presente mandado de segurança, a redução da sua jornada de trabalho semanal de 40 para 20 horas, sem prejuízo de qualquer minoração dos vencimentos que atualmente recebe, mantendo-se intangível sua remuneração, e sem a perda de direitos funcionais previstos na legislação específica que regula sua carreira. Pois bem. Inicialmente, cumpre destacar a relevância da Lei Estadual nº 9.401, de 18 de dezembro de 1986, a qual autoriza o Poder Executivo a conceder redução da jornada de trabalho a servidores públicos estaduais legalmente responsáveis por pessoa excepcional em tratamento especializado. Dispõe a referida norma: Art. 1º – Fica o Poder Executivo autorizado a reduzir para vinte (20) horas semanais a jornada de trabalho do servidor público estadual legalmente responsável por excepcional em tratamento especializado. § 1º – A redução da jornada de trabalho de que trata o artigo dependerá de requerimento do interessado ao titular ou dirigente do órgão em que estiver lotado, e será instruído com certidão de nascimento, termo de curatela ou tutela e atestado médico de que o dependente é excepcional. § 2º – A autoridade referida no parágrafo anterior encaminhará o expediente à Secretaria de Estado de Administração, com vista ao serviço médico, que emitirá laudo conclusivo sobre o requerimento. § 3º – Será de 6 (seis) meses o prazo da concessão de que trata o artigo, podendo ser renovada, sucessivamente, mediante requerimento, por iguais períodos, observados os procedimentos constantes do § 2º. (Vide § 4º do art. 1º da Lei nº 23.676, de 9/7/2020.) (...) (Grifei) A lei estadual acima é regulamentada pelo Decreto Estadual nº 27.471/87, que dispõe: “Art. 1º – O servidor público estadual, de qualquer categoria, que for legalmente responsável por pessoa excepcional, em tratamento especializado, terá sua jornada de trabalho reduzida para vinte (20) horas semanais, se o requerer. Parágrafo único - Em se tratando de Professor regente de turma ou em atividade especializada, a redução da jornada incidirá sobre as horas destinadas ao cumprimento das obrigações do módulo 2, a que se referem os incisos I e II do artigo 99 da Lei nº 7.109, de 13 de outubro de 1977. Art. 2º - O requerimento do servidor, pretendendo o benefício de que trata o artigo 1º, deve ser dirigido ao titular ou dirigente do órgão de lotação do seu cargo ou função e instruído com certidão de nascimento, termo de curatela ou tutela, conforme o caso, e atestado médico de que o dependente é excepcional. Parágrafo único - Do atestado médico deverá constar, ainda, o código (CID) da doença motivadora da excepcionalidade do dependente. Art. 3º - Recebido o expediente pela autoridade competente, esta o encaminhará, visado, ao Serviço Médico da Secretaria de Estado de Administração. Art. 4º - Feito o exame do expediente, o Serviço Médico emitirá laudo conclusivo a respeito, o qual ficará arquivado em prontuário próprio naquele órgão, sendo expedido um extrato desse laudo, onde deverá ser esclarecido se a sua conclusão foi favorável ou desfavorável ao atendimento do pedido. § 1º - Caso a conclusão do laudo médico tenha sido favorável, o extrato, a que se refere o artigo, deverá informar, também, se a doença identificada no atestado médico é de caráter irreversível ou provisório. § 2º - O prazo de validade da concessão é de seis (6) meses, contados da data da publicação do despacho concessório, podendo, no entanto, ser renovado, sucessivamente, por iguais períodos, à vista de requerimento do interessado e observados os procedimentos estabelecidos no artigo 2º e seus parágrafos, deste Decreto. Art. 5º - Após tomadas as medidas mencionadas no artigo anterior, o Serviço Médico devolverá o expediente ao setor de pessoal do órgão de origem, o qual, à vista do extrato contendo a conclusão do laudo médico, prepará minuta do despacho concessório ou denegatório, conforme o caso, para a assinatura do titular ou dirigente do órgão, e posterior publicação. Parágrafo único - O despacho, a que se refere este artigo, terá eficácia apenas no âmbito do serviço público estadual e, em caso de mudança de local de lotação do cargo ou função do servidor, prevalecerá para os efeitos a que se destina. Art. 6º - Para efeito da aplicação do disposto no § 2º do artigo 4º, o servidor a ser beneficiado assumirá compromisso, por escrito, de, no caso de cessada a situação que gerou a concessão do benefício, por qualquer motivo, comunicar esse fato imediatamente ao setor de pessoal do órgão de lotação do seu cargo ou função, a fim de que seja feito o devido cancelamento da concessão, sob pena de devolução aos cofres públicos da importância que recebeu indevidamente pelas horas não trabalhadas, a que estava sujeito a partir da cessação daquela situação. Parágrafo único - Tão logo seja efetuado o cancelamento da concessão, com a respectiva publicação, o setor de pessoal do órgão de lotação do cargo ou função do servidor deverá comunicar essa ocorrência ao Serviço Médico da Secretaria de Estado de Administração, para a devida anotação no prontuário próprio." (...) (Grifei) À luz do disposto no art. 1º da Lei Estadual nº 9.401, de 18 de dezembro de 1986, regulamentada pelo Decreto nº 27.471/1987, verifica-se que é autorizada a redução da jornada de trabalho de servidor público estadual que seja legalmente responsável por pessoa excepcional em tratamento especializado, desde que atendidos os requisitos ali previstos, quais sejam: a apresentação de requerimento administrativo devidamente instruído com certidão de nascimento, termo de curatela ou tutela, bem como atestado médico que comprove a condição de excepcionalidade do dependente. No presente caso, consta nos autos o termo de curatela judicial concedido à impetrante, em favor de sua genitora, Sra. Naídia Cândida Pereira Gomes, conforme decisão proferida nos autos n.º 5227135-66.2024.8.13.0024, o que demonstra o cumprimento do requisito formal quanto à responsabilidade legal pela curatelada. Em relação ao requisito material, isto é, à caracterização da condição de “pessoa excepcional” nos termos da legislação em vigor, observa-se que há nos autos, sobretudo nos IDs 10387876060, 10387921922 e 10387925120, documentação médica apontando que a curatelada é portadora de Transtorno Esquizoafetivo do tipo misto (CID-10 F25.2), com sintomas graves e recorrentes desde a adolescência, resultando em perda de autonomia, necessidade de supervisão constante e múltiplos acompanhamentos terapêuticos. Tal circunstância sugere um quadro clínico que pode, em tese, se enquadrar no conceito de excepcionalidade, especialmente se considerados os efeitos funcionais e sociais da doença. Contudo, a autoridade administrativa indeferiu o pleito sob o fundamento de que a condição de saúde da curatelada não preenche os critérios objetivos exigidos para o enquadramento como excepcional, conforme interpretação atualmente adotada pelo Portal do Servidor de Minas Gerais. De acordo com a Administração, não houve comprovação de que as limitações psicossociais se manifestaram de forma plenamente impeditiva da participação social em igualdade de condições antes dos 18 anos de idade. Em contraponto, cabe destacar que, nos termos do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), o conceito de deficiência ou excepcionalidade não se restringe à data de início do quadro clínico, mas envolve a análise do impacto das limitações no exercício de direitos e na inclusão social, devendo ser interpretado conforme os princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção integral. Assim, o critério etário, por si só, não pode ser adotado como único parâmetro excludente, sobretudo quando há indícios robustos de que os sintomas se manifestaram em fase juvenil e que a dependência da curatelada é permanente e irreversível. Destaco, na oportunidade, posicionamento recente do egrégio Tribunal de Justiça, sobre situação semelhante: EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO DE ORIGEM – ANÁLISE – SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA - CONHECIMENTO PARCIAL DO RECURSO – MANDADO DE SEGURANÇA – REDUÇÃO DE JORNADA – SERVIDOR RESPONSÁVEL POR SUA GENITORA – ENFERMIDADE EXCEPCIONAL – TRATAMENTO CONTÍNUO – LEI ESTADUAL Nº 9.401/86 – DECISÃO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. 1. Se não houve decisão do Juiz de origem sobre a tese de incompetência do Juízo, vedada a análise em segundo grau, sob pena de supressão de instância. Recurso conhecido em parte. 2. O art. 1º, da Lei Estadual nº 9.401/86, autoriza a redução de jornada de trabalho de servidores públicos para 20 horas semanais, se forem legalmente responsáveis por pessoa excepcional em tratamento especializado. 3. Considerando que o agravado é responsável por sua mãe idosa, que apresenta grave estado de saúde e se encontra impossibilitada de praticar atividades básicas, revela-se justificada a redução de jornada, nos termos da Lei nº 9.401/86 e do Decreto nº 27.471/87. 4. Recurso não provido. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.24.055425-3/001, Relator(a): Des.(a) Raimundo Messias Júnior , 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 11/06/2024, publicação da súmula em 13/06/2024) (grifei) EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA – DIREITO ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO – REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO – SERVIDOR PÚBLICO – CURADOR ESPECIAL – DEPENDENTE – ENFERMIDADE EXCEPCIONAL ACOMPANHAMENTO IMPRESCINDÍVEL O servidor público do Estado de Minas Gerais que demonstra ser legalmente responsável por pessoal excepcional, em tratamento especializado, faz jus à redução da jornada em trabalho prevista na Lei Estadual 9.401/86. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.23.253977-5/001, Relator(a): Des.(a) Jair Varão , 3ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/02/2024, publicação da súmula em 20/02/2024) (grifei) Além disso, é oportuno salientar que os dispositivos legais mencionados, tanto na Lei Estadual nº 9.401/1986 quanto no Decreto Estadual nº 27.471/1987, não apenas disciplinam os requisitos para a concessão da redução da jornada de trabalho, mas também estabelecem expressamente o prazo de vigência do benefício, conferindo-lhe caráter temporário e renovável. De acordo com o § 3º do art. 1º da Lei nº 9.401/86 e o § 2º do art. 4º do referido Decreto, a redução poderá ser concedida inicialmente por seis meses, sendo permitida sua renovação sucessiva, desde que requerido pelo servidor e observados os mesmos trâmites e exigências documentais, inclusive nova avaliação médica. Tal previsão normativa reforça a natureza revisável e condicionada da medida, permitindo ao Poder Público exercer controle periódico sobre a manutenção dos requisitos legais e sobre a situação de excepcionalidade do dependente, conferindo segurança jurídica tanto à Administração quanto ao servidor beneficiado. Portanto, mesmo nos casos em que preenchidos os critérios legais para o deferimento, a concessão não se reveste de caráter definitivo, o que, por consequência, legitima sua implementação sob a supervisão continuada da autoridade competente. Assim, o direito não poderá ser concedido à impetrante enquanto perdurar a situação atual, devendo ser observado o limite de seis meses. Vejamos o entendimento do egrégio Tribunal de Justiça adotado em situações análogas: EMENTA: RECURSO DE APELAÇÃO//REMESSA NECESSÁRIA – MANDADO DE SEGURANÇA – REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO – SERVIDOR LEGALMENTE RESPONSÁVEL POR PESSOA COM DEFICIÊNCIA – DIREITO LÍQUIDO E CERTO – PRAZO LEGAL – SEIS MESES – RENOVAÇÃO DO BENEFÍCIO – REQUSITOS DO DECRETO REGULAMENTAR. – A Lei Estadual nº 9.401/86 garante ao servidor público legalmente responsável por pessoa com deficiência, em tratamento especializado, o direito à redução da jornada de trabalho pelo prazo de seis meses, que pode ser renovado sucessivamente, nos termos do Decreto nº 27.471/87. (TJMG - Ap Cível/Rem Necessária 1.0000.23.044517-3/002, Relator(a): Des.(a) Versiani Penna , 19ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 23/11/2023, publicação da súmula em 30/11/2023) EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO – APELAÇÃO CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA – SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL – REDUÇÃO DE JORNADA – ACOMPANHAMENTO DE DEPENDENTE EM TRATAMENTO ESPECIALIZADO – DIREITO LÍQUIDO E CERTO – LIMITAÇÃO TEMPORAL – LEI ESTADUAL Nº 9.401/1986 – DECRETO ESTADUAL Nº 27.471/1987. - O servidor público estadual, de qualquer categoria, que for legalmente responsável por pessoa excepcional, em tratamento especializado, terá sua jornada de trabalho reduzida para vinte (20) horas semanais, se o requerer, nos termos da Lei Estadual nº 9.401/1986 e do Decreto Estadual nº 27.471/1987. - Será de 6 (seis) meses o prazo da concessão, podendo ser renovada, sucessivamente, mediante requerimento, por iguais períodos, observados os procedimentos previstos na aludida legislação. (TJMG - Ap Cível/Rem Necessária 1.0000.22.140215-9/001, Relator(a): Des.(a) Wagner Wilson , 19ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 27/10/2022, publicação da súmula em 04/11/2022) (grifamos) Desta forma, demonstrado o direito líquido e certo da Impetrante, comprovado o preenchimento dos requisitos para a concessão da redução de jornada, dever ser concedida a ordem para reduzir a jornada de trabalho para 20 (vinte) horas semanais, respeitando, contudo, o prazo de 6 meses estipulado no art. 4ª, § 2º do Decreto Estadual nº 27.471/87. III – DISPOSITIVO Ante o exposto, confirmo a liminar anteriormente deferida e CONCEDO PARCIALMENTE A SEGURANÇA pleiteada por ANA MARIA PEREIRA GOMES em face da CHEFE DA POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS para determinar à Autoridade Impetrada que reduza a jornada de trabalho da Impetrante, para 20 (vinte) horas semanais, pelo prazo de seis meses, sem qualquer prejuízo ou minoração de seus vencimentos, mantendo-se intangível sua remuneração e resguardados todos os direitos funcionais previstos na legislação específica que rege sua carreira, nos termos do art. 1º da Lei Estadual nº 9.401/1986, combinado com o art. 4º, § 2º, do Decreto Estadual nº 27.471/1987. Ressalvo que a continuidade da redução de jornada além do prazo inicial de seis meses dependerá de novo requerimento da impetrante. Extingo o feito com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, I, do CPC c/c Lei n.º 12.016/2009. Considerando a sucumbência mínima, condeno a parte impetrada ao pagamento das custas e despesas processuais. Isento a impetrada ao pagamento das custas, por expressa disposição legal. Sem honorários advocatícios, pois incabíveis na espécie, em função do disposto no art. 25 da Lei de Mandado de Segurança (Lei n.º 12.016/2009), e a teor das Súmulas 512 do Supremo Tribunal Federal, e 105 do Superior Tribunal de Justiça. Sentença sujeita à remessa necessária, nos termos do artigo 14, §1º, da Lei n.º 12.016/2009. Transitada em julgado, não havendo outros requerimentos, remetam-se os autos ao arquivo, com baixa na distribuição. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se. Belo Horizonte, data da assinatura eletrônica. ROSIMERE DAS GRAÇAS DO COUTO Juíza de Direito 3ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte
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