Processo nº 0037813-59.2017.8.11.0042
ID: 258213267
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0037813-59.2017.8.11.0042
Data de Disponibilização:
17/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
SEBASTIAO FERREIRA DE SOUZA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 0037813-59.2017.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Homicídio Qualificado] Relator: Des(a). JORGE LUIZ TAD…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 0037813-59.2017.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Homicídio Qualificado] Relator: Des(a). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES Turma Julgadora: [DES(A). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, DES(A). PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA, DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO] Parte(s): [MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (REPRESENTANTE), AILSON MARTINS DOS SANTOS - CPF: 393.850.601-63 (APELADO), SEBASTIAO FERREIRA DE SOUZA - CPF: 383.964.751-72 (ADVOGADO), RONI MARTINS DOS SANTOS (VÍTIMA), RONI MARTINS DOS SANTOS - CPF: 567.836.471-53 (VÍTIMA), KATIA CILENE MARTINS SILVA - CPF: 062.156.811-21 (ASSISTENTE), PAULO HENRIQUE RODRIGUES DOS SANTOS - CPF: 048.578.901-94 (ASSISTENTE), LINDERLÂNIO SANTOS SARAIVA (ASSISTENTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO. ALEGAÇÃO DE DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA ÀS PROVAS DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. EXISTÊNCIA DE SUPORTE PROBATÓRIO IDÔNEO. PRINCÍPIO DA SOBERANIA DOS VEREDITOS. REVISÃO DA DOSIMETRIA DA PENA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS NEGATIVAS DEVIDAMENTE FUNDAMENTADAS. AUMENTO PROPORCIONAL. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Recurso de apelação interposto pelo acusado contra sentença do Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT, que o condenou, em conformidade com a decisão do Tribunal do Júri, pelo crime de homicídio qualificado (art. 121, § 2º, incisos I e IV, c/c art. 29, caput, ambos do Código Penal), à pena de 18 anos de reclusão, em regime inicial fechado. 2. O apelante sustenta a nulidade do julgamento sob a alegação de que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária às provas dos autos, argumentando inexistência de elementos mínimos que confirmem sua autoria. Subsidiariamente, pleiteia a revisão da dosimetria da pena, requerendo o afastamento da valoração negativa da culpabilidade, dos maus antecedentes e das circunstâncias do crime, além da aplicação da fração de 1/8 na primeira fase da dosimetria. II. Questão em discussão 3. Há duas questões em discussão: (I) verificar se a decisão do Conselho de Sentença foi manifestamente contrária às provas dos autos, a ponto de justificar a anulação do julgamento; e (II) examinar a adequação da dosimetria da pena, em especial a valoração negativa da culpabilidade, dos maus antecedentes e das circunstâncias do crime, bem como o critério adotado para a majoração da pena-base. III. Razões de decidir 4. O princípio da soberania dos veredictos, consagrado no art. 5º, inciso XXXVIII, alínea “c”, da Constituição Federal, impede a cassação da decisão do Tribunal do Júri, salvo se esta for manifestamente contrária à prova dos autos, nos termos do art. 593, III, "d", do Código de Processo Penal. 5. A decisão do Conselho de Sentença encontra respaldo no conjunto probatório, composto por boletim de ocorrência, laudos periciais e testemunhos judiciais, os quais indicam que o apelante determinou a execução da vítima devido a uma dívida oriunda do tráfico de drogas. 6. A escolha de uma versão pelos jurados, quando há provas que a sustentem, não caracteriza decisão manifestamente contrária aos autos, sendo vedado ao Tribunal ad quem substituir a convicção do Júri, sob pena de afronta ao princípio da soberania dos veredictos. 7. A valoração negativa da culpabilidade fundamenta-se na premeditação do crime e na posição do apelante como mentor intelectual do homicídio, elementos que justificam a maior reprovabilidade da conduta. 8. A consideração de maus antecedentes é legítima, pois há condenação penal transitada em julgado antes dos fatos apurados, circunstância confirmada em consulta ao Sistema Eletrônico de Execução Unificado – SEEU. 9. O concurso de agentes é circunstância que autoriza a análise desfavorável das circunstâncias do crime, pois revela maior reprovabilidade da conduta, tornando mais vulnerável o bem jurídico tutelado, o que extrapola o tipo penal (TJ-DF 00080245920168070010, Rel. Des. Waldir Leôncio Lopes Júnior, julgado em 14/10/2021). 10. A majoração da pena-base em 1/6 por circunstância judicial desfavorável atende aos critérios de proporcionalidade e razoabilidade, sendo amplamente aceita pela jurisprudência como parâmetro adequado. 11. A aplicação da fração de 1/8, como pleiteada pela defesa, não é obrigatória e, no caso, resultaria em reformatio in pejus, vedada em recurso exclusivo da defesa. IV. Dispositivo e tese 12. Recurso desprovido. Tese de julgamento: “1. A decisão do Conselho de Sentença não se revela manifestamente contrária às provas dos autos quando amparada em conjunto probatório idôneo. 2. O princípio da soberania dos veredictos impede a anulação do julgamento do Tribunal do Júri, salvo manifesta desconformidade com as provas coligidas. 3. A valoração negativa das circunstâncias judiciais na dosimetria da pena deve ser concretamente fundamentada, sendo lícito o acréscimo proporcional dentro da margem de discricionariedade do julgador.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXVIII, "c"; CP, arts. 121, § 2º, I e IV, e 29; CPP, arts. 59 e 593, III, "d". Jurisprudências relevantes citadas: STJ, AgRg no AREsp 1632897/RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, j. 16/06/2020; STJ, AgRg no AREsp 2284634/DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, j. 15/08/2023; TJMT, TJMT, Enunciado nº 18 da TCCR/TJMT; TJ-DF, 00080245920168070010, Rel. Des. Waldir Leôncio Lopes Júnior, julgado em 14/10/2021. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES (RELATOR). Egrégia Câmara: Trata-se de RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL interposto por AILSON MARTINS DOS SANTOS, contra a sentença prolatada pelo MM. Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT, o qual, acolhendo a decisão do conselho de sentença, o condenou pela prática do crime previsto no artigo 121, § 2º, incisos I e IV, c/c art. 29, caput, ambos do Código Penal, à pena de 18 (dezoito) anos de reclusão, em regime inicial fechado. Em suas razões, o apelante pleiteia a anulação do julgamento realizado pelo Tribunal do Júri, argumentando que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária às provas dos autos, uma vez que o conjunto probatório carece de elementos mínimos para confirmar a autoria dos crimes imputados. Requer, ainda, a revisão da dosimetria da pena, buscando o afastamento da valoração negativa atribuída às circunstâncias judiciais da culpabilidade, maus antecedentes e circunstâncias do crime, além da aplicação da fração de 1/8 para cada circunstância judicial negativada na primeira fase da dosimetria. Em contrarrazões, o Ministério Público manifestou pelo desprovimento do recurso, pugnando pela manutenção da sentença objurgada. A Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso. É o relatório. À douta revisão. V O T O R E L A T O R Egrégia Câmara: Conheço o recurso, pois presentes os pressupostos de admissibilidade e processamento, bem como, por tempestivo. Infere-se da peça acusatória que: “(...) no dia 10 de abril de 2017, por volta das 21h0Omin, em via pública, na Avenida 30, Bairro Jardim Industriário, nesta Capital, MARCOS RODRIGO DOS SANTOS CUNHA (falecido), agindo mediante determinação de AILSON MARTINS DOS SANTOS, vulgo "AMAZON", por motivo torpe, bem como mediante dissimulação, alvejou RONI MARTINS DOS SANTOS, o qual, em razão das perfurações por projéteis de arma de fogo, veio a óbito no dia 14 de maio de 2017. Restou que a vitima devia ao denunciando AILSON a quantia aproximada de R$ 8.000,00 (oito mil reais), em razão da compra de entorpecentes, razão esta que levou a este último determinar a MARCOS que matasse RONI. Desta forma, extrai-se do presente inquérito policial, que o acusado MARCOS, a mando de AILSON, solicitou que um casal de "noiados" convidasse a vítima para irem até um determinado local, sob o falso pretexto de consumirem droga, oportunidade em que MARCOS estava aguardando pela vítima e efetuou diversos disparos contra a mesma, conforme consta no laudo pericial n° 1.1.01.2017.104817-01. Salienta-se que a vítima não veio a óbito no local, entretanto, sua morte é decorrente dos disparos realizados por MARCOS a mando de AILSON, vulgo "AMAZON", conforme pode-se observar no laudo pericial acima mencionado.” De proêmio, convém registrar que, em observância ao Princípio da Soberania dos Vereditos do Júri, consagrado no art. 5º, inciso XXXVIII, alínea “c”, da Constituição Federal, a decisão do Conselho de Sentença deve ser preservada, somente se admitindo a cassação ou anulação quando manifestamente contrária às provas dos autos (art. 593, III, d, do CPP), ou seja, quando totalmente divorciada do conjunto probatório. Sobre a matéria, o Superior Tribunal de Justiça possui o entendimento de que: “a quebra da soberania dos veredictos é apenas admitida em hipóteses excepcionais, em que a decisão do Júri for manifestamente dissociada do contexto probatório, hipótese em que o Tribunal de Justiça está autorizado a determinar novo julgamento” (AgRg no AREsp 1632897/RS, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 16/06/2020). No caso em apreço, ao contrário do que manifestado pela defesa, a decisão exarada pelo Conselho de Sentença não está desamparada de elementos probatórios, ao revés, há expressivo acervo fático a subsidiá-la, em especial o boletim de ocorrência (Id. 179946916 – Pág. 10/11), o relatório policial (Id. 179946917 – Pág. 06/08), laudo de necrópsia (Id 179946917 – Pág. 11/33 e Id. 179946918 – Pág. 01/09) e relatório policial (Id. 179946918 – Pág. 17/18), além da prova oral produzida. O acusado Ailson Martins dos Santos, em plenário, negou ser o mandante do crime, bem como, que conhecesse a vítima e a pessoa identificada como Marquinhos. Alegou que, na época dos fatos, morava em Campo Grande, mas, ao tomar conhecimento do ocorrido, retornou a Cuiabá, onde permaneceu por quinze dias. Esclareceu que, com o auxílio de um amigo policial, tentou averiguar as circunstâncias do crime e levantou informações junto as pessoas do posto vizinho e moradores da região, que apontaram Anderson, José e Elvis como autores do crime, alegando que a vítima teria roubado a residência deles e que eles haviam dito que iriam matá-la. Relatou que, enquanto esteve em Cuiabá, procurou Anderson para esclarecer os fatos, mas ele negou envolvimento e disse que o acusado deveria “se virar”. Explicou que possuía um estabelecimento de recapagem de pneus, chamado “Amazon Pneus”, o que fez com que muitos o chamassem de “Amazon”. Negou qualquer envolvimento com o tráfico de drogas e mencionou que seu irmão, usuário de entorpecentes, também era conhecido como “Amazon”, pois ficou responsável pela empresa após ter ido embora para Campo Grande. Em juízo, a testemunha Kátia Cilene Martins Silva relatou que, na noite do crime, ligaram para seu pai informando que a vítima havia sido baleada e estava no pronto-socorro. Ao chegar no hospital, por volta das 7h30, ela e sua mãe conversaram com a vítima, que, embora debilitado, confirmou que os autores do crime foram “dois homens em uma moto” e que um deles era conhecido como “Amazon”. Esclareceu também que, antes do crime, a vítima havia contado à família que “Amazon”, um traficante da região, lhe havia pago, juntamente com seu primo Alexandro, para executar um homicídio no pé da serra. No entanto, a vítima teria usado o dinheiro para consumo de drogas e não cumpriu o “serviço”. Além disso, ele possuía uma dívida de R$ 8.000,00 com “Amazon”, que estava sendo paga em parcelas. Ressaltou que, no dia do crime, ouviu de terceiros, que a vítima estava no Posto São Matheus, no bairro Jardim Industriário, bebendo e usando drogas, quando “Amazon” teria chegado em uma caminhonete e ameaçado matá-lo caso não quitasse a dívida. Posteriormente, um homem apelidado de “Pescoço Cortado” teria atraído a vítima para um local sob o pretexto de buscar drogas para um casal de usuários. Ao sair do posto, a vítima foi abordada por dois homens em uma moto, que efetuaram os disparos. Em juízo, o informante Paulo Henrique Rodrigues dos Santos, filho da vítima, relatou que seu pai, ainda em vida, lhe contou que os disparos foram perpetrados a mando de “Amazon”, em razão de um desacerto envolvendo substância entorpecente. O policial civil Francisco Leite de Oliveira afirmou, em plenário, que a vítima foi alvejada no pátio de um posto por dois indivíduos em uma motocicleta, sendo “Amazon” o piloto e Marco o autor dos disparos. A vítima ficou internada por um mês no Pronto-Socorro de Cuiabá, mas não resistiu e veio a óbito. Que, no dia do crime, a vítima identificou os envolvidos aos policiais militares, mas não prestou depoimento formal, pois a delegacia aguardava sua recuperação, o que não ocorreu. Explicou que a identificação de “Amazon” foi difícil, pois, ao consultarem o sistema, encontraram várias pessoas com esse apelido, mas, ao apresentarem suas fotografias às testemunhas, estas afirmavam que não se tratava do indivíduo envolvido no crime. No entanto, durante a investigação, o irmão do acusado informou que este tinha uma borracharia chamada “Amazon Pneus”, razão pela qual era conhecido como “Amazon”. A partir dessa informação, os investigadores conseguiram qualificá-lo e obter uma fotografia, que foi reconhecida por familiares da vítima como o autor do delito e por pessoas que tinham conhecimento dos fatos. Sobre a motivação do homicídio, afirmou que “Amazon” teria contratado a vítima para matar um desafeto, mas esta pegou o dinheiro e não cumpriu a tarefa, gastando-o com drogas e bebidas, sem conseguir devolver a quantia. Diante disso, “Amazon” teria ordenado sua execução. Acrescentou que, posteriormente, determinou também a morte de Marcos, pois este comentava abertamente sobre o crime, o que preocupava “Amazon”. Esclareceu, ainda, que as investigações apontaram que “Amazon” tinha envolvimento com o tráfico de drogas na região e que houve dificuldade em obter depoimentos, pois os moradores e comerciantes tinham medo de represálias. Apesar disso, alguns forneceram informações de maneira informal, sem querer registrá-las oficialmente. Esse é o contexto probatório retratado nos autos. Diante do contexto probatório delineado nos autos, ao revés do que foi sustentado pela defesa, há provas judicializadas demostrando que o apelante efetivamente participou da execução do crime em questão, sendo apontado como o mandante do homicídio. O depoimento do policial civil Francisco Leite de Oliveira, colhido em juízo, revela detalhes essenciais que corroboram essa conclusão. O referido policial esclareceu que a investigação enfrentou obstáculos significativos, notadamente em razão do temor das testemunhas em prestar declarações formais sobre os fatos. Tal receio, é comum em crimes de natureza violenta como o homicídio, porém, não pode servir de escudo para a impunidade, tampouco fragilizar a credibilidade das provas obtidas por meio de diligências investigativas regularmente conduzidas. Nesse contexto, evidenciou-se que a qualificação do acusado somente foi viabilizada a partir da obtenção de sua fotografia, sendo ele formalmente reconhecido no curso das investigações por indivíduos que detinham conhecimento direto do ocorrido. No entanto, por medo de represálias, optaram por não se identificar, situação essa que, longe de comprometer a validade da prova, apenas reforça o ambiente de intimidação que circunda o delito em questão. Importa ressaltar que o depoimento do policial civil não configura testemunho indireto (“ouvir dizer”), pois ele teve contato com a apuração do crime ao atender a ocorrência e ao realizar diligências investigativas para reunir elementos probatórios. Sua atuação não se restringiu à coleta de relatos de terceiros, mas sim à análise criteriosa dos elementos fáticos e à construção de um arcabouço probatório que permitiu a identificação do envolvimento do apelante. Nessa perspectiva, é oportuno destacar que “o depoimento testemunhal daquele que, apesar de não ter presenciado os fatos, teve contato com o crime em apuração ao atender a ocorrência, e posteriormente ao encetar diligências para reunir elementos que certamente poderão servir como provas, a favor ou contra o réu, não pode ser considerado imprestável” (N.U 1000628-81.2022.8.11.0110, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RUI RAMOS RIBEIRO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 06/03/2024, Publicado no DJE 21/03/2024). Dessa forma, a narrativa apresentada pelo policial civil, fundamentada em diligências concretas e na análise minuciosa dos elementos probatórios, confere respaldo substancial à tese acusatória. Como já mencionado, a decisão entendida como manifestamente contrária à prova dos autos é aquela em que o Conselho de Sentença despreza completamente o conjunto probatório, conduzindo a um resultado dissociado da realidade apresentada nos autos, o que não se vislumbra no caso presente. Havendo versões contraditórias e uma sendo a escolhida, há que se respeitar a manifestação soberana do Tribunal do Júri, que é o juiz natural da causa, previsto, constitucionalmente. Em sendo assim, coexistindo teses opostas e havendo coerência na escolha de uma delas pelo Júri Popular, é vedado ao Tribunal ad quem cassar a decisão proferida pelo Conselho de Sentença, sob pena de ofender o princípio da soberania dos vereditos, previsto no art. 5.º, inc. XXXVIII, alínea “c”, da Constituição Federal. Nesse sentido é o entendimento pacificado neste Egrégio Tribunal de Justiça, consoante se depreende do Enunciado n.º 13 da Jurisprudência Uniformizada da Colenda Turma de Câmaras Criminais Reunidas, in verbis: “Não se caracteriza como manifestamente contrária à prova dos autos a decisão que, optando por uma das versões trazidas a plenário do Tribunal do Júri, não se encontra inteiramente divorciada do conjunto fático-probatório existente no processo”. Nesse contexto, nota-se que a decisão do Conselho de Sentença está amparada pelas provas dos autos e, portanto, não há que se cogitar em nulidade por decisão contrária à prova dos autos. Conclusivamente, entendo que a decisão dos jurados, portanto, está baseada em prova contida nos autos, de maneira que não há que se falar em submissão do apelante a novo julgamento pelo Conselho de Sentença. Por outro lado, o apelante pleiteia a revisão da dosimetria, requerendo o afastamento da valoração negativa atribuída à circunstância judicial da culpabilidade, maus antecedentes e circunstâncias do crime. Além disso, solicitam a readequação da fração aplicada no aumento da pena-base no caso concreto. Entretanto, melhor sorte não lhes assiste, nesta questão. Para a adequada análise dos fatos, transcrevo o teor da sentença, na parte a que interessa: “(...) Diante do princípio constitucional da individualização da pena e considerando as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, passo a fixá-la nos seguintes termos: A dinâmica do crime revela acentuada culpabilidade do réu, porquanto foi o mentor intelectual do crime, premeditou o delito, cuja circunstância não é inerente ao tipo penal e, por conseguinte, justifica a exasperação da pena-base. O réu registra antecedente criminal pela prática do delito de porte irregular de arma de fogo de uso restrito, praticado no dia 06/02/2004, a pena de 06 anos de reclusão, cuja sentença transitou em julgado em 15/09/2011 (Processo executivo de pena n. 0003327-86.2013.8.12.0001). Quanto à sua personalidade e conduta social, de acordo com entendimento jurisprudencial consolidado, suas análises demandam estudo psicológico e social aprofundado, por profissionais especializados (TJMT, AP nº 72331/2015), que não foi produzido nos autos, impossibilitando a valoração; A motivação do crime é torpe, consistente em uma dívida relacionada à compra de entorpecentes. Não obstante, uma vez que o Conselho de Sentença reconheceu o mover delitivo como qualificadora do tipo, prejudicada a sua valoração, sob pena de afronta ao princípio do non bis in idem. O comportamento da vítima influenciou para a prática do delito, porquanto era envolvida com o submundo do crime. Nesse sentido, há informações nos autos que ela era usuária de drogas e egressa do sistema penitenciário. Em consulta ao Apolo verifiquei que a vítima ostentava condenações pelos delitos de tráfico de drogas, associação para o tráfico de drogas e posse de drogas para consumo próprio (Ação Penal n. 17670-93.2010.811.0042 e 8692-59.2012.811.0042). Ademais, a testemunha Katia Cilene Martins Silva, sobrinha da vítima, afirmou perante a autoridade policial que ela teria lhe confidenciado que recebeu certa quantia em dinheiro de “Amazon” para matar um homem, cujo montante teria utilizado para compra de entorpecente, sem executar o homicídio. As circunstâncias do crime são desfavoráveis, porquanto o delito foi perpetrado em concurso de agentes. A dinâmica dos fatos releva que o réu determinou a terceira pessoa que executasse a vítima. Para tanto, o executor contou com o auxílio de um casal de “noiados” que atraiu Roni Martins dos Santos até o local em que ele foi alvejado pelos disparos de arma de fogo. (...) No tocante às consequências do crime, embora graves, integram o próprio tipo penal: (...) Assim, tendo em vista a pena prevista para o crime de homicídio qualificado – de 12 (doze) a 30 (trinta) anos de reclusão - entendo necessário e suficiente estabelecer a pena-base em 16 (dezesseis) anos de reclusão. Anoto, por oportuno, que o acréscimo acima aplicado está de acordo com o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso, no sentido de que deve obedecer à fração de 1/6 (um sexto) para cada circunstância judicial negativa: No caso concreto houve o recrudescimento de 02 (dois) anos para cada circunstancia judicial negativa (culpabilidade acentuada, antecedentes criminais e circunstâncias do crime) e a redução de 02 (dois) anos em razão do comportamento da vítima ter influenciado para a prática do delito. Nesse sentido: (...) No caso concreto houve o recrudescimento de 02 (dois) anos para cada circunstancia judicial negativa (culpabilidade acentuada, antecedentes criminais e circunstâncias do crime) e a redução de 02 (dois) anos em razão do comportamento da vítima ter influenciado para a prática do delito. “ Portanto, observa-se que a magistrada sentenciante atribuiu valoração negativa à culpabilidade do apelante, destacando, sobretudo, por ter sido o mentor intelectual do crime, premeditando o delito. No tocante à culpabilidade, para fins de individualização da pena, tal vetorial deve ser compreendida como o juízo de reprovabilidade da conduta, ou seja, o menor ou maior grau de censura do comportamento do réu, não se tratando de verificação da ocorrência dos elementos da culpabilidade, para que se possa concluir pela prática ou não de delito. In casu, entendo que a sentença proferida pela magistrada de origem valorou corretamente a culpabilidade. A fundamentação apresentada demonstra de forma clara que a ação do réu extrapolou a simples prática do homicídio qualificado, eis que o acervo probatório revela que o crime foi praticado de forma premeditada e com extrema audácia e frieza. Isso porque os elementos coligidos indicam que, pelo fato de a vítima estar devendo ao acusado, este determinou que terceiros a atraíssem ao local dos fatos, sob o pretexto de buscar substância entorpecente, momento em que foi brutalmente executada. Esses elementos, a meu ver, demonstram claramente a premeditação das ações e a intensa frieza na execução do delito. Nesse sentido, este Egrégio Tribunal de Justiça já manifestou que “a culpabilidade diz respeito à censurabilidade da conduta e ao grau de reprovabilidade social da ação. É desfavorável a moduladora quando para a prática do delito empregou-se intensa frieza” (N.U 0015111-95.2012.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PEDRO SAKAMOTO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 20/02/2024, Publicado no DJE 23/02/2024). Além disso, o Superior Tribunal de Justiça entende que “pode haver a valoração negativa da culpabilidade, uma vez que a premeditação, com o planejamento das ações, demonstra o maior desvalor dessa circunstância” (STJ - HC: 532902 PE 2019/0272982-2, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 05/12/2019, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/12/2019). De maneira similar, o Enunciado Orientativo nº 49 deste Sodalício dispõe que: a premeditação constitui fundamento idôneo para a majoração da pena-base em decorrência da maior culpabilidade da ação delituosa. No mais, em relação aos maus antecedentes, a defesa argumenta que não há documentação hábil para comprovar tal circunstância judicial, uma vez que o documento indicado na sentença, qual seja, a lista de antecedentes acessada pelo sistema do Poder Judiciário, não se revela suficiente para a negativação. Sem razão, contudo. Sabe-se que a reincidência, circunstância de caráter pessoal, pode ser reconhecida pelo juízo sentenciante ainda que não tenha sido alegada/requerida a incidência dessa agravante nos autos, bastando a existência de condenação penal com trânsito em julgado em desfavor do acusado, com data anterior aos fatos delitivos em apuração. In casu, como bem consignado pelo juízo a quo, é possível constatar a condição de reincidente do apelante com a simples consulta ao Sistema Eletrônico de Execução Unificado – SEEU, uma vez que responde ao processo Executivo de Pena n. 0003327-86.2013.8.12.0001, do qual se extrai que ele possui uma condenação com trânsito em julgado anteriormente aos fatos delitivos ora em comento. Sobre o tema, convém destacar que este Egrégio Tribunal de Justiça, por meio do Enunciado nº 18 da TCCR/TJMT, firmou o entendimento de que “A falta de certidão cartorária de trânsito em julgado de condenação anterior não impede o reconhecimento de maus antecedentes ou da reincidência desde que tais registros estejam disponibilizados em sítios eletrônicos do Poder Judiciário ou ainda constem de documentos oficiais de órgãos públicos que integram a atividade de persecução penal”. Desse modo, não há como afastar a agravante dos maus antecedentes, posto que é inequívoco que o recorrente é reincidente em crime doloso. Outrossim, as circunstâncias do crime foram corretamente valoradas negativamente pela magistrada de origem, que fundamentou sua decisão em elementos concretos constantes nos autos. Conforme consignado, o delito foi praticado em concurso de agentes, uma vez que a dinâmica dos fatos revela que o réu determinou uma terceira pessoa que executasse a vítima. Nesse sentido, ressalto que “o concurso de agentes é circunstância que autoriza a análise desfavorável das circunstâncias do crime, pois revela maior reprovabilidade da conduta, tornando mais vulnerável o bem jurídico tutelado, o que extrapola o tipo penal” (TJ-DF 00080245920168070010 DF 0008024-59 .2016.8.07.0010, Relator.: WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR, Data de Julgamento: 14/10/2021). Portanto, as razões apresentadas pela defesa não são capazes de desconstituir a fundamentação idônea contida na sentença de primeiro grau, que se pautou em critérios legítimos e devidamente justificados para a valoração desfavorável das circunstâncias judiciais. Por essa razão, mantenho a valoração negativa atribuída às circunstâncias e consequências do crime. No mais, em relação ao quantum de aumento, a Defesa sustenta que a pena-base deve ser exasperada no patamar de 1/8 (um oitavo) para cada circunstância judicial avaliada negativamente. No entanto, também não assiste de razão à defesa. No que concerne ao cálculo da pena-base, é cediço que a lei não impõe observância de qualquer critério lógico ou matemático para quantificar o grau de aumento da pena diante de circunstâncias judiciais desfavoráveis, de modo que, é concedido ao magistrado uma certa discricionariedade inerente à graduação da pena, devendo, no entanto, se pautar nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, para que seja aplicada a reprimenda necessária e suficiente para o atendimento da dupla finalidade da sanção penal. Nesse contexto, “o julgador deve, ao individualizar a pena, examinar com acuidade os elementos que dizem respeito ao fato, obedecidos e sopesados todos os critérios estabelecidos no art. 59 do CP, para aplicar, de forma justa e fundamentada, a reprimenda que seja, proporcionalmente, necessária”. (STJ, REsp. 827031/PE, Rel. Min. Laurita Vaz). Conclui-se, portanto, que o Código Penal não impôs o quantum de aumento necessário para cada circunstância judicial desfavorável ao sentenciado. Contudo, ante o silêncio do legislador, a doutrina e a jurisprudência estabeleceram dois critérios de incremento da pena-base, por circunstância judicial valorada negativamente, sendo o primeiro de 1/6 (um sexto) da mínima estipulada, e outro de 1/8 (um oitavo), a incidir sobre o intervalo de condenação previsto no preceito secundário do tipo penal incriminador (STJ, AgRg no AgRg nos EDcl no AREsp 1.617.439/PR, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, DJe 28/9/2020). Ressalto que o réu não tem direito subjetivo à utilização das referidas frações, não sendo tais parâmetros obrigatórios, porque o que se exige do juízo a quo é a fundamentação adequada e a proporcionalidade na exasperação da pena. No caso em tela, a magistrada sentenciante majorou a pena-base em 2 (dois) anos de reclusão para cada circunstância judicial desfavorável, o que representa em um acréscimo em fração de 1/6 (um sexto) sobre a pena mínima estipulada, que se mostra proporcional, em consonância com a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça. Aliás, veja-se o entendimento jurisprudencial aplicável ao caso: “A teor da jurisprudência desta Corte, a ponderação das circunstâncias judiciais não constitui mera operação aritmética, em que se atribuem pesos absolutos a cada uma delas, mas sim exercício de discricionariedade vinculada, onde se deve observar não só os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, mas também o da suficiência da reprovação e da prevenção ao crime. Assim, faz parte do juízo discricionário do julgador indicar o aumento da pena em razão da existência de circunstância judicial desfavorável, não estando obrigado a seguir um critério matemático rígido, de modo que não há direito subjetivo do réu à adoção de alguma fração específica para cada circunstância judicial, seja ela de 1/6 sobre a pena-base, de 1/8 do intervalo entre as penas mínima e máxima, ou, até mesmo, outro valor. Tais frações são parâmetros aceitos pela jurisprudência do STJ, mas não se revestem de caráter obrigatório.3. No caso em tela, o acréscimo da pena-base mostrou-se proporcional e razoável, considerando a apresentação de fundamentação idônea, suficiente e concreta para a valoração desfavorável de duas circunstâncias judiciais, o que nem sequer foi objeto de irresignação por parte da defesa, não havendo falar em aumento desproporcional.4. Agravo regimental improvido.” (STJ - AgRg no AREsp: 2284634 DF 2023/0020128-6, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 15/08/2023, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/08/2023) Ademais, como já mencionado, o juízo de primeiro grau aplicou a fração de 1/6 (um sexto) sobre a pena mínima estipulada, o que resultou em um acréscimo de 2 (dois) anos para cada circunstância judicial avaliada negativamente. Embora a defesa sustente que a aplicação da fração de 1/8 (um oitavo) sobre o intervalo entre as penas mínima e máxima seria mais proporcional, é importante ressaltar que tal fração resultaria em um aumento de 2 (dois) anos e 3 (três) meses para cada circunstância, o que levaria a um aumento mais severo da pena, configurando reformatio in pejus, o que é vedado em recurso exclusivo da defesa. O princípio da non reformatio in pejus visa garantir que a situação do réu não seja agravada em sede de recurso exclusivo por ele interposto, assegurando sua proteção processual. Por fim, quanto ao prequestionamento aventado pela Defesa, muito embora seja “desnecessário, para fins de prequestionamento, que o julgador esmiúce cada um dos argumentos e dispositivos legais tidos por violados, bastando que esclareça os motivos que o levaram à determinada conclusão” (TJMT, Nº 0023129-32.2017.8.11.0042, Câmaras Isoladas Criminais, Orlando De Almeida Perri, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 02/02/2021, Publicado no DJe 05/02/2021). Registro que os artigos elencados pelo recorrente e relacionados com as teses sustentadas no próprio recurso, foram observados e integrados à fundamentação deste voto, ficando, pois, prequestionados. Diante do exposto, em consonância ao parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, NEGO PROVIMENTO ao recurso interposto por AILSON MARTINS DOS SANTOS, mantendo incólume a sentença combatida. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 14/04/2025
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