Processo nº 1004571-54.2024.8.11.0040
ID: 323654544
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1004571-54.2024.8.11.0040
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
GEORGE HIDASI FILHO
OAB/GO XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1004571-54.2024.8.11.0040 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Rescisão do contrato e devolução do dinheiro, Ba…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1004571-54.2024.8.11.0040 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Rescisão do contrato e devolução do dinheiro, Bancários, Empréstimo consignado, Cartão de Crédito] Relator: Des(a). MARCOS REGENOLD FERNANDES Turma Julgadora: [DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [MARCIELE DA SILVA SANTOS - CPF: 021.972.301-07 (APELANTE), GEORGE HIDASI FILHO - CPF: 021.887.111-22 (ADVOGADO), BANCO BMG SA - CNPJ: 61.186.680/0001-74 (APELADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. E M E N T A DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA CONTRATAÇÃO. DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS INDEVIDOS. NULIDADE DO CONTRATO E INEXIGIBILIDADE DO DÉBITO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. DANO MORAL CONFIGURADO. MAJORAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelação interposta por Marciele da Silva Santos contra sentença que julgou parcialmente procedente a ação declaratória cumulada com pedido de restituição e danos morais, convertendo contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável para empréstimo consignado, com restituição simples de valores descontados a maior e indeferimento da indenização moral. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há três questões em discussão: (i) definir se é devida a declaração de nulidade do contrato de cartão de crédito consignado diante da ausência de comprovação da contratação; (ii) estabelecer se os valores descontados indevidamente devem ser restituídos em dobro; e (iii) analisar se os descontos indevidos configuram dano moral indenizável e em qual montante. III. RAZÕES DE DECIDIR A ausência de apresentação do contrato, comprovante de disponibilização dos valores ou de utilização do cartão pelo consumidor caracteriza falha na prestação do serviço e afronta ao dever de informação previsto no art. 6º, III, do CDC, impondo a declaração de nulidade do contrato e a inexigibilidade do débito. A restituição dos valores descontados deverá ser em dobro, posto que os descontos tiveram início após 30/03/2021 (Tema 929/STJ). A privação indevida de valores de benefício previdenciário configura situação que transcende mero aborrecimento e enseja indenização por danos morais, fixada em R$ 3.000,00, com observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: A instituição financeira responde objetivamente pelos danos causados ao consumidor pela cobrança indevida decorrente de contrato de cartão de crédito com RMC não comprovado, cabendo a restituição em dobro nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC. A realização de descontos em benefício previdenciário sem respaldo contratual caracteriza dano moral indenizável, cujo valor deve refletir a extensão do abalo e o caráter pedagógico da sanção. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXV; CC/2002, arts. 187, 389, 406, §1º; CDC, arts. 6º, III e VIII, 14, §§1º e 3º, 42, parágrafo único, e 47; CPC/2015, arts. 344, 373, II, 489, §1º, IV, e 1025; Lei nº 14.905/2024. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmulas 297, 362, 479 e 43; STJ, AREsp 2531267, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 02/05/2024; TJ-MT, ApCiv 1000876-52.2019.8.11.0013, Rel. Des. Clarice Claudino da Silva, j. 11/12/2021; TJ-MT, ApCiv 0022885-68.2013.8.11.0002, Rel. Des. Marcos Regenold Fernandes, j. 05/12/2024. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR): Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação interposto por MARCIELE DA SILVA SANTOS PAGLIARI contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Sorriso, que, nos autos da Ação Declaratória de Nulidade de Contrato de Cartão de Crédito com Reserva de Margem Consignável (RMC) e Inexistência de Débito c/c Restituição de Valores em Dobro e Indenização por Dano Moral proposta contra o BANCO BMG S.A., julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial, apenas para converter o contrato de cartão de crédito consignado para empréstimo consignado comum, com adequação das taxas de juros remuneratórios e restituição simples de valores descontados a maior. Em suas razões recursais, a parte apelante sustenta, em síntese, que o contrato em questão é nulo, porquanto celebrado sem o devido consentimento. Alega, também, que o banco apelado não apresentou qualquer documentação hábil a demonstrar a regularidade da contratação ou a efetiva disponibilização dos valores contratados, situação que, segundo a recorrente, evidencia falha na prestação do serviço e enseja a repetição do indébito em dobro, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC. Ressalta que, diante da ausência de comprovação da contratação, os descontos realizados em seu benefício previdenciário são indevidos e constituem ato ilícito gerador de danos materiais e morais. Requer, por fim, o provimento do recurso para que seja declarada a nulidade do contrato, a condenação do apelado à restituição em dobro dos valores descontados, a fixação de indenização por danos morais em valor não inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) e, subsidiariamente, a imposição ao banco de obrigação de fazer consistente na suspensão imediata dos descontos e encaminhamento mensal das faturas para pagamento direto pela apelante, com o recálculo da dívida mediante a aplicação da taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central. O magistrado a quo decretou a revelia da parte apelada (ID 194593167). Cumpridos os requisitos de admissibilidade, submeto o recurso ao julgamento colegiado. É o relatório. Inclua-se em pauta. V O T O R E L A T O R EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR): Egrégia Câmara: Como visto trata-se de recurso de apelação interposto por Marciele da Silva Santos Pagliari contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial, apenas para converter o contrato de cartão de crédito consignado para empréstimo consignado comum, com adequação das taxas de juros remuneratórios e restituição simples de valores descontados a maior. A autora, ora apelante, beneficiária previdenciária, afirma ter sido surpreendida com descontos mensais em seu benefício no valor de R$ 60,60, vinculados a um contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável nº 17301125, totalizando R$ 1.454,40 ao longo de 24 parcelas. Sustenta que jamais contratou a referida modalidade e que somente tomou conhecimento da operação após o início dos descontos, razão pela qual pleiteou, na origem, a declaração de inexistência de relação jurídica, a indenização por danos morais e a restituição dos valores descontados. O Juízo a quo julgou parcialmente procedentes os pedidos, nos seguintes termos: “Vistos etc. Cuida-se deAÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) E INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM RESTITUIÇÃO DE VALORES EM DOBRO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORALpromovida por MARCIELE DA SILVA SANTOS PAGLIARI em desfavor deBANCO BMG SA, ambos devidamente qualificados nos autos, conforme exordial de id. 151871000, a qual veio acompanhada de documentos diversos. Em síntese, a autora, beneficiária previdenciária, afirma que, diante de dificuldades financeiras, buscou a instituição ré para contratar empréstimo consignado. Todavia, ao verificar os extratos de pagamento do benefício, constatou descontos mensais de R$ 60,60, vinculados a contrato de cartão de crédito com RMC nº 17301125, totalizando R$ 1.454,40 em 24 parcelas. Alega que nunca teve intenção de contratar cartão de crédito e apenas percebeu a real natureza do contrato após os descontos. Sustenta que foi levada a erro pela conduta abusiva da ré, que teria omitido informações relevantes, não fornecendo esclarecimentos suficientes e induzindo-a a contratar produto diverso do pretendido. Argumenta que a operação contratada é excessivamente onerosa, com juros elevados e sem prazo determinado para quitação. Diante dos fatos, requer a declaração de nulidade do contrato de cartão de crédito nº 17301125, com suspensão dos descontos; subsidiariamente, requer a conversão do contrato para empréstimo consignado comum, com aplicação dos juros adequados e abatimento dos valores já pagos. Requer ainda a condenação da ré à restituição em dobro dos valores descontados (R$ 2.908,80) e a indenização por danos morais no valor de R$ 15.000,00. Decisão inicial intimou a parte autora para comprovar a alegada hipossuficiência, id. 151889449. Certidão constatou o decurso do prazo concedido sem qualquer manifestação da parte autora, id. 157663169. Sentença extinguiu o processo diante da ausência de pagamento das custas, id. 162010043. A parte autora apresentou recurso de apelação em face da sentença, id. 162392127. Em sede de juízo de retratação, foi tornada sem efeito a sentença anteriormente proferida, com o consequente recebimento da petição inicial e o deferimento do pedido de justiça gratuita (id. 163477380). A parte ré apresentou contrarrazões ao recurso interposto, id. 166002506. Certidão constatou o decurso do prazo sem qualquer manifestação da parte ré, id. 175544435. A parte autora requer a decretação da revelia da parte ré, bem como o julgamento antecipado da lide, id. 185111961. Vieram-me os autos conclusos. É O RELATÓRIO. FUNDAMENTO E DECIDO. Cumpre anotar que o caso em apreço é hipótese que comporta o julgamento antecipado da lide, nos termos do inciso I do art. 355 do CPC, não havendo salvo melhor juízo, a necessidade de dilação probatória. No caso dos autos observa-se que o réu deixou de apresentar contestação. A revelia, resultante da falta de contestação, leva à presunção relativa de veracidade dos fatos narrados na petição inicial. Isso está estabelecido no artigo 344, caput, do Código de Processo Civil, que diz: [...] Ademais, tal presunção pode ser refutada pelos demais elementos presentes nos autos, o que significa que não resulta automaticamente na procedência dos pedidos formulados inicialmente. Isso posto, decreto a revelia da parte ré. Pois bem. No caso em apreço, a parte autora objetiva o reconhecimento da nulidade do contrato de cartão de crédito com margem consignável, formulando, de forma subsidiária, pleito de conversão contratual para as condições ordinárias de um contrato de empréstimo consignado. Ademais, postula a condenação da parte demandada ao pagamento de indenização por danos materiais e morais. Pois bem, trata-se de relação jurídica sujeita aos efeitos doCódigo de Defesa do Consumidor. Nesse sentido, é o verbete das Súmulas emitidas pelo Superior Tribunal de Justiça acerca do tema: Súmula297/STJ: “OCódigo de Defesa do Consumidoré aplicável as instituições financeiras”. Súmula479/STJ: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”. Desse modo, o posicionamento do CDC, aplicável ao presente caso, determina a inversão do ônus da prova, em razão da relação consumerista: [...] Ainda, nota-se que a responsabilidade do fornecedor de serviços independe de demonstração de culpa: [...] Sabe-se que ao autor caberá a prova que constitua o direito alegado; em contrapartida, confere-se ao réu o ônus de apresentar todas as provas que impeçam, modifiquem ou extingam o direito daquele (art. 373, CPC). E compulsando os autos o conjunto fático-probatório alberga as alegações da parte autora. A autora comprovou o fato constitutivo do seu direito, por outro lado, o réu não se desincumbiu de provar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora. Assim, falha a parte ré em demonstrar tais alegações. Isso porque a parte ré não apresentou qualquer extrato ou documento hábil a comprovar que a parte autora recebeu o cartão ou efetuou a sua utilização, circunstância esta que corrobora as alegações autorais quanto à ausência de ciência e de consentimento quanto à contratação na modalidade de cartão de crédito com margem consignável. Nesse sentido: [...] Vale ressaltar que a e. Quarta Câmara de Direito Privado do Estado do Mato Grosso, em recente técnica de julgamento proferida no recurso deApelação Cível nº 1010568-54.2020.8.11.0041, firmou novo entendimento acerca da presente matéria. Restou determinado que nos casos de contratação de cartão de crédito consignado, em que o consumidor acredite se tratar de empréstimo consignado regular, que é o caso dos autos, será o caso de converter a modalidade contratual para empréstimo consignado, com a consequente alteração das taxas de juros, bem como de restituição, na forma simples, de valores descontados em excesso, caso haja comprovação. Dessa forma, percebe-se que o pacto firmado gera uma dívida, de fato, impagável, já que a taxa de juros aplicada corresponde ao valor total da prestação consignada e impede a amortização do principal, o que leva ao aumento constante da dívida, de modo extremamente oneroso a consumidora. Assim, restou demonstrada a falha na prestação do serviço da instituição financeira, que celebrou contrato de cartão de crédito consignado, quando a parte consumidora acreditara tratar-se de empréstimo consignado, e debitou apenas o valor mínimo da fatura da autora. Nesse sentido: [...] Desta feita, o banco requerido não produziu prova apta a demonstrar a higidez da relação jurídica pactuada. Portanto, reconhecido o vício na contratação, é o caso de conversão em empréstimo consignado, com a adequação das taxas de juros remuneratórios, bem como com a restituição, na forma simples, dos valores descontados em excesso. No que tange à alegação da parte autora de ter sofrido dano moral, verifica-se que esta não deve prosperar, uma vez que, para a caracterização do dano moral, deve-se levar em conta a violação dos direitos da personalidade. Na medida em que os direitos da personalidade estão sustentados na dignidade da pessoa humana, o dano moral viola a própria dignidade humana. A partir da narração dos fatos constantes da exordial não se observa qualquer mácula à reputação da autora ou à sua segurança e tranquilidade. A prova do dano moral é a prova da violação dos direitos da personalidade (dor, vexame, humilhação), quando causa um distúrbio anormal na vida do indivíduo, o que não ocorreu no presente caso. Assim, verifica-se que os elementos trazidos pela autora aos presentes autos não configuram o dano moral. Portanto, não merece guarida o seu pedido de indenização a título de dano moral, por falta de elementos configuradores do dano capaz de ensejar o surgimento de um dever de indenização. Em face do exposto e por tudo mais que dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação, nos termos do artigo 487, I, do CPC, e, de consequência, a) Converto o contrato de cartão de crédito consignado para empréstimo consignado comum; b) Fixo os juros remuneratórios a serem aplicados ao referido contrato, conforme a taxa média do Banco Central, a ser verificada na data de cada depósito; c) Em relação a eventuais valores pagos a maior, a restituição deverá se dar na forma simples, corrigida com juros de mora de 1% a.m. a ser computado a partir da citação, e correção monetária pelo INPC a ser contabilizado da data de cada pagamento realizado a maior, com abatimento de eventual débito em aberto; d) A apuração dos valores deverá se dar por meio deliquidação de sentença; e em sendo o caso, aplicar-se-á a compensação. A liquidação de sentença deverá obedecer aos parâmetros desta decisão. Tratando-se de sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento das custas processuais, calculadas à fração de 80%, ao banco demandado, e 20% à parte autora, cuja cobrança, em relação a esta, fica suspensa em razão da gratuidade da justiça anteriormente concedida. Fixo os honorários advocatícios, no importe de 10% sobre o valor da condenação, destacando, também, que a cobrança em relação à parte autora está suspensa. [...]” Inconformada, a autora recorre, alegando que a instituição financeira não comprovou a existência do contrato questionado e que os descontos foram realizados de forma indevida. Requer a reforma da sentença para que seja reconhecida a nulidade do contrato e, por conseguinte, a inexigibilidade do débito, com restituição em dobro dos valores descontados e a fixação de indenização por danos morais. Pois bem. As instituições financeiras, ao integrarem a cadeia de consumo, submetem-se às normas do Código de Defesa do Consumidor, que lhes impõe o dever de atuar com diligência e transparência na prestação de serviços. A responsabilidade por danos causados ao consumidor, por força do art. 14 do CDC, é objetiva, de modo que independe da comprovação de culpa e decorre do risco inerente à atividade econômica. A crescente complexidade das operações bancárias, especialmente aquelas envolvendo contratos de cartão de crédito com reserva de margem consignável, exige cautela redobrada. Esses instrumentos, embora legitimamente ofertados no mercado, apresentam características que nem sempre são plenamente compreendidas pelos consumidores, sobretudo quando se trata de beneficiários previdenciários, muitas vezes em situação de vulnerabilidade econômica e informacional. Nessa perspectiva, a boa-fé objetiva deve nortear toda a relação contratual, impondo ao fornecedor não apenas a abstenção de práticas abusivas, mas também o dever de informar de forma clara e completa sobre as condições do contrato. A falha em cumprir tal obrigação desequilibra a relação e potencializa riscos de contratações indevidas, inclusive pela atuação de terceiros de má-fé no ambiente bancário. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme ao reconhecer que as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos causados por fortuito interno, inclusive aqueles decorrentes de fraudes e delitos praticados por terceiros (Súmula 479/STJ). Para afastar essa responsabilidade, caberia à instituição financeira comprovar, de forma inequívoca, a ocorrência de uma das excludentes previstas no § 3º do art. 14 do CDC, como a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros alheios à cadeia de fornecimento, o que, no caso concreto, demanda análise criteriosa do conjunto probatório. Destaca-se que a presunção de veracidade decorrente da revelia, nos termos do art. 344 do CPC, não afasta a necessidade de exame das provas carreadas aos autos. Entretanto, tal presunção pode ser reforçada pela inércia da instituição ré em produzir elementos hábeis a desconstituir os fatos alegados na petição inicial, ônus que lhe incumbia, conforme art. 373, II, do CPC, diante da alegação de contratação indevida. Em um mercado cada vez mais dinâmico e marcado pela massificação do crédito, é inegável a assimetria entre grandes instituições financeiras e o consumidor comum, cuja vulnerabilidade é exacerbada por práticas comerciais agressivas e pela atuação de terceiros mal-intencionados. Nesse contexto, a observância da boa-fé objetiva e do dever de informação não é apenas um imperativo legal, mas uma garantia mínima de equilíbrio contratual, necessária para proteger o consumidor de dívidas que, muitas vezes, se tornam impagáveis e comprometem sua dignidade. No caso em apreço, cinge-se a controvérsia à regularidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, apontado pela autora como inexistente e gerador de descontos indevidos em seu benefício previdenciário. Antes de adentrar o mérito, importa salientar que, embora o Juízo de origem tenha concluído pela conversão do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável para a modalidade de empréstimo consignado comum, sob o fundamento de que a autora apenas tomou ciência da verdadeira natureza da operação após o início dos descontos, a realidade processual revela situação diversa. Conforme se extrai dos autos, a parte autora demonstrou, por meio de extratos previdenciários, a ocorrência de descontos mensais vinculados a um suposto contrato de cartão de crédito, circunstância que atraiu para a instituição financeira o ônus de comprovar a licitude da contratação, a efetiva disponibilização dos valores contratados e a utilização consciente do serviço, nos termos do art. 373, inciso II, do CPC. Todavia, verifica-se que o banco não apresentou sequer o instrumento contratual que daria respaldo aos descontos realizados, tampouco qualquer documento apto a evidenciar a anuência da consumidora. Para além disso, não há nos autos comprovante de transferência de valores à conta da autora, faturas mensais ou qualquer outro elemento que pudesse indicar o uso do cartão de crédito por ela, afastando, assim, a hipótese de contratação regular. Nesse contexto, a ausência de tais documentos evidencia violação ao dever de boa-fé objetiva, que impõe ao fornecedor a obrigação de atuar com lealdade e transparência, fornecendo ao consumidor informações claras sobre os serviços contratados. Considerando a hipossuficiência técnica e informacional da autora e a completa inércia da instituição financeira, não subsistem elementos para afirmar a existência de relação contratual válida, tampouco para se presumir eventual animus de contratar a modalidade impugnada. Nessa linha, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consolidada na Súmula 479, atribui às instituições financeiras a responsabilidade objetiva pelos danos gerados por fortuito interno, inclusive aqueles decorrentes de fraudes ou falhas operacionais, salvo comprovação de excludente de responsabilidade prevista no § 3º do art. 14 do CDC, o que, como se viu, não ocorreu no presente caso. Assim, afigura-se imperiosa a declaração de nulidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, bem como dos descontos dele decorrentes, dada a inexistência de provas mínimas que atestem a higidez da contratação. Verificada a irregularidade da contratação, torna-se insubsistente a dívida, impondo-se a devolução dos valores indevidamente descontados. Quanto à repetição do indébito, a apelante pleiteia a restituição do valor em dobro, conforme dispõe o art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor: “Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável”. Nos termos do Tema 929/STJ (EREsp 1413542/RS), publicado em 30/03/2021, a restituição em dobro pressupõe conduta contrária à boa-fé objetiva, independentemente de dolo ou culpa. “DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. HERMENÊUTICA DAS NORMAS DE PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC. REQUISITO SUBJETIVO. DOLO/MÁ-FÉ OU CULPA. IRRELEVÂNCIA. PREVALÊNCIA DO CRITÉRIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. MODULAÇÃO DE EFEITOS PARCIALMENTE APLICADA. ART. 927, § 3º, DO CPC/2015. IDENTIFICAÇÃO DA CONTROVÉRSIA 1. Trata-se de Embargos de Divergência que apontam dissídio entre a Primeira e a Segunda Seções do STJ acerca da exegese do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor - CDC. A divergência refere-se especificamente à necessidade de elemento subjetivo para fins de caracterização do dever de restituição em dobro da quantia cobrada indevidamente. 2. Eis o dispositivo do CDC em questão: "O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável" (art. 42, parágrafo único, grifo acrescentado). [...] 28. Com essas considerações, conhece-se dos Embargos de Divergência para, no mérito, fixar-se a seguinte tese: A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo. MODULAÇÃO DOS EFEITOS 29. Impõe-se MODULAR OS EFEITOS da presente decisão para que o entendimento aqui fixado - quanto a indébitos não decorrentes de prestação de serviço público - se aplique somente a cobranças realizadas após a data da publicação do presente acórdão. RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO 30. Na hipótese dos autos, o acórdão recorrido fixou como requisito a má-fé, para fins do parágrafo único do art. 42 do CDC, em indébito decorrente de contrato de prestação de serviço público de telefonia, o que está dissonante da compreensão aqui fixada. Impõe-se a devolução em dobro do indébito. CONCLUSÃO 31. Embargos de Divergência providos”. (STJ, Corte Especial, EREsp 1413542/RS, relator para acórdão Ministro Herman Benjamin, Dje 30/3/2021). Todavia, vê-se que a Corte Especial do STJ modulou os efeitos da decisão para que o entendimento prevalente se aplique apenas às cobranças realizadas após a data da publicação do acórdão paradigma. Para cobranças anteriores, mantém-se a exigência de demonstração de má-fé para a repetição em dobro. Tal orientação jurisprudencial vem sendo reiteradamente adotada pelo Superior Tribunal de Justiça e por este Tribunal, inclusive em julgados recentes que reafirmam a aplicação do entendimento firmado no Tema 929/STJ: “[...] A Corte Especial, afastando o requisito de comprovação de má-fé, fixou a tese de que a repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo. Deve-se observar a modulação dos efeitos da referida decisão quanto aos indébitos não decorrentes de prestação de serviço público, para que o entendimento se aplique apenas às cobranças realizadas após 30/3/2021 (data de publicação do acórdão). No particular, o acórdão recorrido fixou como requisito a comprovação de má-fé para o ressarcimento em dobro previsto no parágrafo único do art. 42 do CDC, o que contraria o entendimento fixado pela Corte Especial deste STJ, impondo-se a devolução em dobro do indébito para as cobranças realizadas após 30/3/2021. [...]”. (STJ, Terceira Turma, REsp 1947636/PE, relatora Ministra Nancy Andrighi, Dje 6/9/2024). “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – APELAÇÃO CÍVEL - PRESCRIÇÃO QUINQUENAL, JUROS DE MORA E COMPENSAÇÃO - AUSÊNCIA DOS VÍCIOS DESCRITOS NO ART. 1.022 DO CPC– MODULAÇÃO DOS EFEITOS NO EARESP 600.663/RS- CORTE ESPECIAL DO STJ - REPETIÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES ATÉ 30-03-2021 - APÓS EM DOBRO - OMISSÃO CONFIGURADA - EFEITOS INFRINGENTES ATRIBUIÍDOS - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Os Embargos de Declaração se destinam apenas ao saneamento de algum dos vícios elencados no artigo 1.022 do CPC. Deve-se observar a modulação dos efeitos da referida decisão quanto aos indébitos não decorrentes de prestação de serviço público, para que o entendimento se aplique apenas às cobranças realizadas após 30/3/2021 (data de publicação do acórdão). (AgInt nos EREsp n. 1.951.717/RJ, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Corte Especial, julgado em 25/6/2024, DJe de 1/7/2024.)”. (TJ/MT, Quarta Câmara de Direito Privado, embargos de declaração na apelação n. 1036975-97.2020.8.11.0041, relator Desembargador Rubens de Oliveira Santos Filho, Dje 11/11/2024). “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO NA ANÁLISE DA REGULARIDADE DO CONTRATO E DA NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ PARA DEVOLUÇÃO EM DOBRO. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO. INADMISSIBILIDADE DE REEXAME DA MATÉRIA. EMBARGOS REJEITADOS. [...] Tese de julgamento: 1. Embargos de Declaração não se prestam ao reexame do mérito da decisão embargada, sendo cabíveis apenas para sanar omissão, contradição, obscuridade ou erro material. 2. A assinatura por selfie e a ausência de gravações das tratativas não são suficientes para comprovar a validade de contrato eletrônico, cabendo ao fornecedor demonstrar a autenticidade da contratação. 3. A repetição do indébito em dobro prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC, independe de má-fé do fornecedor, bastando a violação da boa-fé objetiva. 4. A modulação dos efeitos determinada pelo STJ no EAREsp 676.608/RS restringe-se a valores pagos antes de 30/03/2021, sendo aplicável a repetição em dobro para cobranças posteriores a essa data. [...]”. (TJ/MT, Quinta Câmara de Direito Privado, apelação 1031135-58.2022.8.11.0002, relator Desembargador Márcio Vidal, Dje 14/02/2025) No caso concreto, consta dos autos que o primeiro desconto indevido em seu benefício previdenciário, referente a empréstimo não contratado, iniciou-se em 06/05/2022, conforme documento acostado no ID 151871007 (fls. 05). Desse modo, considerando que os descontos começaram a ocorrer após 30/03/2021, data da publicação do Tema 929/STJ (EREsp 1413542/RS), a restituição do valor deve ser em dobro, visto que a conduta da recorrida contraria a boa-fé objetiva, conforme descrito no referido tema. Portanto, considerando o ato ilícito praticado pela instituição financeira e a ausência de engano justificável, é de rigor a repetição do indébito em dobro, e, sobre o montante a ser restituído, deverão incidir juros de mora desde o evento danoso, nos termos da Súmula 54 do STJ, e correção monetária a partir do efetivo prejuízo, conforme Súmula 43 daquela Corte Superior, por se tratar de responsabilidade extracontratual. No que diz respeito à compensação de valores, entendo que a medida determinada na origem não deve subsistir. No caso em apreço, inexiste qualquer indício mínimo de que tenha havido repasse de valores à autora, seja por transferência bancária, TED, comprovante de depósito ou mesmo utilização do suposto cartão de crédito contratado. Embora oportunizado à instituição financeira o exercício de seu ônus probatório, competindo-lhe apresentar o contrato firmado com a consumidora, faturas detalhadas, gravações de atendimento ou qualquer outro elemento capaz de evidenciar a regularidade da operação, assim não procedeu. Essa completa inércia reforça a presunção de que os descontos realizados incidiam de forma indevida sobre benefício previdenciário, gerando ônus excessivo à autora sem que houvesse qualquer vantagem em seu favor. Diante desse contexto, incabível a compensação de valores, por inexistir base fática e documental apta a justificar tal medida. Prosseguindo, tenho que restou demonstrada, na hipótese, a falha na prestação do serviço do banco requerido, por ter realizado descontos no benefício previdenciário da Autora relativo a contrato de cartão de crédito consignado cuja legitimidade não foi comprovada. Desse modo, compreende-se que está caracterizada situação apta a ensejar a indenização em de danos morais. Nesta ótica, o princípio do livre convencimento confere ao magistrado a prudente prerrogativa de arbitrar o valor que entender justo, sempre de acordo com as peculiaridades do caso concreto, fazendo uma correspondência entre a ofensa e o valor da condenação. Devem-se observar os princípios que norteiam o dano moral tais como: a posição social do ofendido, a capacidade econômica do causador e a extensão da dor sofrida, sob pena de propiciar o locupletamento ilícito à vítima. Ao mesmo tempo, o valor deve ser significativo para que não passe despercebido, coibindo a conduta negligente do agente causador. O quantum não deve representar mero simbolismo, sob pena de esvaziar o caráter compensatório da sanção, mas não pode, também, impingir montante extremamente gravoso ao ofensor. Ao sopesar esses fatores, na presente situação, entendo que o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) se mostra compatível, considerando as particularidades do pleito e dos fatos assentados, bem como, observados os princípios da moderação e razoabilidade. Este entendimento, aliás, encontra ressonância na jurisprudência desta colenda Corte, conforme se depreende dos seguintes julgados: “Diante dos acontecimentos evidenciados, incumbe ao Banco Recorrente/Recorrido a restituição, em dobro, dos valores decotados indevidamente da aposentadoria da consumidora e, também, a o pagamento de indenização por danos morais que, nesta Corte, esta sendo majorada para R$ 3.000,00 (três mil reais).” (TJ-MT 1000876-52.2019.8.11.0013, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CLARICE CLAUDINO DA SILVA, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 11/12/2021, Publicado no DJE 11/12/2021) “A devolução em dobro dos valores descontados indevidamente é cabível com fundamento no art. 42, parágrafo único, do CDC, uma vez que não se comprovou engano justificável por parte do fornecedor. A indenização por danos morais é devida diante da privação indevida de rendimentos em folha de pagamento, configurando situação que vai além de mero aborrecimento cotidiano, sendo o valor de R$ 3.000,00 fixado de forma proporcional e razoável.” (TJ-MT 0022885-68.2013.8.11.0002, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARCOS REGENOLD FERNANDES, Vice-Presidência, Julgado em 05/12/2024, Publicado no DJE 05/12/2024, grifo nosso) “Quanto aos danos morais, embora a situação enseje reparação diante da falta de dever de cuidado e da flagrante fragilidade no sistema de segurança da instituição requerida, o que propiciou a fraude, causou insegurança, angústia e abalo psicológico à consumidora, a quantia fixada merece ser reduzida para R$3.000,00 (três mil reais), com juros legais de 1% ao mês a partir do evento danoso e correção monetária pelo INPC a partir do arbitramento, valor esse que se mostra satisfatório e mais condizente com as particularidades do caso. Tal quantia se afigura justa, razoável e proporcional à situação narrada, que não apresentou reflexos mais extensos na vida da autora, visto que não sofreu protesto ou negativação.” (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1000741-75.2020.8.11.0087, Relator.: MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, Data de Julgamento: 29/04/2024, Segunda Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 30/04/2024, grifo nosso) Ademais, dado que o contrato foi declarado inexistente, isso configura uma situação de responsabilidade extracontratual, pois não há um contrato válido que regule a relação entre as partes. Consequentemente, os juros de mora sobre a indenização por danos morais devem seguir a regra da Súmula 54 do STJ, incidindo a partir do evento danoso. Ainda, fixo como termo inicial da incidência da correção monetária a contar da data do arbitramento, na medida em que a Súmula 362 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabelece que “a correção monetária do valor da indenização por dano moral começa a incidir a partir da data do arbitramento”. Por oportuno, cumpre fazer menção à publicação da Lei nº 14.905/2024, que promoveu alterações significativas em dispositivos do Código Civil, notadamente nos que disciplinam a correção monetária e os juros moratórios incidentes nas relações cíveis (arts. 389 e 406). Referida norma estabeleceu que, nas hipóteses em que não houver pactuação ou previsão legal específica, deverão ser aplicados o IPCA como índice de atualização monetária e a Taxa Selic, deduzindo-se a correção monetária aplicável, como base para o cálculo dos juros moratórios. As referidas alterações passaram a produzir efeitos 60 dias após a publicação da lei (art. 5º, II), ocorrida em 1º/07/2024. Assim, com a entrada em vigor da Lei nº 14.905/2024, entendo que o percentual dos juros de mora deve ser fixado em 1% (um por cento) ao mês, com fundamento no art. 406 do Código Civil combinado com o art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional (conforme o Enunciado nº 20 da 1ª Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal), até a data em que a nova legislação começou a produzir efeitos. A partir de então, o cálculo da correção monetária e dos juros de mora deverá observar as alterações introduzidas no Código Civil, aplicando-se a Taxa Selic como indexação para juros e correção monetária, na forma do art. 406, § 1º, do CC/02. Diante da ausência de comprovação, por parte da instituição financeira, quanto à regularidade das cobranças impugnadas, bem como da inexistência de prova incontestável de que a consumidora possuía pleno conhecimento e consentiu expressamente com a contratação, ou de que eventual fraude tenha decorrido de sua exclusiva responsabilidade, impõe-se a reforma da sentença recorrida, nos termos da fundamentação supra, e em estrita observância aos princípios basilares que regem as relações de consumo, notadamente o da vulnerabilidade do consumidor e o da interpretação mais favorável (art. 47 do CDC). Com essas considerações, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso interposto por Marciele da Silva Santos para, reformando a sentença vergastada: (i) declarar a inexistência do negócio jurídico objeto da demanda e, por consectário lógico, a inexigibilidade do débito dele decorrente; (ii) determinar a restituição dos valores indevidamente descontados, nos moldes acima estabelecidos, com juros a partir do evento danoso (Súmula 54/STJ) e correção a partir do efetivo prejuízo (Súmula 43/STJ), afastando-se a compensação autorizada na origem; e (iii) condenar a instituição financeira ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 3.000,00 (três mil reais), sobre o qual deverão incidir juros moratórios desde o evento danoso (Súmula 54/STJ) e correção monetária a partir do arbitramento (Súmula 362/STJ), nos termos acima delineados. Por conseguinte, modificado o julgado e provido em parte o recurso, inverto o ônus de sucumbência, condenando a instituição financeira requerida/apelada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, no percentual fixado na sentença, o qual deverá incidir sobre o valor atualizado da condenação, na forma do art. 85, §§ 2º e 11, do Código de Processo Civil. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 08/07/2025
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