Processo nº 0800228-75.2021.8.14.0054
ID: 293143314
Tribunal: TJPA
Órgão: 2ª Turma de Direito Privado - Desembargadora LUANA DE NAZARETH AMARAL HENRIQUES SANTALICES
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0800228-75.2021.8.14.0054
Data de Disponibilização:
09/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANTONIO DE MORAES DOURADO NETO
OAB/PE XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ DESEMBARGADORA LUANA DE NAZARETH A. H. SANTALICES 2ª TURMA DE DIREITO PRIVADO APELAÇÃO CÍVEL Nº: 0800228-75.2021.8.14.0054 APELANTE: MARIA DE JE…
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ DESEMBARGADORA LUANA DE NAZARETH A. H. SANTALICES 2ª TURMA DE DIREITO PRIVADO APELAÇÃO CÍVEL Nº: 0800228-75.2021.8.14.0054 APELANTE: MARIA DE JESUS PARGA SOUSA APELADO: BANCO PAN S.A. RELATORA: Desembargadora LUANA DE NAZARETH A.H.SANTALICES DECISÃO MONOCRÁTICA Vistos, etc. Trata-se de recurso de APELAÇÃO CÍVEL interposto por MARIA DE JESUS PARGA SOUSA, inconformada com a sentença prolatada pelo Juízo da Vara Cível da Comarca de São João do Araguaia que, nos autos da Ação Declaratória de Nulidade de Relação Jurídica c/c Repetição de Indébito e Danos Morais, movida em face de BANCO PAN S/A, julgou improcedente a ação, in verbis (Num. 20070385): “Ante ao exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido inicial formulado por MARIA DE JESUS PARGA SOUSA, ora qualificado, nesta ação movida em face de BANCO PAN S/A, também qualificado. Ratifico os benefícios da assistência judiciária.”. Inconformada, a parte autora interpôs recurso de Apelação (Num. 20070387), alegando em síntese, que não reconhece o contrato de empréstimo apresentado, bem como refutou veementemente as alegações do Réu, pelo que, não recebeu os valores supostamente emprestados. Logo, que a instituição bancária teria se aproveitando da sua vulnerabilidade e hipossuficiência, por ser analfabeta e idosa, sendo nulo o negócio jurídico em questão, objeto de fraude bancária, vez que sequer consta assinatura a rogo no contrato impugnado. Portanto, requer ao final a reforma sentença, para que seja julgada procedente a ação, declarando-se de nulidade do contrato de empréstimo consignado, bem como condenando-se o banco apelado a restituição em dobro dos valores indevidamente descontados, e, em indenização por danos morais. Devidamente intimada, a parte ré/apelada apresentou Contrarrazões (Num. 20070391), postulando pelo total improvimento recursal, para manutenção in totum da sentença recorrida. Isso porque, teria conseguido comprovar a regularidade da contratação. Coube-me a relatoria do feito por distribuição. Considerando ser a parte apelante pessoa idosa, observo para o julgamento a prioridade na tramitação do presente feito, para os fins do art. 12, VII c/c art. 1.048, I do CPC. É o relatório. Passo a decidir. O recurso é cabível, tempestivo, tendo sido preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual, conheço da presente apelação. Cinge-se a controvérsia recursal acerca do alegado desacerto da sentença, que julgou improcedente a ação, por entender que a instituição bancária teria comprovado inexistir defeitos na prestação de serviços. Isto porque, juntou o contrato entabulado entre as partes. Pois bem. Antes de enfrentar as demais teses levantadas pelo apelante, é importante frisar que é matéria pacificada nos Tribunais Superiores que a presente demanda deve ser apreciada à luz do Código de Defesa do Consumidor. Neste sentido a Súmula 297 do STJ: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras. A ação discute em suma, a validade do contrato de empréstimo consignado firmado com consumidora idosa e analfabeta. Na petição inicial, a parte autora afirmou que era analfabeta e esse empréstimo não tinha sido contratado. Em razão disso, requereu a inexigibilidade dos contratos e a indenização por danos morais e materiais (repetição do indébito). Em sua defesa, o réu informou que se tratava de empréstimo consignado regularmente contratado e devidamente transferido para conta da parte autora, juntando documentos. Nesse contexto, entendo que o recurso comporta parcial acolhimento. Explico. A parte autora, na condição de consumidora idosa e analfabeta é pessoa hiper vulnerável, sendo imprescindível a observância de solenidade essencial à validade do negócio. No caso concreto, embora o contrato tenha a digital da consumidora analfabeta e duas testemunhas (aparentemente assinado com a mesma letra), não houve comprovação da efetividade na informação do consumidor idoso e analfabeto e nem assinatura a rogo de pessoa comprovadamente de sua confiança. Além disso, o banco réu não demonstrou que seus prepostos prestaram informações claras e corretas à parte autora, consumidor idoso e analfabeto, relativamente à contratação dos empréstimos pessoais consignados em folha de benefício previdenciário. A prova documental demonstrou a violação do direito à informação. No momento da contratação, o banco réu supostamente colheu a impressão digital do consumidor idoso e assinatura de duas testemunhas (Num. 20070369), mas sem prova de que houve leitura e explicação do conteúdo e do alcance do contrato e de suas cláusulas. Sintomático o fato de a parte autora sequer se recordar da realização daquele negócio jurídico. Em tempos de admissão legal (daí a aprovação da Lei nº 14.181/2021), deve-se exigir do fornecedor o cumprimento efetivo do seu dever de informar. Não basta, inclusive, inserir texto padrão de que o contrato havia sido lido ao consumidor, era preciso provar. É dever do fornecedor prestar informações adequadas ao consumidor relativas aos dados essenciais de produtos e serviços, a teor dos artigos 4º, incisos I e IV, 6º, inciso III e 36, todos do Código de Defesa do Consumidor. Não bastava ao banco-réu formalizar o contrato com a digital do consumidor e duas testemunhas, porque se exigia o efetivo esclarecimento ao consumidor sobre o conteúdo do negócio jurídico a ser celebrado, e, assinatura a rogo. Certamente, quando se analisa individualmente o processo de contratação entre o fornecedor e um consumidor, as características que diferenciam o último podem influenciar a eficiência da transmissão do conteúdo do contrato. E, isoladamente, de nada adianta ao fornecedor colher a impressão digital em um contrato de adesão do consumidor analfabeto como prova de seu conhecimento do conteúdo do contrato, se ele não sabia ler o que estava contido no instrumento. Assim, tem-se como ineficiente o processo de comunicação entre fornecedor e consumidor. Ou seja, como regra, as características do consumidor individual assumem importância e relevo no sucesso na transmissão de informações do fornecedor para o consumidor. A análise da relação jurídica específica entre aquele consumidor e o fornecedor não pode desprezar as aludidas circunstâncias. E, se tratando de consumidor analfabeto, é preciso verificar se a informação foi dada à pessoa de confiança do consumidor. A respeito da contratação de empréstimo pelo analfabeto, há valioso precedente do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial n.º 1.862.330 - CE, relator o Ministro Marco Aurélio Bellizze, julgado em 15/12/2020, e no Voto da Ministra Nancy Andigh, em que se concluem pela possibilidade da celebração do contrato e assinatura a rogo, aplicando-se por extensão o artigo 595 do Código Civil, contudo, não se exclui a discussão da validade sob o enfoque do direito à informação. Veja-se: "Daí se extrai que assinatura a rogo nada tem a ver com a aposição de digital em instrumento contratual escrito. É verdade que esse ato corriqueiro na praxe contratual faz prova da efetiva presença de contratante não alfabetizado, além de viabilizar sua precisa identificação, bem como tornar certa a exibição do contrato escrito. Admite-se ainda que esse ato se traduz em carga probatória, mesmo que não absoluta, da integridade do documento em si. No entanto, a aposição de digital é manifestamente insuficiente para assegurar o conhecimento das cláusulas e o consentimento aos termos escritos a que se vincularam as partes, o que afasta por consequência sua recepção como expressão inequívoca da vontade livre de contratar - elemento essencial ao negócio jurídico. Para tanto, tratando-se de consumidor que sabidamente está impossibilitado de assinar – tanto que manifestou-se por meio de aposição de digital –, passa a ser imprescindível a atuação de terceiro assinante a rogo, ou procurador público, cuja prova de participação deve ser imputada à instituição financeira, dada a condição de hipossuficiência do consumidor concretamente hipervulnerável. Destarte, pode-se concluir que é válida a contratação de empréstimo consignado por analfabeto mediante a assinatura a rogo, a qual, por sua vez, não se confunde, tampouco poderá ser substituída, pela mera aposição de digital ao contrato escrito. Vale registrar, ainda, que, embora a discussão travada neste recurso diga respeito tão somente à forma de contratação pelo analfabeto, nada impede, por óbvio, que o negócio seja anulado por vício de consentimento, caso a parte alegue e comprove esse fato perante as instâncias ordinárias, o que, todavia, não ocorreu no presente caso." (VOTO do Ministro Relator MARCO AURÉLIO BELLIZZE) “(...) Nessa linha, se, de forma geral, sofrem os consumidores de um déficit informacional controlado e, tantas vezes, manipulado pelos fornecedores, essa vulnerabilidade é ainda mais potencializada em relação aos analfabetos, ante sua inaptidão para ler e compreender textos escritos, usualmente utilizados para a contratação de serviços em massa. A propósito, embora o CDC não mencione expressamente os analfabetos em seu texto atual, inclui na política nacional a educação do consumidor (art. 4º, IV), prevendo ser direito básico deste “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem” (art. 6º, III). Ainda, dispõe o CDC que cabe ao fornecedor “assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa”, sendo as cláusulas contratuais redigidas de maneira clara e compreensível (arts. 46 e 54, § 3º). (...) De fato, conforme mencionado anteriormente, a formalização de negócios jurídicos em contratos escritos – seja por opção das partes, seja por determinação legal, como ocorre na contratação de mútuo com instituição financeira –, põem as pessoas analfabetas em evidente desequilíbrio, haja vista sua dificuldade de compreender as disposições contratuais expostas em vernáculo. Não obstante, intervindo no negócio jurídico terceiro de confiança da pessoa analfabeta, capaz de lhe certificar acerca do conteúdo do contrato escrito e de assinar em seu nome, tudo isso testificado por duas testemunhas, compensa-se, em algum grau, o desequilíbrio inicial entre os contratantes, diminuindo a assimetria informacional existente entre eles. (...) Nesse diapasão, parece-me que essa disciplina dos vícios de consentimento pode bem ser invocada pela pessoa analfabeta com vistas à invalidação de um negócio jurídico por si firmado quando, a despeito da observância da forma legal, se verificar que o ajuste não corresponde à vontade que intimamente elaborou e que pretendia declarar. Com efeito, a simples interveniência de terceiro na celebração do negócio jurídico formalizado por escrito não garante que o analfabeto efetivamente compreendeu os termos da contratação e seus elementos essenciais, mormente quando se tratar de contrato complexo, como em geral os são os contratos bancários. É crível imaginar que, em algumas situações, passe ao largo do conhecimento do analfabeto circunstâncias do negócio jurídico que, se conhecidas, o levariam a não realizar o ato, o que não pode ser desconsiderado pelo Poder Judiciário no enfrentamento desse grave problema social. Aliás, um oportuno exemplo de uma situação como esta é o caso dos analfabetos funcionais, que podem até ser capazes de “desenhar sua assinatura” em contratos escritos, circunstância que, todavia, não permite presumir que teve consciência dos elementos essenciais da contratação. Vale dizer, a observância da forma legal, por si só, pode não ser suficiente para suprir a já mencionada hipervulnerabilidade dos analfabetos, neutralizando o abissal desequilíbrio existente entre esse grupo de consumidores e os fornecedores em geral. (...) Cabe relembrar, por oportuno, que, se caracterizada relação de consumo – como na hipótese dos empréstimos consignados –, é admitida ademais a inversão do ônus da prova, na forma do art. 6º, VIII, do CDC, se convencido o juiz acerca da verossimilhança da alegação ou da hipossuficiência do consumidor." (VOTO da Ministra NANCY ANDRIGH). O caso sob julgamento amolda-se aos alertas dos precedentes do Superior Tribunal de Justiça. O quadro fático e probatório revelou uma situação em que não houve informação adequada e completa ao consumidor analfabeto. A instituição financeira agiu com uma dinâmica que por si só denuncia a falta de transparência e boa-fé. Sobre o assunto, confiram-se também precedentes da jurisprudência pátria, que seguem e com destaques às partes pertinentes das ementas: RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO – MÚTUO BANCÁRIO -EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - CLIENTE ANALFABETA - Consumidor tem o direito básico de ser e informado, previamente, sobre o serviço que lhe será prestado ou o produto que lhe será oferecido, bem como sobre os seus riscos (art. 6º, III, do CDC) e à financeira ré [que tinha o dever de lealdade e de probidade decorrente da boa-fé objetiva (art. 422 do CC)] cabia provar que prestou todos os esclarecimentos sobre a contratação que estava sendo travada entre as partes - Nada nos autos, contudo, comprova que tal dever de informação foi efetivamente cumprido e era dela apelante o ônus de provar isso: art. 6º, VIII, do CDC – Dano moral - Não ocorrência - Não é possível inferir que o mero desconto de valores em seu benefício previdenciário trouxe algum prejuízo extrapatrimonial à autora, notadamente porque ela admitiu ter contratado o mútuo e não questionou o crédito do respectivo valor em sua conta corrente -Embora tivesse se aborrecido com os descontos efetivados em valores superiores aos que lhe haviam sido prometidos, não sofreu dano moral - O mero dissabor está fora da órbita do dano moral - Indenização indevida - Ação de julgada procedente em parte - Sucumbência recíproca das partes - Ocorrência -Inteligência do art. 86,"caput", do CPC - Honorários fixados em 10% sobre o valor da causa atualizado, conforme o art. 85, § 8º, do CPC, sem possibilidade de compensação - Exigibilidade em relação à autora suspensa, por ser beneficiária da gratuidade processual – Recurso parcialmente provido. (TJSP - Apelação Cível nº 1000314-70.2021.8.26.0590, Relator Desembargador ÁLVARO TORRES JÚNIOR, julgado em 24/08/2021) CONTRATO BANCÁRIO – CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO – NULIDADE – OCORRÊNCIA – CLIENTE ANALFABETA - Se o analfabetismo da autora não é suficiente para reputá-la como civilmente incapaz, acarreta ao outro contratante (ao Banco réu) cautelas especiais a serem observadas, notadamente por se tratar de relação de consumo - Para fins de cumprimento do direito básico do consumidor de ser corretamente informado sobre o serviço prestado, bem como sobre seus riscos (art. 6º, III, do CDC), além do dever de lealdade e probidade decorrente da boa-fé objetiva (art. 422 do CC), não basta ao Banco-réu disponibilizar à cliente analfabeta uma cópia do instrumento particular de empréstimo consignado, devendo haver efetivo esclarecimento acerca do conteúdo do negócio jurídico a ser celebrado – Não comprovação – Ônus do Banco-réu – Nulidade do contrato – Art. 46 do CDC – Condenação do Banco-réu a devolver os valores consignados – Cabimento – Devolução também, por parte da autora, do valor do mútuo (empréstimo consignado), podendo haver compensação de valores – Hipótese em que a situação das partes deve voltar ao"status quo ante"– Inteligência do art. 182 do CC/2002 - Dano moral – Não ocorrência na espécie – Verba indevida – Honorários advocatícios devidos pelo Banco-réu e fixados em 20% sobre o valor da condenação, respondendo ainda pelo pagamento de 2/3 das custas processuais - Recurso parcialmente provido. (TJSP - Apelação Cível nº 1006005-12.2018.8.26.0189, Relator Desembargador ÁLVARO TORRES JÚNIOR, julgado em 26/08/2019) RESPONSABILIDADE CIVIL – AÇÃO ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C.C. REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – Alegada nulidade dos contratos de empréstimo consignado em benefícios previdenciários da autora, porquanto supostamente firmados por analfabeta e pessoa incapaz para os atos da vida civil - Nulidade dos negócios jurídicos reconhecida - Descontos indevidos das parcelas dos empréstimos da pensão por morte e dos proventos de aposentadoria da autora - Necessidade de regular os efeitos da declaração da nulidade absoluta no caso vertente a fim de evitar o enriquecimento sem causa dos litigantes – Determinação de restituição das partes ao status quo ante existente no momento da celebração do negócio jurídico (devolução do valor histórico do empréstimo com correção monetária pela mutuária e abatimento de eventuais valores pagos para o resgate da dívida, também devidamente corrigido) – Incidência do disposto nos arts. 182, 884 e 885 do Código Civil (...) Sucumbência carreada integralmente ao réu – Recurso provido em parte. (TJSP - Apelação Cível nº 1004011-43.2018.8.26.0481, Relator Desembargador CORREIA LIMA, julgado em 06/05/2019) No ponto relativo ao analfabetismo do autor, sabe-se que a validade da declaração de vontade de pessoa analfabeta depende de assinatura a rogo, acompanhada por duas testemunhas ou de instrumento público, sem os quais é inválida a contratação, nos termos do artigo 595 do CC, assim redigido: Art. 595. No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas. Essa formalidade não foi observada na espécie, já que o contrato que veio aos autos não exibe a assinatura de terceiro de confiança feita "a rogo" do autor, trazendo apenas sua hipotética digital e assinatura de duas supostas testemunhas. Veja-se que o terceiro que assina a rogo deve ser alguém de confiança do analfabeto, pois terá a função de ler e explicar a ele o conteúdo do texto, por isso que essa providência não constitui alegoria anódina do ajuste, mas representa formalidade sublevada a requisito essencial de validade da declaração de vontade do contratante que não sabe ler nem escrever, sem a qual o pacto é nulo de pleno direito, por não observar a forma prescrita em lei. Diante do reconhecimento de que a parte ré descumpriu o dever de prestar informações adequadas, relativamente à contratação do empréstimo em questão, e, não observado no contrato o requisito essencial da assinatura ‘a rogo’ de terceiro de confiança do consumidor analfabeto, de rigor a nulidade dos contratos com incidência do artigo 46 do Código de Defesa do Consumidor. Concluindo-se, reconheço a nulidade do contrato indicado na petição inicial, o que implicará o retorno das partes ao estado anterior. Diante disso, observa-se que a parte autora teve prejuízo patrimonial por descontos indevidos efetuados no seu benefício previdenciário, razão pela qual passa-se a analisar o pleito indenização por danos morais e materiais (repetição do indébito). Nesse contexto, não se pode admitir em face do consumidor, mormente os hiper vulneráveis (analfabetos) uma conduta comercial violadora da boa-fé. E a realização de empréstimo consignado apenas com a digital do consumidor, sem a comprovação das demais formalidades legais para o ato, deixou escancarada um método comercial sem transparência e informação. Deste modo, sendo a relação de consumo e aplicável o instituto da inversão do ônus da prova, dada a hipossuficiência da parte Autora, cabia ao banco réu demonstrar a autenticidade dos descontos efetuados nos proventos desta, o que não fez. Dada a natureza da operação bancária, entendo que o banco deveria ter apresentado provas concretas da existência e validade do negócio jurídico, que comprovassem o dever de informação do banco para com o consumidor. Este ponto é da maior importância para a segura resolução da causa, pois o ônus da prova é da instituição financeira, que, no caso concreto, dele não se desincumbiu, com fulcro no disposto no art. 373, II, do CPC. Veja-se ainda, que a parte Autora demonstrou que é pessoa idosa, de poucos recursos financeiros, sendo que a sua fonte de renda é proveniente do benefício que recebe junto ao INSS. Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento sumular que as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos causados aos consumidores, portanto é despicienda qualquer discussão acerca da culpa do banco, ou seja, é irrelevante para o deslinde da causa se a instituição financeira foi vítima de fraude ou não. Neste sentido: Súmula 479 do STJ: As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias. No mesmo sentido, o Código de Defesa do Consumidor estabelece em seu art. 14 que a responsabilidade do fornecedor de serviço é objetiva, isto é, dela somente se eximirá se provar a inexistência do defeito causador do acidente de consumo ou se este ocorreu por culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros: Art. 14 - O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. Assim, é inconteste que a instituição financeira assume os riscos do negócio por si prestados, de modo que fraudes praticadas por terceiros não afastam a responsabilidade civil pelo Réu. Nesse sentido, segue o julgado: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. FRAUDE BANCÁRIA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. CULPA EXCLUSIVA DO CONSUMIDOR OU DE TERCEIRO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. DANO MORAL. EXISTÊNCIA. MANUTENÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO. 1. As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias (Súmula 479/STJ). 2. Demonstrada a falha na prestação do serviço, por fraude de terceiros, o consumidor deve ser indenizado pelo dano material sofrido, independentemente de culpa (CDC14). 3. Configura dano moral a realização de saques de alto valor na conta de titularidade do consumidor, cujo saldo advinha de benefícios previdenciários pagos com atraso pelo INSS. 4. Para o arbitramento do valor de indenização por danos morais, devem ser levados em consideração o grau de lesividade da conduta ofensiva e a capacidade econômica da parte pagadora, a fim de se fixar uma quantia moderada, que não resulte inexpressiva para o causador do dano. No caso concreto, mantido o valor fixado na r. sentença em R$ 3.000,00. 5. Rejeitou-se a preliminar. Negou-se provimento ao apelo. (TJ-DF 07206530620208070003 DF 0720653-06.2020.8.07.0003, Relator: SÉRGIO ROCHA, Data de Julgamento: 02/12/2021, 4ª Turma Cível) Deste modo, entendo que o Réu não logrou êxito em comprovar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do Autor, portanto, não se desincumbiu do seu ônus probatório. Diante do exposto, mostra-se evidente o dever de indenizar da parte Ré, por não se tratar de mero aborrecimento, já que a parte autora sofreu descontos em seu benefício previdenciário, referentes a contrato de empréstimo. Em relação ao dano moral, restou configurado, uma vez que é latente que a parte autora teve a perda de sua tranquilidade em razão do desfalque no seu orçamento, gerado por um problema que não deu causa e nem sequer sabia da existência, o que enseja a sua reparação. Nesse contexto, a indenização por dano moral deve observar o caráter punitivo-pedagógico do Direito, ressaltando que as práticas adotadas para punição, visam fortalecer pontos como a prudência, o respeito e o zelo, por parte do ofensor, uma vez que se baseia nos princípios da dignidade humana e na garantia dos direitos fundamentais. Além disso, ela objetiva combater impunidade, uma vez que expõe ao corpo social, todo o fato ocorrido e as medidas tomadas. Sobre o cabimento dos danos morais, em contrato de empréstimo consignado sem a devida contratação, colaciono os seguintes julgados: DIREITO CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. COBRANÇA INDEVIDA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. FALSIFICAÇÃO DE ASSINATURA. CONTRATO NULO. DANO MORAL CARACTERIZADO. RESTITUIÇÃO EM DOBRO DAS PARCELAS COBRADAS INDEVIDAMENTE. DECISÃO MANTIDA. RECURSO A QUE NEGA PROVIMENTO. 1. É nulo o contrato avençado quando a assinatura aposta não é da parte contratante, verificado através de simples análise ocular. 2. Caracteriza-se o dano moral diante da cobrança indevida de valores referente a contrato de empréstimo consignado não firmado. 3. Devolução dos valores cobrados indevidamente em dobro, nos termos do art. 42, parágrafo único do CDC que trata da repetição de indébito, em virtude da ausência de comprovação por parte do fornecedor de engano justificável. 4. Decisão mantida. Recurso a que se nega provimento.” (TJ-PE - AGV: 3451609 PE, Relator: José Fernandes, Data de Julgamento: 25/02/2015, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: 10/03/2015). APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. IDOSO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DE APOSENTADORIA. DESCONHECIMENTO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. NÃO APRESENTAÇÃO DO CONTRATO. FRAUDE. DESCONTO INDEVIDO. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. SEGURANÇA DO SISTEMA BANCÁRIO. PROTEÇÃO AO IDOSO. VULNERABILIDADE E HIPOSSUFICIÊNCIA. SENTENÇA PARCIALMENTE ALTERADA. DANO MATERIAL CONFIGURADO. RESTITUIÇÃO EM DOBRO MANTIDA. DANO MORAL IN RE IPSA. QUANTUM INDENIZATÓRIO REDUZIDO. TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA. ALTERAÇÃO DE OFÍCIO. SÚMULA 54 DO STJ. EVENTO DANOSO. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.” (4907216, 4907216, Rel. MARIA DO CEO MACIEL COUTINHO, Órgão Julgador 1ª Turma de Direito Privado, Julgado em 2021-04-12, publicado em 2021-04-13) Também cabe assinalar, que a indenização deve observar aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, e arbitrada com moderação, a fim de evitar o enriquecimento sem causa. Deste modo, estando configurado o dever de o Réu indenizar a parte Autora, cumpre debater acerca do arbitramento do montante indenizatório. Com relação ao valor a título de danos morais, verifica-se que o ordenamento pátrio não possui critérios taxativos aptos de nortear a quantificação deste tipo de indenização, razão pela qual a fixação do montante devido deve levar em consideração o grau da responsabilidade atribuída ao réu, a extensão dos danos sofridos pela vítima, bem como a condição social e econômica do ofendido e do ofensor. A quantificação fica sujeita, portanto, a juízo ponderativo, devendo atender aos fins a que se presta, aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, não podendo, contudo, representar, enriquecimento sem causa da parte lesada. Assim, e levando em conta as condições econômicas e sociais da ofendida e do causador da ofensa; a gravidade potencial da falta cometida; o caráter coercitivo e pedagógico da indenização; os princípios da proporcionalidade e razoabilidade; tratando-se de dano moral puro; e que a reparação não pode servir de causa a enriquecimento injustificado, entendo que a decisão do juízo a quo está em consonância com precedentes jurisprudenciais já firmados por este E. Tribunal em casos semelhantes. Entendo, pois, devida a reparação dos danos morais ao consumidor autor pela entidade bancária, fixando-se em montante razoável e proporcional o seu arbitramento no patamar de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). No tocante à restituição dos valores indevidamente descontados, este E. Tribunal tem entendimento que esta deve ser procedida em dobro, pois, havendo cobrança indevida e não sendo justificável o defeito na prestação do serviço realizado, resta devida a repetição do indébito, prevista no parágrafo único, do art. 42, do Código Consumerista: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INCONFORMISMO APENAS DA AUTORA. DANOS MORAIS. MAJORAÇÃO. POSSIBILIDADE. ATENÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE, BEM COMO A PRECEDENTES DESTA CORTE ESTADUAL. REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. VIOLAÇÃO À BOA-FÉ OBJETIVA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO À UNANIMIDADE. 1.Na tentativa de estabelecer um parâmetro para fixação do quantum indenizatório por danos morais, o STJ, no julgamento do REsp 1152541, ensinou o método bifásico para definição do montante a ser pago. 2. No caso concreto, embora a recorrente não tenha realizado o contrato de empréstimo consignado objeto do litígio, sofreu descontos em sua remuneração desde junho/2014 até janeiro/2016. Ou seja, a apelante, pessoa idosa, segurada do regime geral da previdência, teve redução do patrimônio durante aproximadamente dois anos, em virtude de falta de zelo da instituição financeira que não se cercou dos devidos cuidados para evitar a fraude, devendo o quantum indenizatório corresponder a uma quantia razoável, proporcional à relevância do evento danoso e às condições econômicas das partes envolvidas. 3. O valor arbitrado pelo juízo singular está em dissonância com os parâmetros estabelecidos por esta Corte de Justiça em precedentes que tratavam de situação análoga, impondo-se a majoração do quantum indenizatório. 4. A restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que cobrou valor indevido, revelando-se cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva. Tese fixada pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça que se aplica ao caso concreto; 5. Recurso conhecido e provido para majorar o quantum da indenização por danos morais para R$ 10.000,00 (dez mil reais), bem como determinar a devolução em dobro dos valores descontados indevidamente do benefício previdenciário da autora. À unanimidade. (4954596, 4954596, Rel. RICARDO FERREIRA NUNES, Órgão Julgador 2ª Turma de Direito Privado, Julgado em 2021-04-13, publicado em 2021-04-20) EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. TESE RECURSAL DE INEXISTÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR. EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO CREDITÍCIO. IMPROCEDÊNCIA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. DESCONHECIMENTO DA CONTRATAÇÃO EFETUADO POR TERCEIRO EM NOME DO AUTOR. FRAUDE NA CONTRATAÇÃO. DESCONTOS ILEGAIS EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. COBRANÇA INDEVIDA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. RESTITUIÇÃO EM DOBRO. DEVER DE VERIFICAÇÃO DOS DADOS. DANOS MORAIS. CONFIGURAÇÃO. DANO “IN RE IPSA”. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA "OPE LEGIS". FORTUITO INTERNO. TEORIA DO RISCO DO EMPREENDIMENTO. QUANTUM FIXADO EM OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. UNÂNIME. (2017.02075313-17, 175.144, Rel. MARIA DO CEO MACIEL COUTINHO, Órgão Julgador 1ª TURMA DE DIREITO PRIVADO, Julgado em 2017-05-22, publicado em 2017-05-23). Desta feita, merece reforma a sentença exarada pelo juízo a quo, entendendo-se procedente a condenação o banco Réu à devolução em dobro do valor indevidamente debitado do benefício previdenciário da parte Autora, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC, bem como a indenização por danos morais que fixo em R$ 5.000,00. Ante o exposto, CONHEÇO e DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de Apelação, reformando a sentença objurgada, para julgar parcialmente procedente o pedido formulado na exordial, para: a) DECLARAR a nulidade do contrato, e, CONDENAR a instituição ré na repetição do indébito, referente aos valores descontados indevidamente, na forma do parágrafo único do art. 42 do CDC (em dobro), não alcançados pela prescrição, bem como no pagamento de indenização por danos morais, que fixo em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), conforme fundamentação alhures; b) Ademais, DEFIRO a compensação com o valor efetivamente creditado na conta bancária da parte autora em razão desse empréstimo, a fim de evitar indesejável enriquecimento sem causa; c) Por fim, inverto o ônus de sucumbência, condenando a parte requerida em honorários sucumbenciais, que fixo em 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação (art. 85, § 2º do CPC). P.R.I.C. Belém, data da assinatura eletrônica. LUANA DE NAZARETH A.H. SANTALICES Desembargadora Relatora
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