Maria Arruda De Jesus x Cetelem - Banco Bnp Paribas Brasil S.A
ID: 327409099
Tribunal: TJPA
Órgão: 3ª Vara Cível e Empresarial de Marabá
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0817040-08.2023.8.14.0028
Data de Disponibilização:
17/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA
OAB/MS XXXXXX
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GUSTAVO ROCHA SALVADOR
OAB/PA XXXXXX
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Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado do Pará 3ª Vara Cível e Empresarial da Comarca de Marabá PROCESSO: 0817040-08.2023.8.14.0028 Nome: MARIA ARRUDA DE JESUS Endereço: VC Boa Esperança do B…
Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado do Pará 3ª Vara Cível e Empresarial da Comarca de Marabá PROCESSO: 0817040-08.2023.8.14.0028 Nome: MARIA ARRUDA DE JESUS Endereço: VC Boa Esperança do Borgo, 280, VC Castanheira - Zona Rural, Velha Marabá, MARABá - PA - CEP: 68500-030 Nome: CETELEM - BANCO BNP PARIBAS BRASIL S.A Endereço: AL RIO NEGRO, 161, 17 E 18 ANDARES, APLHAVILLE INDUSTRIAL, BARUERI - SP - CEP: 06454-000 SENTENÇA 1. RELATÓRIO Trata-se de “ação declaratória de nulidade contratual c/c indenizatória por danos morais e materiais e pedido de tutela de urgência”, ajuizada por MARIA ARRUDA DE JESUS em face de CETELEM – BANCO BNP PARIBAS BRASIL S.A., partes qualificadas nos autos. Em síntese, a parte autora alegou que é pessoa idosa, aposentada, e que recebe benefício previdenciário NB 180.690.199-1, no valor de R$ 1.320,00, estando comprometida financeiramente devido a inúmeros descontos mensais em sua folha de pagamento. Afirma que, ao buscar um empréstimo consignado previdenciário, lhe foi disponibilizado o valor de R$ 1.311,80, mas, para sua surpresa, a concessão se deu por meio de cartão de crédito consignado, sob o contrato nº 97-825589028/17, com desconto mensal de R$ 46,85, a título de reserva de margem consignável (RMC). Sustenta que, embora já tenha sido descontado o valor total de R$ 3.232,65, a dívida não apresentou qualquer redução. Alega prática abusiva, ausência de informação clara, inexistência de número de parcelas e não utilização do cartão. Pleiteia a nulidade do contrato de cartão de crédito consignado, a restituição em dobro dos valores descontados, devidamente corrigidos, e indenização por danos morais. Alternativamente, pugnou pela readequação contratual para empréstimo pessoal com base nas taxas do BACEN. Em decisão ID 103864877, o juízo concedeu os benefícios da justiça gratuita, inverteu o ônus da prova e deferiu o pedido de tutela de urgência para que a ré se abstivesse de realizar descontos a título de RMC no benefício da parte autora. Deixou de designar audiência de conciliação e determinou a citação do réu. Regularmente citada, a parte ré ofereceu contestação ID 107482803 na qual requer, preliminarmente, a retificação do polo passivo para que conste exclusivamente o Banco BNP Paribas Brasil S.A., em razão da incorporação do Banco Cetelem. No mérito, alegou que a autora celebrou validamente o contrato nº 97-825589028/17, na modalidade de cartão de crédito consignado, em 04/08/2017, com crédito de R$ 1.285,56 transferido para conta bancária de titularidade da autora. Sustenta que os descontos são legítimos, representam o pagamento mínimo das faturas, e que a autora se beneficiou da contratação, não havendo vício de consentimento. Defende a legalidade do contrato, o exercício regular de direito e a inexistência de dano moral. Requereu, ainda, a realização de perícia grafotécnica e a improcedência dos pedidos autorais. A parte autora apresentou réplica ID 116310411, na qual impugna especificamente a contestação, reiterando que jamais contratou cartão de crédito consignado, sendo analfabeta, idosa e hipervulnerável. Alega ausência de assinatura a rogo com testemunhas, inexistência de rubrica nas laudas contratuais e irregularidade na contratação. Sustenta que os documentos não provam a ciência da autora quanto às cláusulas contratuais e que a contratação, se existente, padece de vício de consentimento, devendo ser anulada. Pleiteia o reconhecimento da má-fé da ré, a devolução em dobro dos valores descontados e a indenização por danos morais, reiterando jurisprudência do TJPA sobre o tema. Em decisão posterior (ID 132766517), o juízo determinou a intimação das partes para especificação de provas, ante a generalidade das manifestações anteriores nesse sentido. A parte ré apresentou manifestação (ID 135524454), na qual informou não pretender produzir outras provas, salvo eventuais contraprovas, e requereu o julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, I, do CPC. Por fim, foi juntada certidão pela secretaria (ID 144819515), certificando que apenas a parte ré apresentou manifestação tempestiva, requerendo julgamento antecipado da lide. Os autos vieram conclusos. Sendo o necessário relato, fundamento e decido. 2. FUNDAMENTAÇÃO Tendo em vista que o conjunto probatório colacionado aos autos é suficiente para a formação do convencimento do Juízo (art. 370, CPC), sendo, portanto, desnecessária a produção de outras provas, o caso comporta o julgamento antecipado da lide na forma do art. 355, I, do CPC. Impende esclarecer que a sua realização não configura faculdade, e sim dever constitucional do Juízo, em atenção ao princípio da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, CF). Sobre a preliminar de falta de interesse de agir, não há que se falar em esgotamento da instância administrativa ou em demonstração de pretensão resistida como condição para ingresso na via judicial, especialmente à luz da garantia constitucional do acesso à justiça (art. 5, XXXV da CF/88). Aliás, se assim fosse, pouquíssimas causas seriam passíveis de judicialização, em decorrência de prescrição ou outros eventos derivados da demora de solução administrativa. Portanto, rejeito a preliminar arguida. Passo ao exame do mérito. No caso dos autos, o(a) Demandante requer o reconhecimento da nulidade do contrato de cartão de crédito consignado firmado entre as partes, bem como, a condenação do(a) Requerido(a) ao pagamento de repetição de indébito, em dobro, e compensação por danos morais. O caso se submete ao regime jurídico previsto no Código de Defesa do Consumidor, haja vista que as partes se amoldam nos conceitos de consumidor e fornecedor previstos nos arts. 2º e 3º do CDC. Vale destacar o enunciado da Súmula n. 297 do STJ: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Compulsando os autos, não há controvérsia quanto à existência de relação jurídica entre as partes decorrente de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (“RMC”). A controvérsia se cinge em aferir a regularidade da contratação do negócio jurídico e o eventual dever de indenizar pelo(a) Demandado(a). Em relação à distribuição do ônus da prova, aplica-se ao caso o disposto no art. 6º, VIII, do CDC, por estarem configuradas a relação de consumo e a hipossuficiência técnica, financeira e jurídica da parte autora. Vale ressaltar, contudo, que tal situação não afasta o ônus do consumidor de apresentar as provas mínimas de suas alegações, em especial quanto à apresentação de prova documental cuja produção esteja a seu alcance, em atenção inclusive ao dever de colaboração com a Justiça (art. 6º, CPC). Outrossim, conforme dispõe o art. 104 do Código Civil, um contrato válido deve apresentar: (i) agente capaz; (ii) objeto lícito, possível, determinado ou determinável e (iii) forma prescrita ou não defesa em lei. Contudo, antes de adentrar ao plano da validade do contrato, é necessário analisar o plano da existência. Para que qualquer negócio jurídico exista, é necessário a presença de 04 (quatro) elementos: manifestação de vontade, agente, objeto e forma. Sílvio de Salvo Venosa nos ensina que: “declaração de vontade, que a doutrina mais tradicional denomina consentimento, é elemento essencial do negócio jurídico. É seu pressuposto. Quando não existir pelo menos aparência de declaração de vontade, não podemos sequer falar de negócio jurídico. A vontade, sua declaração, além de condição de validade, constitui elemento do próprio conceito e, portanto, da própria existência do negócio jurídico”. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil interpretado. 4ª ed. Atlas, São Paulo, 2019. p. 563). Nesse sentido, nota-se que um dos deveres impostos ao réu, pelo artigo 6º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, é o de informar. O direito à informação clara e objetiva é considerado fundamental pela Constituição Federal, em seu artigo 5º, XIV. Além disso, o “caput” do artigo 4º do CDC assegura aos consumidores a transparência e a harmonia na relação de consumo. Cumpre salientar, também, que o simples fato de a pessoa não saber ler ou escrever em nada interfere em sua capacidade para a prática dos mais variados atos da vida civil, dentre os quais aqueles que dizem respeito a contratação de empréstimos bancários, desde que observados os requisitos estabelecidos pelo ordenamento jurídico. Este tema, aliás, foi enfrentado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por ocasião do julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas autuado sob o nº. 0630366-67.2019.8.06.0000 (julgado em 21/09/2020), que sedimentou o entendimento pela legalidade da contratação do empréstimo por parte de pessoas analfabetas, bastando haver a assinatura a pedido do contratante, é dizer, observadas as formalidades estampadas no art. 595 do Código Civil de 2002. Colaciono aqui a tese firmada no julgamento do IRDR em questão, julgamento este que se deu por unanimidade: “É CONSIDERADO LEGAL O INSTRUMENTO PARTICULAR ASSINADO A ROGO E SUBSCRITO POR DUAS TESTEMUNHAS PARA A CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS ENTRE PESSSOAS ANALFABETAS E INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS, NOS DITAMES DO ART. 595 DO CC, NÃO SENDO NECESSÁRIO INSTRUMENTO PÚBLICO PARA A VALIDADE DA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DO ANALFABETO NEM PROCURAÇÃO PÚBLICA DAQUELE QUE ASSINA A SEU ROGO, CABENDO AO PODER JUDICIÁRIO O CONTROLE DO EFETIVO CUMPRIMENTO DAS DISPOSIÇÕES DO ARTIGO 595 DO CÓDIGO CIVIL.” No mesmo sentido, é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ, senão veja-se: EMENTA: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO FIRMADO COM ANALFABETO. 1. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. ENUNCIADO N. 284/STF. 2. ÔNUS DA PROVA. QUESTÃO ADSTRITA À PROVA DA DISPONIBILIZAÇÃO FINANCEIRA. APRECIAÇÃO EXPRESSA PELO TRIBUNAL LOCAL. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INVIABILIDADE. 3. VALIDADE DE CONTRATO FIRMADO COM CONSUMIDOR IMPOSSIBILITADO DE LER E ESCREVER. ASSINATURA A ROGO, NA PRESENÇA DE DUAS TESTEMUNHAS, OU POR PROCURADOR PÚBLICO. EXPRESSÃO DO LIVRE CONSENTIMENTO. ACESSO AO CONTEÚDO DAS CLÁUSULAS E CONDIÇÕES CONTRATADAS. 4. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO. 1. É deficiente a fundamentação do recurso especial em que a alegação de violação do art. 1.022 do CPC/2015 se faz de forma genérica, sem a demonstração exata dos pontos pelos quais o acórdão tornou-se omisso, contraditório ou obscuro. Aplica-se, na hipótese, o óbice da Súmula n. 284/STF. 2. Modificar o entendimento do Tribunal local acerca do atendimento do ônus probatório não prescinde do reexame de matéria fático-probatória, o que é inviável devido ao óbice da Súmula 7/STJ. 3. A liberdade de contratar é assegurada ao analfabeto, bem como àquele que se encontre impossibilitado de ler e escrever. 4. Em regra, a forma de contratação, no direito brasileiro, é livre, não se exigindo a forma escrita para contratos de alienação de bens móveis, salvo quando expressamente exigido por lei. 5. O contrato de mútuo, do qual o contrato de empréstimo consignado é espécie, se perfaz mediante a efetiva transmissão da propriedade da coisa emprestada. 6. Ainda que se configure, em regra, contrato de fornecimento de produto, a instrumentação do empréstimo consignado na forma escrita faz prova das condições e obrigações impostas ao consumidor para o adimplemento contratual, em especial porque, nessa modalidade de crédito, a restituição da coisa emprestada se faz mediante o débito de parcelas diretamente do salário ou benefício previdenciário devido ao consumidor contratante pela entidade pagadora, a qual é responsável pelo repasse à instituição credora (art. 3º, III, da Lei n. 10.820/2003). 7. A adoção da forma escrita, com redação clara, objetiva e adequada, é fundamental para demonstração da efetiva observância, pela instituição financeira, do dever de informação, imprescindíveis à livre escolha e tomada de decisões por parte dos clientes e usuários (art. 1º da Resolução CMN n. 3.694/2009). 8. Nas hipóteses em que o consumidor está impossibilitado de ler ou escrever, acentua-se a hipossuficiência natural do mercado de consumo, inviabilizando o efetivo acesso e conhecimento às cláusulas e obrigações pactuadas por escrito, de modo que a atuação de terceiro (a rogo ou por procuração pública) passa a ser fundamental para manifestação inequívoca do consentimento. 9. A incidência do art. 595 do CC/2002, na medida em que materializa o acesso à informação imprescindível ao exercício da liberdade de contratar por aqueles impossibilitados de ler e escrever, deve ter aplicação estendida a todos os contratos em que se adote a forma escrita, ainda que esta não seja exigida por lei. 10. A aposição de digital não se confunde, tampouco substitui a assinatura a rogo, de modo que sua inclusão em contrato escrito somente faz prova da identidade do contratante e da sua reconhecida impossibilidade de assinar. 11. Reconhecida pelas instâncias ordinárias a existência de assinatura a rogo no caso concreto, a alteração do acórdão recorrido dependeria de reexame de fatos e provas, inadmissível nesta estreita via recursal. 12. Recurso especial conhecido em parte, e, nessa extensão, não provido. (REsp 1868103/CE, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/2020, DJe 18/12/2020) (grifou-se). ___________________________________________________ EMENTA: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA. RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. IDOSO E ANALFABETO. VULNERABILIDADE. REQUISITO DE FORMA. ASSINATURA DO INSTRUMENTO CONTRATUAL A ROGO POR TERCEIRO. PRESENÇA DE DUAS TESTEMUNHAS. ART. 595 DO CC/02. ESCRITURA PÚBLICA. NECESSIDADE DE PREVISÃO LEGAL. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Os analfabetos podem contratar, porquanto plenamente capazes para exercer os atos da vida civil, mas expressam sua vontade de forma distinta. 3. A validade do contrato firmado por pessoa que não saiba ler ou escrever não depende de instrumento público, salvo previsão legal nesse sentido. 4. O contrato escrito firmado pela pessoa analfabeta observa a formalidade prevista no art. 595 do CC/02, que prevê a assinatura do instrumento contratual a rogo por terceiro, com a firma de duas testemunhas. 5. Recurso especial não provido. (STJ – TERCEIRA TURMA - RECURSO ESPECIAL Nº 1.954.424 - PE 2021/0120873-7 - RELATOR MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA – DATA DO JULGAMENTO: 07 de dezembro de 2021). Como bem frisado pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, em seu voto no REsp nº .954.424 - PE 2021/0120873-7, “apesar de as pessoas analfabetas terem plena liberdade para contratar empréstimos consignados, que não precisam ser formalizados necessariamente por meio de escritura pública, salvo previsão legal, há que se exigir a externalização da vontade por instrumento escrito, com a participação obrigatória de terceiro apto a assinar a rogo pelo analfabeto e firma de duas testemunhas, indispensável para superar as desigualdades entre os contratantes”. Assim sendo, deve-se ser declarado NULO os contratos nas hipóteses em que não são observadas as exigências do artigo 595 do Código Civil (CC), como por exemplo aqueles instrumentos que não possuem a assinatura a rogo (isto é, além da aposição da digital da pessoa analfabeta, também deve ser colhida assinatura de um terceiro a rogo) ou que não identificam devidamente ou deixaram de consignar a assinatura de duas testemunhas. No caso dos autos, o contrato apresentado (ID 107482809) não atende aos requisitos previstos no art. 595 do Código Civil. Verifica-se que o contrato contou com a coleta de uma impressão digital, a assinatura de um terceiro à rogo e a subscrição por uma testemunha. Tal deficiência formal compromete a higidez da contratação, sobretudo porque, se tratando de pessoa analfabeta, a forma escrita exige formalidades adicionais que assegurem a veracidade da manifestação de vontade, conforme imposto no art. 595 do CC. O fato de o contrato ter sido firmado com a assinatura de apenas uma testemunha, por si só, já configura violação ao requisito legal indispensável à validade do negócio jurídico. O vício formal ganha ainda maior relevo quando se considera que não há qualquer indício de vínculo de parentesco ou confiança entre a parte autora e as pessoas que assinaram a seu rogo e como testemunha, segundo se observa dos próprios documentos de identidade apresentados pela instituição ré. Tal circunstância fragiliza substancialmente a alegação de que a parte autora foi corretamente informada e orientada acerca do tipo de contrato que estava celebrando, bem como quanto aos encargos, obrigações e à própria natureza da modalidade de crédito ofertada, notadamente mais complexa e onerosa que o empréstimo consignado convencional. Dessa forma, a ausência da segunda testemunha no instrumento contratual apresentado pela parte ré, somada à condição de hipossuficiência e vulnerabilidade da parte autora, acarreta a nulidade do contrato em exame, por inobservância da forma legal exigida, obstando o reconhecimento de sua validade no presente feito. Nesse viés, entendo que o banco réu não logrou êxito em demonstrar que esclareceu à parte autora o impacto da forma da contratação na viabilidade de pagamento, isto é, de quitação do empréstimo contratado. Percebe-se que o banco réu tenta aparentar legalidade e transparência na contratação, mas o contexto prático reside na limitação e manipulação dos modos e condições informados ao contratante a respeito da relação obrigacional estabelecida entre ambos, geralmente tratando-se de aposentados e pensionistas, ou com pouca instrução, para fazê-los aderir a uma dívida de quase impossível quitação. As informações propositalmente limitadas e a ausência de esclarecimento quanto à forma de quitação, que na presente ação é evidente pela ausência de cumprimento dos requisitos obrigatórios para formalização de contratos com analfabetos, tornou a declaração de vontade do autor viciada por erro substancial quanto à natureza jurídica do negócio (artigo 139, inciso I do Código Civil), pois mesmo sendo fato incontroverso que a autora aderiu à contratação, sua intenção era obter um numerário em espécie, um aporte financeiro, mediante desconto sobre os proventos previdenciários e não a emissão de um cartão de crédito, destinado, em essência, ao mercado de consumo de bens e serviços, ainda que emitido de forma consignada, com a taxa de juros mais convidativa que o cartão convencional, porém superior às taxas praticadas em um simples empréstimo consignado. Ademais, a emissão de cartão de crédito para atender ao pedido de empréstimo consignado constitui prática em desrespeito ao direito do consumidor, sendo de válida colocação o art. 39 do Código de Defesa do Consumidor, a partir do qual se “considera abusiva a conduta do fornecedor que se vale de vulnerabilidades específicas do consumidor para impor a contratação de produtos ou serviços”, tornando nulo de pleno direito a relação contratual, nos termos do art. 51, inciso IV, da mesma codificação, eis que o réu, prevalecendo-se da baixa condição social e a pouca instrução da parte autora, impôs a contratação de um negócio que lhe era extremamente prejudicial e, de válida ressalva, diverso do almejado. Outrossim, o banco requerido sequer comprova que houve o uso do cartão de crédito para compras e serviços ou demais saques complementares, para além do saque inicial que a parte autora alegou ter realizado, o que corrobora suas alegações de que acreditava estar realizando um empréstimo consignado comum. No Histórico de Empréstimo Consignado do INSS juntado pelo(a) requerente (ID 102869599), o contrato teria sido avençado em 03 de agosto de 2017 e, não tendo o banco comprovado que houve o uso do cartão para outras finalidades além do saque autorizado (R$ 1.285,56) que foi disponibilizado em conta bancária no dia 04 de agosto de 2017 (ID 107482811), não seria razoável acreditar que uma pessoa solicitaria um cartão de crédito para realizar apenas um único saque ao longo de mais de 06 (seis) anos. Assim, o comportamento abusivo e por vezes negligente aqui posto com relação ao fornecimento precário de esclarecimentos pelo réu, detentor dos meios sociais e formais de informação sobre o objeto e efeitos possíveis da relação obrigacional em questão, para o autor, parte sujeita a maior desinformação e possíveis abusos, impõe a invalidação do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, devendo o réu ser responsabilizado pelos danos causados em razão da contratação irregular. Portanto, de rigor a declaração de nulidade do contrato de cartão de crédito consignado objeto da lide e, consequentemente, a inexistência de débitos relacionados ao contrato. Quanto ao pedido de repetição de indébito, o(a) Requerente pugna pela condenação do(a) Requerido(a) ao pagamento, em dobro, de todos os valores cobrados indevidamente durante a vigência do contrato. Dispõe o art. 42, parágrafo único, do CDC: “O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável”. Dessa forma, segundo o dispositivo legal, para que haja a devolução em dobro do montante cobrado é necessário que seja demonstrada a presença de 03 (três) requisitos: a) a existência de cobrança indevida; b) o efetivo pagamento por parte do consumidor; e c) a inexistência de engano justificável por parte do fornecedor. O Colendo Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, entende que a repetição de indébito em dobro é devida quando se configurar que a cobrança foi contrária à boa-fé objetiva e seus deveres anexos, não se exigindo mais a comprovação de inequívoca má-fé por parte do fornecedor. Transcrevo a tese fixada: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. TELEFONIA FIXA. COBRANÇA INDEVIDA. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO DE TARIFAS. 1) RESTITUIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO (PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 42 DO CDC). DESINFLUÊNCIA DA NATUREZA DO ELEMENTO VOLITIVO DO FORNECEDOR QUE REALIZOU A COBRANÇA INDEVIDA. DOBRA CABÍVEL QUANDO A REFERIDA COBRANÇA CONSUBSTANCIAR CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA. 2) APLICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL DECENAL DO CÓDIGO CIVIL (ART. 205 DO CÓDIGO CIVIL). APLICAÇÃO ANALÓGICA DA SÚMULA 412/STJ. 3) MODULAÇÃO PARCIAL DOS EFEITOS DA DECISÃO. CONHECIMENTO E PROVIMENTO INTEGRAL DO RECURSO. 13. Fixação das seguintes teses. Primeira tese: A restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que realizou a cobrança indevida, revelando-se cabível quando a referida cobrança consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva. Segunda tese: A ação de repetição de indébito por cobrança de valores referentes a serviços não contratados promovida por empresa de telefonia deve seguir a norma geral do prazo prescricional decenal, consoante previsto no artigo 205 do Código Civil, a exemplo do que decidido e sumulado no que diz respeito ao lapso prescricional para repetição de tarifas de água e esgoto (Súmula 412/STJ). (EAREsp n. 676.608/RS, relator Ministro Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 21/10/2020, DJe de 30/3/2021). Tal entendimento, contudo, por modulação de efeitos também aprovada na mesma ocasião, somente é aplicável as cobranças não decorrentes de prestação de serviço público realizadas após a data da publicação do acórdão em que fixado o precedente, ou seja, 30/03/2021. Assim tem decidido o STJ: AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DISSÍDIO. COMPROVAÇÃO. AUSÊNCIA. VÍCIO SUBSTANCIAL INSANÁVEL. ACÓRDÃO PARADIGMA. INTEIRO TEOR. JUNTADA. AUSÊNCIA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. MÁ-FÉ DO CREDOR. COBRANÇA INDEVIDA. RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES. MODULAÇÃO. DANOS MORAIS. SÚMULA Nº 420/STJ. RECURSO ESPECIAL. REJULGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. (...) 4. A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo. Precedente: EAREsp nº 676.608/RS, Relator Ministro Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 21/10/2020, DJe de 30/3/2021. 5. Esse entendimento, todavia, por modulação de efeitos também aprovada na mesma ocasião, somente é aplicável as cobranças não decorrentes de prestação de serviço público realizadas após a data da publicação do acórdão em que fixado o precedente - o que não é o caso dos autos. 6. Nos termos da Súmula nº 420/STJ, é "Incabível, em embargos de divergência, discutir o valor de indenização por danos morais". 7. Agravo interno não provido. (AgInt nos EREsp n. 1.951.717/RJ, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Corte Especial, julgado em 25/6/2024, DJe de 1/7/2024.) ___________________________________________________ AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO. DESCONTOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. AUSÊNCIA DE CONTRATAÇÃO. VIOLAÇÃO À BOA-FÉ OBJETIVA. REPETIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO. DANO MORAL. VALOR PROPORCIONAL ÀS CIRCUNSTÂNCIAS DOS AUTOS. REEXAME. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. Nos termos de precedente da Corte Especial do STJ, "A restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que realizou a cobrança indevida, revelando-se cabível quando a referida cobrança consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva " (EAREsp 676.608/RS, Relator Ministro Og Fernandes, julgado em 21/10/2020, DJe de 30/3/2021). 2. No caso, a promoção de descontos em benefício previdenciário, a título de prestações de mútuo e sem a autorização do consumidor, viola a boa-fé objetiva e, na forma do art. 42, parágrafo único, do CDC, enseja a repetição do indébito em dobro. 3. O valor arbitrado pelas instâncias ordinárias a título de danos morais somente pode ser revisado em sede de recurso especial quando irrisório ou exorbitante. Precedentes. Na hipótese, a indenização por danos morais fixada em R$ 8.000,00 (oito mil reais) não se mostra excessiva, sobretudo se considerada a quantidade de descontos ilegais promovidos na pensão da autora (de dez/2013 a maio/2017) e a necessidade de, com a condenação, dissuadir a instituição financeira de lesar outros consumidores. 4. Agravo interno improvido. (AgInt no AREsp n. 1.907.091/PB, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 20/3/2023, DJe de 31/3/2023.) ___________________________________________________ AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ALEGAÇÃO DE ÍNDOLE IRRISÓRIA. INOVAÇÃO RECURSAL. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. COBRANÇA INDEVIDA SEM MÁ-FÉ DO CREDOR. REPETIÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES, POR MODULAÇÃO, CONFORME PRECEDENTE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ. PACTUAÇÃO EXPRESSA. INEXIGIBILIDADE ATÉ 30/04/2008. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. "Inviável o conhecimento da matéria que foi suscitada apenas em agravo interno, constituindo indevida inovação recursal, ante a configuração da preclusão consumativa". Precedentes. 2. A Corte Especial, nos autos dos EREsp 1.413.542/RS, ao modificar o entendimento até então prevalecente na Segunda Seção acerca dos requisitos para a devolução em dobro do indébito ao consumidor, nas hipóteses do art. 42, parágrafo único, do CDC, modulou os efeitos do novo posicionamento, quanto às relações jurídicas exclusivamente privadas, para alcançar apenas os casos de desconto indevido ocorrido após a publicação daquele aresto. 3. Aplicada a modulação na espécie, impõe-se a manutenção do acórdão recorrido para autorizar a repetição simples do indébito, porquanto não atestada a conduta de má-fé da parte credora. 4. Nos contratos bancários celebrados até 30.4.2008 (fim da vigência da Resolução CMN 2.303/96), era válida a pactuação das tarifas de abertura de crédito (TAC) e de emissão de carnê (TEC), ou outra denominação para o mesmo fato gerador, ressalvado o exame de índole abusiva em cada caso concreto. 5. O entendimento adotado no acórdão recorrido coincide com a jurisprudência assente desta Corte Superior, circunstância que atrai a incidência da Súmula 83/STJ. 6. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.759.883/PR, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 3/10/2022, DJe de 14/10/2022.) No caso dos autos, a parte autora comprovou a averbação do contrato em seu benefício previdenciário (ID 102869599), bem como, demonstrou que vinha sofrendo descontos a título de “empréstimo RMC”, conforme histórico de créditos juntado (ID 102869600). Caberia ao Requerido, então, demonstrar que não houve cobrança, a configuração de engano justificável ou a ausência de contrariedade à boa-fé objetiva, não tendo se desincumbido do seu ônus probatório. Ressalto, contudo, que a parte autora não comprovou inequívoca má-fé da instituição financeira. Nesse passo, a repetição do indébito é devida, porém, deve ser feita de forma simples em relação aos descontos realizados antes de 30/03/2021 e, em dobro, quanto aos descontos realizados após esta data, não se exigindo mais a comprovação de inequívoca má-fé do requerido, conforme fundamentação supra. Por fim, no que tange ao marco prescricional para a repetição do indébito, é imperativo reconhecer a aplicabilidade do prazo quinquenal estabelecido no artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor. A pretensão de ressarcimento, no presente caso, não decorre de um mero pagamento indevido, mas origina-se de um dano causado por uma manifesta falha na prestação do serviço bancário – o que a doutrina e a jurisprudência consolidaram como fato do serviço. A contratação fraudulenta e os descontos dela decorrentes, realizados sem a autorização do consumidor, representam um defeito que viola o dever de segurança legitimamente esperado do fornecedor, causando prejuízos que extrapolam o valor nominal das parcelas. Dessa forma, a restituição dos valores não é uma simples consequência do enriquecimento sem causa da instituição financeira, mas sim uma das facetas da reparação integral do dano sofrido pelo consumidor. Por essa razão, em atenção ao princípio da especialidade, a norma específica do Código de Defesa do Consumidor, que regula a prescrição para a reparação de danos decorrentes de fato do serviço, prevalece sobre as regras gerais de prescrição do Código Civil. Assim, a condenação à restituição dos valores deve se limitar às parcelas comprovadamente debitadas do benefício da parte autora nos 05 (cinco) anos que antecederam a data da propositura desta demanda, devendo ser decotados da condenação eventuais valores descontados em período anterior, por estarem encobertos pela prescrição. Nesse sentido: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. ALEGAÇÃO DE DECADÊNCIA. INOVAÇÃO RECURSAL. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL NÃO ALCANÇA O FUNDO DO DIREITO. ABRANGE SOMENTE AS PARCELAS ANTECEDENTES AOS CINCO ANOS ANTERIORES AO AJUIZAMENTO DA DEMANDA. ACÓRDÃO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. A parte agravante apresenta inovação recursal, tendo em vista que o tema da decadência somente foi trazido aos autos por ocasião do presente recurso. Vale frisar que, mesmo sendo a referida matéria de ordem pública, não há como dispensar o devido prequestionamento. 2. Nos casos de obrigação de trato sucessivo, é predominante na jurisprudência desta Corte Superior que a prescrição atinge apenas as parcelas vencidas no quinquênio que precede o ajuizamento da ação, não atingindo o próprio fundo de direito, nos termos das Súmulas 291 e 427, ambas do STJ. Incidência da Súmula 83/STJ. 3. Agravo interno improvido. (STJ - AgInt no AREsp: 1234653 PR 2018/0012789-6, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 05/06/2018, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/06/2018) (grifou-se). E, ainda, os Tribunais pátrios: AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTOS. PRESCRIÇÃO PARCIAL. PRESTAÇÕES DE TRATO SUCESSIVO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. É evidente a possibilidade de incidência do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários. Nesse sentido é o entendimento, inclusive sumulado, do Superior Tribunal de Justiça: Súmula 297. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras. 2. Sendo assim, por ser aplicável a presente demanda a lei consumerista, incide o lustro prescricional previsto no art. 27 do CDC, todavia, como a demanda versa sobre prestações de trato sucessivo, a cada desconto indevido, repete-se o dano sofrido pela consumidora. 3. Devido ao fato da obrigação em exame ser de trato sucessivo, a prejudicial de mérito, prescrição, deverá ser analisada a cada desconto indevido das parcelas mensais na aposentadoria da parte recorrente, já que a violação do direito ocorre de forma contínua. Assim, considerando que os descontos tiveram início em março de 2010, pelo prazo de 05 (cinco) anos, e que a lide foi intentada em 04/2018, equivocada foi a decisão vergastada ao reconhecer a prescrição do fundo de direito, eis que a recorrente poderia questionar os descontos efetuados até cinco anos antes do manejo da demanda ora em comento. 4. Desse modo, tendo a presente ação sido ajuizada em abril de 2018, não há que se reconhecer a prescrição integralmente, mas apenas em relação às parcelas descontadas anteriormente a esta data. Perante tal informação, verifica-se estarem prescritas somente as parcelas anteriores a abril de 2013. 5. Os descontos realizados mensalmente na aposentadoria da recorrente ocorrem de forma contínua, ou seja, trata-se de uma relação jurídica de trato sucessivo. 6. Desta forma, a restituição do indébito das parcelas não prescritas deverão ser efetuadas de forma simples, já que não houve a demonstração da má-fé da instituição financeira. 7. Recurso conhecido e parcialmente provido. (TJ-CE - AC: 00164083920188060084 CE 0016408-39.2018.8.06.0084, Relator: CARLOS ALBERTO MENDES FORTE, Data de Julgamento: 03/02/2021, 2ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 04/02/2021) Portanto, considerando que a ação foi ajuizada somente em 23/10/2023, estão prescritas todas as parcelas eventualmente descontadas antes de 23/10/2018. Em relação ao pedido de indenização por danos morais, consigno que esse é um tema que por muito tempo passou ao largo do poder judiciário. É que, segundo orientação da antiga doutrina, os direitos da personalidade não eram suscetíveis de reparação patrimonial. Ocorre que após a CF/88 a dignidade da pessoa humana e os direitos da personalidade passaram a receber proteção jurídica expressa, prevendo o direito à indenização nos arts. 1º, III, e 5º, V e X. Reforçando o texto constitucional, o CDC estabeleceu no art. 6º, VI, que são direitos básicos do consumidor a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais bem como o acesso aos órgãos judiciários com vistas à prevenção ou reparação de danos morais causados (art. 6º, VII). No caso posto, o dever de o Demandado indenizar a parte autora repousa na prática de ato ilícito (art. 927 c/c art.186 do CC), consistente em realizar reserva de margem consignável - RMC vinculada ao benefício previdenciário do(a) Consumidor(a) sem a observância das normas aplicáveis ao contrato em espécie. Houve descontos nos proventos mensais da parte autora sem que ela tivesse solicitado o cartão de crédito junto ao Banco Requerido, haja vista o contrato ter sido declarado inexistente/nulo. Cabia à própria instituição financeira se resguardar acerca dos contratos realizados junto a esta. Não se trata de mero aborrecimento. A propósito, a jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Pará perfilha o entendimento no sentido da configuração do dano moral decorrente de cartão de crédito consignado realizado sem o consentimento do consumidor. Ilustrativamente, cito os seguintes precedentes: EMENTA. AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES E DANOS MORAIS – CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO RMC. VÍCIO DE CONSENTIMENTO NÃO EVIDENCIADO. CLARA CONTRATAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO E NÃO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO TRADICIONAL. DEVER DE INFORMAÇÃO SUFICIENTEMENTE PRESTADO PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJPA – AGRAVO DE INSTRUMENTO – Nº 0816531-98.2022.8.14.0000 – Relator(a): AMILCAR ROBERTO BEZERRA GUIMARAES – 2ª Turma de Direito Privado – Julgado em 22/08/2023) ___________________________________________________ EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CONTRATAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). NO CASO EM APREÇO A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA NÃO LOGROU ÊXITO EM DEMONSTRAR A LICITUDE DA CONTRATAÇÃO DO CARTÃO DE CRÉDITO COM MARGEM CONSIGNÁVEL, UMA VEZ QUE OS DOCUMENTOS PERTINENTES ESTÃO ILEGÍVEIS, PORTANTO, A SENTENÇA NÃO MERECE REPARO, DEVENDO SER MANTIDA A CONDENAÇÃO DO BANCO NOS MOLDES FIRMADOS NA SENTENÇA, QUE DECLAROU A INEXISTÊNCIA DA DÍVIDA, DETERMINOU A REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS NO QUANTUM DE R$ 2.000,00 (DOIS MIL REAIS). RECURSO CONHECIDO, MAS DESPROVIDO. (TJPA – APELAÇÃO CÍVEL – Nº 0002660-09.2019.8.14.0107 – Relator(a): GLEIDE PEREIRA DE MOURA – 2ª Turma de Direito Privado – Julgado em 21/11/2023) O ilícito praticado pela parte requerida retirou da parte autora parcela dos seus rendimentos dotados de caráter eminentemente alimentar. Retirar parcela dos seus vencimentos é o mesmo que retirar parcela do direito à vida como saúde, alimentação e moradia, ou seja, o direito ao mínimo de dignidade. É caso, então, de acolher o pedido de indenização por danos morais, contudo, em valor bem menor que o pleiteado na exordial, já que os descontos realizados, que se encontravam, em abril de 2023, no patamar de R$ 39,37, chegavam apenas a 5% dos proventos mensais do autor, bem como, o autor não questionou os descontos por longo período (possivelmente desde agosto de 2017 sofrendo descontos sem impugná-los), caracterizando que tais descontos não lhe causavam tamanho abalo moral ou psicológico. Dessa forma, tendo em vista os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, bem como, os objetivos nucleares da reparação moral – desestimular o comportamento ilícito e assegurar uma contrapartida pelas ofensas sofridas, sem provocar o enriquecimento sem causa por parte da vítima – entendo razoável o valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) a título de danos morais. Nesse sentido o Colendo Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DESCONTOS INDEVIDOS. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. VALOR. RAZOABILIDADE. PROPORCIONALIDADE. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. 1. O Superior Tribunal de Justiça, afastando a incidência da Súmula nº 7/STJ, tem reexaminado o montante fixado a título de indenização por danos morais pelas instâncias ordinárias apenas quando irrisório ou abusivo. 2. No caso, o valor arbitrado pelas instâncias ordinárias (R$ 1.000, 00 - mil reais) considerou as circunstâncias do caso concreto e não se mostra irrisório. 3. O recurso especial é inviável quando a modificação do acórdão recorrido demanda o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, conforme dispõe a Súmula nº 7/STJ. 4. A aplicação da Súmula nº 7/STJ em relação ao recurso especial interposto pela alínea "a" do permissivo constitucional prejudica a análise da mesma matéria indicada no dissídio jurisprudencial. 5. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp n. 2.356.995/MS, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 17/6/2024, DJe de 21/6/2024.) ___________________________________________________ CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DESCONTO INDEVIDO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. FRAUDE. MAJORAÇÃO DO DANO MORAL. INVIABILIDADE. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Esta Corte firmou orientação de somente ser admissível o exame do valor fixado a título de danos morais quando verificada exorbitância ou índole irrisória da importância arbitrada, em flagrante ofensa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o que não se verificou no caso em apreço, conforme o contexto delineado pelo eg. Tribunal a quo. 2. No caso, ao reduzir o valor da reparação por danos morais, o Tribunal de Justiça ponderou ter havido apenas o desconto indevido de módicos R$60,06 (sessenta reais e seis centavos) da conta da recorrente, Considerou, pois, suficiente o montante de R$1.000,00 (mil reais) pelos danos morais, por ser adequado à realidade fática. Tratando-se de recurso da autora, deve ser confirmada a decisão recorrida. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 2.414.056/MS, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 26/2/2024, DJe de 29/2/2024.) ___________________________________________________ AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DESCONTO INDEVIDO EM APOSENTADORIA. INEXISTÊNCIA DE DANO MORAL IN RE IPSA. REJEITADA A VIOLAÇÃO AOS ARTS. 186, 927 E 944 DO CÓDIGO CIVIL. ACÓRDÃO ESTADUAL EM CONSONÂNCIA COM JURISPRUDÊNCIA DO STJ. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ. AGRAVO DESPROVIDO. 1. "Nos termos da orientação firmada nesta Corte, a fraude bancária, ensejadora da contratação de empréstimo, por si só, não é suficiente para configurar o dano moral, havendo necessidade de estar aliada a circunstâncias agravantes. Precedentes" (AgInt no AREsp 2.149.415/MG, Relator Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Terceira Turma, julgado em 29/5/2023, DJe de 1º/6/2023). 2. No caso, o eg. Tribunal de Justiça, reformando sentença, deu parcial provimento à apelação da instituição financeira, ora agravada, para excluir sua condenação ao pagamento de danos morais ao ora agravante, sob o fundamento, entre outros, de que a "(..) ocorrência de desconto indevido na aposentadoria não enseja dano moral in re ipsa". 3. Estando o acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência desta eg. Corte, o apelo nobre encontra óbice na Súmula 83/STJ, a qual é aplicável tanto pela alínea a como pela alínea c do permissivo constitucional 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt nos EDcl no REsp n. 2.121.413/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 16/9/2024, DJe de 1/10/2024.) Por fim, cumpre-me tecer considerações acerca da compensação dos valores recebidos pela parte autora. É importante esclarecer que o reconhecimento da inexistência/nulidade do contrato impõe o desfazimento do negócio jurídico e resulta no retorno das partes à situação anterior. Embora a parte requerida não tenha comprovado a lisura na contratação, é possível visualizar que houve recebimento pela parte autora de valor relacionado ao contrato ora declarado nulo. Não há controvérsia que a parte autora tenha recebido valores em razão do contrato firmado, pois em sua própria inicial afirma que teria contratado empréstimo consignado e recebido os respectivos valores, mas foi ludibriada a contratar um cartão de crédito consignado. Por sua vez, o banco requerido comprovou a transferência de valores em favor da parte autora, a título de saque do cartão de crédito, no montante de R$ 1.285,56 (um mil, duzentos e oitenta e cinco reais e cinquenta e seis centavos), realizado no dia 04/08/2017 (ID 107482811). Nesse caso, a parte autora se beneficiou financeiramente da avença, mesmo que sob outro título, não havendo notícia de devolução nos autos ou intenção de devolvê-los. Em que pese a transferência, por si só, não ser suficiente para configurar a higidez da contratação do cartão de crédito consignado, uma vez recebido o valor, por decorrência lógica, sendo nulo o negócio jurídico, a quantia deve ser devolvida, sob pena de enriquecimento sem causa (art. 884 do CC/02). Deste modo, é adequada a realização de compensação entre o valor transferido à parte autora e o valor da condenação imposta à parte requerida, em atenção ao disposto no art. 386 do CC/02, o que não impede que a parte autora realize o depósito judicial, caso assim entenda. Por oportuno, é importante destacar o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Pará, em caso análogo ao presente feito, no qual se reconheceu a invalidade da relação entre o consumidor e a instituição financeira e necessidade de devolução/compensação dos valores eventualmente recebidos: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. PEDIDO DE COMPENSAÇÃO DE VALORES. SUPRIMENTO. MANUTENÇÃO DO JULGADO. I. CASO EM EXAME Embargos de Declaração opostos pelo BANCO BMG S.A. contra acórdão que reconheceu a nulidade de contrato de cartão de crédito consignado firmado com a parte embargada, determinou a repetição do indébito em dobro e fixou indenização por danos morais em R$ 5.000,00. O embargante sustenta a existência de omissão no julgado, pois não teria sido analisado expressamente o pedido de compensação dos valores recebidos pelo embargado a título de empréstimo. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO A questão em discussão consiste em verificar a existência de omissão no acórdão quanto ao pedido de compensação dos valores liberados no contrato declarado nulo e, se constatada, proceder ao seu suprimento. III. RAZÕES DE DECIDIR O artigo 1.022 do Código de Processo Civil prevê que os embargos de declaração são cabíveis para suprir omissão, esclarecer obscuridade, eliminar contradição ou corrigir erro material. A análise dos autos demonstra que o acórdão embargado não se manifestou expressamente sobre a compensação dos valores liberados no contrato anulado. O artigo 884 do Código Civil estabelece que ninguém pode enriquecer sem causa à custa de outrem, razão pela qual a restituição dos valores deve ser equitativa. O artigo 368 do Código Civil dispõe que, havendo reciprocidade de créditos, as obrigações extinguem-se até o montante da compensação. Diante disso, impõe-se sanar a omissão para esclarecer que o valor do crédito liberado ao autor deve ser compensado com eventuais valores a serem restituídos pelo embargante, sem, contudo, alterar a conclusão do acórdão recorrido. IV. DISPOSITIVO E TESE Embargos de Declaração acolhidos parcialmente, sem alteração do resultado do julgado. Tese de julgamento: A compensação de valores em contrato declarado nulo deve ser analisada para evitar enriquecimento sem causa, nos termos dos artigos 368 e 884 do Código Civil. Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 1.022; CC, arts. 368 e 884. Jurisprudência relevante citada: Não há indicação de precedentes no julgado. (TJPA – APELAÇÃO CÍVEL – Nº 0818947-52.2022.8.14.0028 – Relator(a): ALEX PINHEIRO CENTENO – 2ª Turma de Direito Privado – Julgado em 25/03/2025) (grifei). No mesmo sentido é o entendimento dos Egrégios Tribunais de Justiça de São Paulo e de Mato Grosso: DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. IRREGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO DEMONSTRADA. IMPOSSIBILIDADE DE CONVALIDAÇÃO. REDUÇÃO DA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO DE VALORES. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME: Apelação interposta por instituição financeira contra sentença que declarou a nulidade de contrato de empréstimo consignado, por ausência de relação jurídica válida entre as partes, condenando o réu ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 10 .000,00 e à restituição dos valores descontados. O apelante sustenta a convalidação do contrato ante a retenção dos valores pela autora, pleiteia a compensação de valores, e a redução dos danos morais e dos honorários advocatícios arbitrados. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO: Há cinco questões em discussão: (i) determinar se a relação jurídica alegada entre as partes é válida; (ii) analisar a possibilidade de convalidação do contrato; (iii) avaliar a autorização para compensação entre os valores creditados à autora e os valores devidos pelo réu; (iv) analisar sobre a ocorrência de dano moral e a adequação do valor indenizatório arbitrado; (v) apreciar a possibilidade de redução dos honorários advocatícios. III. RAZÕES DE DECIDIR: A relação jurídica é inexistente, uma vez que as assinaturas constantes do contrato foram comprovadamente falsificadas, conforme laudo pericial grafotécnico, e a instituição financeira não demonstrou a regularidade da operação, descumprindo o ônus probatório que lhe cabia. Negócios jurídicos inexistentes ou nulos, como no caso em análise, não produzem efeitos jurídicos e não podem ser convalidados, mesmo diante do depósito de valores em conta da autora, pois inexiste manifestação válida de vontade. A compensação entre os valores recebidos pela autora e os valores da condenação devida pelo réu se mostra cabível, nos termos do art. 368 do Código Civil, dada a reciprocidade de créditos e débitos entre as partes. O desconto indevido em benefício previdenciário configura dano moral in re ipsa, e não havendo circunstâncias que o afaste, é devida a indenização. Contudo, o valor fixado pela sentença em R$10.000,00 comporta redução para R$5 .000,00, em consonância com precedentes e em atenção às circunstâncias específicas do caso. Os honorários advocatícios sucumbenciais foram fixados em 15% sobre o valor da condenação, e sua manutenção é justificada, considerando que atende aos critérios previstos no art. 85, § 2º, do CPC. IV. DISPOSITIVO E TESE: Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: “(i) Contratos bancários nulos ou inexistentes não poder ser convalidados; (ii) A compensação entre valores creditados e valores da condenação é autorizada, desde que presentes créditos e débitos recíprocos, líquidos e exigíveis; (iii) O desconto indevido em benefício previdenciário gera dano moral in re ipsa, e não havendo circunstâncias que o afastem, é devida indenização, cujo valor deve ser fixado de forma proporcional e razoável. Dispositivos relevantes citados: CDC, art. 6º, VIII; CC, arts . 368, 369; CPC, art. 85, § 2º. Jurisprudência relevante citada: TJSP, Apelação Cível 1005852-87.2021 .8.26.0604, Rel. Paulo Toledo, j . 09.12.2024; TJSP, Apelação Cível 1001240-21.2021 .8.26.0115, Rel. Domingos de Siqueira Frascino, j . 15.10.2024; TJSP, Apelação Cível 1066716-17.2022 .8.26.0100, Rel. Elói Estevão Troly, j . 18.07.2023. (TJ-SP - Apelação Cível: 10032555720218260019 Americana, Relator.: Rosana Santiso, Data de Julgamento: 17/01/2025, Núcleo de Justiça 4 .0 em Segundo Grau – Turma IV (Direito Privado 2), Data de Publicação: 17/01/2025) (grifei) ___________________________________________________ APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CC DANOS MORAIS E MATERIAIS COM REPETIÇÃO DO INDÉBITO, e TUTELA DE URGÊNCIA. – EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. – APLICAÇÃO DA SÚMULA 297 DO STJ. – CONSUMIDORA ANALFABETA. – CONTRATO QUE NÃO PREENCHE OS REQUISITOS DO ART. 595 DO CÓDIGO CIVIL. – CONTRATO NULO. – RESTITUIÇÃO EM DOBRO DEVIDA. – ART. 42, § ÚNICO DO CDC. – INEXISTÊNCIA DE ENGANO JUSTIFICÁVEL. – COMPENSAÇÃO DE VALORES DEFERIDA. – DANO MORAL MANTIDO. – SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Nos termos do art. 373, II, do CPC c/c art. 6º, VIII, do CDC, é ônus da instituição financeira comprovar a regularidade das cobranças. 2. Nos termos do art. 42, § único, do CDC, inexistindo engano justificável pelo fornecedor, é devida a devolução em dobro dos valores pagos indevidamente pelo consumidor. 3. A compensação de valores busca evitar a ocorrência de enriquecimento ilícito da parte consumidora, visto que é vedado pelo nosso ordenamento. 4. Impõe-se a manutenção da sentença que fixou os valores atinentes a danos morais, dentro dos parâmetros da razoabilidade e proporcionalidade, observando-se o critério pedagógico da condenação. 5. Não incorrendo a parte em qualquer das situações previstas nos artigos 80 e 81, ambos do Código de Processo Civil, não há falar em condenação por litigância de má-fé. 6. Sentença parcialmente reformada. 7. Recurso parcialmente provido. (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1000538-16 .2023.8.11.0053, Relator.: SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, Data de Julgamento: 18/06/2024, Primeira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/06/2024) (grifei) Sobre o tema, ainda, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, no julgamento do IRDR nº 0016553-79.2019.8.17.9000, em caso envolvendo a anulação de contrato, fixou a seguinte tese: Terceira tese: “É possível a aplicação ‘ex officio’ do instituto da compensação, previsto no art. 368 do Código Civil, quando nos autos resultar provada a utilização, por pessoa analfabeta, de quantia disponibilizada em decorrência de empréstimo bancário por ela não efetivamente contratado, ou judicialmente declarado inválido por ter sido contratado sem a observância de formalidade legal pertinente”. Nesse contexto, considerando que restou demonstrada a disponibilização do crédito em favor da parte autora no valor de R$ 1.285,56 (um mil, duzentos e oitenta e cinco reais e cinquenta e seis centavos), oriundo do negócio jurídico ora declarado nulo, determino a devolução total dos respectivos valores em favor do banco requerido, sob pena de enriquecimento ilícito. 3. DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial e extingo o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, para o fim de: a) CONFIRMAR a tutela de urgência anteriormente deferida; b) DECLARAR a nulidade/inexistência dos débitos oriundos do contrato de Cartão de Crédito – RMC n.º 97-825589028/17 vinculado ao benefício previdenciário de titularidade do(a) autor(a) e, em consequência, DETERMINAR ao CETELEM – BANCO BNP PARIBAS BRASIL S.A. que cesse as cobranças atreladas ao contrato, caso ainda estejam ativos; c) CONDENAR o CETELEM – BANCO BNP PARIBAS BRASIL S.A. a restituir todos os valores indevidamente descontados dos proventos mensais da parte autora, relativos ao negócio jurídico ora declarado nulo/inexistente, respeitada a prescrição quinquenal, sendo de forma simples os descontos realizados antes de 30/03/2021 e, em dobro, os descontos posteriores à esta data, inclusive os eventualmente realizados após o ajuizamento da ação; tais valores deverão ser corrigidos monetariamente pelo INPC até 29/08/2024 e, a partir de 30/08/2024, pelo IPCA (entrada em vigor da Lei n.º 14.905/2024), com fulcro no art. 389, §ú, do CC, cujo termo inicial fixa-se a partir de cada desconto indevido não prescrito – efetivo prejuízo (Súmula 43/STJ), acrescidos de juros moratórios de 1% ao mês até 29/08/2024 e, a partir de 30/08/2024, pela taxa SELIC, subtraída a correção monetária, conforme art. 406, §1º, do CC, cujo termo inicial fixa-se a partir do primeiro desconto indevido não prescrito – evento danoso (art. 398, do CC e Súmula 54/STJ), devendo a metodologia de cálculo observar o disposto na Resolução CMN n.º 5.171/2024 (art. 406, §2º e §3º, do CC), cujo valor deverá ser apurado mediante cálculo a ser apresentado em fase de cumprimento de sentença (art. 509, §2º, do CPC); d) CONDENAR o CETELEM – BANCO BNP PARIBAS BRASIL S.A. a pagar à(o) autor(a), a título de indenização por danos morais, o montante de R$ 1.000,00 (um mil reais); tal valor deverá ser corrigido monetariamente pelo IPCA, nos termos do art. 389, §ú, do CC (incluído pela Lei n.º 14.905/2024), cujo termo inicial fixa-se a partir desta decisão – arbitramento (Súmula 362/STJ), e acrescido de juros moratórios de 1% ao mês até 29/08/2024 e, a partir de 30/08/2024 (entrada em vigor da Lei n.º 14.905/2024), juros moratórios pela taxa SELIC, subtraída a correção monetária, conforme art. 406, §1º, do CC, cujo termo inicial fixa-se a partir do primeiro desconto indevido não prescrito – evento danoso (art. 398, do CC e Súmula 54/STJ), devendo a metodologia de cálculo observar o disposto na Resolução CMN n.º 5.171/2024 (art. 406, §2º e §3º, do CC), cujo valor deverá ser apurado mediante cálculo a ser apresentado em fase de cumprimento de sentença (art. 509, §2º, do CPC); e) AUTORIZAR o CETELEM – BANCO BNP PARIBAS BRASIL S.A. a realizar a compensação do valor da condenação com o montante de R$ 1.285,56 (um mil, duzentos e oitenta e cinco reais e cinquenta e seis centavos); f) CONDENAR o CETELEM – BANCO BNP PARIBAS BRASIL S.A., por ônus de sucumbência, ao pagamento das custas processuais finais e em verba honorária que, nos termos do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil, fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. Na hipótese de interposição de recurso de apelação, por não haver mais juízo de admissibilidade a ser exercido pelo Juízo “a quo” (art. 1.010, CPC), sem nova conclusão, intime-se a parte contrária para oferecer resposta, no prazo de 15 (quinze) dias. Em havendo recurso adesivo, também deve ser intimada a parte contrária para oferecer contrarrazões. Após, tudo devidamente certificado, remetam-se os autos à Superior Instância, para apreciação do recurso de apelação. Havendo o trânsito em julgado, inexistindo outras providências a serem tomadas, certifique-se e arquivem-se os autos. Determino, na forma do provimento n. 003/2009, da CJMB - TJE/PA, com redação dada pelo provimento n. 011/2009, que essa sentença sirva como mandado, ofício, notificação e carta precatória para as comunicações necessárias. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. Marabá-PA, data registrada no sistema. PEDRO HENRIQUE FIALHO Juiz de Direito Núcleo de Justiça 4.0 do Empréstimo Consignado, Contrato Bancário, Saúde Pública, Violência Doméstica e Demandas sobre Energia Elétrica (Portaria n.º 1481/2025-GP, de 14 de março de 2025)
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