Processo nº 1001093-94.2021.8.11.0023
ID: 319273213
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1001093-94.2021.8.11.0023
Data de Disponibilização:
08/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ROSELUCIA RODRIGUES DE SOUZA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1001093-94.2021.8.11.0023 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas] R…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1001093-94.2021.8.11.0023 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas] Relator: Des(a). JONES GATTASS DIAS Turma Julgadora: [DES(A). JONES GATTASS DIAS, DES(A). CHRISTIANE DA COSTA MARQUES NEVES, DES(A). GILBERTO GIRALDELLI] Parte(s): [OTAVIO SOUSA PIRES - CPF: 060.995.141-63 (APELANTE), ROSELUCIA RODRIGUES DE SOUZA - CPF: 401.135.741-34 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), WILSON PEREIRA PADILHA NETO - CPF: 012.033.291-48 (ASSISTENTE), ROMARIO MESSIAS XAVIER - CPF: 043.085.241-05 (ASSISTENTE)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). GILBERTO GIRALDELLI, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A Ementa: Direito penal e processual penal. Apelação criminal. Tráfico de drogas. Nulidades rejeitadas. Manutenção da condenação. Recurso desprovido. I. Caso em exame 1. Apelação criminal interposta por Otávio Sousa Pires contra sentença da 2ª Vara Criminal da Comarca de Peixoto de Azevedo/MT, que o condenou à pena de 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 166 (cento e sessenta e seis) dias-multa, pela prática do crime de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006). II. Questão em discussão 2. Há três questões em discussão: (i) verificar a existência de nulidade processual por cerceamento de defesa em razão do indeferimento de exame datiloscópico nos invólucros; (ii) verificar a legalidade da entrada dos policiais na residência do réu sem mandado judicial; e (iii) analisar se o conjunto probatório permite a condenação pelo crime de tráfico de drogas ou enseja a absolvição ou a desclassificação para o art. 28 da Lei de Drogas. III. Razões de decidir 3. O exame datiloscópico não é essencial à apuração da autoria delitiva, podendo esta ser demonstrada por outros meios probatórios idôneos, como os depoimentos dos policiais militares e o contexto da apreensão. 4. A entrada na residência foi justificada pelas fundadas razões decorrentes da apreensão de entorpecentes em posse do réu em via pública, sendo posteriormente autorizada por sua genitora, conforme relatado em juízo. 5. A prova testemunhal policial é válida e suficiente para sustentar a condenação, desde que colhida sob o crivo do contraditório e em harmonia com os demais elementos dos autos. 6. A quantidade, forma de acondicionamento da droga e os depoimentos convergem para indicar o tráfico, sendo inaplicável a desclassificação para o art. 28 da Lei de Drogas. 7. A alegação de “armação policial” é genérica e isolada, sem respaldo nas demais provas colhidas nos autos. IV. Dispositivo. 8. Recurso desprovido. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XI; CPP, arts. 155 e 226; Lei nº 11.343/2006, arts. 28 e 33. Jurisprudência relevante citada: STF, RE 603.616 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, j. 05.10.2016; STF, RE 1476296 AgR-segundo, Rel. Min. Cristiano Zanin, Primeira Turma, j. 29.04.2024; STJ, AgRg nos EDcl no AREsp 1917794/MS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, j. 07.12.2021; STJ, AREsp 2.460.755/PR, Rel.ª Min. Daniela Teixeira, Quinta Turma, j. 27.11.2024. R E L A T Ó R I O Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de Apelação Criminal interposto por Otávio Sousa Pires contra a sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Peixoto de Azevedo/MT, nos autos da ação penal nº 1001093-94.2021.8.11.0023, na qual foi condenado à pena de 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial aberto, bem como ao pagamento de 166 (cento e sessenta e seis) dias-multa, pela prática do crime de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06). Nas razões recursais, a Defesa, preliminarmente, argui nulidade processual por (i) cerceamento de defesa, diante do indeferimento do pedido de realização de exame datiloscópico nos invólucros de entorpecente apreendidos; e (ii) ilegalidade na entrada dos policiais militares no domicílio do apelante, sem mandado judicial. No mérito, sustenta a ausência de provas suficientes para embasar a condenação por tráfico de drogas e, subsidiariamente, pleiteia a desclassificação da conduta para aquela prevista no art. 28 da Lei de Drogas (Id. 264023337). Nas contrarrazões recursais, o Ministério Público pugna pela rejeição das preliminares suscitadas e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (Id. 264023340). A Procuradoria-Geral de Justiça manifesta-se pela rejeição das preliminares e, quanto ao mérito, opina pelo desprovimento do apelo defensivo (Id. 266191772). É a síntese do necessário. À Douta Revisão. JONES GATTASS DIAS Desembargador Relator V O T O R E L A T O R VOTO PRELIMINAR – CERCEAMENTO DE DEFESA. EXMO. SR. DES. JONES GATTASS DIAS Egrégia Câmara: De início, reconheço que o recurso em apreço é tempestivo, fora interposto por quem tinha legitimidade para fazê-lo, e a medida utilizada afigura-se adequada e necessária para se atingir o fim almejado, pelo que conheço do apelo manejado pela Defesa, uma vez presentes os seus requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade. Trata-se de recurso de Apelação Criminal pela defesa de Otávio Sousa Pires, em face da sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Peixoto de Azevedo/MT, nos autos da ação penal nº 1001093-94.2021.8.11.0023. Ressai da peça acusatória – Id. 264023289: No dia 02/04/2021, por volta de 17h35min, em residência particular, situada na Rua Pedro Alvares Cabral, Bairro Liberdade, Peixoto de Azevedo/MT, o denunciado OTAVIO SOUSA PIRES transportava, trazia consigo, mantinha em depósito e guardava, com a finalidade diversa do consumo pessoal, sem autorização e em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, drogas, sendo 03 (três) invólucros de maconha, contendo 90,63g, conforme laudo pericial de Id. 54448255 – Pág. 1; Consoante o apurado, na data dos fatos, as equipes da Força Tática, em rondas Bairro Liberdade, avistaram o denunciado na esquina da Rua E1 com a Pedro Alvares Cabral. Nesse contexto, realizada a abordagem, foi encontrado no bolso do denunciado 02 (dois) invólucros de maconha. Em seguida, a guarnição deslocou-se até a residência dele e realizaram buscas, sendo localizado no quarto 01 (uma) porção grande de maconha. Insta salientar que a guarnição foi recebida pela genitora do denunciado, a qual autorizou a realização das buscas no interior da residência. Após regular instrução processual, sobreveio a sentença, na qual o Juízo de origem julgou procedente a denúncia, condenando o apelante pela prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei 11.343/2006, à pena de 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão e 166 (cento e sessenta e seis) dias-multa, em regime aberto. A defesa alega nulidade por cerceamento de defesa, sob o argumento de que não foi analisado o pedido para a realização de exame datiloscópico do entorpecente apreendido no quarto do apelante, o que teria prejudicado a defesa, posto que a ausência de digitais nos invólucros seria prova da não propriedade da droga. O pleito não merece acolhimento. O cerceamento de defesa somente se configura quando há efetivo prejuízo ao exercício da ampla defesa e do contraditório, sendo necessário demonstrar que a prova não produzida poderia alterar o resultado do julgamento. Meras alegações genéricas de prejuízo não são suficientes para caracterizar a nulidade. Na espécie, o exame datiloscópico solicitado pela defesa não se revela essencial para o esclarecimento dos fatos, considerando que a autoria delitiva pode ser comprovada por outros elementos probatórios idôneos e suficientes, especialmente pelos depoimentos dos agentes policiais e pelo contexto da apreensão. Além disso, a ausência de impressões digitais em invólucros de drogas não constitui, por si só, elemento capaz de afastar a autoria delitiva, uma vez que tais objetos podem ser manuseados com luvas ou outros meios que impeçam a marcação das digitais. Assim, rejeito a preliminar de cerceamento de defesa. É como voto. PRELIMINAR - NULIDADE DE ENTRADA EM DOMICÍLIO. A defesa sustenta que houve entrada ilícita na residência do apelante, argumentando que não houve autorização para o ingresso, já que a genitora do acusado não estava presente no local, conforme declaração da testemunha Bruno Pereira e Silva. O pleito não prospera. A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XI, dispõe que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que: Ao julgar o RE 603.616 AgR/RO, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, o Plenário deste Supremo Tribunal Federal decidiu, sob o regime de repercussão geral, que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial é lícita quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa há situação de flagrante delito. (HC 232578 AgR, Órgão julgador: Primeira Turma, Relator(a): Min. Cristiano Zanin, Julgamento 19/12/2023, Publicação: 02/02/2024). A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida. De fato, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que, nos crimes permanentes, como o tráfico de drogas, embora o estado de flagrância se prolongue no tempo, isso não é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar sem mandado, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos de situação de flagrante delito no interior da residência: A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial é admitida, inclusive em período noturno, quando baseada em fundadas razões que indiquem a ocorrência de flagrante delito, conforme fixado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 280 da repercussão geral. A violação do domicílio demanda rígidos critérios de avaliação, mas não pode afastar a atuação legítima do Estado quando presentes elementos concretos e seguros que indiquem a prática de crime permanente, como ocorre com o tráfico de drogas. Na espécie, os policiais militares agiram após denúncia anônima e, ao observarem movimentação típica de venda de drogas no local indicado como "boca de fumo", flagraram um dos corréus em fuga e os demais tentando se desfazer de entorpecentes, legitimando a entrada e a apreensão. (AgRg no HC n. 989.801/RR, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 8/4/2025) Na presente hipótese, a busca domiciliar foi precedida da apreensão de entorpecentes em posse do apelante em via pública, circunstância que gerou fundadas suspeitas da existência de mais drogas em sua residência, especialmente considerando que o próprio apelante teria indicado aos policiais a existência de mais substâncias em seu domicílio. O policial militar Wilson Pereira Padilha Neto relatou que a equipe se dirigiu à residência do suspeito, onde foram recebidos por sua genitora, identificada como Noêmia, que acompanhou a busca domiciliar. Narrou que no quarto do apelante foi encontrada uma porção significativa de substância semelhante à maconha. Embora a testemunha Bruno Pereira e Silva tenha declarado que estava na residência entregando um recado da mãe do apelante e que os policiais “chegaram entrando”, sua versão não é suficiente para desconstituir a legalidade da diligência policial, especialmente porque não presenciou a conversa entre os policiais e os moradores da residência, permanecendo do lado externo durante a busca. Nesse contexto, não há demonstração de arbitrariedade na atuação dos agentes policiais, notadamente porque a diligência se deu dentro dos limites legais e no pleno exercício do poder de polícia, subsidiada pelo contexto fático e pelas fundadas suspeitas decorrentes da apreensão inicial. Diante desse conflito de versões, é necessário analisar a controvérsia à luz dos princípios constitucionais e da jurisprudência consolidada sobre o tema. O Supremo Tribunal Federal firmou a tese de que: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA E APREENSÃO DOMICILIAR. LICITUDE DA DILIGÊNCIA. TEMA 280 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ACÓRDÃO RECORRIDO DISSONANTE. AGRAVO IMPROVIDO I – No caso, houve fundadas razões para a entrada na residência do réu, que foram devidamente justificadas a posteriori, indicando a situação de flagrante delito. II – O acórdão recorrido está em dissonância com a tese exarada no Tema 280 da repercussão geral: “A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados”. III - Agravo ao qual se nega provimento. (RE 1476296 AgR-segundo, Relator(a): Cristiano Zanin, Primeira Turma, julgado em 29-04-2024) A entrada forçada em domicílio, sem mandado judicial, só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados Além disso, o tráfico de drogas, por sua natureza de crime permanente, prolonga-se no tempo enquanto a conduta criminosa perdurar, conforme o artigo 303 do Código de Processo Penal. Tal circunstância, aliada aos elementos concretos já mencionados, configura a exceção constitucional ao princípio da inviolabilidade do domicílio. Nesse contexto, ainda que se considere a palavra do apelante de que não houve consentimento para a entrada em sua residência, as circunstâncias concretas do caso, amparadas em fundadas razões previamente existentes e confirmadas durante a diligência, legitimam o ingresso domiciliar realizado pela autoridade policial. Portanto, rejeito a preliminar de nulidade por violação de domicílio. É como voto. VOTO MÉRITO EXMO. SR. DES. JONES GATTASS DIAS Egrégia Câmara: Superada as preliminares arguidas, passa-se ao exame do mérito. I – Quanto ao pedido de absolvição por ausência de provas. A defesa sustenta que as provas dos autos são insuficientes para sustentar a condenação, alegando que a única prova consistente é o depoimento isolado do policial Wilson Pereira Padilha Neto, não corroborado pelo seu companheiro Romário Messias Xavier, que declarou não se recordar da diligência. O pleito absolutório não merece acolhimento. No delito de tráfico de drogas, as declarações dos agentes policiais envolvidos na dinâmica fática são essenciais para a elucidação dos fatos e devem ser consideradas meio idôneo de prova, desde que em harmonia com as demais provas dos autos e colhidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Importante ressaltar sobre a importância do testemunho dos agentes integrantes das forças de segurança pública, que atuam diretamente ao combate ao tráfico, sobretudo em virtude do caráter clandestino das infrações, que exige o desenvolvimento de contato direto com usuários, moradores e testemunhas, para a identificação dos responsáveis pela prática criminosa. O fato de se tratar de agente do sistema de segurança, em nada desmerece a prova judicializada, ainda mais quando não há qualquer indicação concreta de que os policiais ouvidos tivessem interesse em prejudicar o réu, imputando-lhe falsamente a prática de crimes. Cumpre ressaltar que, conforme o Enunciado nº 08 do Incidente de Uniformização de Jurisprudência nº 101532/2015, editado pela Turma de Câmaras Criminais Reunidas deste Tribunal, “os depoimentos de policiais, desde que harmônicos com as demais provas, são idôneos para sustentar a condenação criminal”. Nesse mesmo sentido, ressalta-se julgado do Superior Tribunal de Justiça: O depoimento de agentes públicos, especialmente policiais e agentes penitenciários, é prova idônea e possui elevado valor probatório, não havendo nos autos indícios de parcialidade por parte dos agentes, tampouco provas que afastem sua credibilidade, tal como na espécie. (STJ AREsp n. 2.460.755/PR, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 27/11/2024). Com efeito, a materialidade delitiva do crime de tráfico de drogas está devidamente comprovada, mormente pelo Auto de Prisão em Flagrante (Id. 264023250), Boletim de Ocorrência (Id. 264023252), termo de exibição e apreensão (Id. 264023253), laudo preliminar (Id. 264023273), bem como os depoimentos prestados em Juízo. Quanto à autoria do crime de tráfico de drogas, as provas coligidas aos autos são robustas e indicam, de forma inequívoca, que o apelante praticava a mercancia de entorpecentes. O policial militar Wilson Pereira Padilha Neto declarou que participava de uma operação policial no município quando foi realizada abordagem ao denunciado, sendo localizados dois invólucros de substância análoga à maconha em seu poder. Relatou que a equipe se dirigiu à residência do suspeito, onde foram recebidos por sua genitora, que acompanhou a busca domiciliar, momento em que foi encontrada uma porção significativa de substância semelhante à maconha no quarto do denunciado. Esclareceu que o denunciado é conhecido da polícia por envolvimento recorrente em práticas delituosas, especialmente relacionadas a organizações criminosas e tráfico de drogas. Embora o policial Romário Messias Xavier tenha declarado não se recordar dos detalhes da abordagem, confirmou que, conforme relatado nos autos, a guarnição inicialmente abordou o denunciado e posteriormente se deslocou até a residência, onde foi encontrada uma porção maior de maconha. O fato de não se recordar de detalhes específicos, considerando que os fatos ocorreram em 2021, não desmerece a prova, especialmente quando confirmada pelos registros oficiais. Por outro lado, a testemunha de defesa Bruno Pereira e Silva, embora tenha afirmado não ter presenciado a apreensão de qualquer material ilícito, permaneceu do lado externo da residência durante a busca, não tendo acompanhado a movimentação interna no imóvel, o que limita sua contribuição quanto à dinâmica da abordagem e apreensão. O apelante, ao ser interrogado, negou a propriedade da porção maior de maconha encontrada em sua residência, sustentando que a droga teria sido “plantada” pelos policiais. Contudo, sua versão defensiva não encontra respaldo nas demais provas dos autos, tratando-se de alegação genérica e sem fundamentação concreta. Há que se considerar, ainda, o princípio da livre convicção motivada do juiz (art. 155 do CPP), que permite ao julgador apreciar o acervo probatório e, fundamentadamente, formar sua convicção. Destaca-se que, para a configuração do crime de tráfico de drogas, não é necessária a prova da mercancia ou que o agente seja surpreendido no ato da venda do entorpecente, bastando que as circunstâncias fáticas indiquem a destinação comercial, como ocorreu no presente caso. Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que: Para a configuração do delito de tráfico de drogas, não é necessária prova da mercancia, tampouco que o agente seja surpreendido no ato da venda do entorpecente – até porque o próprio tipo penal aduz 'ainda que gratuitamente' -, bastando, portanto, que as circunstâncias em que se desenvolveu a ação criminosa denotem a traficância (AgRg nos EDcl no AREsp 1917794/MS, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 07/12/2021) No mesmo sentido: A materialidade do delito restou demonstrada por meio do auto de prisão em flagrante, boletim de ocorrência, termo de apreensão e laudos periciais que atestaram a natureza ilícita da substância apreendida (cocaína). A autoria foi confirmada pelos depoimentos dos policiais responsáveis pela abordagem e pela prisão, cujos relatos foram coerentes e compatíveis com o restante do conjunto probatório. O testemunho do usuário de drogas, ainda que prestado apenas na fase inquisitorial, corrobora os elementos angariados em juízo, sendo reforçado pela apreensão de entorpecentes na residência do acusado e por objetos característicos do narcotráfico. Conforme entendimento do TJMT e do STJ, depoimentos policiais são provas válidas para a condenação quando coerentes e corroborados pelo contexto probatório. A negativa de autoria do réu não se sobrepõe à robustez dos elementos de convicção produzidos nos autos. (N.U 0001319-23.2016.8.11.0046, Gilberto Giraldelli, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 05/03/2025, Publicado no DJE 10/03/2025) O simples fato de o apelante não ter sido flagrado na efetiva mercancia de substâncias ilícitas, não obsta a configuração do delito de tráfico de drogas, notadamente porque para a sua caracterização é prescindível prova flagrancial do comércio ilícito, bastando que a pessoa seja surpreendida praticando quaisquer das ações descritas no tipo penal, em contexto que evidencie a traficância, porquanto se trata de tipo penal misto alternativo, cuja consumação se dá com o cometimento de quaisquer das condutas nele especificadas. O tráfico de drogas se manifesta de diversas formas e com diferentes graus de sofisticação, sendo que pequenos traficantes muitas vezes não utilizam esses aparatos, valendo-se de instrumentos caseiros para a medição das porções ou operando em estágios específicos da cadeia de distribuição. Conforme estabelecido pelo enunciado orientativo de nº 07 da Tuma de Câmaras Criminais Reunidas deste E. Tribunal de Justiça: “o delito de tráfico de drogas, previsto no art. 33 da Lei n. 11.343/2006, é classificado como de ação múltipla ou misto alternativo e, portanto, consuma-se com a prática de qualquer das condutas nele descritas”. O tipo penal do art. 33 da Lei de Drogas é misto alternativo, criminalizando diversas condutas, entre as quais o simples ato de “trazer consigo”, “ter em depósito” ou “guardar” substância entorpecente para fins de tráfico. Diante do conjunto probatório apresentado, não vislumbro possibilidade de aplicação do princípio do in dubio pro reo, devendo a condenação pelo crime de tráfico de drogas ser mantida. II - Desclassificação do crime de tráfico para o de posse para uso pessoal. Alternativamente, a defesa pleiteia a desclassificação da conduta para o delito previsto no art. 28 da Lei 11.343/06, sustentando que o apelante é mero usuário de drogas. O pleito não merece acolhimento. A conduta de posse de drogas para consumo próprio está prevista no artigo 28, caput, da Lei n. 11.343/2006, que estabelece: Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: (...) § 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. O § 2º do dispositivo em comento, por sua vez, esclarece que para determinar se a droga se destina a consumo pessoal deve-se atentar à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, à conduta e aos antecedentes do agente. No caso em análise, as circunstâncias fáticas demonstram claramente a prática do crime de tráfico de drogas pelo apelante. De acordo com os elementos probatórios, o apelante foi preso em flagrante por guardar três invólucros com maconha, pesando 90,63 gramas. A forma de acondicionamento da droga, aliada aos depoimentos dos policiais, configura um conjunto probatório robusto que comprova a destinação comercial da droga apreendida com a apelante. Nesse ponto, destaca-se que o estudo técnico elaborado pela Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Estado do Paraná, sobre sistematização de dados relativos aos requisitos objetivos da Lei 11.343/06, concluiu que a quantidade média diária de consumo de cocaína e maconha é variada: Fonte: GOMES, Maria Tereza Uille. Estudo técnico para sistematização de dados sobre informações do requisito objetivo da Lei 11.343/2006. Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Curitiba, 2014. Disponível em acessado no dia 10/04/2025. Assim, a quantidade apreendida com o apelante ultrapassa consideravelmente o padrão de consumo próprio, mesmo para um período prolongado. Neste sentido, é o entendimento deste Tribunal de Justiça: O crime de tráfico de drogas se caracteriza pela prática de qualquer das condutas descritas no art. 33 da Lei nº 11.343/06, independentemente da efetiva comercialização do entorpecente. Os depoimentos dos policiais militares que efetuaram a abordagem são firmes, coerentes e harmônicos, corroborados por demais elementos probatórios constantes nos autos, como apreensão da droga e dinheiro em circunstâncias indicativas de tráfico. A apreensão de diminuta cocaína fracionada em nove porções, associada ao contexto da abordagem, demonstra a prática do chamado “tráfico formiguinha”, afastando a tese de uso pessoal. O fato de a ré não ter confessado a prática do tráfico em nenhuma fase da persecução penal não afasta o conjunto probatório que demonstra sua vinculação ao comércio ilícito de entorpecentes. Afinal, a negativa da ré não encontra respaldo nas provas dos autos, sendo desprovida de elementos que justifiquem a desclassificação operada na sentença. (N.U 1002165-69.2024.8.11.0037, Gilberto Giraldelli, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 02/04/2025) A materialidade e a autoria do delito de tráfico de drogas restaram devidamente comprovadas por meio do auto de prisão em flagrante, laudo pericial e depoimentos testemunhais, que apontaram a destinação comercial das substâncias entorpecentes apreendidas. A quantidade e a forma de acondicionamento das drogas, somadas às circunstâncias da apreensão e à existência de indícios de mercancia, inviabilizam a aplicação do art. 28 da Lei nº 11.343/2006, sendo mantida a capitulação jurídica no art. 33, caput. A condição de usuário de drogas do réu, embora alegada, não exclui a possibilidade de prática simultânea de tráfico, consoante jurisprudência consolidada. (N.U 1032136-41.2023.8.11.0003, Gilberto Giraldelli, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 29/01/2025) Assim, não há como acolher o pleito defensivo de desclassificação para o delito de posse de drogas para consumo pessoal, uma vez que as circunstâncias do caso concreto demonstram, de forma inequívoca, a prática do crime de tráfico de drogas. Ante o exposto, em consonância com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, nego provimento ao recurso de apelação, mantendo incólume a sentença condenatória de primeiro grau. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 02/07/2025
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