Processo nº 1000360-43.2021.8.11.0019
ID: 309970354
Tribunal: TJMT
Órgão: Primeira Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1000360-43.2021.8.11.0019
Data de Disponibilização:
27/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1000360-43.2021.8.11.0019 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Feminicídio] Relator: Des(a). ORLANDO DE ALMEIDA PERR…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1000360-43.2021.8.11.0019 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Feminicídio] Relator: Des(a). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI Turma Julgadora: [DES(A). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, DES(A). MARCOS MACHADO, DES(A). WESLEY SANCHEZ LACERDA] Parte(s): [MARCELO APARECIDO MARTINS - CPF: 982.273.511-15 (RECORRIDO), DEYVID NEVES DELBOM - CPF: 029.777.061-60 (ADVOGADO), POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0029-45 (APELANTE), POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0029-45 (REPRESENTANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (REPRESENTANTE), Márcio da Silva Ferreira (APELANTE), ALTAMIRO FERREIRA LEMES - CPF: 927.768.841-68 (APELANTE), VALTER DIAS DA SILVA - CPF: 963.717.141-04 (APELANTE), CHARLES BARRA LEITE - CPF: 062.852.751-90 (APELANTE), Joilson de Amorin Lino (APELANTE), Maycon Ribeiro de Souza (APELANTE), ADRIANA BARRA (VÍTIMA), ADRIANA BARRA - CPF: 023.559.271-46 (VÍTIMA), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). WESLEY SANCHEZ LACERDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 1000360-43.2021.8.11.0019 APELANTE: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO RECORRIDO: MARCELO APARECIDO MARTINS Ementa: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. COMPENSAÇÃO COM AGRAVANTE DO ART. 61, II, “F”, DO CP. DETRAÇÃO PENAL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO. EXECUÇÃO IMEDIATA DA PENA IMPOSTA. POSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. Caso em exame: 1. Recurso de apelação criminal interposta pelo Ministério Público Estadual contra sentença condenatória proferida pelo Tribunal do Júri, que reconheceu a prática do crime de homicídio qualificado pelo meio cruel e contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, fixando a pena em 16 anos e 6 meses de reclusão, com detração de 3 anos, 7 meses e 5 dias relativos à prisão domiciliar com monitoramento eletrônico. Foi mantido o regime fechado e negado o direito de recorrer em liberdade, com execução da pena em prisão domiciliar em razão do estado de saúde do condenado. II. Questão em discussão: 2. A apelação versa sobre quatro pontos: (i) o não reconhecimento da confissão espontânea; (ii) a alegada preponderância da agravante do feminicídio e a impossibilidade de compensação com a atenuante da confissão; (iii) a inaplicabilidade da detração penal pelo juízo sentenciante; e (iv) o imediato cumprimento da pena, com revogação da prisão domiciliar. III. Razões de decidir: 3. É cabível o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, ainda que qualificada e invocando legítima defesa, conforme entendimento consolidado na jurisprudência do STJ (Súmula 545/STJ). 4. Correta a compensação integral entre a atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, "d", CP) e a agravante genérica do crime praticado contra a mulher (art. 61, II, "f", CP), por serem ambas preponderantes. 5. A detração penal de tempo de prisão cautelar e domiciliar deve ser realizada pelo Juízo da Execução Penal, salvo quando interferir na modificação do regime inicial de cumprimento da pena, o que se infere no caso em exame. 6. Diante da soberania dos veredictos do Tribunal do Júri, é cabível a imediata execução da pena, nos termos do Tema 1068/STF, especialmente considerando a melhora no quadro clínico do sentenciado, que não mais justifica a permanência da prisão domiciliar. IV. Dispositivo e tese: 7. Recurso parcialmente provido. Teses de julgamento: “1. A confissão espontânea, ainda que parcial ou qualificada, deve ser reconhecida como atenuante nos termos do art. 65, III, d, do CP.” “2. É admissível a compensação integral entre a atenuante da confissão espontânea e a agravante do art. 61, II, f, do CP, por serem igualmente preponderantes.” “3. A detração penal deve ser analisada pelo Juízo da Execução Penal, salvo se influir diretamente na fixação do regime inicial.” “4. A execução imediata da pena imposta pelo Tribunal do Júri é legítima, nos termos do Tema 1068/STF.” _______ Dispositivos relevantes citados: CP, arts. 61, II, "f"; 65, III, "d"; 117 da LEP; CF/1988, art. 5º, LVII; CPP, art. 492, I, “e”. Jurisprudências relevantes citadas: TJMT, N.U 0001446-84.2009.8.11.0052, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, LUIZ FERREIRA DA SILVA, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 27/10/2024, Publicado no DJE 27/10/2024; TJMT, N.U 0000008-88.2018.8.11.0090, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 26/11/2024, Publicado no DJE 26/11/2024; STJ, REsp n. 2.034.834/MG, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 26/11/2024, DJEN de 17/12/2024; STJ, AgRg no REsp n. 2.014.352/MG, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 13/6/2023, DJe de 16/6/2023; TJMT, N.U 1017187-60.2021.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 12/9/2023, Publicado no DJE 12/9/2023; TJMT, N.U 0001750-64.2013.8.11.0013, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RUI RAMOS RIBEIRO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 6/6/2025, Publicado no DJE 6/6/2025; TJMT, N.U 0008403-16.2019.8.11.0064, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 6/2/2023, Publicado no DJE 6/2/2023; TJMT, N.U 1000300-88.2021.8.11.0013, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, LUIZ FERREIRA DA SILVA, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 7/6/2025, Publicado no DJE 7/6/2025; TJMT, N.U 1001107-78.2021.8.11.0023, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 24/5/2025, Publicado no DJE 24/5/2025; TJMT, N.U 1013866-07.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, WESLEY SANCHEZ LACERDA, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 16/05/2025, Publicado no DJE 16/05/2025; STF, RE 1235340, Relator(a): LUÍS ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 12-09-2024, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-s/n DIVULG 12-11-2024 PUBLIC 13-11-2024 [Tema 1068]; TJMT, N.U 1004573-18.2024.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 29/4/2025, Publicado no DJE 30/4/2025; TJMT, N.U 1011919-15.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, JUVENAL PEREIRA DA SILVA, Quarta Câmara Criminal, Julgado em 28/4/2025, Publicado no DJE 30/4/2025; TJMT, N.U 1006009-07.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RUI RAMOS RIBEIRO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 22/4/2025, Publicado no DJE 25/4/2025; TJMT, N.U 0005455-36.2014.8.11.0013, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 9/4/2025, Publicado no DJE 11/4/2025. ESTADO DE MATO GROSSO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 1000360-43.2021.8.11.0019 APELANTE: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO RECORRIDO: MARCELO APARECIDO MARTINS RELATÓRIO EXMO. SR. DES. ORLANDO DE ALMEIRA PERRI Egrégia Câmara: Cuida-se de Recurso de Apelação Criminal aforado pelo Ministério Público Estadual, buscando a reforma da sentença proferida pelo Tribunal do Júri de Porto dos Gaúchos, que condenou Marcelo Aparecido Martins à reprimenda de 16 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do crime de homicídio qualificado pelo meio cruel e contra a mulher por razões da condição de sexo feminino [art. 121, § 2º, incisos III e VI, do CP]. A Promotoria de Justiça de Porto do Gaúchos postula: 1) o afastamento da atenuante da confissão espontânea; 2) a preponderância da agravante do feminicídio em relação à atenuante da confissão espontânea; 3) o não reconhecimento da detração da pena promovida pelo juízo sentenciante; 4) a alteração do modo de cumprimento da pena pelo réu, com a execução imediata da condenação imposta. A Defensoria Pública Estadual, em contrarrazões, requer a manutenção da sentença hostilizada. A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Procurador de Justiça, Élio Américo, opina pelo provimento parcial do recurso ministerial, a fim de afastar a atenuante da confissão espontânea e a detração feita pelo juízo de origem, com a revogação da prisão domiciliar do apelado e a imediata execução da pena. É o relatório. À douta revisão. PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 1000360-43.2021.8.11.0019 VOTO EXMO. SR. DES. ORLANDO DE ALMEIDA PERRI (RELATOR) Egrégia Câmara: MARCELO APARECIDO MARTINS, ora apelado, foi pronunciado pela prática do crime de homicídio qualificado pelo emprego de meio cruel e contra a mulher por razões da condição do sexo feminino [art. 121, § 2º, incisos III e VI, do CP]. Submetido a julgamento perante o Tribunal Popular do Júri de Porto dos Gaúchos, conforme Sessão Plenária ocorrida em 24/2/2024, MARCELO foi condenado à reprimenda de 16 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicialmente fechado. O Juiz-Presidente do Tribunal do Júri considerou o período de prisão preventiva, bem como o de encarceramento domiciliar sob monitoramento eletrônico, e detraiu, da reprimenda imposta, o total de 3 anos, 7 meses e 5 dias de segregação cautelar. Com isso, impôs ao sentenciado o cumprimento da pena restante de 12 anos, 10 meses e 25 dias de reclusão, conservando-se, contudo, o regime prisional fechado para início de seu cumprimento. Além disso, no édito condenatório, o juízo sentenciante negou ao réu o direito de recorrer em liberdade, determinando a manutenção de sua prisão domiciliar mediante monitoramento eletrônico. A PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PORTO DOS GAÚCHOS se insurge em relação a quatro pontos específicos: 1) o afastamento da circunstância atenuante da confissão espontânea; 2) caso mantida, pede que seja reconhecida a preponderância da agravante do feminicídio – e não a compensação integral com a confissão espontânea –, majorando a pena na segunda fase dosimétrica; 3) o não reconhecimento do período de prisão preventiva e/ou domiciliar na sentença condenatória; e, 4) o imediato cumprimento da condenação imposta. Passo ao exame dos pleitos formulados. I – AFASTAMENTO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA A PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PORTO DOS GAÚCHOS sustenta que “não houve, de fato, uma confissão satisfatória dos fatos pelo réu, uma vez que este declarou que sua intenção nunca foi ceifar a vida da ofendida, mas apenas se defender”. Na Sessão Plenária o réu reafirmou sua versão, aduzindo que agiu em legítima defesa, tentando justificar sua prática delituosa, razão pela qual, segundo o apelante, não deve ser reconhecida a atenuante da confissão espontânea, haja vista que “suas declarações não foram utilizadas para fundamentar o decreto condenatório”. De fato, o apelante admitiu a prática delitiva. Entretanto, apresentou uma versão de legítima defesa, aduzindo que ADRIANA BARRA, ora vítima, sua então companheira, teria ido à sua residência diversas vezes para fazer uso de drogas. Contudo, ao final do dia, ao visualizar ADRIANA descontrolada, negou entregar o entorpecente e pediu a ela que fosse embora, tendo ela se revoltado e saído do local. MARCELO asseverou que, no período noturno, ADRIANA retornou e, munida de uma faca foi em sua direção, oportunidade na qual entraram em luta corporal, tendo retirado a faca e desferido golpes contra a ofendida. A presente questão – reconhecimento da atenuante da confissão espontânea em crimes julgados pelo Tribunal Popular do Júri – se revela um tanto quanto tormentosa, notadamente porque, em casos desse jaez, os jurados decidem de acordo com o princípio da íntima convicção. Com base nessa premissa, não é possível concluir, conforme sustentado pela PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PORTO DOS GAÚCHOS, que a confissão do apelado, ainda que qualificada, em nada contribuiu para solução do caso. Não se pode asseverar que as declarações prestadas pelo acusado não foram utilizadas pelo Corpo de Jurados para formar seu convencimento. Por essa razão, agiu com acerto o Juiz-Presidente do Tribunal do Júri de Porto dos Gaúchos ao reconhecer, em favor do acusado, a circunstância atenuante da confissão espontânea. A jurisprudência deste Tribunal é pródiga ao reconhecer a atenuante da confissão espontânea, mesmo quando alegada a tese de legítima defesa, como se vê: “A confissão do acusado, seja ela parcial, qualificada, extrajudicial ou retratada – ainda que não tenha sido expressamente adotada na formação do convencimento do juízo como um dos fundamentos da condenação –, não lhe retira o direito ao reconhecimento da atenuante, tendo em vista que esse requisito não está previsto no art. 65, III, d, do Código Penal”[1]. Destaco, ainda, precedente da lavra do Des. Marcos Machado que se encaixa com perfeição ao caso em apreço, verbis: “O c. STJ possui entendimento de que a confissão, ainda que parcial ou qualificada, deve ser reconhecida para fins de atenuar a pena, notadamente porque não se pode invalidar ou desprezar o ato de admissão do crime que repercute sobre o apenamento, cuja redução é um direito subjetivo do réu. Em julgamentos realizados perante o Tribunal do Júri, diante da dificuldade em se concluir pela utilização da atenuante por parte dos jurados, mostra-se suficiente que a tese defensiva tenha sido debatida em plenário ou alegada pelo réu em seu depoimento, ‘ainda que a confissão tenha sido realizada com ressalvas, em base, por exemplo, em tese de legítima defesa’, o que se verifica no caso”[2]. Cito, ainda, precedentes do STJ: “A jurisprudência desta Corte Superior consolidou-se no sentido de que, nos casos em que a confissão do acusado servir como um dos fundamentos para a condenação, a aplicação da atenuante em questão é de rigor, ‘pouco importando se a confissão foi espontânea ou não, se foi total ou parcial, ou mesmo se foi realizada só na fase policial com posterior retração em juízo’ (AgRg no REsp 1412043/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 10/3/2015, DJE 19/3/2015). A matéria encontra-se sumulada, consoante o enunciado n. 545 desta Corte Superior, que assim dispõe: ‘Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal’”[3]. “I - No julgamento do REsp n. 1.972.098/SC, a interpretação de vários precedentes relacionados à Súmula 545/STJ foi revista pela Quinta Turma desta eg. Corte Superior de Justiça, no sentido de adequar as possibilidades de incidência da atenuante prevista no art. 65, III, d, do CP. Com efeito, diante do voto do Exmo. Ministro Ribeiro Dantas no referido julgado, esta Quinta Turma passou a acatar que a confissão do acusado, seja ela parcial, qualificada, extrajudicial ou retratada - ainda que não tenha sido expressamente adotada na formação do convencimento do Juízo como um dos fundamentos da condenação -, não lhe retira o direito ao reconhecimento da atenuante, tendo em vista que esse requisito não está previsto no art. 65, III, d, do CP”[4]. De mais a mais, ainda que o apelante não tenha suscitado a tese de ausência de reconhecimento da atenuante da confissão espontânea por ocasião dos debates, consigno que me alinho ao entendimento que admite certa flexibilização quanto à sua aplicabilidade, especialmente por ser favorável à defesa. Neste sentido, cito lição de Walfredo Cunha Campos[5]: “A denominada cláusula de debates (necessidade de expressa arguição de atenuantes e agravantes nos debates para seu reconhecimento pelo juiz), em nosso entender, só é aplicável à acusação, que tem o ônus de, sempre que oportuno, sustentar ao juiz o agravamento da pena quando presentes as hipóteses legais, sob pena de preclusão. Sejam as agravantes de ordem subjetiva ou objetiva, é impostergável, pela parte acusadora, sua sustentação em debates, para que o juiz presidente as reconheça, não podendo fazê-lo de ofício, mesmo que devidamente comprovadas nos autos. O tratamento diferenciado quanto à defesa se justifica, a uma, porque não há nenhum inconveniente lógico ou estratégico em a acusação assim se manifestar como ocorre com a defesa; a duas, em essência, o Júri é uma garantia individual de liberdade do acusado, não tendo sentido em instituir-se um regime de aplicação de pena mais gravoso a ele que aquele operacionalizado pelo juiz togado”. Forte em tais razões, mantenho a circunstância atenuante da confissão espontânea reconhecida na sentença hostilizada. II – PREPONDERÂNCIA DA AGRAVANTE DO CRIME PRATICADO CONTRA MULHER SOBRE A ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA Segundo se infere dos autos, o Juiz-Presidente migrou a qualificadora do feminicídio [art. 121, § 2º, inciso VI, do CP], para a segunda fase dosimétrica, valorando-a como agravante genérica do crime praticado contra a mulher [art. 61, inciso II, f, do CP]. A providência adotada pelo juízo de primeira instância é perfeitamente admissível, porquanto “A presença de duas ou mais qualificadoras, reconhecida pelo Conselho de Sentença, permite que uma seja utilizada para qualificar o delito, enquanto outra seja ponderada na segunda fase, caso corresponda a uma das agravantes do art. 61 do CP, ou como circunstância judicial, na primeira fase do processo dosimétrico.” (TJMT, AP 0002324-93.2017.8.11.0095)”[6]. Posteriormente, o juízo de origem promoveu a compensação integral entre a atenuante da confissão espontânea e a agravante genérica do crime praticado contra a mulher. A despeito dos argumentos aduzidos pela PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PORTO DOS GAÚCHOS, não se visualiza plausível a pretendida majoração da pena na segunda fase dosimétrica, por se tratar de circunstâncias igualmente preponderantes. Conquanto a qualificadora do feminicídio tenha sido reconhecida pelo Conselho de Sentença, tal fato não a torna preponderante em relação à atenuante da confissão espontânea. A propósito, neste mesmíssimo sentido se manifestou o Procurador de Justiça, Élio Américo, cujos argumentos também adoto, per relationem, como razões de decidir, verbis: “A preponderância da qualificadora do feminicídio sobre a confissão espontânea não pode ser admitida como regra absoluta, sob pena de esvaziar o conteúdo normativo da atenuante prevista no art. 65, III, ‘d’, do Código Penal. Embora o feminicídio represente uma qualificadora de extrema gravidade, voltada à proteção da mulher em razão de sua condição de gênero, sua utilização como agravante na segunda fase da dosimetria – nos termos do art. 61, II, “f”, do Código Penal – não pode, por si só, anular os efeitos benéficos da confissão. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido que, em casos de coexistência entre atenuantes e agravantes de mesma natureza objetiva, como é o caso da confissão e da qualificadora residual, é possível a compensação ou, ao menos, a neutralização recíproca, a depender das circunstâncias do caso concreto”. Colho da jurisprudência: “A compensação integral entre a agravante da violência contra a mulher em relações domésticas (art. 61, II, "f", CP) e a atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, "d", CP) está em conformidade com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça”[7]. “Viável o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, por se tratar de atuação realizada em juízo pelo réu, ainda que de forma parcial. Outrossim, opera-se a sua compensação com a agravante referente à prática de crime com prevalência de relações domésticas, por serem igualmente preponderantes”[8]. Assim, conserva-se a compensação integral entre a atenuante da confissão espontânea e a agravante genérica do crime contra a mulher [art. 61, inciso II, f, do CP]. III – NÃO RECONHECIMENTO DO PERÍODO DE PRISÃO PREVENTIVA E DO ENCARCERAMENTO DOMICILIAR COMO DETRAÇÃO DA PENA NA SENTENÇA CONDENATÓRIA Neste ponto, assiste razão à acusação. Segundo se infere da sentença condenatória, o juízo de primeira instância fixou a reprimenda de 16 anos e 6 meses de reclusão. Posteriormente, ao fundamentar acerca do regime inicial de cumprimento da pena, considerou o tempo de prisão preventiva, bem como o período de encarceramento domiciliar com monitoramento, detraindo da pena final o total de 3 anos, 7 meses e 5 dias. Assim, o juízo sentenciante impôs ao condenado a pena final de 12 anos, 10 meses e 25 dias, estabelecendo o regime fechado para início de seu cumprimento. Como é cediço, “A detração penal, por se tratar de matéria afeta à execução da pena, deve ser analisada exclusivamente pelo Juízo da Execução Penal, salvo quando o abatimento interfere na definição do regime inicial”[9]. Com efeito, excepcionalmente, o juízo sentenciante pode considerar o período de prisão preventiva na fase de conhecimento, apenas e tão-somente quando interferir na definição do regime inicial de cumprimento da pena. Neste sentido: “A detração de medidas cautelares diversas da prisão deve ser aferida na fase de execução penal, não influindo, de imediato, na fixação do regime inicial”[10]. Portanto, se mesmo com a detração o regime prisional para início de cumprimento da pena permanecerá mais gravoso, incabível a providência adotada pelo juízo sentenciante, porquanto “A apreciação da detração penal para eventual alteração do regime deve ser submetida ao Juízo da Execução Penal, competente para apurar os efeitos do tempo de prisão cautelar no cumprimento da pena”[11]. Neste viés, afasto a providência adotada pelo juízo de primeira instância, ficando a cargo do Juízo da Execução Penal a apreciação do período de detração do período de prisão preventiva e de encarceramento domiciliar com monitoramento eletrônico. IV – EXECUÇÃO IMEDIATA DA CONDENAÇÃO IMPOSTA – REVOGAÇÃO DA PRISÃO DOMICILIAR Antes de tudo, convém salientar que, ao contrário do assinalado pela PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PORTO DOS GAÚCHOS, o juízo de origem não concedeu ao condenado o direito de cumprir a reprimenda imposta em regime de prisão domiciliar. Na verdade, o Juiz-Presidente simplesmente concedeu ao réu o direito de apelar em prisão domiciliar, assim fundamentando: “Analisando os autos, nota-se que o Apenado está respondendo ao processo em prisão domiciliar desde o dia 18/5/2021, sob monitoramento eletrônico, em razão de seu estado de saúde (Ids. 55896688 e 55833316) e, desde então, não criou nenhum embaraço para o deslinde do feito, tampouco há notícia de violação injustificada da medida. No que tange ao recentíssimo entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, objeto do Tema de Repercussão Geral 1.068, sobre a constitucionalidade da execução imediata de condenação imposta pelo Tribunal do Júri, independentemente do quantum de pena fixada, a permitir a prisão imediata do réu, consigno que, neste caso, a concessão de prisão domiciliar ao Apenado não contraria a tese de observância obrigatória da Corte Superior (CPC, art. 927, inc. III), pelo contrário, está em perfeita harmonia com a orientação jurisprudencial e o ordenamento jurídico pátrio. Com efeito, a prisão domiciliar, embora menos drástica que a prisão convencional (em unidades prisionais), não perde seu caráter prisional, tratando-se, na verdade, de uma modalidade prisional de caráter substitutivo, que deve ser imposta em casos específicos e excepcionalíssimos, como na hipótese em exame, em que se verifica a debilidade do Apenado em decorrência de doença grave que lhe acomete. Em outras palavras, a pessoa em prisão domiciliar continua com a restrição de sua liberdade (plena), diferenciando-se apenas quanto ao local da restrição. Isto é, uma pessoa privada da liberdade em regime convencional recolhe-se nas unidades prisionais, enquanto a privada de liberdade em caráter substitutivo (domiciliar) deve permanecer recolhida integralmente em sua própria casa, somente dela podendo se ausentar com autorização judicial, como tem ocorrido ao longo da tramitação destes autos. [...] Neste caso específico, a própria administração penitenciária estadual afirmou não ter condições para manter o sentenciado em nenhuma das unidades prisionais do Estado, mesmo nas de grande porte, conforme documento de Id. 55991923. Embora tal afirmação seja datada de 18/5/2021, não há nos autos nenhuma outra informação demonstrando alteração desta realidade. Soma-se, ainda, o fato de o Réu ter sido, recentemente, submetido a perícia médica determinada por este Juízo, cujo laudo apontou que, embora tenha havido evolução do quadro clínico, há necessidade de acompanhamento periódico entre 03 (três) e 06 (seis) meses para tratamento da estenose esofágica, a depender da piora clínica. O médico perito também destacou que o Réu necessita de alimentação diferenciada, em razão de suas inúmeras patologias, necessidade que este Juízo, que também é Corregedor da unidade prisional local, sabe que a Cadeia Pública de Porto dos Gaúchos não tem condições de atender. Na perícia também constou que o sentenciado é acometido de episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos e ansiedade generalizada, que podem ser agravados no ambiente carcerário”. O MP destacou, em suas razões recursais, que “em que pese, de fato, na época que foi concedida sua prisão domiciliar, o apelado estivesse com sua saúde debilitada, verifica-se que tal situação não permanece, pelo contrário, o réu recebeu toda a assistência médica indispensável, o que culminou no restabelecimento de seu quadro clínico”. O próprio juízo sentenciante salientou, no édito condenatório, que o laudo pericial apontou ter havido a evolução do quadro clínico do acusado, havendo apenas a necessidade de acompanhamento periódico de 3 a 6 meses para tratamento. Forte em tais razões, verificando-se a evolução e a melhora do estado de saúde do condenado, nada obsta a execução imediata da pena imposta por decisão soberana do Tribunal do Júri, conforme entendimento firmado pelo STF no Tema 1068[12], verbis: “A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada”. Cito precedentes deste Tribunal: “2. ‘A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada’”[13]. “1. A execução imediata da pena imposta pelo Tribunal do Júri, com fundamento no art. 492, I, ‘e’, do Código de Processo Penal, é legítima e independe do quantum da pena aplicada. 2. Normas processuais penais possuem aplicação imediata, conforme o princípio tempus regit actum, inclusive para fatos ocorridos antes da entrada em vigor da norma. 3. A prisão resultante de condenação pelo Tribunal do Júri não exige fundamentação adicional, nem a demonstração dos requisitos do art. 312 do CPP, por decorrer da própria condenação e da soberania dos veredictos. 4. A execução provisória da pena imposta pelo Tribunal do Júri não viola o princípio da presunção de inocência, uma vez que a culpa do réu foi declarada por decisão soberana do júri popular”[14]. “Nessa lógica, fixou-se a seguinte tese: ‘A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada’”[15]. Assim também já me posicionei: “4. A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a execução imediata da pena, sendo incabível o pedido de recorrer em liberdade”[16]. Contudo, em se verificando piora no quadro de saúde do condenado, caberá à defesa pleitear perante o Juízo da Execução Penal competente o benefício previsto no art. 117 da LEP, desde que comprovada a gravidade de sua doença. À vista do exposto, em parcial consonância com o parecer ministerial, DOU PROVIMENTO EM PARTE ao recurso ministerial para afastar a detração penal reconhecida pelo juízo sentenciante, e determinar a imediata execução da pena imposta [16 anos e 6 meses de reclusão] no regime prisional fixado [fechado] para início de seu cumprimento, em consonância com o entendimento do STF, consagrado na Tese de Repercussão Geral n. 1068, ficando a cargo do Juízo da Execução Penal a detração do período de prisão preventiva e domiciliar. É como voto. [1] TJMT, N.U 0001446-84.2009.8.11.0052, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, LUIZ FERREIRA DA SILVA, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 27/10/2024, Publicado no DJE 27/10/2024. [2] TJMT, N.U 0000008-88.2018.8.11.0090, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 26/11/2024, Publicado no DJE 26/11/2024. [3] STJ, REsp n. 2.034.834/MG, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 26/11/2024, DJEN de 17/12/2024. [4] STJ, AgRg no REsp n. 2.014.352/MG, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 13/6/2023, DJe de 16/6/2023. [5] Tribunal do Júri: Teoria e Prática, 4. ed., Atlas, 2015. [6] TJMT, N.U 1017187-60.2021.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 12/9/2023, Publicado no DJE 12/9/2023. [7] TJMT, N.U 0001750-64.2013.8.11.0013, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RUI RAMOS RIBEIRO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 6/6/2025, Publicado no DJE 6/6/2025. [8] TJMT, N.U 0008403-16.2019.8.11.0064, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 6/2/2023, Publicado no DJE 6/2/2023. [9] TJMT, N.U 1000300-88.2021.8.11.0013, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, LUIZ FERREIRA DA SILVA, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 7/6/2025, Publicado no DJE 7/6/2025. [10] TJMT, N.U 1001107-78.2021.8.11.0023, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 24/5/2025, Publicado no DJE 24/5/2025. [11] (N.U 1013866-07.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, WESLEY SANCHEZ LACERDA, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 16/05/2025, Publicado no DJE 16/05/2025) [12] STF, RE 1235340, Relator(a): LUÍS ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 12-09-2024, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-s/n DIVULG 12-11-2024 PUBLIC 13-11-2024. [13] TJMT, N.U 1004573-18.2024.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 29/4/2025, Publicado no DJE 30/4/2025. [14] TJMT, N.U 1011919-15.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, JUVENAL PEREIRA DA SILVA, Quarta Câmara Criminal, Julgado em 28/4/2025, Publicado no DJE 30/4/2025. [15] TJMT, N.U 1006009-07.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RUI RAMOS RIBEIRO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 22/4/2025, Publicado no DJE 25/4/2025. [16] TJMT, N.U 0005455-36.2014.8.11.0013, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 9/4/2025, Publicado no DJE 11/4/2025. Data da sessão: Cuiabá-MT, 24/06/2025
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