Processo nº 0822505-89.2024.8.14.0051
ID: 275944222
Tribunal: TJPA
Órgão: Vara do Juizado das Relações de Consumo de Santarém
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 0822505-89.2024.8.14.0051
Data de Disponibilização:
22/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado do Pará Vara do Juizado Especial das Relações de Consumo da Comarca de Santarém Processo nº: 0822505-89.2024.8.14.0051 RECLAMANTE: SIRLEY JULIA DE SOUSA…
Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado do Pará Vara do Juizado Especial das Relações de Consumo da Comarca de Santarém Processo nº: 0822505-89.2024.8.14.0051 RECLAMANTE: SIRLEY JULIA DE SOUSA COELHO RECLAMADO: NUBANK - NU PAGAMENTOS S.A. Advogado(s) do reclamado: MARIA DO PERPETUO SOCORRO MAIA GOMES SENTENÇA 1. RELATÓRIO Relatório dispensado, nos termos do art. 38 da Lei n.º 9.099/95. Os autos vieram conclusos. Fundamento e decido. 2. FUNDAMENTAÇÃO Trata-se de “ação declaratória de inexigibilidade de débito e indenização por danos morais”, ajuizada por SIRLEY JULIA DE SOUSA COELHO em face de NUBANK – NU PAGAMENTOS S.A., partes qualificadas nos autos. Em breve síntese, a parte autora narra ser correntista da instituição financeira requerida, todavia, no dia 01/08/2024, ao acessar o seu aplicativo, deparou-se com um empréstimo no valor de R$ 20.000,00 que foi creditado em sua conta. Sustenta que não autorizou ou solicitou o referido empréstimo e que, em razão disso, passou a sofrer descontos mensais indevidos para pagamento das parcelas do contrato. Afirma que procurou resolver o problema administrativamente, porém, sem êxito. Pleiteou (i) a concessão de tutela antecipada para suspensão dos descontos indevidos e abstenção do réu de incluir seu nome nos cadastros de inadimplência; (ii) a declaração de nulidade do contrato questionado e (iii) a condenação do banco em indenização por danos morais. Por sua vez, a instituição bancária requerida defende que a contratação do empréstimo se deu de forma regular e autorizada pela parte autora, sendo formalizada através de aparelho previamente habilitado e confirmada com senha de 4 dígitos pessoal e intransferível, da qual a parte autora possui o dever contratual de guarda e sigilo, tendo sido o valor emprestado devidamente liberado em favor da parte autora. Pugnou pela improcedência dos pedidos. A causa se encontra madura para julgamento, devendo o juízo primar pela sua célere tramitação, em função do princípio da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, CF/88). De proêmio, rejeito a preliminar de impugnação ao pedido de gratuidade da justiça, pois no juizado especial esta decorre automaticamente, nesta 1ª instância, como preconizado nos arts. 54 e 55 da Lei n.º 9.099/95. Verifica-se que a controvérsia se refere à ocorrência ou não de celebração de negócio jurídico pela parte autora com a instituição financeira ré. O caso dos autos se submete ao regime jurídico previsto no Código de Defesa do Consumidor, haja vista que as partes se amoldam nos conceitos de consumidor e fornecedor previstos nos arts. 2º e 3º do CDC. Vale destacar o enunciado da Súmula n. 297 do STJ: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Não se questiona que nas relações de consumo, a distribuição do ônus da prova não está ligada ao princípio clássico da correlação do que se alega, segundo o qual ao autor incumbe a prova quanto ao fato constitutivo do seu direito e ao réu quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Nos processos envolvendo lide de consumo, vigorando o princípio da inversão do ônus da prova (artigo 6º, VIII, do CDC), o que deve prevalecer na seara da distribuição do ônus da prova é o princípio da racionalidade ou razoabilidade. Nesse cenário, exigir do consumidor prova de que não contratou com a instituição financeira demandada significa, em regra, impor ônus, na prática, intransponível. Esse ônus pertence ao fornecedor, porque mais habilitado para fazê-lo. Com efeito, é razoável que seja do fornecedor o ônus de provar a formalização da avença, acostando aos autos cópia do contrato ou prova idônea da manifestação válida de vontade da parte contratante. Vale ressaltar, contudo, que tal situação não afasta o ônus do consumidor de apresentar as provas mínimas de suas alegações, em especial quanto à apresentação de prova documental cuja produção esteja a seu alcance, como é caso dos extratos bancários, documentação de fácil acesso que poderia ser apresentada com a petição inicial, em atenção inclusive ao dever de colaboração com a Justiça (art. 6º, CPC). Outrossim, conforme dispõe o art. 104 do Código Civil, um contrato válido deve apresentar: (i) agente capaz; (ii) objeto lícito, possível, determinado ou determinável e (iii) forma prescrita ou não defesa em lei. Contudo, antes de adentrar ao plano da validade do contrato, é necessário analisar o plano da existência. Para que qualquer negócio jurídico exista, é necessário a presença de 04 (quatro) elementos: manifestação de vontade, agente, objeto e forma. Sílvio de Salvo Venosa nos ensina: “declaração de vontade, que a doutrina mais tradicional denomina consentimento, é elemento essencial do negócio jurídico. É seu pressuposto. Quando não existir pelo menos aparência de declaração de vontade, não podemos sequer falar de negócio jurídico. A vontade, sua declaração, além de condição de validade, constitui elemento do próprio conceito e, portanto, da própria existência do negócio jurídico” (VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil interpretado. 4ª ed. Atlas, São Paulo, 2019. p. 563). No caso dos autos, a parte autora negou que tenha formalizado qualquer contrato de empréstimo consignado com o Nubank e, por conta deste empréstimo, estava sofrendo descontos mensais indevidos. Para comprovar suas alegações, juntou um quadro resumo do contrato (ID 131227563, p.10-11) e seu extrato bancário contendo o crédito do valor do empréstimo (ID 131227563, p.12), se desincumbindo, portanto, de seu ônus probatório mínimo (art. 373, I, do CPC). Tratando-se de prova negativa, caberia à instituição financeira apresentar elementos probatórios quanto à celebração do negócio jurídico, nos termos do art. 373, II, do CPC, o que não foi feito, tendo em vista que não foi colacionada aos autos a demonstração de regular efetivação do contrato nos canais de autoatendimento do banco. Entendo que a instituição financeira detinha todos os meios aptos a demonstrar a existência e legalidade da contratação, porém, não o fez, porquanto não colacionou aos autos qualquer tipo de filmagem ou registro eletrônico em seus sistemas internos da utilização de caixas eletrônicos ou, ainda, o aparelhamento tecnológico necessário para contratações via celular ou internet banking, de modo que não seria excessivamente oneroso exigir que o banco requerido demonstrasse a efetiva utilização de um caixa eletrônico pela parte autora (sistema de registros eletrônicos do uso do cartão, senha pessoal e biometria), microfilmagens ou fotos da parte autora no momento da transação ou, ainda, comprovação de assinatura eletrônica, ID, IP, geolocalização, fotos do documento de identificação ou “selfie” do contratante, todavia, nada foi juntado, limitando-se a dizer que as contratações via autoatendimento não geram contratos físicos e que não haveria falha na prestação dos serviços bancários. Frise-se que, em direito, não se exige prova de quem nega um fato, mas sim de quem o afirma, a fim de se evitar as famigeradas “provas diabólicas”. É por isso que o Código de Processo Civil, ao distribuir o ônus probatório em seu art. 373, determina que ao autor incumbe provar os fatos constitutivos de seu direito, e ao réu cabe provar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. No caso dos autos, conforme visto alhures, não se pode exigir que a parte autora, que alega não ter celebrado contrato com a parte ré, arque com o ônus de produzir uma prova negativa, mormente porque a lide rege-se pelo Direito do Consumidor, em que a parte requerente nem sempre tem condições para apresentar determinadas provas, situação na qual deve incidir a inversão do ônus probante. Com isso, caberia à parte requerida provar que celebrou contrato com a parte autora, o que, como já dito, não foi feito. O banco requerido não foi capaz de comprovar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do(a) autor(a). Não há nada nos autos que indique, minimamente, qualquer demonstração de vontade da parte autora em aderir o referido contrato. Não há nenhum documento que contenha assinatura, seja física ou eletrônica, ou qualquer outro tipo de autorização para que os devidos oriundos do referido contrato fossem debitados de seu benefício previdenciário. Ressalto que o simples crédito de valores em favor da parte autora, fato incontroverso nos autos, não é suficiente para solidificar a idoneidade e regularidade da contratação avençada no nome da parte autora. Destarte, deve prevalecer a alegação da parte reclamante quanto à ausência de manifestação de vontade para celebrar o contrato questionado, o que resulta, por conseguinte, no reconhecimento da inexistência/nulidade dos negócios jurídicos questionados e consequentemente dos débitos a eles vinculados. Em relação ao pedido de indenização por danos morais, consigno que esse é um tema que por muito tempo passou ao largo do poder judiciário. É que, segundo orientação da antiga doutrina, os direitos da personalidade não eram suscetíveis de reparação patrimonial. Ocorre que após a CF/88 a dignidade da pessoa humana e os direitos da personalidade passaram a receber proteção jurídica expressa, prevendo o direito à indenização nos arts. 1º, III, e 5º, V e X. Reforçando o texto constitucional, o CDC estabeleceu no art. 6º, VI, que são direitos básicos do consumidor a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais bem como o acesso aos órgãos judiciários com vistas à prevenção ou reparação de danos morais causados (art. 6º, VII). No caso posto, o dever de o Demandado indenizar a parte autora repousa na prática de ato ilícito (art. 927 c/c art.186 do CC), consistente em realizar empréstimo pessoal com descontos automáticos em conta bancária vinculada à(o) Consumidor(a) sem a observância das normas aplicáveis ao contrato em espécie. Cabia à própria instituição financeira se resguardar acerca dos contratos realizados junto a esta. Não se trata de mero aborrecimento. A propósito, a jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Pará perfilha o entendimento no sentido da configuração do dano moral decorrente de empréstimo realizado de forma fraudulenta. Ilustrativamente, cito os seguintes precedentes: APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E PEDIDO LIMINAR DE TUTELA DE URGÊNCIA – PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO REJEITADA – MÉRITO: DESCONTO INDEVIDO NOS PROVENTOS DA AUTORA – EMPRÉSTIMO FRAUDULENTO – DECLARAÇÃO DA INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA REALIZAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO – CABIMENTO DA DEVOLUÇÃO EM DOBRO DO VALOR DESCONTADO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO PRESTADOR DE SERVIÇO – OCORRÊNCIA DE ATO ILÍCITO – DANO MORAL CONFIGURADO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. Preliminar de Prescrição: 1.1. In casu, versando a lide sobre responsabilidade civil por danos causados ao consumidor em decorrência de falha na prestação do serviço, incide o prazo prescricional quinquenal, com previsão no art. 27 do CDC, cujo termo inicial é o conhecimento do dano e de sua autoria. 1.2-Assim, considerando que o início do desconto ocorreu em 08/11/2017 e que o empréstimo fora dividido em 58 (cinquenta e oito) vezes, não é crível considerar a data do primeiro desconto do referido empréstimo consignado como a data da ciência inequívoca do dano, sobretudo em se tratando de pessoa com poucos conhecimentos e pouca instrução. 1.3. Ressalta-se que, a Jurisprudência Pátria, em casos análogos, recomenda que seja considerado como termo inicial para a contagem da prescrição a data do último desconto no benefício previdenciário, inclusive para resguardar a segurança jurídica, a fim de não permitir que a pretensão autoral se perpetue no tempo. 1.4. Desta feita, considerando o termo a quo a data de 28/09/2022 (data em que seria efetuado o último desconto no benefício do autor), bem como o ajuizamento da presente demanda ocorrido em 02/03/2021, verifica-se não ter transcorrido o prazo prescricional quinquenal, razão pela qual rejeita-se a preliminar de prescrição suscitada pelo banco apelante. 2. Mérito: 2.1. No caso vertente, restou devidamente comprovado a ocorrência de ato ilícito perpetrado pela parte apelante, consubstanciado no desconto indevido referente ao contrato de empréstimo. 2.2. A surpresa de privação de verbas de caráter alimentar, transcendem os limites do mero aborrecimento, sendo devido o pleito indenizatório relativo aos danos morais. 2.3. Ademais, quanto à repetição do indébito, restou comprovado que o apelado sofreu desconto em seu benefício por empréstimo não realizado, o que acarreta a restituição, em dobro, conforme previsto no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, estando correto o arbitrado na sentença. 3. Recurso de Apelação CONHECIDO e IMPROVIDO, mantendo a sentença ora vergastada em todo os seus termos. (TJPA- 8166265, 8166265, Rel. MARIA DE NAZARE SAAVEDRA GUIMARAES, Órgão Julgador 2ª Turma de Direito Privado, Julgado em 2022-02-08, Publicado em 2022-02-16) (grifei). ___________________________________________________ APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/CINDENIZAÇÃO POR DANOS MORAISE MATERIAIS. FRAUDE BANCÁRIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 479, STJ.REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. VIOLAÇÃO À BOA-FÉ OBJETIVA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DEVIDA. DANOS MORAIS ARBITRADOS EM R$ 2.000,00 (DOIS MIL REAIS). RAZOABILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO, À UNANIMIDADE. 1. Existe dever de indenizar quando resta comprovada falha na prestação do serviço em função de operações bancárias realizadas mediante fraude. Aplicação da Súmula 479, STJ. Apelante que não conseguiu demonstrar que inexiste defeito no serviço prestado ou a existência de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros. Negligência na averiguação da documentação apresentada; 2. A restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que cobrou valor indevido, revelando-se cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva. Tese fixada pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça que se aplica ao caso concreto; 3. A cobrança indevida decorrente de fraude acarreta dano moral indenizável. A quantia fixada na sentença recorrida, qual seja, R$ 2.000,00 (dois mil reais) deve ser mantida por obedecer aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, e não ser capaz de representar fonte de enriquecimento indevido de quem recebe, nem impunidade e reincidência de quem paga, se afigurando adequada ao dano causado no caso concreto. 4.Recurso conhecido e desprovido, à unanimidade. (TJPA - 8153614, 8153614, Rel. RICARDO FERREIRA NUNES, Órgão Julgador 2ª Turma de Direito Privado, Julgado em 2022-02-08, Publicado em 2022-02-15) (grifei). É caso, então, de acolher o pedido de indenização por danos morais, contudo, em valor bem menor que o pleiteado na exordial, tendo em vista os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, bem como, os objetivos nucleares da reparação moral – desestimular o comportamento ilícito e assegurar uma contrapartida pelas ofensas sofridas, sem provocar o enriquecimento sem causa por parte da vítima – pelo que entendo razoável o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) a título de danos morais. Por fim, cumpre-me tecer considerações acerca da compensação dos valores recebidos pela parte autora. É importante esclarecer que o reconhecimento da inexistência/nulidade do contrato impõe o desfazimento do negócio jurídico e resulta no retorno das partes à situação anterior. Embora a parte requerida não tenha comprovado a lisura na contratação, é possível visualizar que houve recebimento pela parte autora de valor relacionado ao contrato ora declarado nulo. Como se vê, é fato incontroverso nos autos que a parte autora recebeu R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a título de empréstimo não contratado/solicitado, o que restou comprovado pelos extratos bancários da parte autora. Nesse caso, a parte autora se beneficiou financeiramente da avença, mesmo que não solicitado/autorizado, não havendo notícia de devolução nos autos ou intenção de devolvê-los. Em que pese a transferência, por si só, não ser suficiente para configurar a higidez da contratação do empréstimo, uma vez recebido o valor, por decorrência lógica, sendo nulo o negócio jurídico, a quantia deve ser devolvida, sob pena de enriquecimento sem causa (art. 884 do CC/02). Deste modo, é adequada a realização de compensação entre o valor transferido à parte autora e o valor da condenação imposta à parte requerida, em atenção ao disposto no art. 386 do CC/02, o que não impede que a parte autora realize o depósito judicial, caso assim entenda. Por oportuno, é importante destacar o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Pará, em caso análogo ao presente feito, no qual se reconheceu a invalidade da relação entre o consumidor e a instituição financeira e necessidade de devolução/compensação dos valores eventualmente recebidos: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. PEDIDO DE COMPENSAÇÃO DE VALORES. SUPRIMENTO. MANUTENÇÃO DO JULGADO. I. CASO EM EXAME Embargos de Declaração opostos pelo BANCO BMG S.A. contra acórdão que reconheceu a nulidade de contrato de cartão de crédito consignado firmado com a parte embargada, determinou a repetição do indébito em dobro e fixou indenização por danos morais em R$ 5.000,00. O embargante sustenta a existência de omissão no julgado, pois não teria sido analisado expressamente o pedido de compensação dos valores recebidos pelo embargado a título de empréstimo. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO A questão em discussão consiste em verificar a existência de omissão no acórdão quanto ao pedido de compensação dos valores liberados no contrato declarado nulo e, se constatada, proceder ao seu suprimento. III. RAZÕES DE DECIDIR O artigo 1.022 do Código de Processo Civil prevê que os embargos de declaração são cabíveis para suprir omissão, esclarecer obscuridade, eliminar contradição ou corrigir erro material. A análise dos autos demonstra que o acórdão embargado não se manifestou expressamente sobre a compensação dos valores liberados no contrato anulado. O artigo 884 do Código Civil estabelece que ninguém pode enriquecer sem causa à custa de outrem, razão pela qual a restituição dos valores deve ser equitativa. O artigo 368 do Código Civil dispõe que, havendo reciprocidade de créditos, as obrigações extinguem-se até o montante da compensação. Diante disso, impõe-se sanar a omissão para esclarecer que o valor do crédito liberado ao autor deve ser compensado com eventuais valores a serem restituídos pelo embargante, sem, contudo, alterar a conclusão do acórdão recorrido. IV. DISPOSITIVO E TESE Embargos de Declaração acolhidos parcialmente, sem alteração do resultado do julgado. Tese de julgamento: A compensação de valores em contrato declarado nulo deve ser analisada para evitar enriquecimento sem causa, nos termos dos artigos 368 e 884 do Código Civil. Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 1.022; CC, arts. 368 e 884. Jurisprudência relevante citada: Não há indicação de precedentes no julgado. (TJPA – APELAÇÃO CÍVEL – Nº 0818947-52.2022.8.14.0028 – Relator(a): ALEX PINHEIRO CENTENO – 2ª Turma de Direito Privado – Julgado em 25/03/2025) (grifei). No mesmo sentido é o entendimento dos Egrégios Tribunais de Justiça de São Paulo e de Mato Grosso: DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. IRREGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO DEMONSTRADA. IMPOSSIBILIDADE DE CONVALIDAÇÃO. REDUÇÃO DA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO DE VALORES. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME: Apelação interposta por instituição financeira contra sentença que declarou a nulidade de contrato de empréstimo consignado, por ausência de relação jurídica válida entre as partes, condenando o réu ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 10 .000,00 e à restituição dos valores descontados. O apelante sustenta a convalidação do contrato ante a retenção dos valores pela autora, pleiteia a compensação de valores, e a redução dos danos morais e dos honorários advocatícios arbitrados. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO: Há cinco questões em discussão: (i) determinar se a relação jurídica alegada entre as partes é válida; (ii) analisar a possibilidade de convalidação do contrato; (iii) avaliar a autorização para compensação entre os valores creditados à autora e os valores devidos pelo réu; (iv) analisar sobre a ocorrência de dano moral e a adequação do valor indenizatório arbitrado; (v) apreciar a possibilidade de redução dos honorários advocatícios. III. RAZÕES DE DECIDIR: A relação jurídica é inexistente, uma vez que as assinaturas constantes do contrato foram comprovadamente falsificadas, conforme laudo pericial grafotécnico, e a instituição financeira não demonstrou a regularidade da operação, descumprindo o ônus probatório que lhe cabia. Negócios jurídicos inexistentes ou nulos, como no caso em análise, não produzem efeitos jurídicos e não podem ser convalidados, mesmo diante do depósito de valores em conta da autora, pois inexiste manifestação válida de vontade. A compensação entre os valores recebidos pela autora e os valores da condenação devida pelo réu se mostra cabível, nos termos do art. 368 do Código Civil, dada a reciprocidade de créditos e débitos entre as partes. O desconto indevido em benefício previdenciário configura dano moral in re ipsa, e não havendo circunstâncias que o afaste, é devida a indenização. Contudo, o valor fixado pela sentença em R$10.000,00 comporta redução para R$5 .000,00, em consonância com precedentes e em atenção às circunstâncias específicas do caso. Os honorários advocatícios sucumbenciais foram fixados em 15% sobre o valor da condenação, e sua manutenção é justificada, considerando que atende aos critérios previstos no art. 85, § 2º, do CPC. IV. DISPOSITIVO E TESE: Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: “(i) Contratos bancários nulos ou inexistentes não poder ser convalidados; (ii) A compensação entre valores creditados e valores da condenação é autorizada, desde que presentes créditos e débitos recíprocos, líquidos e exigíveis; (iii) O desconto indevido em benefício previdenciário gera dano moral in re ipsa, e não havendo circunstâncias que o afastem, é devida indenização, cujo valor deve ser fixado de forma proporcional e razoável. Dispositivos relevantes citados: CDC, art. 6º, VIII; CC, arts . 368, 369; CPC, art. 85, § 2º. Jurisprudência relevante citada: TJSP, Apelação Cível 1005852-87.2021 .8.26.0604, Rel. Paulo Toledo, j . 09.12.2024; TJSP, Apelação Cível 1001240-21.2021 .8.26.0115, Rel. Domingos de Siqueira Frascino, j . 15.10.2024; TJSP, Apelação Cível 1066716-17.2022 .8.26.0100, Rel. Elói Estevão Troly, j . 18.07.2023. (TJ-SP - Apelação Cível: 10032555720218260019 Americana, Relator.: Rosana Santiso, Data de Julgamento: 17/01/2025, Núcleo de Justiça 4 .0 em Segundo Grau – Turma IV (Direito Privado 2), Data de Publicação: 17/01/2025) (grifei) ___________________________________________________ APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CC DANOS MORAIS E MATERIAIS COM REPETIÇÃO DO INDÉBITO, e TUTELA DE URGÊNCIA. – EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. – APLICAÇÃO DA SÚMULA 297 DO STJ. – CONSUMIDORA ANALFABETA. – CONTRATO QUE NÃO PREENCHE OS REQUISITOS DO ART. 595 DO CÓDIGO CIVIL. – CONTRATO NULO. – RESTITUIÇÃO EM DOBRO DEVIDA. – ART. 42, § ÚNICO DO CDC. – INEXISTÊNCIA DE ENGANO JUSTIFICÁVEL. – COMPENSAÇÃO DE VALORES DEFERIDA. – DANO MORAL MANTIDO. – SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Nos termos do art. 373, II, do CPC c/c art. 6º, VIII, do CDC, é ônus da instituição financeira comprovar a regularidade das cobranças. 2. Nos termos do art. 42, § único, do CDC, inexistindo engano justificável pelo fornecedor, é devida a devolução em dobro dos valores pagos indevidamente pelo consumidor. 3. A compensação de valores busca evitar a ocorrência de enriquecimento ilícito da parte consumidora, visto que é vedado pelo nosso ordenamento. 4. Impõe-se a manutenção da sentença que fixou os valores atinentes a danos morais, dentro dos parâmetros da razoabilidade e proporcionalidade, observando-se o critério pedagógico da condenação. 5. Não incorrendo a parte em qualquer das situações previstas nos artigos 80 e 81, ambos do Código de Processo Civil, não há falar em condenação por litigância de má-fé. 6. Sentença parcialmente reformada. 7. Recurso parcialmente provido. (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1000538-16 .2023.8.11.0053, Relator.: SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, Data de Julgamento: 18/06/2024, Primeira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/06/2024) (grifei) Sobre o tema, ainda, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, no julgamento do IRDR nº 0016553-79.2019.8.17.9000, em caso envolvendo a anulação de contrato, fixou a seguinte tese: Terceira tese: “É possível a aplicação ‘ex officio’ do instituto da compensação, previsto no art. 368 do Código Civil, quando nos autos resultar provada a utilização, por pessoa analfabeta, de quantia disponibilizada em decorrência de empréstimo bancário por ela não efetivamente contratado, ou judicialmente declarado inválido por ter sido contratado sem a observância de formalidade legal pertinente”. Nesse contexto, considerando que restou demonstrada a disponibilização do crédito em favor da parte autora no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), oriundo do negócio jurídico ora declarado nulo/inexistente, determino a devolução total dos respectivos valores em favor do banco requerido, sob pena de enriquecimento ilícito. 3. DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial e extingo o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, para o fim de: a) DECLARAR a inexistência/nulidade do contrato de empréstimo pessoal questionado na exordial, vinculado à conta corrente da parte autora e, em consequência, condenar o Nubank – Nu Pagamentos S.A. a fazer cessarem as cobranças atreladas a ele, caso ainda estejam ativos, consolidando-se, assim, os efeitos da tutela de urgência anteriormente deferida; b) CONDENAR a NUBANK – NU PAGAMENTOS S.A. a pagar à(o) autor(a), a título de indenização por danos morais, o montante de R$ 3.000,00 (três mil reais); o valor deverá ser corrigido monetariamente pelo IPCA, nos termos do art. 389, §ú, do CC (incluído pela Lei n.º 14.905/2024), cujo termo inicial fixa-se a partir desta decisão – arbitramento (Súmula 362/STJ), e acrescido de juros moratórios de 1% ao mês até 29/08/2024 e, a partir de 30/08/2024 (entrada em vigor da Lei n.º 14.905/2024), juros moratórios pela taxa SELIC, subtraída a correção monetária, conforme art. 406, §1º, do CC, cujo termo inicial fixa-se a partir do primeiro desconto indevido – evento danoso (art. 398, do CC e Súmula 54/STJ), devendo a metodologia de cálculo observar o disposto na Resolução CMN n.º 5.171/2024 (art. 406, §2º e §3º, do CC), cujo valor deverá ser apurado mediante cálculo a ser apresentado em fase de cumprimento de sentença (art. 509, §2º, do CPC); c) AUTORIZAR a NUBANK – NU PAGAMENTOS S.A. a realizar a compensação do valor da condenação com o montante de R$ 20.000,00 (vinte mil reais); Sem custas e honorários nesta instância (art. 55 da Lei n.º 9.099/95). Na hipótese de interposição de recurso inominado, por não haver mais juízo de admissibilidade a ser exercido pelo Juízo “a quo” (art. 1.010, §3º, do CPC c/c art. 41 da Lei 9.099/95 c/c Enunciado n.º 474, do Fórum Permanente dos Processualistas Civis), sem nova conclusão, intime-se a parte contrária para oferecer resposta, no prazo de 10 (dez) dias. Em havendo recurso adesivo, também deve ser intimada a parte contrária para oferecer contrarrazões. Após, tudo devidamente certificado, remetam-se os autos à Turma Recursal, para apreciação do recurso inominado. Havendo o trânsito em julgado, inexistindo outras providências a serem tomadas, certifique-se e arquivem-se os autos. Determino, na forma do provimento n. 003/2009, da CJMB - TJE/PA, com redação dada pelo provimento n. 011/2009, que essa sentença sirva como mandado, ofício, notificação e carta precatória para as comunicações necessárias. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. Santarém-PA, data registrada no sistema. PEDRO HENRIQUE FIALHO Juiz de Direito Núcleo de Justiça 4.0 do Empréstimo Consignado, Contrato Bancário, Saúde Pública, Violência Doméstica e Demandas sobre Energia Elétrica (Portaria n.º 1481/2025-GP, de 14 de março de 2025)
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