Processo nº 5003964-24.2025.4.04.7005
ID: 309764161
Tribunal: TRF4
Órgão: 11ª Vara Federal de Curitiba
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5003964-24.2025.4.04.7005
Data de Disponibilização:
27/06/2025
Polo Passivo:
Advogados:
CARINE VANESSA THIELE
OAB/PR XXXXXX
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PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5003964-24.2025.4.04.7005/PR
AUTOR
: JOSE FRANCISCO DOS SANTOS
ADVOGADO(A)
: CARINE VANESSA THIELE (OAB PR064513)
AUTOR
: JOBERSON FRANCISCO DOS SANTOS
ADVO…
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5003964-24.2025.4.04.7005/PR
AUTOR
: JOSE FRANCISCO DOS SANTOS
ADVOGADO(A)
: CARINE VANESSA THIELE (OAB PR064513)
AUTOR
: JOBERSON FRANCISCO DOS SANTOS
ADVOGADO(A)
: CARINE VANESSA THIELE (OAB PR064513)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
Em 14 de abril/2025,
JOSE FRANCISCO DOS SANTOS
e
JOBERSON FRANCISCO DOS SANTOS
deflagraram a presente demanda, sob rito do Juizado Especial, em face da UNIÃO FEDERAL, pretendendo a declaração da alegada nulidade de autos de infração lavrados pelo Departamento da Polícia Rodoviária Federal - DPRF.
Para tanto, sustentaram, em síntese, que o autor Joberson, no dia 21/07/2024, teria sido autuado, dada a imputação administrativa da prática de 7 infrações de trânsito na condução do veículo de propriedade do sr. José Francisco, sem seu consentimento. Segundo a narrativa promovida na peça inicial, os demandantes não teriam sido notificados a respeito da autuação. Argumentaram que o agente policial teria atestado a "
ausência de qualquer sinal que indicasse alteração da capacidade psicomotora
" e defenderam que o condutor do veículo "
não se recusou a se submeter aos testes, apenas não quis, após ser examinado pelo agente a realizar mais um teste
". Pediram a tutela antecipada para suspender os efeitos dos autos de infração e requereu:
Ao final da peça de evento-1, postularam
"a anulação definitiva dos autos de infração nº T659982579, T659982544, T659982595, T659982587, T659982567, T659982552, T659982609 e a nulidade dos atos administrativos praticados pela PRF e a consequente exclusão das pontuações dos prontuários do condutor e proprietário (CNH n°04541180588 e 01854868924), além da exclusão das multas impostas, desvinculando-as do veículo RENAVAM 0064.986341-0."
Os autos vieram conclusos.
II - FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Competência da Justiça Federal - caso em exame:
Na medida em que a pretensão dos autores foi endereçada em face da
União Federal
, a presente causa submete-se à alçada da Justiça Federal, nos termos do
art. 109, I, CF/88 e art. 10, da lei n. 5.010/66
.
2.2. Competência dos Juizados - considerações gerais:
Aprecio, quanto ao mais, se é cabível a submissão da pretensão da autora deduzida em face da União ao rito previsto na lei 9.099/95. Como sabido, a competência dos Juizados Especiais Federais é absoluta, diante do previsto no art. 98, I, Constituição e art. 3º da lei n. 10.259, de 2001. Logo, em princípio, não pode ser ampliada ou reduzida, impondo-se sua apreciação de ofício pelo Poder Judiciário, conforme art. 64, CPC.
Não se submetem à
"
competência do Juizado Especial Cível as causas: (...) para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal.
"
Convém ter em conta, todavia, que o processo é individualizado pela conjugação do trinômio partes, pedido e causa de pedir (art. 337, §2 CPC). Em decorrência do
princípio da substanciação
, a parte autora é obrigada a detalhar, na peça inicial, a sua pretensão, indicando o pedido e também a motivação do pedido. Note-se ainda que, como notório, apenas o dispositivo transita em julgado, conforme se infere do Art.. 504, I, CPC:
"Não fazem coisa julgada: I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença."
Assim, como têm entendido os tribunais, os Juizados Especiais são competentes para apreciação de pretensões nas quais a alegada nulidade do ato administrativo é invocada apenas como causa de pedir, e não como pedido:
"(....) Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º , § 1º , III , da Lei 10.259 ,
uma vez que a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória
. Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal."
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50446614920184047000 PR 5044661-49.2018.4.04.7000, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, Data de Julgamento: 02/04/2020).
Ainda segundo a Turma Recursal,
"O valor da causa atribuído pela parte autora é inferior a 60 salários, o qual não foi impugnado, logo, não há o que discutir quanto a esse aspecto.
Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259, uma vez que "a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória
". Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal. "
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50029127820204047001 PR 5002912-78.2020.4.04.7001, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, 22/10/2020, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Atente-se para os julgados que transcrevo abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA INSTAURADO ENTRE JUÍZO FEDERAL E JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. COMPETÊNCIA DESTA E. CORTE. SÚMULA 428 DO STJ. AÇÃO INDIVIDUAL DE DISPENSA DE PAGAMENTO DE PEDÁGIO. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO DE ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. VALOR DA CAUSA INFERIOR A SESSENTA SALÁRIOS MÍNIMOS. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. PRECEDENTES DESTA 2ª SEÇÃO. CONFLITO PROCEDENTE. 1 - Nos termos da Súmula 428 do Superior Tribunal de Justiça, compete a esta E. Corte dirimir o presente conflito negativo de competência entre Juízo Federal e Juizado Especial Federal Cível. 2 - Busca a autora tão somente o reconhecimento de seu direito individual à dispensa do pagamento de pedágio na praça de arrecadação instalada no entroncamento das rodovias BR 153 e BR 369, localizada no município de Jacarezinho/PR, com fundamento na Portaria do Ministério dos Transportes nº 155/2004 bem como na sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 2006.70.13.002434-3. 3 -
A questão relativa à desconstituição de ato administrativo não faz parte do pedido do autor, que dela tratou apenas de forma incidental, como causa de pedir, de modo que, no caso dos autos, resta afastada a aplicação do art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259/01. Precedentes desta Segunda Seçã
o. 4 - Aplicável à hipótese em tela a regra geral prevista no caput do artigo 3º da Lei 10.259/2001, que estabelece a competência dos Juizados Especiais Federais em se tratando de causas com valor inferior a sessenta salários mínimos. 5 - Conflito procedente, para declarar a competência do Juizado Especial Federal Cível de Ourinhos/SP.Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, julgar procedente o conflito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
(CC - CONFLITO DE COMPETÊNCIA - 21150 0000310-88.2017.4.03.0000, DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, TRF3 - SEGUNDA SEÇÃO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/07/2017).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. AÇÃO ORDINÁRIA QUE VISA O RECONHECIMENTO DE DIREITO. MERA REVISÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. INAPLICABILIDADE DO INCISO III DO §1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 10.250/01. A
parte autora pleiteia a declaração de direito à percepção de determinada vantagem pecuniária, não havendo pedido imediato de anulação de qualquer ato administrativo, o qual só seria atingido via reflexa, razão pela qual não se aplica, na espécie, a regra que excepciona da competência dos Juizados Especiais Federais para causas valoradas até sessenta salários mínimos. Inaplicável ao caso a exceção prevista no inc. III do §1º do art. 3º da Lei nº 10.259/01
. (TRF4 5018358-17.2016.4.04.0000, SEGUNDA SEÇÃO, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 22/12/2016).
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. COMPETÊNCIA DO STJ PARA APRECIAR O CONFLITO. JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. COMPETÊNCIA. CRITÉRIOS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL EM FACE DO VALOR DA CAUSA. 1. A jurisprudência do STJ é no sentido de que juízo de juizado especial não está vinculado jurisdicionalmente ao tribunal com quem tem vínculo administrativo, razão pela qual o conflito entre ele e juízo comum caracteriza-se como conflito entre juízos não vinculados ao mesmo tribunal, o que determina a competência do STJ para dirimi-lo, nos termos do art. 105, I, d, da Constituição. Precedentes. 2. A Lei 10.259/01, que instituiu os Juizados Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, estabeleceu que a competência desses Juizados têm natureza absoluta e que, em matéria cível, obedece como regra geral a do valor da causa: são da sua competência as causas com valor de até sessenta salários mínimos (art. 3º). 3. A essa regra foram estabelecidas exceções ditadas (a) pela natureza da demanda ou do pedido (critério material), (b) pelo tipo de procedimento (critério processual) e (c) pelos figurantes da relação processual (critério subjetivo).
Entre as exceções fundadas no critério material está a das causas que dizem respeito a "anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal". 4. No caso, a demanda tem valor da causa inferior a sessenta salários mínimos e visa a obter indenização por danos morais. A ilegitimidade dos atos administrativos constitui apenas fundamento do pedido, não seu objeto
. 5. Conflito conhecido, declarando-se a competência do Juízo Federal da 7ª Vara do Juizado Especial Cível da Subseção Judiciária de São Luís -MA, o suscitante. (STJ, CC 75314/MA, 1ª Seção, Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ 27/08/2007).
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. EXCEÇÃO DO ART. 3º, § 1º, INC. III, DA LEI Nº 10.259/01 AFASTADA. JUIZADO ESPECIAL CÍVEL.
A pretensão formulada nesta ação não se enquadra em nenhuma das hipóteses arroladas no § 1º do art. 3º da Lei nº 10.259, visto não tratar a ação de anulação ou cancelamento de ato administrativo típico.
O pedido envolve, apenas, reconhecimento de direito. Sendo o valor da causa inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, cabe ao Juizado Especial Federal a competência para processar, conciliar e julgar as causas de competência da Justiça Federal
. (TRF4, conflito de competência (Seção) Nº 5008065-61.2011.404.0000, 2ª Seção, Des. Federal VILSON DARÓS, POR UNANIMIDADE, em 08/09/11).
Assim, e atribuído à causa o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), tem-se que competente para o processamento e julgamento da lide o Juizado Especial Federal
. Diante do exposto, nos termos do disposto no art. 120, § único, do CPC, conheço do presente conflito e declaro competente para o processamento e julgamento da lide o juízo suscitado (Juízo Substituto da 1ª Vara de Florianópolis). Publique-se. Comuniquem-se os juízos conflitantes e, com as formalidades de estilo, dê-se baixa na distribuição e arquivem-se os autos.
(TRF4 5013834-11.2015.404.0000, Segunda Seção, Relator Candido Alfredo Silva Leal Junior, 11/07/2015)
Eventual complexidade
da demanda não afasta a sua submissão à alçada dos Juizados Especiais Federais, diante do disposto no art. 98, I, Constituição/88 e art. 3 da lei n. 10.259/2001:
"
Não há óbice na Lei nº 10.259/01 a produção de prova pericial nos processos de competência do Juizado Especial Federal. Ao contrário, há previsão expressa no seu Art. 12 relativa a realização de prova técnica. 2. É entendimento assente na jurisprudência que a complexidade da prova necessária ao julgamento da controvérsia não é incompatível com o rito do JEF, sendo certo que o legislador elegeu como único critério de delimitação de sua competência o valor da causa 3. Agravo de instrumento desprovido
."
(TRF-3 - AI: 50174760920214030000 SP, Relator: Desembargador Federal PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA, Data de Julgamento: 07/12/2021, 10ª Turma, 10/12/2021)
Assim, a presente causa submete-se ao rito e à alçada dos Juizados Especiais Federais, dado que o conteúdo econômico da pretensão do autor é inferior a 60 salários mínimos, definidos no
decreto 12.342, de 30 de dezembro de 2024
, atendendo ao art. 3 da lei n. 10.259, de 2001. Trata-se de pretensão condenatória, não esbarrando no art. 3º, §3º, lei n. 10.259.
2.3. Caso em exame - submissão ao rito comum:
Na situação em exame, o conteúdo econômico da pretensão da parte autora é inferior a 60 salários mínimos - tais como definidos ao tempo da deflagração da demanda. Anoto, porém, que se cuida de pretensão declaratória da nulidade de ato administrativo, sem que estejam em causa atos previdenciários ou tributários.
Logo, por força da vedação do art. 3, §1, III, da lei n. 10.2592/2001,
a presente demanda submete-se ao rito comum
. Por conta disso, determinou-se a submissão do caso ao rito comum, como decidido no evento-5.
2.4.
Competência
da presente Subseção Judiciária:
Considerando o alcance do art. 53, III, "d", CPC/15, a presente demanda haveria de ser deflagrada perante o local de cogitado cumprimento da obrigação, alvo de pretensão do demandante. Por outro lado, aplica-se ao caso o art. 109,§2º, Constituição Federal:
"As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal."
Por conseguinte,
considerando o alcance do art. 109, §2, CF, a tramitação desta causa perante esta Subseção Judiciária está em conformidade com a legislação
. Ademais, eventual declinação de competência territorial depende de prévia exceção de incompetência, na forma do art. 65, CPC/15, e súmula 33, Superior Tribunal de Justiça.
2.5. Submissão da demanda ao presente Juízo:
Declaro, ademais, a competência deste Juízo, dado que o processo foi distribuído perante esta unidade jurisdicional mediante sorteio, o que atendeu à garantia do art. 5, LIII, Constituição.
2.6. Eventual conexão processual:
O processualista Bruno Silveira Dantas enfatiza que
"com o início de vigência do CPC/2015, será considerado
prevento o juízo perante o qual houver ocorrido o registro ou a distribuição (conforme o caso) da primeira de uma série de demandas conexas, ainda que tal registro ou distribuição tenha ocorrido durante a vigência do CPC/1973
. Desde que a prevenção, ela própria, não se tenha consumado sob a égide do CPC/1973 (por um dos alternativos critérios previstos nos seus arts. 106 e 2019), incidirá de plano o disposto no art. 59 da codificação de 2015 definindo-se o juízo prevento para um conjunto de demandas conexas pela anterioridade dos registros ou das distribuições (conforme o caso) das mesmas. Os arts. 60 e 61 do CPC/2015, por sua vez, praticamente repetem os arts. 107 e 108 do CPC/1973, dispensando, por tal razão, maiores comentários a respeito nesta oportunidade."
(DANTAS, B. S.
in
WAMBIER, Teresa A. Alvim et al.
Breves comentários ao novo código de processo civil.
SP: RT, 2015, p. 229).
Convém term em conta a lição de Araken de Assis, sobre o tema:
"(...)
O art. 55, caput, definiu a conexão como a identidade de pedido ou de causa inspirado no propósito de erradicar as tergiversações constatadas na vigência do CPC de 1939. A proposição legislativa, excepcional no direito estrangeiro, porque prepondera a tendência de encarregar o órgão judicial de indicar os casos do fenômeno, consonante controvérsia haurida do direito comum, e feita em sentido oposto à do CPC de 1939, em todo caso revela-se incompleta e insuficiente. Não abrange a totalidade das hipóteses de conexão
. O art. 55, § 3.º (“… mesmo sem conexão entre eles”) alude à conexão em sentido estrito do art. 55, caput. Ao nosso ver, os vínculos que geram o risco da prolação de “decisões conflitantes ou contraditórias”, a teor do art. 55, § 3.º, inserem-se na rubrica da conexão em sentido amplo. Não há outro sítio adequado para situar o liame entre os objetos litigiosos
O art. 113 do NCPC, arrolando os casos em que se admite a demanda conjunta, ou litisconsórcio, demonstra que existem outros laços, mais tênues e distantes, que autorizam o processo cumulativo. E a outro juízo não se chega ao avaliar o nexo exigido pelo art. 343 na reconvenção, como ocorria no direito anterior. Retira-se, daí, segura conclusão
. As duas hipóteses descritas no art. 55, caput – identidade de causa ou identidade de pedido – constituem “uma, entre as várias em que ocorre a conexão”. Por isso, antes do CPC de 1939, descreveu-se a conexão como “laço envolvente, que se insinua por entre as relações jurídicas, ora prendendo-as de um modo indissolúvel, por forma a exigir uma única decisão; ora criando entre elas pontos de contato mais ou menos íntimo, que aconselham a reunião em um só processo, ainda quando possam ser decididas separadamente, sem maior dano, a não ser a lentidão e o gravame de maiores despesas”.
Exemplos de causas conexas, segundo a literalidade do art. 55, caput: (a) A reivindica o imóvel x perante B, e, paralelamente, C também reivindica o imóvel x, do mesmo réu, hipótese em que a identidade recai sobre o pedido (objeto) mediato; (b) o locatário A propõe consignatória dos aluguéis perante o locador B, o qual, de seu turno, propõe ação de despejo, fundada no inadimplemento dos aluguéis, perante o inquilino.
Para os efeitos da modificação da competência, as hipóteses contempladas no art. 55, caput – identidade de causa de pedir ou identidade de pedido –, então, ainda consideram-se exemplificativas. Um laço menos intenso já serve para reunir os processos. O objetivo da regra reside em evitar decisões conflitantes, “por isso a indagação sobre o objeto ou a causa de pedir, que o artigo por primeiro quer que seja comum, deve ser entendida em termos, não se exigindo a perfeita identidade, senão que haja um liame que os faça passíveis de decisão unificada”. Em outra oportunidade, reiterou-se que “não é necessário que se cuide de causas idênticas (quanto aos fundamentos e ao objeto {rectius: pedido})”, bastando “que as ações sejam análogas, semelhantes”, insistiu no “escopo da junção das demandas para um único julgamento é a mera possibilidade da superveniência de julgamentos discrepantes
”.
Por conseguinte, a jurisprudência, atendendo às finalidades da modificação da competência, em que a derrogação das regras gerais se justifica pela economia de atividade e pela erradicação do risco de julgamentos conflitantes, rejeita a exigência de identidade absoluta de causa ou de pedido, aceitando simples analogia entre as ações
. Porém, preocupa-se com o risco de julgamentos contraditórios, evento apurado caso a caso, mas verificado em todas as hipóteses do art. 113, inclusive na afinidade de ponto comum de direito ou de fato (inc. III). Ora, parece difícil visualizar semelhante risco no cúmulo simples de pedidos, em que há total autonomia das pretensões deduzidas, no mesmo processo, contra o réu. Por isso, o intuito de erradicar pronunciamentos conflitantes não oferece a única e constante justificativa para o processo cumulativo e, muito menos, a prorrogação da competência. Ao menos na conexão subjetiva, no caso da cumulação simples de pedidos, impera o princípio da economia processual. E, de toda sorte, as finalidades visadas no processo cumulativo, e na reunião de causas inicialmente autônomas, mostram-se estranhas à verdadeira causa desses fenômenos, que residiria no vínculo entre partes, causa e pedido." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume I. São Paulo: RT, 2015, tópico 302)
NO PRESENTE CASO, não há sinais de conexão desta demanda com algum outro processo, para os fins do referido art. 55, §1, CPC e leitura
a contrario sensu
da súmula 235, STJ. Não é caso de reunião deste processo com alguma outra demanda.
2.7. Garantia do Juízo natural:
Nos termos do art. 5, LIII, Constituição/88, é assegurada a todas as pessoas a garantia do Juízo Natural
. Essa garantia é fundamental para que os processos sejam resolvidos com atenção à racionalidade pública, desenvolvida ao longo de gerações, e plasmada na legislação, ao invés de serem solucionados com lastro em pulsões privadas.
A garantia do Juízo natural se traduz, em síntese, na vedação de que as partes escolham o Juízo do caso e na vedação de que o Juízo escolha o caso. Logo, em regra, não é dado ao Juízo de 1. instância interferir em processos submetidos ao julgamento de outros magistrados.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CONEXÃO DE AÇÕES. AÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL E AÇÃO ANULATÓRIA. 1.
Existindo conexão entre a ação anulatória de débito fiscal e a execução fiscal, deve haver a reunião dos processos para julgamento conjunto dos feitos no juízo da execução, em face da competência funcional absoluta deste órgão especializado
. 2. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo Suscitante.(TRF4 5014510-61.2012.404.0000, Primeira Seção, Relator p/ Acórdão Otávio Roberto Pamplona, D.E. 30/10/2012)
TRIBUTÁRIO. PROCESSO CIVIL. AJG. EXECUÇÃO FICAL. AÇÃO ANULATÓRIA. CONEXÃO. 1. Na inicial do agravo a parte recorrente diz-se "requerida de AJG", de forma que, mesmo não tendo havido manifestação anterior, entendo que a questão deve ser revista. Concedo, então, a AJG, dispensando a parte do ônus de recolher o porte de remessa e retorno. 2.
A jurisprudência reconhece a conexão entre a ação anulatória do débito e a execução fiscal, mas, em se tratando de competência funcional e, portanto, absoluta, devem os autos da anulatória ser remetidos no juízo da Vara de Execuções Fiscais, e não o contrário, como quer a agravante
. Causa espécie, e põe em dúvida a real intenção da executada, o fato de ter ajuizado a ação anulatória em Juízo diverso daquele em que tramitavam a execução fiscal e os respectivos embargos, se a própria autora reconhece a conexão entre os feitos e a necessidade de julgamento conjunto. (AG 00148359220104040000, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - PRIMEIRA TURMA, D.E. 08/09/2010.)
Recentemente, a título de exemplo, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido que, conquanto se cogite de eventual conexão entre demanda anulatória e execução fiscal, versando sobre o mesmo suposto débito fiscal, isso não ensejaria a reunião dos processos
. Havendo justa causa, a anulatória poderia vaticinar a suspensão da execução fiscal porventura em curso.
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. PRETENSÃO DE SUSPENSÃO DO PROCESSO EXECUTIVO . CONEXÃO ENTRE EXECUÇÃO FISCAL E AÇÃO ANULATÓRIA. NÃO OCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE CAUSA SUSPENSIVA DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. ACÓRDÃO CONSONANTE COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ . PROVIMENTO NEGADO. 1. Trata-se de pretensão de suspensão da execução fiscal afastada pela Corte de origem, ante a ausência de conexão entre execução e ação ordinária (ação anulatória) e inexistência de causa suspensiva da exigibilidade do crédito. 2 .
O acórdão recorrido está em consonância com o entendimento das turmas da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmado no sentido da impossibilidade de serem reunidas execução fiscal e ação anulatória de débito precedentemente ajuizada, quando o juízo em que tramita esta última não é Vara Especializada em Execução Fiscal, nos termos consignados nas normas de organização judiciária
. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgInt no REsp: 1883576 SP 2020/0169831-7, Relator.: Ministro PAULO SÉRGIO DOMINGUES, Data de Julgamento: 09/09/2024, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/09/2024)
No caso em exame,
não há maiores indicativos de que o debate em causa tenha ensejado alguma forma de cobrança pela União, o que poderia dar causa ao mencionado debate
.
2.8. Respeito à coisa julgada:
No que toca à delimitação do crédito do requerente,
convém ter em conta que a coisa julgada é uma garantia constitucional, nos termos do art. 5º, XXXVI, Constituição Federal/88:
"a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada."
"A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) que
haja sido proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei
, pois, com o exaurimento de referido lapso temporal,
estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação, ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada inconstitucional pelo STF, quer em sede de controle abstrato, quer no âmbito de fiscalização incidental de constitucionalidade
. A superveniência de decisão do STF, declaratória de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia ex tunc - como sucede, ordinariamente, com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada (RTJ 87/758 - RTJ 164/506-509 - RTJ 201/765) -, não se revela apta, só por si, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, in abstracto, da Suprema Corte." (RE 592.912-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 3-4-2012, Segunda Turma, DJE de 22-11-2012.)
Atente-se também para a lição de Humberto Theodoro Jr.:
"A coisa julgada é fenômeno próprio do processo de conhecimento, cuja sentença tende a fazer extinguir a incerteza provocada pela lide instalada entre as partes. Mas fazer cessar a incerteza jurídica não significa apenas fazer conhecer a solução cabível, mas impô-la, tornando-a obrigatória para todos os sujeitos do processo, inclusive o próprio juiz. Às vezes, o comando sentencial tem de ser executado por meio de realização coativa da prestação devida pelo vencido. Outras vezes, a declaração apenas é suficiente para eliminar o foco da desavença. Nem sempre, portanto, o processo civil está predisposto a providências executivas. Há acertamentos condenatórios, mas há também os não condenatórios, que se desenvolvem em torno de pretensões constitutivas ou apenas declaratórias.
Uma vez, porém, concluído o acertamento da controvérsia, seja por sentença de imposição de sanção, seja por sentença puramente declaratória, a coisa julgada se estabelece com a mesma função, ou seja, a certeza jurídica em torno da relação controvertida se implanta com plenitude, vinculando as partes e o juiz.
Essa situação jurídica cristalizada pela coisa julgada caracteriza-se por dois aspectos fundamentais: de um lado, vincula definitivamente as partes; de outro, impede, partes e juiz, de restabelecer a mesma controvérsia não só no processo encerrado, como em qualquer outro.
Admite-se, dessa maneira, uma
função negativa
e uma
função positiva
para a coisa julgada. Pela função negativa exaure ela a
ação exercida
, excluindo a possibilidade de sua
reproposição
. Pela função positiva, “impõe às partes obediência ao julgado como norma
indiscutível
de disciplina das relações extrajudiciais entre elas e obriga a autoridade judiciária a ajustar-se a ela, nos pronunciamento que a pressuponham e que a ela se devem coordenar
” (
apud
NEVES, Celso.
Coisa Julgada Civil.
São Paulo: RT, 1971, p. 383-383).
A coisa julgada, por sua força vinculativa e impeditiva, não permite que partes e juiz escapem da definitiva sujeição aos efeitos do acertamento consumado no processo de conhecimento. O resultado prático é caber a qualquer dos litigantes “a
exceptio rei iudicatae,
para excluir novo debate sobre a relação jurídica decidida” (
apud
NEVES, Celso. Op. Cit, p. 489), e ao juiz o poder de, até mesmo de ofício, extinguir o processo sem julgamento do mérito, sempre que encontrar configurada a ofensa à coisa julgada (ar. 267, V e § 3º).
Portanto, quando o art. 467 fala em
indiscutibilidade
e
imutabilidade
da sentença transitada em julgado refere-se a duas coisas distintas: a) pela
imutabilidade
, as partes estão proibidas de propor ação idêntica àquela em que se estabeleceu a coisa julgada; b) pela
indiscutibilidade
, o juiz é que em novo processo, no qual se tenha de tomar a situação jurídica definida anteriormente pela coisa julgada como razão de decidir, não poderá reexaminá-la ou rejulgá-la; terá de tomá-la simplesmente como
premissa
indiscutível. No primeiro caso atua a força
proibitiva
(ou negativa) da coisa julgada, e, no segundo, sua força
normativa
(ou positiva)
." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Curso de Direito Processual Civil:
Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 587-588).
Nesse mesmo sentido, leiam-se também os seguintes julgados: RE 444.816, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 29-5-2012, Primeira Turma, DJE de 27-8-2012; RE 594.350, rel. min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 25-5-2010, DJE de 11-6-2010.
Segundo o conhecido art. 502, CPC/15,
"
Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso
.
" O art. 503, do mesmo código, preconiza que
"A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida."
Merece ênfase, ademais, o art. 508, CPC:
"Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido."
Luiz Marinoni e Daniel Mitidiero são precisos quando enfatizam que
"A coisa julgada pressuposto do discurso jurídico - constitui uma regra sobre o discurso. Não admite, nesse sentido, ponderação. Representa evidente agressão ao Estado Constitucional e ao próprio discurso jurídico a tentativa de relativizar a coisa julgada."
(MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
Código de processo cvil.
6. ed. rev. atual. São Paulo: RT, 2014, p. 449).
Desse modo, a sentença transitada em julgado não pode ser alterada ou desconsiderada pelo Juízo, conforme lógica do art. 508, CPC/15. Tal alteração apenas seria admissível em casos de negócio processual, avençado entre as partes, versando sobre pretensões disponíveis, conforme art. 190, CPC/15. Também seria cabível em hipótese de ação rescisória, interposta perante o Tribunal competente e com atenção ao prazo do art. 975, CPC/15; em caso de
querela nullitatis insanabilis
ou de declaração, pela Suprema Corte, da inconstitucionalidade de norma tomada como fundamento para prolação da sentença (art. 535, §4º, CPC).
Aludidas exceções não se aplicam ao caso vertente. De toda sorte, não diviso sinais de que esta demanda seja reiteração de alguma outra porventura já julgada, com sentença transitada em julgado.
2.9. Eventual litispendência:
De alguma forma, o tema do
ne bis in idem
tem origem no âmbito do direito sancionador, dado que ninguém pode ser sancionado duplamente por uma mesma infração administrativa ou penal
. Essa vedação decorre da própria cláusula do devido processo, tanto na vertente substantiva quanto procedimental. Daí que ninguém pode responder a simultâneos processos administrativos versando sobre a mesma suspeita/imputação, tampouco podendo responder a distintos processo penais com lastro na mesma arguição.
Esse é o conteúdo da cláusula do
double jeopardy,
assegurada pela 5ª e pela 14ª Emendas da Constituição dos EUA (aplicadas aos Estados-membros a partir do caso
Benton v. Maryland - 1969,
Suprema Corte). No âmbito da
Civil Law
isso se traduz na cláusula do
ne bis in idem,
assegurado expressamente pelo art. 8º do Pacto de San José da Costa Rica e em inúmeros outros tratados internacionais. No caso alemão, essa vedação está expressa no art. 103 da Lei Fundamental (
Doppelverwertungsverbot -
proibição de dupla valoração do mesmo fato:
"
Ninguém pode ser punido mais de uma vez pelo mesmo fato, com base no direito penal comum
",
em tradução livre).
Apesar de se tratar de garantia antiga - há quem alegue que o
ne bis in idem
teria origem sob o governo de Henrique II, na Inglaterra (por volta de 1100 D.C, conforme RUDSTEIN, David S.
Double
jeopardy:
a reference guide to the United States Constitution. Westport: Praeger, 2004, p. 4-8), há várias discussões a respeito do seu alcance. Anote-se, por exemplo, que García de Enterría sustentava que o
ne bis in idem
impediria a cumulação de sanções penais e administrativas diante de uma mesma imputação, por força da redação do art. 25 da Constituição da Espanha (veja-se AISA, Estrella Escuchuri.
Teoría del concurso de leyes y de delitos:
bases para una revisión crítica. Granada: Comares, 2004, p. 123). Mas, essa opinião não ganhou maiores adeptos.
O fato é que o
bis in idem
ocorre quando alguém é sancionado mais de uma vez pela mesma imputação. Daí que deve se tratar da mesma conduta e também da punição ao mesmo título, dado que é cabível - no território nacional - que alguém responda a uma sanção pela infração tributária e também responda por eventual crime previsto na lei 8.137/1990. Em outras palavras, um determinado comportamento pode configurar, a um só tempo, infração a cláusulas contratuais - dando ensejo à aplicação de cláusulas penais -; ilícito administrativo; ilícito tributário e ilícito penal, contanto que haja efetiva diferença entre os escopos sancionatórios de cada uma dessas imputações.
No caso, nesse primeiro e precário exame, não diviso sinais de litispendência, o que pressupõe - conforme
art. 337, §2, CPC/15
- identidade de partes, de pedido e de causa de pedir. No presente processo, a aludida exceção não foi suscitada pelas partes e não constato o cogitado
bis in idem
, no que tange ao exame de ofício.
Aludido requisito de identidade de partes nas demandas é esmaecido, e fato, quando em causa processos coletivos, na medida em que o(a) autor(a) pode então deduzir pretensão em nome de coletividades.
Quando em causa ações coletivas
, o que não é a hipótese em exame, é salutar ter em conta
"que a aferição da litispendência na tutela coletiva deve ser regida não pela análise de quem formalmente se apresenta como autor das diversas demandas, mas, sim, pela qualificação jurídica de tal legitimação. Vale dizer, indagando-se a que título estão as diferentes entidades autoras em juízo, deduzindo idênticas pretensões de tutela de direitos meta-individuais (mesmos pedidos e causas de pedir), quando, então, será possível afirmar serem idênticas as demandas coletivas.
Deste modo, em virtude da especialidade do modelo processual coletivo, e, notadamete da qualificação da legitimação ativa empregaada, revela-se equivocada a afirmação de inexistência de litispendência entre ações coletivas através das quais sejam deduzidas idênticas pretensões, pelo tão-só fato de terem sido propostas por entidades diferentes
."
(VENTURI, Elton.
Processo civil coletivo:
a tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 331).
No caso em exame, não há sinais de litispendência.
2.10. Eventual suspensão do processo:
Não diviso a presença dos requisitos que ensejariam eventual suspensão do processo, nesta etapa da causa, por conta de alguma questão prejudicial - art. 313, Código de Processo Civil/15: "
Suspende-se o processo: (...) V -
quando a sentença de mérito: a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente
; b) tiver de ser proferida somente após a verificação de determinado fato ou a produção de certa prova, requisitada a outro juízo. (...) § 4 O prazo de suspensão do processo nunca poderá exceder 1 (um) ano nas hipóteses do inciso V e 6 (seis) meses naquela prevista no inciso II. §5 O juiz determinará o prosseguimento do processo assim que esgotados os prazos previstos no §4."
A respeito dos aludidos preceitos, convém registrar aqui a análise detida promovida por Araken de Assis:
"Prejudicial externa civil – A hipótese mais frisante de suspensão do processo em razão de prejudicialidade externa homogênea é a prevista no art. 313, V, a, do NCPC.
Toda vez que o julgamento do mérito “depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente”, o juiz suspenderá o processo
. Derivações dessa regra avultam na possibilidade de o relator suspender os processos que dependam do julgamento da ação declaratória de constitucionalidade (art. 21 da Lei 9.868/1999) e da arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 5.º, § 3.º, da Lei 9.882/1999) – não, porém, a suspensão em decorrência do incidente de resolução das demandas repetitivas ou do julgamento do recurso extraordinário e do recurso especial repetitivos: a questão aí julgada é principal. O art. 313, V, a, trata da suspensão por causa prejudicial, que é a aptidão da prejudicial em tornar-se objeto litigioso em outro processo.
Fica evidente da redação da norma que a prejudicial é externa, porque há de consistir em “objeto principal de outro processo”. Não importa a circunstância de a questão prejudicial consistir no objeto originário do outro processo (v.g., A postula a invalidade do contrato firmado com B, mas B pleiteia o cumprimento da prestação devida por A) ou decorrer do alargamento desse objeto, por força de declaração incidente (v.g. B pleiteou de A, no primeiro processo, o principal da dívida, mas A reagiu pleiteando a declaração incidente da validade do contrato; no segundo processo, B pleiteia de A os juros da dívida). Importa a resolução da questão comum no outro processo, com autoridade de coisa julgada. E, nesse caso, o vínculo produzido na causa subordinante estender-se-á à causa subordinada ou, vencido o prazo máximo de suspensão – hipótese mais do que provável, vez que o interregno de um ano (art.
313
, § 4.º) é muito curto, pressupondo-se elastério mais dilatado para o julgamento, por forçada ordem cronológica do art. 12, e o trânsito em julgado –, sobre a deliberação incidental na causa subordinada não recairá a coisa julgada (art. 503, § 1.º, III, in fine). Realmente, a questão comum não constitui o objeto principal da causa condicionada. Do contrário, configurar-se-ia um dos efeitos da litispendência, a proibição de renovação de causa idêntica. Cumprirá ao juiz julgá-la vencido o prazo hábil de espera, incidentalmente, apesar dos esforços de concatenação empreendidos pelo expediente da suspensão.
O exemplo ministrado, em que uma das partes pleiteia a decretação da invalidade do contrato e a outra reclama a prestação, releva que tampouco importa a diversidade da força da ação (declarativa, constitutiva, condenatória, executiva e mandamental) e a espécie de procedimento. A pretensão de A contra B para decretar a invalidade do contrato tem força constitutiva negativa, a de B contra A para realizar a prestação tem força condenatória. Nada obstante, o primeiro processo funciona como causa prejudicial relativamente à pretensão deduzida no segundo: decretada a invalidade do contrato naquele, fica predeterminado o desfecho deste (improcedência). Evidentemente, havendo a possibilidade de reunir os processos no mesmo juízo (retro, 305), para julgamento simultâneo, por força da conexão (retro, 303), inexiste a necessidade de suspender a causa condicionada, porque os processos conexos serão julgados simultaneamente (art. 55, § 1.º).
O objetivo da suspensão prevista no art. 313, V, a, consiste em evitar a emissão de provimentos conflitantes, logicamente incompatíveis, a respeito da questão prejudicial. Por esse motivo, causa prejudicial envolvendo partes distintas raramente constitui razão bastante para suspender outro processo, por mais relevante que seja a questão comum controvertida em ambos, ressalva feita às hipóteses de o julgamento da causa subordinante produzir efeitos erga omnes, como acontece na ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, § 2.º, da CF/1988). Aliás, essa é uma característica – a falta de identidade de partes – da prejudicial de constitucionalidade, objeto do controle concentrado, todavia alheio à incidência do art. 313, V, a. Em outras palavras, o juiz da causa condicionada não suspenderá o processo em que se controverta norma objeto de controle concentrado de constitucionalidade
. Em tal hipótese, ou o STF concedeu liminar, suspendendo a vigência da norma, e o juiz não poderá aplicá-la; ou não concedeu, e o juiz haverá de aplicá-la no julgamento do mérito, ou não, exercendo o controle difuso. A superveniência do julgamento do STF, pronunciando a inconstitucionalidade, será recepcionado no julgamento do mérito ou, havendo ocorrido o trânsito em julgado, a sentença se tornará inexequível, nas condições do art. 525, § 1.º, III, c/c § 12.
No tocante ao estágio do processo subordinado, a suspensão poderá ocorrer no primeiro e no segundo graus; em particular, “o fato de já ter sido proferida sentença no processo prejudicado não afasta, portanto, a possibilidade de sua suspensão”. Conforme deflui da cláusula final do art. 313, V, a, que alude a “outro processo pendente”, tampouco o estágio do processo subordinante se mostra relevante à suspensão, bastando que subsistam os efeitos da litispendência. Encontrando-se a causa prejudicial no tribunal, por força de apelação, admite-se a suspensão, hipótese em que, presumivelmente, o desfecho ocorrerá dentro do prazo de suspensão
.
Era particularmente difícil a interpretação da regra particular do direito anterior, declarando haver suspensão do processo que “tiver por pressuposto o julgamento de questão de estado, requerido como declaração incidente” (art. 265, IV, c, do CPC de 1973). A esse propósito, havia dois termos de alternativa: ou se cuidava de prejudicial externa, caracterizada pelo fato se tratar de questão de estado (v.g., na ação de divórcio, a validade do casamento), hipótese em que incorreria a lei em indesejável redundância; ou se tratava de prejudicial interna, caso em que ocorreria colisão com o sistema da declaração incidente, e, pior, nenhuma justificativa plausível para suspender o processo, pois o juiz da causa resolverá conjuntamente a questão prejudicial, e, conforme o teor da resolução, passando ou não à análise da questão prejudicada. Essa situação constitui simples subespécie da regra geral do art. 313, V, a, do NCPC. É digno de nota a possibilidade de o juízo não exibir competência em razão da matéria para julgar questões de estado em caráter principalmente, hipótese em que a resolução incidental porventura tomada não se revestirá de auctoritas rei iudicate, nos termos do art. 503, § 1.º, III." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro:
volume II. Tomo II. Parte geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT. 2015. p. 809 e ss.)
No caso em apreço, não diviso a presença de causas ensejadoras da suspensão desta demanda, a exemplo de cogitada necessidade de se aguardar a evolução de algum outro processo
. Tampouco foi determinada a suspensão em alguma demandada suscetível de produzir tal efeito, a exemplo do disposto no art. 982, do Código de Processo Civil/2015. Ressalvo eventual novo exame do tema, caso a tanto instado.
2.11. Pertinência subjetiva - considerações gerais:
É sabido que, em alguma medida, as questões alusivas à pertinência subjetiva tangenciam o próprio mérito da causa. Nosso sistema ainda se vincula à concepção eclética de Túlio Liebmann - quem distinguia entre pressupostos processuais, condições para o válido exercício do direito de ação e, por fim, as questões de mérito.
O problema é que, no mais das vezes, os temas próprios ao mérito (procedência/improcedência da pretensão) e os temas próprios às condições da ação (legitimidade/ilegitimidade, possibilidade do pedido) não podem ser distinguidos de uma forma absolutamente clara. Como se infere do seu 'Tratado das ações', Pontes de Miranda promovia uma distinção entre (a) ação em sentido material - como uma espécie de projeção do direito subjetivo - ainda vinculada à concepção imanentista do direito civil antigo e (b) ação em sentido processual.
Com base nessa diferenciação pontiana, é que o desembargador gaúcho Adroaldo Furtado Fabrício tem criticado a teoria eclética, ao enfatizar que as 'condições da ação' também tratam, no geral, do mérito da causa (saber se a parte é legítima é, de certa forma, um exame conexo ao mérito: saber se ela poderia ser demandada, se teria a obrigação de indenizar etc).
Confira-se com Adroaldo Furtado Fabrício. Extinção do Processo e Mérito da Causa, in OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de (org).
Saneamento do processo:
Estudos em homenagem ao Prof. Galeno Lacerda. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1990, p. 33.
De todo modo, em sentido pontualmente distinto, e por conta dos dispositivos do Código de Processo Civil em vigor, atente-se para a lição de Araken de Assis:
"
A legitimidade não condiciona a ação, como quer a opinião há pouco exposta, haja vista um motivo trivial: a sua falta jamais impedirá a formação do processo
. A pessoa que toma a iniciativa de provocar o órgão judiciário, seja quem for, cria a relação processual, embora fadada a perecer através de juízo de admissibilidade negativo – item que constitui pressuposto lógico e cronológico do exame do mérito.
Legitimidade é, descansando no direito material, problema distinto do juízo acerca do caráter fundado ou infundado da pretensão deduzida contra o réu
. A demanda movida por alguém sem legitimidade é inadmissível, e, não, infundada. Sentença terminativa desse teor limita-se a repelir, a partir dos dados ministrados pelo direito material, sempre
in status assertionis,
a habilitação da parte para conduzir o processo, relativamente ao objeto litigioso alegado. Aos esquemas abstratos, traçados na lei, gerando tal capacidade, chamam-se de situações legitimadoras. Portanto, a dissociação entre o sujeito da lide e o do processo evidencia a verdadeira natureza da legitimidade e a situa no lugar próprio no conjunto das questões submetidas à apreciação do órgão judicial. É um pressuposto processual preenchido mediante a simples enunciação do autor. Ninguém se atreverá a reputar respeitante ao mérito eventual juízo quanto à inexistência, em determinado caso concreto, do título legal para alguém pleitear em juízo direito alheio. Descontada a errônea concepção que ilegitimidade do autor obsta à formação do processo, o art. 485, VI, houve-se com acerto ao situar o problema fora do mérito."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. SP: RT. 2015. p. 178).
Em outras palavras, deve-se aferir a pertinência subjetiva dos requeridos, tendo-se em conta a causa de pedir detalhada na peça inicial.
Destaque-se
"
legitimidade para causa (ou legitimatio ad causam), que não se confunde com a legitimidade para o processo (ou legitimatio ad processum , conhecida ainda como capacidade para estar em juízo), concerne à pertinência subjetiva da ação, atine à titularidade (ativa e passiva) da ação. Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade. Aferição da existência de interesse e de legitimidade
. O interesse e a legitimidade para causa representam requisitos para o julgamento do pedido e devem ser aferidos in status assertionis , isto é, à vista das afirmações do demandante, sem tomar em conta as provas produzidas no processo.
Havendo manifesta ilegitimidade para causa ou quando o autor carecer de interesse processual, pode ocorrer o indeferimento da petição inicial (art. 330, II e III, CPC), com extinção do processo sem resolução de mérito (art. 485, VI, CPC)
. Todavia, se o órgão jurisdicional, levando em consideração as provas produzidas no processo, convence-se da ilegitimidade da parte ou da ausência de interesse do autor, há resolução de mérito (art. 487, I, CPC). No primeiro caso, não há que se pensar na formação de coisa julgada (art. 502, CPC). Nada obstante, mesmo inexistindo sentença de mérito e coisa julgada, porque o pronunciamento judicial é capaz de obstar nova propositura da demanda, caberá ação rescisória (art. 966, § 2.º, I, CPC). No segundo, há resolução de mérito e formação de coisa julgada, seguindo-se a regra geral da possibilidade de propositura de ação rescisória (STJ, 3.ª Turma, REsp 21.544/MG , rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 19.05.1992, DJ 08.06.1992, p. 8.619)."
(MARINONI, Luiz; ARENHART, Sérgio; MITIDIERO, Daniel.
Código de Processo Civil Comentado - Ed. 2024
. São Paulo: RT. 2024. comentários ao art 17).
2.12. Pertinência subjetiva dos autores:
Atentando para o art. 17, CPC, anoto que os autores estão egitimados para a demanda, eis que sustentaram ter havido equívoco na impugação, pela União, da prática de infrações administrativas. Postularam a indicação, em juízo, do alegado condutor do veículo, ao tempo dos pretensos ilícitos administrativos. Deduziram pretensão própria, em nome próprio, não esbarrando na vedação do art. 18, CPC/15
.
2.13. Legitimidade da União para a demanda:
A União Federal está legitimada para a demanda, diante da causa de pedir e do pedido deduzidos na petição inicial. Os autores alegaram ter havido equívodo dela no endereçamento da pretensão sancionatória, na seara extrajudicial.
2.14. Litisconsórcio
necessário - considerações
gerais:
O litisconsórcio previsto inicialmente no art. 47, CPC/1973 e atualmente no
art. 114, CPC/2015
, decorre da lógica do
inauditus damnare potest,
imposto pelo art. 5º, LIV e LV, CF. A sentença apenas faz coisa julgada entre as partes, conforme art. 506, CPC/15, exceção feita à regra do art. 109. Código de Processo Civil/2015.
Ora, justamente por força da necessidade de que as decisões judiciais sejam consistentes, é que o Código de Processo civil obriga o demandante, em determinados casos, a orientar a sua pretensão contra todas as pessoas intimamente vinculadas a determinado evento (causa de pedir). Busca-se, com isso, inibir soluções judiciais contraditórias, ao mesmo tempo em que também se otimiza a prestação jurisdicional e se assegura o postulado
nemo inauditus damnare potest.
Reporto-me à lição de Luís Marinoni e Sérgio Arenhart:
"Em princípio, a determinação da formação do litisconsórcio necessário vem estipulada no caput do art. 47, CPC, que afirma que há litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes. Portanto, da leitura desse artigo tem-se que duas causas podem gerar o litisconsórcio necessário; a lei ou a natureza da relação jurídica.
E, somando-se a isso, para a caracterização da necessidade da formação do litisconsórcio, será necessário que essas causas exijam que o juiz julgue o litígio de maneira uniforme para todas as partes (rectius, litisconsortes). Note-se, porém, que a redação do dispositivo é bastante defeituosa, podendo levar à conclusão de que as figuras do litisconsórcio necessário e unitário identificam-se, ou melhor, que o litisconsórcio unitário deve ser necessário e que o litisconsórcio necessário deve ser unitário
.
Nem sempre, porém, assim será. Imagine-se a hipótese em que a lei obriga, por qualquer causa, a formação de determinado litisconsórcio, ainda que a questão não precise, necessariamente, ser resolvida de maneira idêntica para todos os litisconsortes. Pense-se na hipótese da ação popular, em que a lei determina que devam ser citados para a ação todos aqueles que direta ou indiretamente tenham contribuído, por ação ou omissão, para a edição do ato inquinado como ilegal (art. 6º da lei 4.717/1965 - lei de ação popular), bem como seus beneficiários diretos. Ninguém duvida que esse é um litisconsórcio simples, não exigindo solução idêntica perante todos os litisconsortes. Não obstante isso, a lei impõe a formação de litisconsórcio. Seria, por acaso, indevida essa exigência do litisconsórcio? Poderia alguém questionar a exigibilidade desse litisconsórcio? Não parece que a resposta possa ser positiva. Em verdade, a exigência da formação do litisconsórcio, no caso, em que a lei o exija, independe do caráter unitário ou não da figura. Impõe simplesmente porque a lei o quer.
Somente na outra hipótese, em que a formação do litisconsórcio decorre da natureza da relação jurídica, é que efetivamente tem algum interesse a questão da unitariedade ou não da figura
. Aqui, sim, é possível que, diante da necessidade de que a solução da causa seja idêntica para várias pessoas, imponha-se o litisconsórcio ainda que a lei não o determine. E, como já visto, a unitariedade do litisconsórcio decorre não apenas do fato de que a sentença deve decidir a questão de forma uniforme para todos os litisconsortes, mas, sobretudo, da ideia de que essa imposição decorra da unitariedade da relação jurídica material deduzida em juízo. Vale dizer: no litisconsórcio unitário, exige uma relação jurídica material (cuja afirmação é o objeto da demanda) que possui vários sujeitos em um dos pólos. Pense-se no caso de um imóvel que possua vários coproprietários. Ou no negócio jurídico celebrado por marido e mulher com terceiro. Ou ainda em um ato administrativo (por exemplo, uma portaria) complexo, que é emitido por mais de uma entidade. Nesses casos, a relação jurídica material realizada possui, em pelo menos um dos seus pólos, mais de um sujeito. E é precisamente essa pluralidade subjetiva em um dos pólos da relação jurídica material deduzida em juízo que determina, na forma do que prevê o art. 47, CPC (natureza da relação jurídica), o litisconsórcio necessário." (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz.
Processo
de conhecimento.
7. ed. São Paulo: RT, 2008, p. 173-174)
Atente-se também para a análise de Marcelo Abelha Rodrigues:
"A necessidade deste tipo de litisconsórcio, prevista no art. 47, CPC, decorre ou por força de lei, ou por natureza da relação jurídica. Será por força de lei no caso, por exemplo, do art. 6º da LAP, ou ainda no caso do art. 942, II, CPC.
Estaremos diante da segunda hipótese quando se cuidar de ação anulatória proposta contra todos os contratantes. Não se pode ser contra apenas um deles, pois a natureza da relação jurídica requer que possuam a mesma decisão. Outro exemplo, por força da lei, é o previsto no art. 10, §2º, CPC
."
(RODRIGUES, Marcelo Abelha.
Elementos de direito processual civil.
vol. 1. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 296)
O litisconsórcio pode ser necessário ou facultativo, no que toca à obrigatoriedade da sua formação. Também pode ser unitário ou simples, quanto à solução a ser dispensada às partes. O litisconsórcio é facultativo quando determinadas pessoas aquiescem em litigar juntas contra um mesmo demandado; ou quando o autor endereça, a um só tempo, pretensões contra várias pessoas, desde sejam todas legítimas a figurar na causa (art. 17, CPC/15). A respeito do litisconsórcio necessário, atente-se para o seguinte:
"
A obrigatoriedade da formação do litisconsórcio pode ser dada pela lei ou pela relação jurídica. São exemplos de litisconsórcio necessário por disposição de lei: a) CPC 246 §3º, que manda citar os confinantes nas ações de usucapião de imóvel; b) LAP 6º, que manda citar o funcionário que autorizou a prática do ato impugnado, bem como a pessoa jurídica de direito público ou privado a que ele pertence
; c) CPC, art. 76 §1º II, que manda citar ambos os cônjuges em ação na qual se discutam fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou atos praticados por eles (v.g., fiança - CC 1647 III) São exemplos de litisconsórcio necessário por força da relação jurídica: a) todos os partícipes de um contrato, para a ação anulatória do mesmo contrato, porque a sentença que decidir a lide não poderá anular o contrato para um dos contratantes e declará-lo válido para os demais que eventualmente não estivessem no processo como partes. Não sendo obrigatória a formação do litisconsórcio, este se caracteriza como facultativo, cujos casos mais comuns estão enumerados no CPC 113." (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade.
Comentários ao código de
processo
civil.
1ª. ed. SP: RT, 2015)
2.15. Litisconsórcio necessário - caso em exame:
Não diviso contexto que dê ensejo à caracterização de litisconsórcio necessário, na forma dos arts. 114, 115 e 506, CPC/15. Caso a pretensão da requerente venha a ser declarada procedente, isso não afertará diretamente a esfera jurídica de quem não figura como litigante.
Não é o caso, pois, de determinar que a parte autora enderece sua pretensão em face de terceiros.
2.16. Interesse processual - considerações gerais:
Por conta do monopólio estatal do uso válido da violência - expressão de Max Weber -, exceção feita aos casos de legítima defesa, estado de necessidade, desforço
incontinenti
etc., as partes não podem resolver seus conflitos mediante o emprego da força (art. 345, Código Penal/40). Assim, sempre que as controvérsias não sejam solucionadas com base no consenso, na prevalência do melhor argumento, os sujeitos devem deduzir suas pretensões perante o Estado, na espera de que haja aplicação isenta, racional e célere da lei (
law enforcement
).
Nos termos impostos pela Constituição, o Poder Judiciário está obrigado a apreciar a alegação de que haja lesão ou ameaça de lesão a direito (art. 5º, XXXV, CF), mecanismo indispensável para o efetivo império da razão pública, ao invés da prevalência dos poderes hegemônicos de ocasião. A prestação jurisdicional não se destina, todavia, a emitir meros pareceres ou cartas de intenções.
O ingresso em juízo deve estar fundado, tanto por isso, em uma situação de efetiva necessidade, de modo que o pedido - caso venha a ser acolhido - se traduza em uma utilidade para o(a) demandante. O meio processual eleito deve ser adequado para tanto. Daí que os processualistas tratem do interesse processual em uma
troika:
a necessidade, a utilidade e a adequação. Por fim, o interesse processual deve persistir no curso da demanda, nos termos do art. 17 e art. 85, §10, CPC/15.
Ora,
"
Mediante a força declaratória, a aspiração do autor consiste na extirpação da incerteza
. Deseja tornar indiscutível, no presente e no futuro, graças à autoridade da coisa julgada, a existência ou a inexistência de relação jurídica, a autenticidade ou a falsidade de documento. É o que dispõe, fortemente inspirado no direito germânico e reproduzindo a regra anterior, o art. 19 do NCPC. Também comporta declaração a exegese de cláusula contratual (Súmula do STJ, n.º 181), ou seja, o modo de ser de uma relação jurídica. Na ação declarativa, ignora-se outra eficácia relevante que a de coisa julgada material. Neste sentido, a pretensão à declaração representa fonte autônoma de um bem valiosíssimo na vida social: a certeza. O autor que só pleiteia declaração ao juiz, e obtém êxito, dar-se-á por satisfeito, e cabalmente, desde o curso em julgado da sentença.
Então apropria-se do que pedira ao órgão judicial – certeza –, carecendo a regra jurídica emitida de qualquer atividade complementar em juízo. Focalizando o ponto com preciosa exatidão, diz-se que a sentença declaratória é instrumento autossuficiente de tutela jurisdicional, pois assegura, de maneira plena e completa, a efetividade da situação jurídica substancial deduzida em juízo
."
(ASSIS, Araken de.
Processo
civil brasileiro:
volume I. Parte geral: fundamentos e distribuição de conflitos. São Paulo: RT. 2015. p. 675).
Ainda segundo Araken de Assis,
"
O provimento declaratório tem nítido caráter prescritivo. A parte adquire o direito incontestável de comportar-se em consonância ao comando sentencial, e, principalmente, não é dado àqueles que se vincularam à declaração impedi-la
. A finalidade da ação declaratória da inteligência e do alcance de cláusula contratual é a de prescrever aos parceiros do negócio, sucessivamente, determinada pauta de conduta, independentemente de execução alguma, de que não se cogita e de que não se pode cogitar."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
p. 676).
Dado que o Poder Judiciário não é consultor jurídico das partes, impõe-se que haja uma situação de incerteza jurídica a justificar o ingresso com a demanda:
"
Impende recordar que a certeza implicará a vinculação futura das partes. O provimento exibirá caráter prescritivo para o futuro
. O ato judicial legitima a prática (ou a abstenção) de atos jurídicos “ao abrigo e em conformidade com o conteúdo da sentença. Em geral, a antevisão desse problema provoca o nascimento do interesse. Por assim dizer, o provimento declarativo tem os pés no passado, mas olhar no futuro. É preciso aceitar com reservas, portanto, o julgado da 4.ª Turma do STJ, que assentou: Não é detentor de interesse processual justificador da pretensão declarativa quem não está exposto à possibilidade de dano imediato e concreto. Ora, imediato é o interesse, pois o dano, em sentido amplíssimo, pode ser futuro. Por exemplo, não cabe declarar a inteligência da cláusula contratual em tese; o autor necessitará expor a dificuldade na interpretação da cláusula, os reflexos que este ou aquele entendimento provocará no programa contratual."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
p. 661).
2.17.
Interesse processual:
Ao que se infere dos autos, a pretensão da demandante dificilmente seria acolhida pelos requeridos na espera extrajudicial. É o que indicam as contestações apresentadas nos autos. Ademais, por força do
art. 5, XXXV, Constituição
, a requerente não está obrigada a exaurir o debate no âmbito administrativo, antes de ingressar em Juízo.
O tema 350 do STF não se aplica ao caso, eis que não está em debate a revisão de prestações previdenciárias.
Por outro lado, caso a pretensão venha a ser julgada procedente pelo Poder Judiciário, isso lhe será útil, por ensejar a suspensão dos descontos no seu benefício previdenciário. A via processual eleita se revela adequada, de modo que aludido requisito, previsto no art. 17, CPC, foi atendido. Assim, a tríade necessidade/utilidade/adequação procedimental restou satisfeita.
2.18.
Valor
da causa - considerações gerais:
Como sabido, a toda causa deve ser atribuído algum valor econômico, por força do art. 291, CPC/2015 - projeção do art. 258, CPC/73 -, pois se cuida da base de cálculo da taxa judiciária. Referido valor pode influenciar, em muitos casos, a determinação da competência das unidades judiciais ou o procedimento aplicável, também surtindo reflexos sobre a definição de encargos sucumbenciais.
Trata-se, tanto por isso, de requisito para que a petição inicial seja válida - art. 319, CPC. Como explicita Araken de Assis,
"às vezes, na oportunidade da respectiva fixação (infra, 1.290), o conteúdo econômico real e imediato da pretensão mostra-se inestimável, ou seja, não pode ser quantificado precisamente. Tal circunstância não constitui motivo bastante para eliminar o ônus atribuído ao autor nos arts. 319, V, e 292, caput. É apenas causa de estimação voluntária do autor, pois o art. 291 dispõe expressamente que a toda causa será atribuído valor certo. Nada obstante, a indicação aproximar-se-á, tanto quanto possível, do conteúdo econômico mediato da pretensão. Não há incompatibilidade daquelas regras com a do art. 85, § 8.º. aludindo a causas de valor inestimável. Entende-se por tal as causas desprovidas de conteúdo econômico imediato, como é o caso da ação declaratória, e, por esse motivo, sujeitas à estimação do autor."
(ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Tomo I. SP: RT. 2015. p. 1695)
Convém atentar, tanto por isso, para o art. 292, CPC/15:
"O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será: I - na ação de cobrança de dívida, a soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades, se houver, até a data de propositura da ação; II - na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida; III - na ação de alimentos, a soma de 12 (doze) prestações mensais pedidas pelo autor; IV - na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido; V - na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido; VI - na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; VII - na ação em que os pedidos são alternativos, o de maior valor; VIII - na ação em que houver pedido subsidiário, o valor do pedido principal. § 1º Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, considerar-se-á o valor de umas e outras. § 2º O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a 1 (um) ano, e, se por tempo inferior, será igual à soma das prestações. § 3º O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
Atente-se novamente para a análise de Araken de Assis:
"É exemplificativa a enumeração dos acessórios. Os juros compensatórios, por exemplo, dificilmente se quadram na figura de penalidade. A correção monetária integra o valor originário do crédito e, nesse aspecto, sua menção no art. 292, corrige o direito anterior. Ressalva feita aos juros moratórios e à correção monetária, verbas implicitamente incluídas no pedido respeitante ao principal (art. 322, § 1.º), e, nada obstante, integrantes do valor da causa, quaisquer outras verbas devem ser objeto de pedido. É o caso, expressis verbis, da cláusula penal moratória ou compensatória e dos juros compensatórios. Omisso que seja o pedido, a respeito da cláusula penal (v.g., o autor quer evitar a controvérsia em torno da interpretação do contrato), tampouco conta-se o respectivo valor. Por óbvio, deixando o autor de pedir os juros moratórios, explicitamente, dificilmente realizará seu cômputo no valor da causa, ensejando a intervenção do órgão judiciário. E os juros vencidos posteriormente ao ajuizamento, automaticamente incluídos na condenação (art. 323), não entram na estimativa da causa.
O custo financeiro do processo (despesas processuais e honorários advocatícios), suportado pelo réu no caso de êxito do autor, não precisa ser computado para apurar o valor da causa. Tais verbas têm caráter eventual e decorrem da lei.
Em face do caráter imperativo do art. 292, I, mostra-se irrelevante a estimativa lançada pelo autor na petição inicial em desacordo com a regra. Prevalecerá o valor da importância reclamada no pedido.
O art. 292, I, aplica-se, por analogia, à pretensão a executar fundada em título judicial ou extrajudicial (infra, 1.292.2.2). O valor da causa é o total do crédito: o principal corrigido, os juros e os demais consectários legais ou contratuais, conforme, aliás, dispõe o art. 6.º, § 4.º, da Lei 6.830/1980. Esse valor constará na planilha aludida no art. 798, I, b, e parágrafo único
.
Também se poderia cogitar do enquadramento da pretensão a executar no art. 292, II, por que pretensão visando ao cumprimento do negócio jurídico, eventualmente consubstanciado em documento dotado de força executiva. O resultado final é idêntico, mas o art. 292, I, avantaja-se ao inciso precedente em ponto decisivo, ao impor um critério simples, direto e analítico ao valor da causa." (ARAKEN, Assis.
Obra citada.
p. 1698 e ss.)
Ora, não se pode perder de vista que o valor atribuído à causa deve corresponder, tanto quanto possível, ao conteúdo econômico da pretensão deduzida na peça inicial, como bem equaciona o art. 292, §3º, CPC/15:
"O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou
ao proveito econômico perseguido pelo autor
, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
2.19. Atribuição de valor à demanda - situação em exame:
No presente caso, o montante atribuído à demanda parece corresponder ao conteúdo econômico da pretensão anulatória deduzida na peça inicial, o que atendeu ao art. 292, CPC.
2.20. Gratuidade de justiça - considerações gerais:
No que toca à gratuidade de Justiça, anoto que a Constituição da República dispôs, no seu art. 5º LXXIV, que
"
o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos
."
Essa mesma lógica eclode do art. 24, XIII e do art. 134, Constituição Federal/1988.
Ademais, a Constituição recepcionou a antiga lei 1060/1950, responsável por detalhar as hipóteses do que se convencionou chamar de justiça gratuita.
Registro que o CPC/15 manteve a vigência da norma veiculada no art. 13 da lei 1060/1950 (art. 1072, III,
a contrario senso
), ao tempo em que admitiu o deferimento parcial da gratuidade.
Araken de Assis assim analisa a questão:
"- Isenção total - Em princípio, ao litigante interessa forrar-se integralmente do custo financeiro do processo. A isenção total tem por objeto, portanto, o art. 98, §1º, I a IX, ficando suspensa a exigibilidade do dever de reembolsar as despesas suportadas pelo adversário, no todo ou em parte - a perícia requerida por ambas a partes tem seu custo repartido, a teor do art. 95, caput, e, portanto, competiria ao beneficiário reembolsar em parte o vencedor - o pagamento de honorários ao advogado do vencedor, pelo prazo de cinco anos, a teor do art. 98, §3º.
- Isenção parcial - Mantido pelo art. 1.072, III, NCPC, o art. 13 da lei 1060/1950 subentende a concessão parcial do benefício de gratuidade. Essa possibilidade encontra-se prevista de modo mais nítido no art. 98, §5º, segundo o qual o juiz concederá gratuidade em relação a algum ou a todos os atos processuais. Pode acontecer de o litigante, conduzindo-se segundo os ditames da boa-fé (art. 5º) alegar não dispor de recursos para adiantar, v.g., os honorários do perito, sem dúvida despesa de vulto. Em tal hipótese, o órgão judiciário concederá isenção parcial, provocando a incidência, nesse caso, do art. 95, §2º.
- Isenção remissória - O art. 98, §5º, in fine, autoriza o juiz a reduzir percentualmente as despesas processuais que incumbe à parte adiantar no curso do processo. O benefício não alivia a parte da antecipação quanto a um ato específico. Limita o benefício à parte da despesa; por exemplo, fixada a indenização da testemunha em 100, o beneficiário paga 50, ficando a parte remanescente postergada para o fim do processo. Saindo-se vencedor o beneficiário, a contraparte cumprirá o art. 492, quanto à parte isentada, e reembolsará o beneficiário da outra metade.
-
Isenção diferida - A isenção parcial do art. 13 da lei 1060/1950 inspirou duas modalidades de diferimento: (a) o pagamento ao final, embora vencido o beneficiário; (b) o pagamento parcelado da despesa, objeto de previsão no art. 98, §6º. Por exemplo a parte não dispõe da totalidade dos honorários do perito arbitrado pelo juiz e, nessa contingência, requer o pagamento em três ou mais parcelas mensais consecutivas. O pagamento ao fim do processo é mais radical. A parte aposta no sucesso, transferindo, secundum eventuam litis, todas as despesas ao adversário. E, não logrando êxito, ficará isenta pelo prazo legal
(art. 98, §3º)." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. São Paulo: RT, 2015, p. 535-536)
Quanto aos requisitos para a concessão, reporto-me à análise de Rafael Alexandria de Oliveira:
"Faz jus ao benefício da gratuidade de justiça aquela pessoa com insuficiência de recursos para pagar as custas, despesas processuais e honorários advocatícios (art. 98). Não se exige miserabilidade, nem estado de necessidade, nem tampouco se fala em renda familiar ou faturamento máximos. É possível que uma pessoa natural, mesmo com boa renda mensal, seja merecedora do benefício, e que também o seja aquele sujeito que é proprietário de bens imóveis, mas não dispõe de liquidez. A gratuidade judiciária é um dos mecanismos de viabilização do acesso à justiça; não se pode exigir que, para ter acesso à justiça, o sujeito tenha que comprometer significativamente a sua renda, ou tenha que se desfazer de seus bens, liquidando-os para angariar recursos e custear o processo."
(OLIVEIRA, Rafael Alexandria in WAMBIER, Teresa Alvim.
Breves comentários ao novo CPC.
São Paulo: RT, 2015, p. 359)
Convém atentar, ademais, para a precisa avaliação de Araken de Assis:
"À concessão do benefício, nos termos postos no art. 98, caput, fundamentalmente interessa não permitir a situação econômica da parte atender às despesas do processo. É irrelevante a renda da pessoa, porque as causas podem ser vultuosas e sem recursos para o interessado. Igualmente, nenhum é o relevo da existência de patrimônio. E, de fato, se mesmo tendo um bem imóvel, os rendimentos da parte não lhe são suficientes para arcar com custas e honorários sem prejuízo do sustenta, tal propriedade não é empecilho à concessão da gratuidade. Parece pouco razoável exigir que alguém se desfaça de seus bens para atender ás despesas do processo. Nada assegura, a fortiori, o retorno à situação patrimonial anterior, em virtude do desfecho vitorioso do processo. (...) Funda-se o benefício da gratuidade numa equação econômica: a noção da necessidade decorre da inexistência de recursos financeiros, apuradas entre a receita e a despesa, capazes de atender o custo da demanda. Considera-se a situação atual da pessoa, mostrando-se irrelevante a sua antiga fortuna, dissipada ou perdida nos azares da vida."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. São Paulo: RT, 2015, p. 549)
Note-se também que o TRF4 tem entendido que a gratuidade de Justiça há de ser deferida a quem receba
remuneração mensal
líquida
inferior ao
teto de benefícios do RGPS
, definido em R$ 8.157,41, portaria interministerial MPS/MF Nº 6, de 10 de janeiro de 2025:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. HIPÓTESES DE CABIMENTO. COMPLEMENTAÇÃO. NECESSIDADE. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. RENDIMENTOS SUPERIORES AO TETO DOS BENEFÍCIOS DO RGPS. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. REVOGAÇÃO MANTIDA. RESULTADO DO JULGAMENTO INALTERADO. 1. São cabíveis embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; suprir omissão ou corrigir erro material, consoante dispõe o artigo 1.022 do Código de Processo Civil. 2.
A Terceira Turma adota como critério de concessão/manutenção do benefício da gratuidade judiciária o fato de a parte auferir renda inferior ao teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, pois mostra-se razoável presumir a hipossuficiência nessas hipóteses. 3. Para o deferimento da mencionada benesse, devem ser apurados os rendimentos líquidos da parte interessada e considerados, para tal fim, apenas, os descontos obrigatórios/legais (tais como Importo de Renda, Contribuição Previdenciária e pensão) e, excepcionalmente, gastos com saúde (apurada a gravidade da doença no caso concreto e os gastos respectivos, ainda que não descontados em folha de pagamento)
. 4. Caso em que acolhidos, em parte, os embargos de declaração, para complementar o decisum no ponto referente à revogação do benefício da justiça gratuita, sem alteração de resultado. (TRF-4 - AC: 50021421220124047116 RS 5002142-12.2012.4.04.7116, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 28/01/2020, TERCEIRA TURMA)
D'outro tanto, o CPC/15 manteve a lógica do art. 12 da lei 1060/1950, de modo que a concessão do benefício não implica efetiva exoneração da obrigação de recolher despesas e pagar honorários sucumbenciais (incabíveis, porém, no rito do mandado de segurança), observado o prazo suspensivo previsto, agora, no art. 98, §2º, CPC/15 (05 anos).
O detalhe está no fato de que, como registrei acima, nos termos do art. 98, §5º, CPC/15,
"
A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento
."
Anote-se que a Constituição preconiza que o postulante demonstre a incapacidade para o pagamento (art. 5º, LXXIV, CF). Aliás, como bem expressa Araken de Assis,
"A dispensa de o postulante da gratuidade, cuidando-se de pessoa natural, produzir prova documental do seu estado de necessidade provocou efeito colateral de graves reflexos. Fica o respectivo adversário em situação claramente desvantajosa. É muito difícil, a mais das vezes, e na imensa maioria dos litígios civis, a parte contrária reunir prova hábil da equação entre receita e despesa que gera a figura do necessitado. Enfraqueceu-se, em suma, o controle judiciário desse dado. A concessão do benefício é automática, e, na prática, simultaneamente irreversível, por força da inutilidade dos esforços em provar o contrário."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 559).
2.21. Gratuidade de Justiça - situação em exame:
No caso em exame, na forma do art. 99, §2º, CPC, o requerente apresentou documento de identificação e extrato dos valores que recebe a título de benefício previdenciário, bem como declaração de hipossuficiência no evento 1. Não há indicativos de que a autora tenha rendimentos líquidos superiores ao teto do RGPS.
DEFIRO-LHE, portanto, a gratuidade de justiça, conquanto a medida surta reduzidos efeitos no rito dos juizados especiais, em 1. instância, conforme arts. 54 e 55 da lei n. 9.099/1995
. Ressalvo nova análise do tema, caso a tanto instado - art. 100, CPC.
2.22. Considerações gerais sobre a antecipação de tutela:
Como sabido, a cláusula do devido processo envolve alguma aporia. Por um lado, o processo há de ser adequado: deve assegurar defesa, contraditório, ampla produção probatória. E isso consome tempo. Todavia, o processo também deve ser eficiente, ele deve assegurar ao titular de um direito uma situação jurídica idêntica àquela que ele teria caso o devedor houvesse satisfeito sua obrigação na época e forma devidas.
A demora pode contribuir para um debate mais qualificado entre as partes; todavia, também leva ao grande risco de ineficácia da prestação jurisdicional, caso o demandante tenha realmente razão em seus argumentos.
Daí a relevância do prudente emprego da tutela de urgência, prevista no art. 300 e ss. do CPC/15. Desde que a narrativa do demandante seja verossímil, seus argumentos sejam fundados e a intervenção imediata do Poder Judiciário seja necessária - i.e., desde que haja
fumus boni iuris
e
periculum in mora -
a antecipação da tutela deverá ser deferida.
Sem dúvida, porém, que o tema exige cautela, eis que tampouco soa compatível com o devido processo a conversão da antecipação em um expediente rotineiro, o que violentaria a cláusula do art. 5º, LIV e LV, CF. Ademais, o provimento de urgência não pode ser deferido quando ensejar prejuízos irreversíveis ao demandado (art. 300, §3º, CPC).
Daí o relevo da lição de Araken de Assis, como segue:
"A tutela de urgência e a tutela de evidência gravitam em torno de dois princípios fundamentais: (a) o princípio da necessidade; e (b) o princípio da menor ingerência.
- Princípio da necessidade - Segundo o art. 301, in fine, a par do arresto, sequestro, arrolamento de bens, e protesto contra a alienação de bens, o órgão judiciário poderá determinar qualquer outra medida idônea para asseguração do direito. Essa abertura aplica-se às medidas de urgência satisfativas (art. 303, caput): a composição do conflito entre os direitos fundamentais somente se mostrará legítima quando houver conflito real, hipótese em quase patenteia a necessidade de o juiz alterar o esquema ordinário de equilíbrio das partes perante o fator temporal do processo. A necessidade de o juiz conceder medida de urgência apura-se através da comparação dos interesses contrastantes dos litigantes. Dessa necessidade resulta a medida adequada à asseguração ou à satisfação antecipada em benefício do interesse mais provável de acolhimento em detrimento do interesse menos provável.
- Princípio do menor gravame - O princípio do menor gravame ou da adequação é intrínseco à necessidade. É preciso que a medida de urgência seja congruente e proporcional aos seus fins, respectivamente a asseguração ou a realização antecipada do suposto direito do autor. Por esse motivo, a medida de urgência cautelar prefere à medida de urgência satisfativa, sempre que adequada para evitar o perigo de dano iminente e irreparável, e, na órbita das medidas de urgência satisfativas, o órgão judiciário se cingirá ao estritamente necessário para a mesma finalidade." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
volume II. Tomo II. Parge Geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 370-371).
Quando se cuide, ademais, de pedido em desfavor da Fazenda Pública, a lei 8.437/1992 veda a antecipação de tutela que implique compensação de créditos tributários ou previdenciários
(art. 1º, §5º). A lei do mandado de segurança veda a concessão de liminares com o fim de se promover a entrega de mercadorias, a reclassificação de servidores públicos e o aumento ou extensão de vantagens de qualquer natureza (art. 7º, §2º, lei 12.016).
Registre-se que o STF já se manifestou sobre a constitucionalidade de algumas dessas limitações (lei 9.494/1997), conforme se infere da conhecida ADC 04-6/DF, rel. Min. Sydnei Sanches (DJU de 21.05.1999), com os temperamentos reconhecidos no informativo 248, STF. No âmbito do Direito Administrativo militar, há restrições ao emprego do
writ
, por exemplo, diante do que preconiza o art. 51, §3º, lei n. 6.880/1980, ao exigir o exaurimento da via administrativa.
O juízo não pode antecipar a eficácia meramente declaratória de uma cogitada sentença de procedência. Afinal de contas, a contingência é inerente aos provimentos liminares; de modo que a certeza apenas advém do trânsito em julgado (aliás, em muitos casos, sequer depois disso, dadas as recentes discussões sobre a relativização da
res iudicata
).
"É impossível a antecipação da eficácia meramente declaratória, ou mesmo conferir antecipadamente ao autor o bem certeza jurídica, o qual somente é capaz de lhe ser atribuído pela sentença declaratória. A cognição inerente ao juízo antecipatório é por sua natureza complemente inidônea para atribuir ao autor a declaração - ou a certeza jurídica por ele objetivada."
(MARINONI, Luiz Guilherme.
A antecipação da
tutela
.
7. ed. SP: Malheiros. p. 55).
No caso do mandado de segurança, há regras específicas previstas no art. 7 da lei n. 12.016/2009.
2.23. Hipóteses de contraditório postergado:
Em regra, a antecipação de tutela apenas pode ser promovida quando assegurado prévio contraditório ao demandado, conforme art. 5, LIV e LV, CF e art. 7, parte final, CPC.
Isso não impede, todavia, que, em situações excepcionais, o contraditório seja postergado, em face da urgência documentada nos autos
.
PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR PARA DETERMINAR O PROCESSAMENTO DE RECURSO ESPECIAL. POSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DO FUMUS BONI JURIS E DO PERICULUM IN MORA. 1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a regra de obstar o recurso especial retido deve ser obtemperada para que não esvazie a utilidade daquele apelo extremo. 2.
O poder geral de cautela há que ser entendido com uma amplitude compatível com a sua finalidade primeira, que é a de assegurar a perfeita eficácia da função jurisdicional. Insere-se aí a garantia da efetividade da decisão a ser proferida. A adoção de medidas cautelares (inclusive as liminares inaudita altera parte) é fundamental para o próprio exercício da função jurisdicional, que não deve encontrar obstáculos, salvo no ordenamento jurídico
. 3. O provimento cautelar tem pressupostos específicos para sua concessão. São eles: o risco de ineficácia do provimento principal e a plausibilidade do direito alegado (periculum in mora e fumus boni iuris), que, presentes, determinam a necessidade da tutela cautelar e a inexorabilidade de sua concessão, para que se protejam aqueles bens ou direitos de modo a se garantir a produção de efeitos concretos do provimento jurisdicional principal. 4. Em tais casos, pode ocorrer dano grave à parte, no período de tempo que mediar o julgamento no tribunal a quo e a decisão do recurso especial, dano de tal ordem que o eventual resultado favorável, ao final do processo, quando da decisão do recurso especial, tenha pouca ou nenhuma relevância. 5. Existência, em favor da requerente, da fumaça do bom direito e do perito da demora, em face da patente contrariedade ao art. 2º, da Lei nº 8.437/92, visto que, na hipótese dos autos, não há necessidade da prévia audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, vez que o ente Municipal sequer figura na relação processual. 6. Medida Cautelar procedente, para determinar o processamento do recurso especial. ..EMEN: (MC 200100113001, JOSÉ DELGADO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJ DATA:13/05/2002 PG:00150 ..DTPB:.)
Com efeito, citando novamente Araken de Assis, quando enfatiza o que transcrevo abaixo:
"
O processo constitucionalmente justo e equilibrado (faires Verfahren) exige a oportunidade de as partes influírem na atividade do órgão judiciário. O princípio do contraditório, na sua dimensão horizontal, assegura à parte a possibilidade de manifestação acerca das (a) razões de fato, (b) os meios de prova tendentes a demonstrar-lhes a veracidade, e (c) as razões de direito da contraparte
.
O processo criará inexoravelmente uma comunidade de trabalho, sem prejuízo da parcialidade das partes, e o contraditório assume dimensão vertical. Limitará a atuação do órgão judiciário no que concerne à matéria de direito, domínio que lhe toca na qualidade maître du droit -,79 impondo a manifestação prévia das partes sobre (a) a qualificação jurídica dos fatos afirmados, ou dos fatos não alegados, mas constantes dos autos, que o juiz possa considerar relevantes; (b) as normas legais que o juiz entenda aplicáveis à resolução da causa; e (c) as questões que se mostra lícito ao juiz conhecer sem alegação das partes (v.g., as “condições” da ação – legitimidade e interesse processual –, a teor do art. 485, § 3.º). O art. 357, IV, exige a delimitação das questões de direito na decisão de saneamento e de organização do processo para essas finalidades.
A urgência autoriza, entretanto, a postergação do contraditório em certas condições. É o que se infere do art. 300, § 2.º, segundo o qual “a tutela de urgência pode ser concedida liminarmente”. O art. 12, caput, da Lei 7.347/1985 determina o seguinte na ação civil pública: “Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”. E o art. 7.º, III, da Lei 12.016/2009 estipula que o juiz, no mandado de segurança, ordenará a suspensão incontinenti do ato de autoridade “quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida
." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
volume II. Tomo II. Parge Geral. São Paulo: RT, 2015, tópico 1.425).
Outrossim,
"Duas situações autorizam o juiz à concessão de liminar sem a audiência do réu (inaudita altera parte): (a) sempre que o réu, tomando prévio conhecimento da medida, encontre-se em posição que lhe permita frustrar a medida de urgência; (b) sempre que a urgência em impedir a lesão revele-se incompatível com o tempo necessário à integração do réu à relação processual. Essa última hipótese é objeto do seguinte precedente do STJ: “Justifica-se a concessão de liminar inaudita altera parte, ainda que ausente a possibilidade de o promovido frustrar a sua eficácia, desde que a demora de sua concessão possa importar em prejuízo, mesmo que parcial, para o promovente."
(ASSIS, Araken.
Obra citada.
tópico 1.426).
Com efeito,
"
É constitucional a decisão antecipatória de tutela que, liminarmente e adiando a observância do contraditório para momento posterior, concede a antecipação dos efeitos da tutela para homenagear outro direito em voga, cuja preterição se revelar mais danosa
. 2. O perigo de irreversibilidade da medida, não obstante existente no presente caso, não subsiste quando encarado frente ao perigo da demora, o qual milita em favor da parte agravada."
(TJ-PE - AI: 2784312 PE, Relator: Roberto da Silva Maia, Data de Julgamento: 21/05/2013, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 29/05/2013).
Note-se, por exemplo, que a compreensão e aplicação do art. 2, da lei n. 8.437, de 1992, não podem implicar inexorável vedação à antecipação de tutela
inaudita altera parte
, sobremodo quando em causa perigo de danos ambientais, dado o alcance do art. 225, da Constituição e legislação correlata. Assim, "
O Superior Tribunal de Justiça tem flexibilizado o disposto no art. 2º da Lei n.º 8.437/92 a fim de impedir que a aparente rigidez de seu enunciado normativo obste a eficiência do poder geral de cautela do Judiciário
."
(REsp 1130031/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, 2.T. julgado em 22/06/2010, DJe 03/08/2010)
Por sinal, "
Excepcionalmente, é possível conceder liminar sem prévia oitiva da pessoa jurídica de direito público, desde que não ocorra prejuízo a seus bens e interesses ou quando presentes os requisitos legais para a concessão de medida liminar em ação civil pública. Hipótese que não configura ofensa ao art. 2º da Lei n. 8.437/1992
."
(AgRg no REsp 1.372.950/PB, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/6/2013, DJe 19/6/2013.)
Sabe-se, pois, que
"
a jurisprudência do STJ tem mitigado, em hipóteses excepcionais, a regra que exige a oitiva prévia da pessoa jurídica de direito público nos casos em que presentes os requisitos legais para a concessão de medida liminar em ação civil pública
(art. 2º da Lei 8.437/92). Precedentes do STJ."
(REsp 1.018.614/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/6/2008, DJe 6/8/2008).
Essas considerações se aplicam,
com alguns comedimentos,
ao rito do mandado de segurança, por força do art. 7 da lei n. 12.016/2009.
2.24. Prazos prescricionais:
A pretensão deduzida na peça inicial está submetida ao prazo prescricional de 05 anos, conforme art. 1º do Decreto 20.910/1932, com a interrupção na forma da súmula 383, Supremo Tribunal Federal. Trata-se de norma de conteúdo especial quando confrontada com o art. 206, §3º, V, Código Civil:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. DECRETO 20.910/32. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA RESP 1.251.993/PR. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1.
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. 1.251.993/PR, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, assentou que o prazo de prescrição quinquenal, previsto no Decreto nº 20.910/32, aplica-se às ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002
. a4. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201302893979, MARGA TESSLER (JUÍZA FEDERAL CONVOCADA DO TRF 4ª REGIÃO), STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:12/03/2015 ..DTPB:.)
Atente-se ainda para o seguinte julgado:
APELAÇÃO. AÇÃO ANULATÓRIA DE MULTAS DE TRÂNSITO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL.
O prazo prescricional para se reclamar qualquer direito em face da Fazenda Pública é de cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem, nos termos do art. 1º, do Decreto 20.910/1932. Reconhecimento da prescrição da pretensão anulatória referente às infrações de trânsito ocorridas até 21/06/2011
. Manutenção da r. sentença no tocante à anulação das penalidades aplicadas após o registro de ocorrência de furto e roubo dos veículos. Sucumbência recíproca reconhecida. Sentença parcialmente reformada. Recurso parcialmente provido. (TJ-SP 10232217420168260053 SP 1023221-74.2016.8.26.0053, Relator: Nogueira Diefenthaler, Data de Julgamento: 26/04/2018, 5ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 26/04/2018)
No curso de processo administrativo em que se debate a validade da autuação, o cômputo da prescrição resta suspenso, por força do
art. 4 do decreto 20.910, de 1932
. Quando a apuração da cogitada correção da imputação administrativa dependa de investigação criminal, o cômputo da prescrição permanece suspenso por força do art. 200, Código Civil/2002.
Considerando o alcance da peça inicial, no presente caso não se esgotaram mais de 05 anos entre a data da cogitada notificação do autor respeito da autuação - tema discutido nesse processo - e a data da deflagração desta demanda
.
2.25. Eventual decadência:
O instituto da decadência é aplicável quando em causa cogitados direitos potestativos (direitos formativos geradores, na expressão de Pontes de Miranda). Ou seja, direitos que podem ser exercidos sem prévia aquiescência da contraparte, a exemplo do direito do Fisco promover o lançamento fiscal de revisão (art. 150, §4, CTN), direito à anulação de casamento, direito à demissão de empregados sem justa causa, direito à desistência de compra promovida pela internet etc. Em todos esses casos, sempre que a legislação houver fixado prazo para seu exercício, tratar-se-á de lapso decadencial.
No caso em exame,
isso não se aplica
, já que a pretensão do autor não possui natureza potestativa.
2.26.
Cogitada incidência do CDC/1990:
Com a publicação do CDC, inaugurou-se uma conhecida polêmica sobre o alcance das suas disposições. Grosso modo, as opiniões distribuíram-se em duas grandes correntes: os finalistas e os maximalistas.
Os finalistas amparam-se sobremodo na regra do art. 2º da lei 8078/1990:
"Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final."
Logo, em princípio, o CDC apenas tutelaria aquelas relações em que o serviço fosse prestado ou o bem fosse fornecido ao destinatário último, sem subsequentes repasses.
Essa orientação foi compartilhada, ao que se sabe, pelos principais idealizadores do projeto que eclodiu no código consumerista brasileiro: Ada Pellegrini Grinover, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin e outros.
Já a orientação maximalista promove uma leitura ampla do conceito de consumidor, destacando que a lei 8078 não tutelaria apenas o destinatário final de bens e serviços, sendo oponível também às relações entre empresas e até mesmo a órgãos públicos (amparando-se, nesse caso, na regra do art. 22, CDC). Essa orientação é compartilhada por Rizzato Nunes, por exemplo (
Curso de direito do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2004).
Com esse pano de fundo, inúmeras discussões foram promovidas ao longo desses anos de vigência da lei 8078. Ao que releva, o CDC também se aplica a entidades da Administração Pública, quando em causa serviços remunerados mediante preços públicos, ou quando em causa atividades econômicas
stricto senso
(art. 22, CDC).
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3.
Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado
. 4. Recurso a que se nega provimento.(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
CIVIL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT. CONTRATO DE TRANSPORTE DE ENCOMENDA SEM DECLARAÇÃO DE VALOR. EXTRAVIO DE MERCADORIA. VALOR DA INDENIZAÇÃO.1.
Qualifica-se como de consumo a relação jurídica contratual de transporte de encomendas. Precedente do STJ
. 2. É do fornecedor o ônus de provar claramente as condições contratuais particularmente em relação à opção de informar ou não o valor da mercadoria e o custo do serviço para o fim de indenização em caso de extravio segundoo valor exato da mercadoria transportada.3. Não é aceitável o fornecedor simplesmente alegar que o consumidor não declarou o valor para indenizar o prejuízo de acordo com critério unilateral.4. Apelação provida. (AC 00626681319984010000, JUIZ FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA (CONV.), TRF1 - TERCEIRA TURMA SUPLEMENTAR (INATIVA), DJ DATA:23/06/2005 PAGINA:81.)
D'outro tanto, em princípio, pessoas jurídicas também podem ser qualificadas como consumidoras, para fins de aplicação da lei 8.078/1990, desde que não esteja em causa a aquisição de matéria prima para seus processos produtivos.
RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ÁGUA. CONSUMIDOR. DESTINATÁRIO FINAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 2º E 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DALEI Nº 8.078/90.I - "
O conceito de "destinatário final", do Código de Defesa do Consumidor, alcança a empresa ou o profissional que adquire bens ou serviços e os utiliza em benefício próprio
" (AgRg no Ag nº807159/SP, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 25/10/2008).II - No caso em exame, a recorrente enquadra-se em tal conceituação,visto ser empresa prestadora de serviços médico-hospitalares, que utiliza a água para a manutenção predial e o desenvolvimento de suas atividades, ou seja, seu consumo é em benefício próprio.III - A empresa por ser destinatária final do fornecimento de água e, portanto, por se enquadrar no conceito de consumidora, mantém coma recorrida relação de consumo, o que torna aplicável o disposto no artigo 42, parágrafo único, da Lei 8.078/90.IV - Recurso especial conhecido e provido...EMEN: (RESP 200800133166, FRANCISCO FALCÃO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:30/04/2008..DTPB:.)
Quanto à aplicação do CDC, quando se trate da prestação de serviços por empresas públicas, remunerados mediante preços públicos/tarifas, convém atentar para o art. 22, CDC:
"
Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos
. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código."
Atente-se ainda para os seguintes julgados:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CORREIOS. CARTA REGISTRADA. EXTRAVIO. DANOS MORAIS. IN RE IPSA. 1. As empresas públicas prestadoras de serviços públicos submetem- se ao regime de responsabilidade civil objetiva, previsto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal e nos arts. 14 e 22 do Código de Defesa do Consumidor. 2. No caso, a contratação de serviços postais oferecidos pelos Correios, por meio de tarifa especial, para envio de carta registrada, que permite o posterior rastreamento pelo próprio órgão de postagem revela a existência de contrato de consumo, devendo a fornecedora responder objetivamente ao cliente por danos morais advindos da falha do serviço quando não comprovada a efetiva entrega. 3. É incontroverso que o embargado sofreu danos morais decorrentes do extravio de sua correspondência, motivo pelo qual o montante indenizatório fixado em R$ 1.000,00 (mil reais) pelas instâncias ordinárias foi mantido pelo acórdão proferido pela Quarta Turma, porquanto razoável, sob pena de enriquecimento sem causa. 4. Embargos de divergência não providos. ..EMEN:
(ERESP 201303279910, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - SEGUNDA SEÇÃO, DJE DATA:24/02/2015 ..DTPB:.)
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado. 4. Recurso a que se nega provimento.
(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
De sua parte, Justen Filho enfatiza a dificuldade, não raro, de se conjugar o regime jurídico público - próprio das concessões ou de empresas públicas - com a aplicação da lógica do Código de Defesa do Consumidor:
"Ocorre que nem sempre é possível conciliar o regime de direito público com aquele do direito do consumidor. A cumulação dos mecanismos de serviço público e de direito do consumidor provoca um conflito de competências e de regime jurídico, cuja solução deve ser realizada com cautela.
Um exemplo permite compreender de imediato o problema. Segundo o direito do consumidor, é obrigatório o empresário manter a oferta realizada nas condições originais. Já no âmbito do serviço público, a mutabilidade é da sua inerência. Suponha-se, portanto, o caso da telefonia fixa. Imagine-se que o concessionário estabeleça relação jurídica com o usuário, orientando-se por determinada regulação do poder concedente. Se houver necessidade e conveniência, o poder concedente alterará as regras pertinentes, com reflexos na situação jurídica do usuário. Em face do regime de Direito Administrativo, o usuário não poderia invocar direito adquirido à manutenção de regime jurídico. Mas sua pretensões poderia encontrar respaldo no regime característico do direito do consumidor.
Não seria excessivo afirmar que a concepção do serviço público defere ao poder concedente a função de tutelar e defender o interesse cletivo (aí abrangido também o interesse do usuário). Já o direito do consumidor assegura ao próprio consumidor e às entidades da sociedade a funçã de sua defesa (sem que isso exclua a intervenção de órgãos estatais)
.
É fundamental tomar em vista, então, que a aplicação das normas do direito do consumidor não pode fazer-se em face do serviço p´bulico com idêntica extensão aplicável no caso de relações puramete privadas, relacionadas com a exploração de atividade econômica em sentido restrito." (JUSTEN FILHO, Marçal.
Teoria geral das
concessões
de serviço público.
São Paulo: Dialética, 2003, p. 557-558)
Assim, conquanto o CDC seja aplicável a serviços remunerados mediante preços públicos, tarifas ou pedágios - a exemplo do que ocorre com o fornecimento de energia elétrica, água, correios etc -, ele não incide quando em causa relações estritamente de direito administrativo.
No presente caso, o regime consumerista não se aplica, dado cuidar-se de debate concernente a multas de trânsito, tema de direito administrativo em sentido estrito
.
2.27. Controle judicial de atos administrativos:
Vivemos o tempo da superação do modelo de Estado meramente Legislativo em prol de um efetivo Estado Constitucional, conforme conhecida expressão de Peter Häberle.
Durante muitos anos, a teoria do Estado gravitou em torno do estudo das competências e dos órgãos administrativos. Atualmente, contudo, o eixo tem sido deslocado em direção à busca de efetividade dos direitos fundamentais. E isso é incompatível com a ideia de
legibus solutus
, própria ao Estado oitocentista.
Como explica Gustavo Binembojm,
"A palavra discricionariedade tem sua origem no antigo Estado europeu dos séculos XVI a XVIII, quando expressava a soberania decisória do monarca absoluto (voluntas regis suprema lex). Naquela época, do chamado Estado de polícia, em que o governo confundia-se integralmente com a Administração Pública, a sinonímia entre discricionariedade e arbitrariedade era total. Com efeito, se a vontade do soberano era a lei suprema, não fazia sentido cogitar de qualquer limite externo a ela. Por atavismo histórico, ainda nos dias de hoje encontra-se o adjetivo 'discricionário' empregado como sinônimo de arbitrário ou caprichoso, ou para significar uma decisão de cunho puramente subjetivo ou político, liberta de parâmetros jurídicos de controle."
(BINENBOJM, Gustavo.
Uma teoria do direito administrativo:
direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2. ed. RJ: Renovar, 2008, p. 195-196).
Posteriormente, essa noção de discricionariedade (então compreendida como sinônimo de arbítrio) evoluiu em prol do reconhecimento da existência de distintas opções deliberativas, observados os limites estipulados pela própria lei. Em muitos casos, a lei imporia a finalidade, mas não estipularia os meios a serem escolhidos, pelos administradores, para a sua obtenção.
Por fim, sob o Estado Constitucional, reconhece-se que o administrador público não pode decidir de qualquer forma, ao seu alvedrio.
"Em consequência, como assinala Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a discricionariedade deixa de ser compreendida como um campo externo ao direito - verdadeiro atavismo monárquico - passando a ser vista como um poder jurídico. É dizer: um espaço decisório peculiar à Administração, não de escolhas puramente subjetivas, mas definida pela prioridade das autoridades administrativas na fundamentação e legitimação dos atos e políticas públicas adotados, dentro de parâmetros jurídicos estabelecidos pela Constituição, pelas leis ou por atos normativos editados pelas próprias entidades da Administração."
(BINENBOJM, Gustavo.
Obra citada.
p. 199-200).
Ora, há muito tempo é sabido que o Poder Judiciário pode promover o controle de atos administrativos discricionários, quando menos para aferir eventual desvio de finalidade. O grande debate diz respeito, isso sim, à intensidade e aos critérios envolvidos no aludido controle judicial. Bandeira de Mello explica que
"Em despeito da discrição presumida na regra de direito, se o administrador houver praticado ato discrepante do único cabível, ou se tiver algum fim seguramente impróprio ante o confronto com a finalidade da norma, o Judiciário deverá prestar a adequada revisão jurisdicional, porquanto, em rigor, a Administração terá desbordado da esfera discricionária."
(BANDEIRA DE MELLO, Celso A.
Discricionariedade e controle jurisdicional.
São Paulo: Malheiros, 2001, p. 36).
Concordo, pois, com Binenbojm quando enfatiza que
"A emergência da noção de juridicidade administrativa, com a vinculação direta da Administração à Constituição, não mais permite falar, tecnicamente, numa autêntica dicotomia entre atos vinculados e atos discricionários, mas, isto sim, em diferentes graus de vinculação dos atos administrativos à juridicidade. A discricionariedade não é, destarte, nem uma liberdade decisória externa ao direito, nem um campo imune ao controle jurisdicional. Ao maior ou menor grau de vinculação do administrador à juridicidade corresponderá, via de regra, maior ou menor grau de controlabilidade judicial dos seus atos."
(BINENBOJM, Gustavo.
Obra citada.
p. 208).
Diante do reconhecimento de efetividade aos princípios constitucionais da boa gestão pública (art. 37, CF), não há como imaginar que o Poder Executivo possa deliberar de qualquer modo, sem justificar suas escolhas e sem ter que prestar contas.
"O mérito - núcleo do ato -, antes intocável, passa a sofrer a incidência direta dos princípios constitucionais. Deste modo, ao invés de uma dicotomia tradicional (ato vinculado v. ato discricionário), já superada, passa-se a uma classificação em graus de vinculação à juridicidade, em uma escala decrescente de densidade normativa vinculativa."
(BINENBOJM, Gustavo.
Obra citada.
p. 209).
Convém atentar para a precisa síntese de Binenbojm:
"É interessante registrar que a aplicação da teoria do desvio de poder para o controle da finalidade dos atos administrativos discricionários não importa controle do mérito propriamente dito, mas como que um estreitamento do seu âmbito.
Ou seja: não se trata de controlar o núcleo da apreciação ou da escolha, mas de diminuir mo espaço em que o administrador faz escolhas de acordo com a própria conveniência e oportunidade.
O mesmo pode ser afirmado com relação às outras formas, ditas, de controle do mérito do ato administrativo, como o controle da proporcionalidade, da moralidade e da eficiência. Neste sentido, por exemplo, não se controla o mérito do ato administrativo em descompasso com a proporcionalidade, mas apenas se reconhece que o conteúdo desproporcional do ato simplesmente não é mérito
.
Em outras palavras, não há conveniência e oportunidade possível fora dos limites estabelecidos pela proporcionalidade."(BINENBOJM, Gustavo.
Obra cit.
p. 210).
Sei bem que, no mais das vezes, as questões alusivas à eficiência de determinadas soluções administrativas escapam do controle judicial, sob pena de se instituir um governo de juízes, inviabilizando-se a própria administração pública e comprometendo o sistema de pesos e contrapesos.
Repiso esse detalhe: os juízos de mera conveniência e de mera oportunidade escapam, em regra, do controle jurisdicional, salvo quando se tratar de escolhas manifestamente desastrosas, desproporcionais, que comprometam a própria moralidade pública ou mesmo uma noção mínima de eficiência.
Colho a lição de Hans Wolff, Otto Bachof e Rolf Stober:
"Enquanto a Administração está orientada para a multiplicidade e tem responsabilidade metajurídica, a jurisprudência é de tipo monodisciplinar-jurídico (...). Por isso, o controlo jurisdicional circunscreve-se apenas ao controlo jurídico. Este controlo não se confunde com a vigilância completa (Rundum-Beaufsichtigung) da Administração. Por isso, o controle jurisdicional termina onde deixam de existir padrões jurídicos de controlo (...). Aqui a autonomia da Administração manifesta-se de forma particularmente clara. Em primeiro plano, está a auto-responsabilidade, que terá de ser respeitada pela jurisprudência, bem como a oportunidade, mas não a legalidade da actuação (...). A ideia nuclear é a de que o controlo jurisdicional não conduz a uma subalternização da Administração e os tribunais não devem substituir as apreciações (valorações) da Administração pelas suas próprias valorações.
Nesse contexto, devemos distinguir duas questões fundamentais. Por um lado, suscita-se a questão de saber se num Estado de direito que pratica a divisão de poderes haverá decisões 'livres do direito' para a Administração, no sentido de determinadas medidas estarem totalmente excluídas do controlo jurisdicional (os chamados actos de autoridade sem justiça). Esta questão suscitou-se quanto aos actos de governo e quanto aos actos de graça, mas que deve ser recusada na vigência da lei fundamental (...). Diferente é a questão de saber até que ponto o legislador exclui do controlo jurisdicional decisões administrativas por questões de celeridade e de eficiência administrativas, através da criação de normas de sanação e de preclusão (Heilungs- und Präklusionsvorschriften) (...)
Por outro lado, trata-se do problema de saber se e em que medida a Administração goza, quanto às decisões a tomar, de margens de conformação que apenas limitem a intensidade do controlo jurisdicional (a chamada densidade do controlo). Sejam aqui lembradas apenas as margens de discricionariedade, cujo exercício está subordinado a determinados limites jurídicos." (WOLFF, Hans J.; BACHOF, Otto; STOBER, Rolf.
Direito administrativo. volume I.
Tradução do alemão por António F. de Souza. Calouste Gulbenkian, 2006, p. 247-248)
Em muitos casos, todavia, deve-se ter em conta a teoria dos motivos determinantes, bem explicitada por Hely Lopes Meireles:"
A teoria dos motivos determinantes funda-se na consideração de que os atos administrativos, quando tiverem sua prática motivada, ficam vinculados aos motivos expostos, para todos os efeitos jurídicos. Tais motivos é que determinam e justificam a realização do ato, e, por isso mesmo, deve haver perfeita correspondência entre eles e a realidade. Mesmo os atos discricionários, se forem motivados, ficam vinculados a esses motivos como causa determinante de seu cometimento e sujeitam-se ao confronto da existência e legitimidade dos motivos indicados. Havendo desconformidade entre os motivos determinantes e a realidade, o ato é inválido."
(MEIRELLES, Hely Lopes.
Direito Administrativo Brasileiro.
14ª Edição, Editora RT, p. 175)
José dos Santos Carvalho Filho argumentou:
"A teoria dos motivos determinantes baseia-se no princípio de que o motivo do ato administrativo deve sempre guardar compatibilidade com a situação de fato que gerou a manifestação da vontade. E não se afigura estranho que se chegue a essa conclusão: se o motivo se conceitua como a própria situação de fato que impele a vontade do administrador, a inexistência dessa situação provoca a invalidação do ato."
(CARVALHO F, José dos Santos.
Manual de direito administrativo.
24. ed. RJ: Lumen Juris, 2011, p. 109).
Afinal de contas, conquanto o Poder Judiciário não possa invadir a esfera decisória que é própria do Poder Executivo - o que não se discute -, também é fato que se deve
"fortalecer o postulado da inafastabilidade de toda e qualquer fiscalização judicial. A progressiva redução e eliminação dos círculos de imunidade do poder há de gerar, como expressivo efeito consequencial, a interdição do seu exercício abusivo."
(FAGUNDES, Seabra.
O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário.
Atualizado por Gustavo Binenbojm. 7. ed. RJ: Forense, 2005, p. 191).
Conjugando-se todos esses elementos, vê-se que o Direito Administrativo contemporâneo não mais acolhe a premissa de que o mérito dos atos administrativos seriam sempre insuscetíveis de controle judicial. Isso não ocorre em um Estado Constitucional, dado que administrar é exercer função (é atuar em nome próprio, mas no interesse alheio). É válido o controle de decisões fundadas em fontes normativas que veiculam conceitos porosos, imprecisos, indeterminados (CARRIÓ, Genaro R.
Notas sobre Derecho y lenguaje.
6. ed. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 2011).
Isso significa que, diante da efetividade dos princípios constitucionais, o administrador público não pode decidir ao seu líbito, já que - mesmo em tais casos - há zonas de certeza positiva e negativas, suscetíveis de aferição judicial. Menciono o seguinte julgado:
"(...) 1. De acordo com a doutrina mais autorizada, os conceitos jurídicos indeterminados, como, no caso, procedimento irrepreensível e idoneidade moral inatacável, sujeitam-se a controle judicial de sua configuração concreta. 2. Não é omissão de aplicação do disposto no art. 37, I, da Constituição e no art. 8o., I, do Dec.-Lei n. 2.320/87 a afirmação de que os fatos alegados - acontecidos há mais de dez anos e em razão dos quais, processado, o apelado restou absolvido."
justificam exclusão do Curso de Agente de Polícia Federal. (EDAC 964030319994010000, DESEMBARGADOR FEDERAL JOAO BATISTA MOREIRA, TRF1 - QUINTA TURMA, DJ DATA:14/11/2002 PAGINA:207.)
No que toca à fiscalização dos atos discricionários, menciono os precedentes abaixo, colhidos junto ao STF e STJ:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE PROFESSORES. EXISTÊNCIA DE CANDIDATOS APROVADOS EM CONCURSO PÚBLICO DE PROVIMENTO EFETIVO. ILEGALIDADE. LEI ESTADUAL 6.915/2007. EXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 279 DESTA CORTE. ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 280 DO STF. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. POSSIBILIDADE DE CONTROLE JUDICIAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS ABUSIVOS E ILEGAIS. AGRAVO IMPROVIDO. I - Inviável o recurso extraordinário quando sua apreciação demanda o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, bem como da legislação infraconstitucional local aplicável à espécie. Incidência das Súmulas 279 e 280 do STF. Precedentes. II -
Esta Corte possui entendimento no sentido de que o exame pelo Poder Judiciário do ato administrativo tido por ilegal ou abusivo não viola o princípio da separação dos poderes
. Precedentes. III - Agravo regimental improvido. (RE-AgR 654170, RICARDO LEWANDOWSKI, STF.)
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. DEMISSÃO. PODER DISCIPLINAR. LIMITES DE ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. ATO DE IMPROBIDADE. 1. Servidor do DNER demitido por ato de improbidade administrativa e por se valer do cargo para obter proveito pessoal de outrem, em detrimento da dignidade da função pública, com base no art. 11, caput, e inciso I, da Lei n. 8.429/92 e art. 117, IX, da Lei n. 8.112/90. 2.
A autoridade administrativa está autorizada a praticar atos discricionários apenas quando norma jurídica válida expressamente a ela atribuir essa livre atuação. Os atos administrativos que envolvem a aplicação de "conceitos indeterminados" estão sujeitos ao exame e controle do Poder Judiciário. O controle jurisdicional pode e deve incidir sobre os elementos do ato, à luz dos princípios que regem a atuação da Administração.
3. Processo disciplinar, no qual se discutiu a ocorrência de desídia --- art. 117, inciso XV da Lei n. 8.112/90. Aplicação da penalidade, com fundamento em preceito diverso do indicado pela comissão de inquérito. A capitulação do ilícito administrativo não pode ser aberta a ponto de impossibilitar o direito de defesa. De outra parte, o motivo apresentado afigurou-se inválido em face das provas coligidas aos autos. 4. Ato de improbidade: a aplicação das penalidades previstas na Lei n. 8.429/92 não incumbe à Administração, eis que privativa do Poder Judiciário. Verificada a prática de atos de improbidade no âmbito administrativo, caberia representação ao Ministério Público para ajuizamento da competente ação, não a aplicação da pena de demissão. Recurso ordinário provido. (RMS 24699, EROS GRAU, STF.)
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL - MILITAR - SARGENTO DO QUADRO COMPLEMENTAR DA AERONÁUTICA - INGRESSO E PROMOÇÃO NO QUADRO REGULAR DO CORPO DE PESSOAL GRADUADO - ESTÁGIO PROBATÓRIO NÃO CONVOCADO - CONDIÇÃO "SINE QUA NON" - APLICAÇÃO DO ART. 49 DO DECRETO Nº 68.951/71 - RECURSO ESPECIAL - LIMITAÇÃO DA DISCRICIONARIEDADE - MORALIDADE PÚBLICA, RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. 1. A discricionariedade atribuída ao Administrador deve ser usada com parcimônia e de acordo com os princípios da moralidade pública, da razoabilidade e da proporcionalidade, sob pena de desvirtuamento. 2. As razões para a não convocação de estágio probatório, que é condição indispensável ao acesso dos terceiros sargentos do quadro complementar da Aeronáutica ao quadro regular, devem ser aptas a demonstrar o interesse público. 3. Decisões desse quilate não podem ser imotivadas. Mesmo o ato decorrente do exercício do poder discricionário do administrador deve ser fundamentado, sob pena de invalidade. 4. A diferença entre atos oriundos do poder vinculado e do poder discricionário está na possibilidade de escolha, inobstante, ambos tenham de ser fundamentados. O que é discricionário é o poder do administrador. O ato administrativo é sempre vinculado, sob pena de invalidade. 5. Recurso conhecido e provido. ..EMEN: (RESP 199500599678, ANSELMO SANTIAGO, STJ - SEXTA TURMA, DJ DATA:09/06/1997 PG:25574 RSTJ VOL.:00097 PG:00404 ..DTPB:.)
Concluo, pois, ser plenamente cabível o controle judicial dos atos administrativos, mesmo quando discricionários. Deve-se atuar com circunspeção, todavia, a fim de que o Poder Judiciário não se substitua ao Poder Executivo, no juízo de conveniência e oportunidade de determinadas políticas públicas, salvo quando manifestamente ineficientes, inadequadas ou abusivas.
2.28. Controle da proporcionalidade da atividade pública:
Ademais, como notório, a atuação das entidades estatais deve respeitar ao postulado da proporcionalidade, questão verbalizada expressamente pelo art. 18 da Constituição de Portugal de 1976 e que remanesce implícita, na Lei Maior brasileira (art. 5º, LIV - enquanto projeção material da cláusula do devido processo).
Art. 18 - Constituição de Portugal. 1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. 2.
A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos
. 3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.
Reporto-me, tanto por isso, à lição de Bernal Pulido:
1. Segundo o
subprincípio da idoneidade
, toda intervenção nos direitos fundamentais deve ser adequada para contribuir para a obtenção de um fim constitucionalmente legítimo. 2. Conforme o
subprincípio de necessidade
, toda medida de intervenção nos direitos fundamentais deve se a mais benigna com o direito no qual se interveio, dentre todas aquelas que revistam da mesma idoneidade para contribuir para alcançar o fim proposto. 3. No fim, conforme o
princípio da proporcionalidade em sentido estrito
, a importância dos objetivos perseguidos por toda intervenção nos direitos fundamentais deve guardar uma adequada relação com o significado do direito intervindo. Em outros termos, as vantagens que se obtém mediante a intervenção no direito devem compensar os sacrifícios que esta implica para seus titulares e para a sociedade em geral."
(PULIDO, Carlos Bernal.
El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales:
el principio de proporcionalidad como criterio para determinar el contenido de los derechos fundamentales vinculantes para el legislador. 3. ed. Madri: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2007, p. 42).
Ou seja, as opções estatais não podem ser promovidas com excesso, eis que deve se conter ao mínimo indispensável para a salvaguarda dos interesses públicos que o justificam. Deve-se atentar para o conhecido postulado
odiosa sunt restringenda
(
Übermaßverbot
).
A respeito do tema, menciono também a obra de BARROS, Suzana de Toledo.
O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das Leis restritivas de direitos fundamentais.
Brasília jurídica, 2ª ed., p. 69/82. Transcrevo, ademais, a análise de Canotilho e Vital Moreira:
"O terceiro pressuposto material para a restrição legítima de direitos, liberdades e garantias consiste naquilo que genericamente se designa por princípio da proporcionalidade.
Foi a LC 01/82 que deu expressa guarida constitucional a tal princípio (art. 18-2, 2ª parte), embora já antes, não obstante a ausência de texto expresso, ele fosse considerado um princípio material inerente ao regime dos direitos, liberdades e garantias.
O princípio da proporcionalidade (também chamado de princípio da proibição de excesso) desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação (também designado como princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade (também chamado de princípio de necessidade, ou da indispensabilidade), u seja, as medidas restritivas previstas na Lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela Lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (c) princípio da proporcionalidade em sentido estrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa justa medida, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos.
Em qualquer caso, há um limite absoluto para a restrição de direitos, liberdades e garantias, que consiste no respeito ao conteúdo essencial dos respectivos preceitos."(CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital.
Constituição da República Portuguesa Anotada.
Volume 1: arts. 1º a 107. 1ª ed. brasileira. 4ª edição portuguesa. ST: RT, Coimbra: Coimbra Editora, p. 394-395)
Vale dizer: a restrição a direitos fundamentais deve ser graduada pelo critério da indispensabilidade; ela somente pode ser imposta quando - e no limite em que - se revelar indispensável. Do contrário, o chamado núcleo essencial dos direitos fundamentais (
Wesengehalt
) restaria atingido, como reconhecem expressamente o art. 18 da Constituição de Portugal/1976 e implicitamente a nossa Lei Maior.
2.29. Dever de motivação:
A Administração Pública está obrigada a motivar os atos administrativos concretos, consectário direto do postulado da legalidade.
"A motivação é elemento essencial para o controle, sobretudo para o controle judicial. Não haverá possibilidade de aferir se o ato se conteve dentro da competência administrativa, dentro da razoabilidade, que deve nortear toda competência, caso não sejam explicitadas as razões condutoras do provimento emanado."
(FIGUEIREDO, Lúcia Valle.
Curso de direito administrativo.
5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 174).
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio da motivação
"implica para a Administração o dever de justificar seus atos, apontando-lhes os fundamentos de direito e de fato, assim como a correlação lógica entre os eventos e situações que deu por existentes e a providência tomada, nos casos em que este último aclaramento seja necessário para aferir-se a consonância da conduta administrativa com a lei que lhe serviu de arrimo."
(BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio.
Curso de Direito administrativo.
19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 100).
Destaco também que o art. 2º, caput, lei 9784/1999 dispõe expressamente que
"A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência."
Por seu turno, o art. 38, §1º da mesma lei preconiza que os elementos probatórios colhidos no curso da instrução devem ser considerados na motivação do relatório e da decisão. A motivação também é invocada, por exemplo, nos arts. 45 e 49 da mesma lei.
O seu art. 50, §1º dispõe que
"A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato."
Registre-se, todavia, que os tribunais têm reconhecido a validade da fundamentação
per relationem,
inclusive quanto a deliberações judiciais.
"
A decisão administrativa do Corregedor-Geral de Justiça empregou a chamada motivação
per relationem
- isto é, valeu-se integralmente das razões lançadas no parecer da Juíza-Corregedora para não conhecer do recurso -, técnica essa que não é vedada, tampouco importa ausência de fundamentação desde que o decisum se reporte a manifestações ou peças processuais que contenham os motivos, de fato e de direito, a amparar a conclusão judicial esposada, como na espécie
." (ROMS 200601698350, CASTRO MEIRA, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:10/02/2011 ..DTPB:. omiti o restante da ementa).
2.30. A
utoexecutoriedade
administrativa e poder de polícia
O Estado de Direito impõe um plexo de garantias no que toca ao processo administrativo sancionador. De partida, quem acusa deve provar. Importa dizer, não se pode transportar, sem mais, a pretensa inversão do ônus da prova (presunção de legitimidade) para o âmbito do processo administrativo:
Ora, sabe-se que
"
A presunção de veracidade inverte o ônus da prova; é errado afirmar que a presunção de legitimidade produz esse feito, uma vez que, quando se trata de confronto entre o ato e a lei, não há matéria de fato a ser produzida; nesse caso, o efeito é apenas o anterior, ou seja, o juiz só apreciará a nulidade se arguida pela parte
."
(PIETRO, Maria S.
Direito administrativo.
18. ed. SP: Atlas, 2005, p. 192).
Com efeito, em regra, os atestados, certidões e afirmações de servidores públicos possuem, em seu favor, a presunção de autenticidade do que é declarado. Do contrário, a atividade administrativa se tornaria praticamente inviável (devendo juntar, a cada certidão, um vídeo, uma fotografia acompanhada de duas testemunhas etc.).
Deve-se atentar para as importantes ressalvas promovidas por Lúcia Vale Figueiredo, no que toca à transposição desses vetores para o âmbito do processo administrativo sancionador:
"Se os atos administrativos desde logo são imperativos e podem ser exigíveis (i.e., tornam-se obrigatórios e executáveis), há de militar em seu favor a presunção iuris tantum de legalidade.
Todavia, como bem assinala Celso Antônio, a presunção se inverte quando os atos forem contestados em juízo ou, diríamos nós, também fora dele, quando contestados administrativamente. Caberá à Administração provar a estrita conformidade do ato à lei, porque ela (Administração) é quem detém a comprovação de todos os atos e fatos que culminaram com a emanação do provimento administrativo contestado.
Determinada, p.ex., a demolição de imóvel por ameaça à incolumidade pública, se houver contestação em juízo, deverá a administração provar (por meio de estudos técnicos ou pareceres, de profissionais competentes) que o imóvel ameaçava ruir e que desse fato resultava a periclitação da incolumidade pública.
De outra parte, se a regra de que a prova é de quem alega não fosse invertida, teríamos, muitas vezes, a determinação feita ao administrado de prova impossível, por exemplo, da inocorrência da situação de fato. A prerrogativa de tal importância - presunção de legalidade - deve necessariamente corresponder, se houver confronto, a inversão do onus probandi. Isso, é claro, em princípio.
Trazemos agora a contexto a aplicação de sanções. Muita vez torna-se difícil - ou quase impossível - provar que o sancionado não incorreu nos pressupostos da sanção (a prova seria negativa). Caberá, destarte, à Administração provar cabalmente os fatos que a teriam conduzido à sanção, até mesmo porque, em face da atuação sancionatória, vige, em sua plenitude, o inciso LIV, art. 5º do texto constitucional
.
Na verdade, quando os atos emanados forem decorrentes de infrações administrativas ou disciplinares não há como não se exigir da Administração a prova contundente da existência dos pressupostos fáticos para o ato emanado. Para isso, a motivação do ato é de capital importância." (FIGUEIREDO, Lúcia Valle.
Curso de direito administrativo.
5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 171-172)
Reporto-me também à seguinte lição de Justen Filho:
"
A autoexecutoriedade indica a possibilidade de a Administração Pública obter a satisfação de um direito ou de dirimir um litígio de que participa sem a intervenção imediata do Poder Judiciário, produzindo atos materiais necessários a obter o bem da vida buscado
. A auto-executoriedade pode conduzir obviamente ao impedimento da prática de certos atos pelos particulares. (...) Não há vedação radical ao uso da força pela Administração Pública, na medida em que tal seja a solução adequada para a realização do Direito. Mas o uso da força deverá refletir um devido processo legal, sendo acompanhado da observância de todas as formalidades comprobatórias necessárias e das garantias inerentes ao processo. Mais ainda, não se admite o uso da força mediante mera invocação de fórmulas genéricas determinadas, tais como interesse público, bem comum, segurança, etc. Deve-se identificar, de modo concreto, o bem jurídico tutelado e expor o motivo pelo qual se reputa que a força deva ser utilizada. É evidente que existem situações concretas emergenciais em que o cumprimento destas formalidades é impossível."
(JUSTEN FILHO, Marçal.
Curso de direito administrativo.
São Paulo: Saraiva, p. 207)
Enfim, desde que realmente se trate de uma imposição abusiva, excessiva, o Poder Judiciário deve reconhecer a sua invalidade, com o fim de assegurar os direitos indevidamente atingidos.
2.31. Prazos para notificação:
Nos termos do
art. 281 do Código Nacional de Trânsito
- lei n. 9.503/1997 -, a autoridade de trânsito, na esfera da competência estabelecida no mencionado Código e dentro de sua circunscrição, julgará a consistência do auto de infração e aplicará a penalidade cabível.
Segundo art. 281-A do Código,
"
Na notificação de autuação e no auto de infração, quando valer como notificação de autuação, deverá constar o prazo para apresentação de defesa prévia, que não será inferior a 30 (trinta) dias, contado da data de expedição da notificação
."
Assim, a Administração deve assegurar ao autuado o prazo de 30 dias corridos para apresentação das suas alegações iniciais. Aludida notificação pode ser promovida já no ato da autuação, com a intimação do condutor no momento da abordagem dos agentes estatais:
ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. AUTUAÇÃO NO ATO DA ABORDAGEM (FLAGRANTE). NOTIFICAÇÃO ENVIADA PARA ENDEREÇO CONSTANTE NO ÓRGÃO DE TRÂNSITO. COMPROVAÇÃO DA NOTIFICAÇÃO DA AUTUAÇÃO. DESNECESSIDADE DE AVISO DE RECEBIMENTO EM MÃO PRÓPRIA. INOCORRÊNCIA DE VÍCIO PROCEDIMENTAL QUE IMPEÇA O EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA. RECURSO IMPROVIDO. I. Ação ajuizada pelo ora recorrente, em que pretende a declaração de nulidade do Auto de infração SA03189578 e de todos os seus efeitos jurídicos. Insurge-se contra a sentença de improcedência. II. Sustenta, em síntese, que: a) ?no auto de infração não consta o prazo para apresentação de defesa, dessa forma o mesmo contraria a legislação ora vigente que exige que para que a ciência da infração ocorra na abordagem, o auto de infração deve conter o previsto no mandamento legal?; b) ?juntada de simples consulta de rastreamento de postagem, não é comprovante de notificação do recorrente conforme existente no caso em tela?; c) ?não foi gerado número de AR e de remessa?. III. A matéria devolvida à Turma Recursal cinge-se à ocorrência (ou não) da notificação de autuação concernente à respectiva infração de trânsito cometida pelo requerente, e à real necessidade de comprovar seu efetivo recebimento. IV. Conforme entendimento sumular n. 312 do Superior Tribunal de Justiça e jurisprudencial deste Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, é necessária a dupla notificação do infrator, a legitimar a imposição de penalidade de trânsito: a) a primeira (notificação da autuação) deve ocorrer, nos casos de autuação a distância ou por equipamento eletrônico, dentro de 30 dias a contar da infração, e tem por escopo o conhecimento da lavratura do respectivo auto, inclusive para fins de oferecimento de defesa prévia; b) a segunda (notificação da penalidade), por seu turno, ocorre após a confirmação da infração pelo órgão responsável, com imposição da respectiva penalidade. E a ausência de qualquer das notificações invalida o processo administrativo por violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Precedente: TJDFT, 2ª Turma Recursal, acórdão 1078365, DJE 05.3.2018. V.
Pois bem. É certo que na notificação de autuação e no auto de infração, quando valer como notificação de autuação, deverá constar o prazo para apresentação de defesa prévia, que não será inferior a 30 (trinta) dias, contado da data de expedição da notificação. (Incluído pela Lei nº 14.071, de 2020) (Código de Trânsito, art. 281-A). VI. No caso concreto, é de se pontuar que: a) em 10.6.2022, o requerente teria sido abordado e identificado pelo agente público, que o autuou com fulcro na infração prevista no artigo 165-A do Código de Trânsito (id 41051347); b) conforme informações prestadas pela autarquia de trânsito, teria ocorrido a multa c/ autuação notificada (id 41051351, p.3); c) não obstante, teria sido expedida notificação em 13.6.2022, em nome da ?proprietária? do veículo (terceira estranha à lide) para o endereço constante no CRLV; d) ausência de apresentação de defesa prévia; e) ainda não teria sido aberto processo para eventual aplicação de penalidade de suspensão do direito de dirigir, ?em virtude de não ter sido expedida a notificação de penalidade? (id 41051351, p.6)
. VII. Nesse quadro fático-jurídico, consoante as provas produzidas, constata-se que além do requerente ter sido notificado no ato da abordagem (flagrante), teria sido expedida/enviada notificação para o endereço constante no banco de dados do Detran/DF, circunstâncias que infirmam a tese recursal aventada. VIII. Ademais, não há de se falar em necessidade de intimação pessoal (aviso de recebimento em mão própria), por falta de previsão legal do mencionado requisito (Resolução 404 do CONTRAN, artigos 3º e 12; Código de Trânsito, art. 281, II, e Lei 9.748/1999, art. 26, § 3º). Precedente: TJDFT, 4ª Turma Cível, acórdão 696.700, DJE 31/07/2013; 3ª Turma Recursal, acordão 1140165, DJE 04.12.2018. IX. Desse modo, diante da ausência de comprovação de vício procedimental que impeça o exercício do direito de defesa, tem-se por escorreita a sentença ora revista. X. Recurso conhecido e improvido. Sentença confirmada por seus próprios fundamentos (Lei 9.099/1995, art. 46). Condenado o recorrente ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da causa (Lei 9.099/1995, art. 55). (TJ-DF 07401639220228070016 1647714, Relator: FERNANDO ANTONIO TAVERNARD LIMA, Data de Julgamento: 07/12/2022, Terceira Turma Recursal, Data de Publicação: 14/12/2022)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. PROCESSO DE SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR (PSDD). AUTO DE INFRAÇÃO. NOTIFICAÇÃO DE AUTUAÇÃO. HOMOLOGAÇÃO DO AUTO DE INFRAÇÃO. 1.
O autor foi abordado por ocasião do cometimento da infração, sendo que o auto de infração já valeu como notificação de autuação, não havendo mácula quanto a essa, já que se torna dispensável o envio de posterior notificação postal ao infrator. Além disso, a ausência de assinatura do infrator também não representa irregularidade para a autuação e para a notificação no momento da abordagem
. 2. Não houve nenhuma violação à Lei na homologação do auto de infração, não havendo imposição legal de prazo para a sua realização. Maiores considerações sobre as notificações poderão ser feitas com mais documentos e com a manifestação da União nos autos. 3. Não está infirmada a presunção de veracidade e de legitimidade dos atos administrativos praticados pela PRF relacionados à autuação questionada. Ausente o requisito da probabilidade do direito, não se faz necessário o exame do requisito do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. (TRF-4 - AG: 50062582520194040000 5006258-25.2019.4.04.0000, Relator: MARGA INGE BARTH TESSLER, Data de Julgamento: 21/05/2019, TERCEIRA TURMA)
Assim, desde que seja documentada no processo administrativo, os Tribunais têm reconhecido validade à notificação do alegado infrator no momento da autuação, desde que ele disponha de autonomia suficiente para compreender a medida. Caso esteja bêbado, além de dever ser preso em flagrante delito, preenchidos os requisitos legais para tanto, deverá o ser notificado oportunamente - tão logo possa compreender o alcance da medida - quanto ao prazo para oferta de defesa no âmbito administrativo, para além de haver de responder à arguição penal respectiva. Em ambos os casos, o prazo para resposta prévia há de ser de 30 dias corrigidos, contados da notificação.
ADMINISTRATIVO. MULTA DE TRÂNSITO. AUTO DE INFRAÇÃO. NOTIFICAÇÃO PESSOAL DO CONDUTOR NOTIFICAÇÃO PESSOAL NO ATO DA ABORDAGEM. POLICIAL. ARTIGO 280 DO CTB. REQUISITOS ATENDIDOS. HIGIDEZ E VALIDADE DO PROCEDIMENTO DO AUTO DE INFRAÇÃO. O direito de recorrer da penalidade de multa é do proprietário do veículo, tido pela legislação como responsável pelo pagamento da mesma. 3.
Estando comprovada a ciência do condutor-infrator do cometimento da infração para fins de defesa, e tendo sido posteriormente emitidas as notificações da autuação e de imposição da penalidade de multa ao proprietário do veículo, não há falar em restrição ao direito de defesa da parte autora, motivo pelo qual se mostra hígido o auto de infração
. (TRF-4 - AC: 50406431020174047100 RS 5040643-10.2017.4.04.7100, Relator: ROGERIO FAVRETO, Data de Julgamento: 13/05/2019, TERCEIRA TURMA)
Os Tribunais também têm vaticinando a notificação promovida mediante encaminhamento de missiva para o endereço do condutor, tal como informado junto aos registros públicos à disposição do DETRAN.
APELAÇÃO – INFRAÇÃO DE TRÂNSITO – LICENCIAMENTO DE VEÍCULO - Bloqueio realizado em razão da existência de infrações de trânsito não pagas - Alegação de ausência de notificação sobre as multas impostas - Descabimento -
Prova dos autos que demonstra o envio das notificações ao endereço constante nos cadastros do órgão de trânsito, como exige o art. 282, § 1º do CTB - Comprovação das notificações - Meio de prova documental indica a correta notificação do proprietário do veículo, inclusive, para indicação do condutor, independentemente da falta de expedição do aviso de recebimento - Comprovante de expedição/postagem dos Correios - Ausência de controvérsia sobre a correção do endereço do condutor/proprietário do veículo
- Prevalência da presunção de legitimidade do ato administrativo - Atos administrativos que gozam de presunção de legitimidade e de veracidade, que não foram afastadas - Precedentes desta C. Corte – Sentença mantida – Recurso não provido. (TJ-SP - AC: 10134931320188260320 SP 1013493-13.2018.8.26.0320, Relator: Ponte Neto, Data de Julgamento: 01/07/2021, 8ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 01/07/2021)
Não raro, porém, as pessoas não tomam conhecimento dessa obrigação de manter o endereço residencial atualizado junto ao DETRAN. Pode-se cogitar, porém, da aplicação nesse âmbito do art. 3 do decreto-lei 4657/42:
"Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece."
Repiso que, nos termos do art. 281, CNT, a Administração Pública deve expedir a notificação da autuação, endereçada ao alegado infrator, no prazo de 30 dias, sob pena de arquivamento da autuação. Segundo o seu § 2º, com a redação veiculada pela lei n. 14.304, de 2002,
"O prazo para expedição da notificação da autuação referente às penalidades de suspensão do direito de dirigir e de cassação do documento de habilitação
será contado a partir da data da instauração do processo destinado à aplicação dessas penalidades
.
Atente-se ainda para o procedimento previsto no art. 281:
"(...)
O processo administrativo referente às multas de trânsito divide-se em duas etapas distintas
: a primeira, em que o agente que exerce a fiscalização do trânsito tipifica a infração cometida pelo condutor do veículo, identifica o automóvel e aponta o agente autuador, nos termos do artigo 280 do Código de Trânsito, e lavra o denominado auto de infração, dando ciência ao infrator no momento do cometimento da infração, ou posteriormente, com o encaminhamento da Notificação por Infração ao endereço do autuado, que pode, então, apresentar a denominada 'defesa prévia'; e
a segunda, em que a autoridade de trânsito, responsável pela aplicação da penalidade, depois de examinada a consistência do auto de infração, frente às disposições legais e às eventuais razões que tenham sido apresentadas pelo autuado, em decisão fundamentada, impõe ao infrator a penalidade prevista no Código de Trânsito Brasileiro, notificando-o e atribuindo-lhe prazo para interposição de recurso administrativo
. Ainda, no procedimento de aplicação da multa de trânsito, exige-se a notificação do infrator em duas oportunidades. A primeira é a notificação do cometimento da infração, que oportunizará a apresentação da chamada 'defesa prévia'. A outra notificação é da aplicação da penalidade, após o julgamento da consistência do auto de infração de trânsito, forte nos artigos 280, 281 e 282 do Código de Trânsito Brasileiro. No presente caso, o agravante (condutor do veículo) tomou ciência da autuação por ocasião da prática da infração, momento a partir do qual teria se iniciado o prazo para a defesa prévia. É o que se depreende do art. 280, inciso VI do CTB.
(TRF-4 - AG: 50138144420204040000 5013814-44.2020.4.04.0000, Relator: RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Data de Julgamento: 07/05/2020, QUARTA TURMA)
Convém atentar, tanto por isso, para o texto do art 282, Código Nacional de Trânsito, como segue:
"Art. 282.
Caso a defesa prévia seja indeferida ou não seja apresentada no prazo estabelecido, será aplicada a penalidade e expedida notificação ao proprietário do veículo ou ao infrator, por remessa postal ou por qualquer outro meio tecnológico hábil que assegure a ciência da imposição da penalidade
. (Redação dada pela Lei nº 14.229, de 2021) § 1º A notificação devolvida por desatualização do endereço do proprietário do veículo ou por recusa em recebê-la será considerada válida para todos os efeitos. (Redação dada pela Lei nº 14.229, de 2021) § 2º A notificação a pessoal de missões diplomáticas, de repartições consulares de carreira e de representações de organismos internacionais e de seus integrantes será remetida ao Ministério das Relações Exteriores para as providências cabíveis e cobrança dos valores, no caso de multa. § 3º Sempre que a penalidade de multa for imposta a condutor, à exceção daquela de que trata o § 1º do art. 259, a notificação será encaminhada ao proprietário do veículo, responsável pelo seu pagamento. § 4º Da notificação deverá constar a data do término do prazo para apresentação de recurso pelo responsável pela infração, que não será inferior a trinta dias contados da data da notificação da penalidade. (Incluído pela Lei nº 9.602, de 1998) § 5º No caso de penalidade de multa, a data estabelecida no parágrafo anterior será a data para o recolhimento de seu valor. (Incluído pela Lei nº 9.602, de 1998) § 6º
O prazo para expedição das notificações das penalidades previstas no art. 256 deste Código é de 180 (cento e oitenta) dias ou, se houver interposição de defesa prévia, de 360 (trezentos e sessenta) dias, contado: (Redação dada pela Lei nº 14.229, de 2021) I - no caso das penalidades previstas nos incisos I e II do caput do art. 256 deste Código, da data do cometimento da infração; (Incluído pela Lei nº 14.229, de 2021) II - no caso das demais penalidades previstas no art. 256 deste Código, da conclusão do processo administrativo da penalidade que lhe der causa
. (Incluído pela Lei nº 14.229, de 2021) § 6º-A. Para fins de aplicação do inciso I do § 6º deste artigo, no caso das autuações que não sejam em flagrante, o prazo será contado da data do conhecimento da infração pelo órgão de trânsito responsável pela aplicação da penalidade, na forma definida pelo Contran. (Incluído pela Lei nº 14.229, de 2021) § 7º O descumprimento dos prazos previstos no § 6º deste artigo implicará a decadência do direito de aplicar a respectiva penalidade. (Redação dada pela Lei nº 14.229, de 2021) § 8º (VETADO)."
Nesse segundo caso, está prevista prazo para notificação do sujeito a respeito do resultado do processo administrativo sancionador deflagrado em seu desfavor, e que pode ter redundado no acolhimento da sua defesa ou na cominação de multa e/ou outras sanções. Anote-se que a ausência de notificação válida a respeito da deflagração do processo administrativo enseja a sua nulidade, como já decidiu o TJSC:
"REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. AUSÊNCIA DE REGULAR NOTIFICAÇÃO ACERCA DO JULGAMENTO REALIZADO PELA JUNTA ADMINISTRATIVA DE RECURSOS DE INFRAÇÕES (JARI). ENDEREÇO DEVIDAMENTE INFORMADO PELO CONDUTOR RECORRENTE. CERCEAMENTO DE DEFESA. ILEGALIDADE. SÚMULA N. 312 DO STJ. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA CONCESSIVA DA ORDEM. REMESSA CONHECIDA E DESPROVIDA. "O STJ já tratou da matéria e, dada a sua importância, editou a seguinte súmula: 'Súmula 312. No processo administrativo para imposição de multa de trânsito, são necessárias as notificações da autuação e da aplicação da pena decorrente da infração.'
De sorte que não realizada corretamente as notificações dos autuados acerca do processo administrativo e da penalidade imposta, por equívoco de endereço não imputável ao administrado, merece acolhimento a pretensão de anulação da decisão administrativa por afronta ao devido processual legal, à ampla defesa e ao contraditório
(art. 5º, LV, da CF/88). [...]" ( Reexame Necessário n. 0304727-07.2015.8.24.0018, de Chapecó, Segunda Câmara de Direito Público, Rel. Des. Francisco Oliveira Neto, j. em 16.08.2016)." (TJ-SC - Remessa Necessária Cível: 50099642320208240054 Tribunal de Justiça de Santa Catarina 5009964-23.2020.8.24.0054, Relator: Cid Goulart, Data de Julgamento: 16/03/2021, Segunda Câmara de Direito Público)
Pode-se cogitar, é fato, que a ausência de notificação prévia invalida o processo como um todo. A ausência de intimação do resultado do processo administrativo deveria implicar reabertura de prazos para eventuais recursos administrativos e insubsistência de consectários moratórios porventura havidos no período. Atente-se, de todo modo, para a súmula 312 - STJ.
"No processo administrativo para imposição de multa de trânsito, são necessárias as notificações da autuação e da aplicação da pena decorrente da infração."
Assim, tem-se interpretado que mesmo quando ao prazo da notificação do resultado do processo, os prazos pertinentes converter-se-iam em lapsos decadenciais da cominação da multa.
2.32. Devido processo - art 5º, LIV, CF:
De outro tanto, como cediço, a cláusula do
due process of law
submete-se tanto a um viés formal (procedimento, rito), quanto a um enfoque substancial ('justa causa' para a restrição a direitos fundamentais). O preceito deu causa à edição das conhecidas súmulas 70, 323, 523 e 547 do Supremo Tribunal Federal.
Registro, por oportuno, os seguintes preceitos da Lei Fundamental:
Art. 5º, LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
Art. 5º, LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Ora,
"A teoria do devido processo legal, construída na jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos, compreende duas perspectivas: substantive due process e procedural due process. A primeira é projeção do princípio no campo do direito material, enquanto a segunda funciona como garantia na esfera processual. O espectro da proteção é o trinômio vida-liberdade-propriedade."
(Romeu Felipe Bacellar Filho.
Processo administrativo disciplinar.
São Paulo: Max Limonad, p. 223).
Desse modo,
"Quanto ao procedural du process, os dois interesses centrais podem ser identificados no caso Marschall versus Jerrico, inc. 446 US 238 (1980): o governo não deve privar uma pessoa de um interesse importante a menos que a correta compreensão dos fatos e a lei permita; mesmo se o governo puder legalmente privar alguém de um interesse importante, o indivíduo tem o direito de ser ouvido perante uma Corte neutra antes da privação. Enquanto a primeira regra prende-se à realidade da Justiça ('actuality of justice'), a segunda envolve a aparência de justiça ('appearance of justice')"
(BACELLAR FILHO, Romeu Felipe.
Obra citada,
p. 224).
Reporto-me também à lição de Canotilho:
Processo devido em direito significa a obrigatoriedade da observância de um tipo de processo legalmente previsto antes de alguém ser privado da vida, da liberdade e da propriedade.
Nestes termos, o processo devido é o processo previsto na lei para a aplicação de penas privativas da vida, da liberdade e da propriedade.
Dito por outras palavras: due process equivalente ao processo justo definido por lei para se dizer o direito no momento jurisdicional de aplicação de sanções criminais particularmente graves (...) o due process of law pressupõe que o processo legalmente previsto para a aplicação de penas seja ele próprio um processo devido, obedecendo aos trâmites procedimentais formalmente estabelecidos na Constituição ou plasmados em regras regimentais das assembléias legislativas." (CANOTILHO, José Joaquim Gomes.
Direito constitucional e teoria da Constituição.
7ª ed. Almedina, p. 493)
Sob o enfoque material, portanto, a cláusula do art. 5º, LIV, CF, condiciona a restrição a direitos fundamentais aos requisitos de idoneidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
Ademais, o Estado deve assegurar, ao administrado, o exercício efetivo da ampla defesa e contraditório. Deve comunicar-lhe, ademais, as decisões judiciais, de modo a documentar a sua efetiva ciência. É o que se infere, por sinal, do Decreto 70.235 (art. 10, V c/ art. 23), e também lei 9784/1999 (arts. 26-28). A regra é, portanto, que a Fazenda Pública deve promover a intimação pessoal do contribuinte, dado que notificações/intimações mediante edital devem ser empregadas de modo excepcional.
PROCESSUAL E TRIBUTÁRIO. PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. INTIMAÇÃO POR EDITAL. NULIDADE. 1.
O disposto no DEL-1455/76 em nada contraria o DEL-70235/72, que regula o processo administrativo fiscal, pois o dispositivo daquele decreto está apenas contemplando as formas válidas de intimação, enquanto este está regulando-as, estabelecendo a ordem de preferência que devem ser utilizadas, ou seja, primeiro tentar-se-á a intimação pessoal, após a via postal ou telegráfica e, em último caso, resultando infrutíferas as duas primeiras formas, a intimação por edital
. 2. Ocorreu um flagrante desrespeito ao devido processo legal, ao não se obedecer à ordem de preferência estabelecida no decreto que regulamenta o procedimento fiscal. 3. Remessa oficial improvida. (REO 9404240460, TÂNIA TEREZINHA CARDOSO ESCOBAR, TRF4 - 2 TURMA, DJ 20/11/1996 PÁGINA: 89158.)
Os Tribunais têm reconhecido a validade, todavia, da notificação por edital quando efetivamente frustrada a tentativa de notificação pessoal no endereço cadastral do contribuinte (dada a sua obrigação de manter aludido cadastro de forma atualizada junto à União - p.ex., lógica do art. 929, Decreto 3000/99).
PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL - INTIMAÇÃO POR EDITAL. -
A intimação via postal feita em endereço que consta no cadastro da Secretaria da Receita Federal, quando frustrada, autoriza a intimação pela via editalícia
. (AC 200471150030020, ANTONIO ALBINO RAMOS DE OLIVEIRA, TRF4 - SEGUNDA TURMA, DJ 29/06/2005 PÁGINA: 553.)
Os órgãos colegiados também têm reputado válida a notificação por meio de missiva, com aviso de recebimento, mesmo quando não recebida diretamente pelo contribuinte (teoria da aparência):
EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. DECADÊNCIA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. 1. O art. 173, I, do CTN estabelece que o direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 anos contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado. 2. O art. 23, II, do Decreto-Lei nº 70.235/72 não exige que o aviso de recebimento seja assinado pelo próprio devedor, mas sim que seja encaminhado para o domicílio tributário eleito pelo sujeito passivo. 3. Consoante disposto no caput do art. 174 do CTN, 'a ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em 5 (cinco) anos, contados da data da sua constituição definitiva.' 4. Decorridos mais de cinco anos após a suspensão da execução fiscal, sem qualquer manifestação do credor, ocorre a prescrição intercorrente. 5. O artigo 40 da Lei 6.830/80 deve ser interpretado em harmonia com o sistema jurídico, que não admite que a ação para a cobrança do crédito tributário tenha prazo perpétuo. Logo, não localizado o devedor e havendo inércia do Fisco por período superior a cinco anos, é de ser declarada a prescrição intercorrente. 6. Apelação improvida. (TRF4, AC 5004419-44.2011.404.7113, Primeira Turma, Relator p/ Acórdão Joel Ilan Paciornik, juntado aos autos em 10/04/2014)
EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CÓPIA DA CDA NÃO ACOSTADA AOS AUTOS DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FUSCAL. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DA VALIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. NOTIFICAÇÃO DO LANÇAMENTO POR MEIO POSTAL. VALIDADE. TAXA SELIC. APLICABILIDADE. MATÉRIA NÃO VENTILADA EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. INADMISSIBILIDADE. 1. Não acostada cópia das CDAs pela embargante, ônus processual que lhe competia, resta inviabilizado o exame quanto à alegação de nulidade do título executivo por suposta ausência de seus requisitos legais. 2. É válida a notificação postal encaminhada ao domicílio tributário do contribuinte, ainda que recebida por terceiro. 3. Transcorridos menos de cinco anos entre o lançamento suplementar que constituiu o crédito tributário e o ajuizamento da respectiva ação de execução, afasta-se a alegação de prescrição. 4. É legítima a correção monetária do débito e cobrança de juros pela Taxa SELIC. 5. É defeso à parte inovar em sede de apelação, formulando pedido a respeito de matéria não ventilada em primeira instância. (TRF4, AC 5000722-35.2013.404.7116, Segunda Turma, Relator p/ Acórdão Rômulo Pizzolatti, juntado aos autos em 08/04/2014)
Por sinal, os Tribunais têm reconhecido a invalidade da cobrança de encargos, sempre que fundada em um processo administrativo viciado:
EMBARGOS INFRINGENTES. EXECUÇÃO FISCAL. INFRAÇÃO TRABALHISTA. MULTA ADMINISTRATIVA. NOTIFICAÇÃO POR EDITAL. CERCEAMENTO DO DIREITO DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. NULIDADE CARACTERIZADA. . Originando-se a multa de natureza administrativa de infração à legislação trabalhista, não cabe a aplicação dos dispositivos do CTN. . Nos termos do § 2º do art. 636 da Consolidação das Leis do Trabalho, a notificação somente será realizada por meio de edital quando o infrator estiver em lugar incerto e não sabido. . O contraditório e a ampla defesa são assegurados no âmbito administrativo em momento posterior à infração e prévio à inscrição em dívida ativa.
Hipótese em que não observado o devido processo legal administrativo, torna-se nulo o procedimento e a inscrição em dívida ativa
(art. 5°, incisos LIV e LV). . Prevalência do entendimento minoritário. . Prequestionamento estabelecido pelas razões de decidir. . Embargos infringentes providos. (EINF 200270050062553, SILVIA MARIA GONÇALVES GORAIEB, TRF4 - SEGUNDA SEÇÃO, D.E. 02/03/2010.)
2.33.
Notificações e eventual aplicação da teoria aparência:
Os Tribunais têm reputado válida a notificação por meio de missiva, com aviso de recebimento, mesmo quando não recebida diretamente pelo contribuinte (teoria da aparência):
EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. DECADÊNCIA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. 1. O art. 173, I, do CTN estabelece que o direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 anos contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado. 2. O art. 23, II, do Decreto-Lei nº 70.235/72 não exige que o aviso de recebimento seja assinado pelo próprio devedor, mas sim que seja encaminhado para o domicílio tributário eleito pelo sujeito passivo. 3. Consoante disposto no caput do art. 174 do CTN, 'a ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em 5 (cinco) anos, contados da data da sua constituição definitiva.' 4. Decorridos mais de cinco anos após a suspensão da execução fiscal, sem qualquer manifestação do credor, ocorre a prescrição intercorrente. 5. O artigo 40 da Lei 6.830/80 deve ser interpretado em harmonia com o sistema jurídico, que não admite que a ação para a cobrança do crédito tributário tenha prazo perpétuo. Logo, não localizado o devedor e havendo inércia do Fisco por período superior a cinco anos, é de ser declarada a prescrição intercorrente. 6. Apelação improvida. (TRF4, AC 5004419-44.2011.404.7113, Primeira Turma, Relator p/ Acórdão Joel Ilan Paciornik, juntado aos autos em 10/04/2014)
EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CÓPIA DA CDA NÃO ACOSTADA AOS AUTOS DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FUSCAL. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DA VALIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. NOTIFICAÇÃO DO LANÇAMENTO POR MEIO POSTAL. VALIDADE. TAXA SELIC. APLICABILIDADE. MATÉRIA NÃO VENTILADA EM PRIMEIRA INST NCIA. INADMISSIBILIDADE. 1. Não acostada cópia das CDAs pela embargante, ônus processual que lhe competia, resta inviabilizado o exame quanto à alegação de nulidade do título executivo por suposta ausência de seus requisitos legais. 2. É válida a notificação postal encaminhada ao domicílio tributário do contribuinte, ainda que recebida por terceiro. 3. Transcorridos menos de cinco anos entre o lançamento suplementar que constituiu o crédito tributário e o ajuizamento da respectiva ação de execução, afasta-se a alegação de prescrição. 4. É legítima a correção monetária do débito e cobrança de juros pela Taxa SELIC. 5. É defeso à parte inovar em sede de apelação, formulando pedido a respeito de matéria não ventilada em primeira instância. (TRF4, AC 5000722-35.2013.404.7116, Segunda Turma, Relator p/ Acórdão Rômulo Pizzolatti, juntado aos autos em 08/04/2014)
Por sinal, o Código de Processo Civil/15 preconizou, no art. 248, §4, que
"Nos condomínios edilícios ou nos loteamentos com controle de acesso, será válida a entrega do mandado a funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência, que, entretanto, poderá recusar o recebimento, se declarar, por escrito, sob as penas da lei, que o destinatário da correspondência está ausente."
Tem-se sustentado, ademais, que os contribuintes estariam obrigados a manterem atualizados seus dados cadastrais junto ao Fisco. Segundo os Tribunais, seria válida a remessa de missivas para o endereço indicado pelo próprio contribuinte junto ao Erário, não sendo exigível da Fazenda Pública uma prévia diligência para aferir se tais dados ainda seriam adequados
.
2.34. Eventual ausência de prestação de serviço postal:
A prestação de serviço público de entrega domiciliar de correspondências é atribuição da ECT - Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, conforme art. 21, X da Constituição Federal e o art. 2º da Lei 6.538/78. Note-se ainda que a Portaria nº 2.729, de 28 de maio de 2021, do Ministério das Comunicações, por sua vez, prevê o seguinte:
Art. 11. O serviço de distribuição postal básico será prestado das seguintes formas: I - em domicílio, quando a entrega do objeto postal ocorrer no endereço indicado pelo remetente; II - em Caixa Postal Comunitária, quando o objeto postal for depositado em um dos receptáculos do Módulo de Caixas Postais Comunitárias - MCPC; ou III - por outra forma de entrega externa que venha a ser implantada pela ECT; e IV - por retirada dos objetos, pelo destinatário ou preposto, em unidade da ECT, própria ou terceirizada, fixa ou móvel.
Art. 12.
A ECT realizará a entrega em domicílio, sempre que atendidas as seguintes condições:
I - houver indicação correta do endereço para a entrega do objeto postal, com o correspondente Código de Endereçamento Postal - CEP; II - o distrito possuir quinhentos ou mais habitantes, conforme Censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE; III - as vias e os logradouros: a) oferecerem condições de acesso e de segurança ao empregado postal; b) dispuserem de placas identificadoras do logradouro, instaladas pelo órgão municipal ou distrital responsável; e IV - os imóveis: a) apresentarem numeração única, de forma ordenada e individualizada; e b) dispuserem de caixa receptora de correspondência, localizada na entrada, ou houver a presença de algum responsável pelo recebimento do objeto postal no endereço de entrega. §1º A entrega em domicílio, ainda que não atendida a condição prevista na alínea "b" do inciso IV deste artigo, poderá ser efetuada por outras formas, a critério da ECT. §2º Nos distritos com população igual ou superior a 500 habitantes e onde a distribuição domiciliar não estiver implantada em 31 de dezembro de 2020, a entrega dos objetos postais poderá ser realizada por meio de distribuição domiciliar, Caixas Postais Comunitárias ou pela retirada em unidade da ECT na localidade.
Art. 13.
O serviço de distribuição postal básico em Caixas Postais Comunitárias ocorrerá quando
: I - as condições previstas nos incisos I, III e IV do art. 12 desta Portaria não forem integralmente satisfeitas, inviabilizando a operacionalização da entrega em domicílio; e II - houver na localidade pessoa jurídica que atenda aos requisitos e às condições previstas na Portaria/MC nº 141, de 28 de abril de 1998, específica do Serviço de Caixa Postal Comunitária.
Art. 14.
A retirada do objeto postal em unidade da ECT somente será realizada quando: I - as condições definidas no art. 12 desta Portaria não forem integralmente satisfeitas; II - o objeto, por suas características, tais como peso e dimensões, não possibilitar a distribuição postal; ou III - as características do respectivo serviço ou o endereçamento do objeto assim o determinarem. Parágrafo único. No caso de distritos com menos de 500 (quinhentos) habitantes, o objeto postal ficará disponível na unidade da ECT mais próxima do endereço indicado
.
Art. 15. A entrega de objeto postal destinado a endereço situado em coletividade será feita: I - por meio de caixa receptora única de correspondências, instalada no pavimento térreo do acesso à referida coletividade; ou II - ao porteiro, administrador, zelador ou à pessoa designada para esse fim. §1º A ECT, mediante solicitação da coletividade, poderá efetuar a entrega postal em caixas receptoras individuais, instaladas na entrada do imóvel, desde que disponível o acesso do empregado postal para efetuar o depósito dos respectivos objetos. §2º Para efeito deste artigo, considera-se coletividade: I - condomínios residenciais e comerciais; II - edifícios com mais de um pavimento; e III - repartições públicas, edifícios, centros e estabelecimentos comerciais e comunitários, tais como instituições de ensino e religiosas, hotéis, bancos, pensões, quartéis, hospitais, asilos, prisões, escritórios, embaixadas, legações, consulados e associações.
Em princípio, o serviço de retirada postal em unidades comunitárias deveria ser comunicado aos sujeitos. Do contrário, a remessa de missivas para seus endereços se tornará uma atividade ritualista, destinada a nunca atingir sua finalidade. Afinal de contas, não há como os sujeitos adivinharem que há correspondência do seu interesse em alguma agência dos Correios e Telégrafos.
Por meio do art. 12 da Portaria nº 6.206/2015, o Ministério das Comunicações preconizou o seguinte:
"
No caso de impossibilidade de entrega ao destinatário ou a quem de direito, por qualquer motivo, o objeto será devolvido ao remetente, exceto no caso de impressos sem devolução garantida ou automática, os quais serão destinados a refugo
.".
Assim, quanto ao serviço público essencial, conferido à ECT com exclusividade, consoante o art. 21, X, da Constituição Federal e o art. 2º da Lei nº 6.538/1978, a jurisprudência tem firmado o entendimento de que cumpre à ECT promover a entrega do objeto postal no endereço do destinatário, desde que informado corretamente, independentemente da importância ou desenvolvimento regional do local do destino.
ECT. OBRIGAÇÃO DE FAZER. MULTA. NÃO COMPARECIMENTO À AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO. SERVIÇO POSTAL. PRINCÍPIO DA UNIVERSALIDADE. 1. Impõe-se o afastamento da multa aplicada, uma vez que não há falar em não comparecimento injustificado à audiência de conciliação. 2. O STF já teve a oportunidade de destacar que o serviço postal deve ser contínuo, universal e observar preços módicos, bem como se manifestou no sentido de que a ECT deve cumprir o encargo de alcançar todos os lugares do Brasil, não importa o quão pequenos ou subdesenvolvidos. 3.
A empresa pública não trouxe qualquer fato concreto que impeça a prestação dos serviços nas áreas destacadas, tendo, ao revés, informado que seriam incluídas no próximo estudo técnico de expansão da distribuição domiciliária de correspondências
. 4. Cabe à ECT, na condição de responsável pelo serviço postal, estruturar suas operações de modo a observar o princípio da universalidade. (TRF4, AC 5015829-44.2016.4.04.7107, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 30/01/2019).
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. GARANTIA DE SERVIÇO POSTAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO VERIFICADO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. VIABILIDADE DA PRETENSÃO. SERVIÇO PÚBLICO. DILATAÇÃO DO PRAZO PARA CUMPRIMENTO DA DETERMINAÇÃO JUDICIAL. ASTREINTE. 1. No caso dos autos, a solução da demanda prescinde de prova testemunhal e de qualquer outra prova senão aquelas já constantes dos autos, sobretudo por se tratar, em verdade, de questão de direito (acessibilidade à prestação de serviço público). Possibilidade, portanto, do julgamento antecipado da lide. 2. Inexistente qualquer prejuízo à parte, não há que se falar em acolhimento da alegação de nulidade processual (sequer verificada de fato). Aplicação da máxima pas de nulitté sans grief. 3. O objeto da demanda originária é a efetiva prestação do serviço postal na região do Município de Jaraguá do Sul/SC, a despeito da ausência de identificação precisa de algumas vias públicas. Ou seja, não pretende o autor a implementação de política urbana ou a impugnação abstrata de Portaria Interministerial, mas, sim, a efetivação do serviço de entrega postal a todos os usuários do serviço público residentes na área delimitada na proemial. Adequado, portanto, o reconhecimento da ilegitimidade passiva ad causam dos entes políticos inicialmente demandados. 4. É atribuição da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos a prestação de serviço público de entrega domiciliar de correspondência, consoante o artigo 21, X, da Constituição Federal, e o artigo 2º da Lei n. 6.538/78. 5. Não se pode admitir que a empresa pública, detentora de exclusividade dos serviços postais, esquive-se de suas funções alegando dificuldades de acesso e ausência de adequada identificação das residências dos destinatários de correspondência. 6. Em se tratando de serviço público essencial e que somente pode ser executado pela ré, criada especificamente para tal finalidade, inviável chancelar-se a negativa de prestação, em particular quando se trata de comunidade carente e pouco assistida. 7. A existência de condições mínimas para a prestação adequada da entrega domiciliar de correspondência na localidade, já que não se trata de local de difícil acesso e as residências estão suficientemente identificadas, impõe a obrigação de fazer à empresa pública ré. 8. As dificuldades operacionais aventadas pela ECT para cumprimento da determinação judicial restaram afastadas (pela suspensão da antecipação de tutela), uma vez que, ao fim e ao cabo, o prazo fixado pelo juízo a quo somente começará a correr a partir do trânsito em julgado da decisão final de mérito proferida na demanda principal - oportunidade em que será descabida qualquer alegação de surpresa do provimento jurisdicional exauriente. 9. Embora possível e legítima a fixação da cominatória contra a apelante, entende-se apenas que o valor arbitrado pelo magistrado a quo excede os limites da razoabilidade, afastando-se de sua função principal (qual seja, compelir a parte devedora ao cumprimento da obrigação) e exteriorizando-se como efetiva punição. 10. Multa diária reduzida para R$ 100,00 (cem reais). 11. Apelação parcialmente provida. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001099-23.2010.404.7209, 3ª TURMA, Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 29/11/2012)
Em princípio, não há embaraços para que a ECT crie mecanismos próprios para atendimento de comunidades de acesso mais difícil, como já ocorre quando há necessidade de que carteiros(as) atravessem rios, adentrem até mesmo na mata densa para poder cumprir com o dever - louvável e importante dever - de levar correspondências para onde o destinatário se encontre. Nada impede, tanto por isso, que a ECT realmente crie mecanismos de caixa postal comunitária, a fim de otimizar recursos públicos e facilitar também a prestação do serviço.
Mas, para que algo assim seja válido, deve primeiro ser confrontado com o postulado da isonomia e da universalidade da prestação de serviços públicos. Logo, deve-se aferir se o critério de distinção entre os sujeitos, adotado para a implementação dessa prática, realmente atende ao art. 5,
caput,
CF. Por que nessa comunidade, e não na outra? Ademais, também deve ser criado MECANISMO EFETIVO de conhecimento, dado que não se pode simplesmente exigir que o sujeito acorra todo dia a uma agência dos Correios perguntando se há alguma postagem do seu interesse. A agência não pode ser imaginada como se fosse a portaria de um prédio, em que o condômino questiona se chegou carta.
Como já decidiu o TRF2,
"
Inegável que a ausência da entrega de correspondências gera prejuízos ao cidadão, que na sociedade atual ainda recebe a maior parte de suas contas e até algumas compras via correios
."
(TRF2, autos 0000479-19.2010.4.02.5054, 1ª VARA FEDERAL DE COLATINA-ES, omiti restante da sentença).
2.35. Diligências probatórias e devido processo:
Em regra, no curso do processo judicial ou administrativo, deve-se facultar a ambas as partes, observados os prazos de lei, a realização da mais ampla dilação probatória, desde que conexa o pedido e causa de pedir deduzidos nos autos. Isso não significa, porém, que todo e qualquer pedido, lançado pelos contendores, deva ser automaticamente deferido.
Ao contrário, as diligências destinadas a esclarecer fatos totalmente impertinentes com o
thema decidendum
não hão de ser realizadas, sob pena de converter o processo em um verdadeiro trabalho de Sísifo
.
Como sabido,
frusta probatur quod probantum non relevat.
Importa dizer: não se defere a realização de diligências destinadas a demonstrar fatos insuscetíveis de influenciar o resultado da demanda. Esse é, por exemplo, o conteúdo do art. 470, parágrafo único, CPC/15. Reporto-me também ao
art. 38, §2º, da Lei nº 9.784/9
9, que regula o processo administrativo:
"Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias."
Outro não é o conteúdo do art. 370, parágrafo único, CPC.
2.36. Postulado da
legalidade
e atuação administrativa:
Atualmente, tem havido uma profusão de normas veiculadas em portarias, circulares e quejandos. Isso se explica pela necessidade de freqüentes adaptações da estrutura estatal às perturbações conjunturais. Exige-se um quadro flexível o suficiente, que permita adequações de rota, frente a eventuais crises internacionais, por exemplo.
Não raras vezes, isso suscita debates a respeito da legitimidade de tais dispositivos; afinal de contas, como sabido, ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei (art. 5º, II, CF). O poder emana do povo por meio dos seus representantes eleitos (art. 1º, parágrafo único, CF) e a Administração Pública apenas pode fazer aquilo que lhe tenha sido expressa e detalhadamente franqueado em lei.
Paulo Affonso Leme Machado sustenta, por exemplo, não haver grandes embaraços a que a Administração Pública regulamente, por meio do Poder Executivo, quais seriam as condutas rotuladas como infração administrativa:
"Infração administrativa ambiental é toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente (art. 70, caput). As regras jurídicas deve estar expressas em algum texto, devidamente publicado. O autor de infração ambiental deverá apontar a regra jurídica violada. 'Ao contrário do Direito Penal, em que a tipicidade é um dos princípios fundamentais, decorrente do postulado segundo o qual não há crime sem lei que o preveja, no Direito Administrativo prevalece a atipicidade; são muito poucas as infrações descritas na lei, como ocorre com o abandono do cargo' - ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro."
(MACHADO, Paulo Affonso Leme.
Direito ambiental brasileiro.
21. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 372)
Essa observação deve ser examinada com temperamentos, eis que o postulado da legalidade autorizativa, previsto no art. 37 da Lei Fundamental/88, também vigora nesse âmbito, reitere-se. A Administração Pública pode fazer o que está autorizada em lei. Paulo de Bessa Antunes argumenta, em sentido contrário, que
"
existe uma clara natureza bifronte no que diz respeito às infrações administrativas de índole ambiental: (i) expressão previsão legal e (ii) remissão às normas administrativas, em fórmula geral, como é o caso do art. 70 da lei 9605/1998. A matéria será tratada mais adiante, especialmente no que diz respeito ao duplo sistema, o qual, em meu modo de ver, carece de sustentação constitucional
."
(ANTUNES, Paulo.
Direito ambiental.
15. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 268).
Ainda segundo aquele autor,
"As normas que estabelecem os ilícitos administrativos praticados contra o meio ambiente são, a toda evidência, normas restritivas da ação privada, haja vista que definem condutas puníveis, cerceando a liberdade de terceiros. Não se discute da necessidade de estabelecer limites à atividade particular com vistas a garantir a salubridade ambiental. O ponto de discussão está no método utilizado para a definição das restrições. O decreto n. 6514/2008, a partir de uma suposta autorização genérica contida no art. 70 e ss. da lei 9605/1998 simplesmente repetiu, em grande parte, os tipos penais existentes na lei e atribuiu-lhes a condição de tipos administrativos."
(ANTUNES, Paulo de Bessa.
Obra citada,
p. 272).
Ainda que tais obras versem sobre a temática ambiental, a lógica é em tudo aplicável no âmbito da intervenção econômica como um todo. Vê-se que o tema envolve alguma polêmica. Convém atentar também para a lição de Eduardo Salomão Neto e de Marçal Justen Filho a respeito desse tema
:
"Qualquer disposição que autorizasse o exercício de competência regulamentar pelo CMN ou pelo BC, principalmente se tal exercício envolvesse a atribuição de direitos e obrigações a particulares, implicaria portanto delegação vedada de competência constitucional para legislar.
Devemos, no entanto, reagir a esse entendimento, como faz Eros Roberto Grau, argumentando, em resumo, que a função legislativa do Estado deve ser separada de sua função normativa. Norma jurídica seria, para ele, o preceito abstrato, genérico e inovador - tendente a regulamentar o comportamento social de sujeitos associados - que se integra no ordenamento jurídico
.
A função normativa está distribuída pelo Estado como um todo, sendo necessário apenas que a Lei, em obediência ao preceito contido no art. 5º, II, da Constituição Federal, dê a autorização necessária para que essa função se exerça. Sendo a função normativa uma das funções originárias do poder Executivo, a autorização legislativa para exercê-la não implicaria delegação, mas mera condição para esse exercício.
De fato, embora o sentido do artigo 5º, II, da Constituição Federal não seja que todas e quaisquer obrigações devam estar em normas legais, implica esse dispositivo, todavia, que toda e qualquer obrigação tenha um fundamento legal. Em outras palavras: para que seja válida, toda e qualquer obrigação deve poder encontrar numa norma legal (e não regulamentar) o seu fundamento de validade. Assim nos parece deva ser entendida a expressão em virtude de lei contida no dispositivo constitucional em questão." (SALOMÃO NETO, Eduardo.
Direito Bancário.
Atlas, p. 104-105)
"Em síntese, o exercício da competência legislativa pode traduzir-se em duas modalidades de disciplina normativa, relativamente à margem de autonomia reconhecida à autoridade pública encarregada da atividade de aplicação da norma. A Lei poderá optar por disciplinar completa e exaustiva, em que todos os pressupostos de incidência e todos os ângulos do comando normativo estão previamente determinados, de modo abstrato, através de lei. Quando assim se formaliza a disciplina legislativa, alude-se à configuração de uma competência vinculada do aplicador à lei.
Mas também se admite que a Lei adote disciplina que deixa margem para maior autonomia do seu aplicador. Nesses casos, um ou mais dos pressupostos de incidência da norma ou uma ou mais das determinações mandamentais não estão disciplinadas de modo exaustivo através da Lei. Atribui-se ao aplicador a competência para identificar os pressupostos ou determinar os comandos normativos para o caso concreto. Nesse caso, surge para o aplicador da Lei uma competência discricionária. A delegação normativa secundária, a que ora se refere, identifica-se com a atribuição de competência discricionária." (JUSTEN FILHO, Marçal.
O direito das
agências
reguladoras
independentes.
São Paulo: Dialética, p. 513)
John Rawls sustenta o seguinte:
"O vínculo entre o império da lei e a liberdade é bem claro. A liberdade, como já afirmei, é um complexo de direitos e deveres definidos por instituições. As diversas liberdades especificam coisas que podemos optar por fazer, se assim o desejarmos, e nas quais, quando a natureza da liberdade as torna apropriadas, todos têm um dever de não interferir.
Mas se for violado o princípio de que não há crime sem uma lei, por exemplo, em virtude de os estatutos serem vagos e imprecisos, o que temos liberdade de fazer fica igualmente vago e impreciso. Os limites de nossa liberdade se tornam incertos. E na medida em que isso acontece, a liberdade é restringida por um temor razoável de exercê-la
."
(RAWLS, John.
Uma teoria da justiça.
Trad. Jussara Simões. SP: Martins Fontes, 2008. p. 296-297),
Reporto-me também à lição do juiz federal Heraldo Garcia Vitta:
"
Pouco valeria o princípio da legalidade se o administrador pudesse impor penalidades administrativas sem que houvessem sido definidos, com antecedência e de maneira exaustiva, os comportamentos que são pressupostos de sanções
. Do mesmo modo, o referido princípio seria inócuo se, acaso, o administrador pudesse determinar as infrações por atos subalternos da lei, ficando ao Legislativo apenas a enumeração das respectivas penalidades."
(GARCIA VITTA
apud
ANTUNES, Paulo de Bessa.
Obra citada,
275).
Transcrevo, ademais, a conclusão da obra de Fabrício Motta, conquanto o excerto seja extenso:
"a)
Existem bases para o reconhecimento da função normativa da Administração Pública no ordenamento jurídico brasileiro
?
O ordenamento jurídico brasileiro admite o exercício de função normativa pelos órgãos e entidades que compõem a Administração Pública. Deve-se relembrar que a função normativa pode ser compreendida como gênero que abrange as espécies função legislativa e função normativa em sentido estrito.
Nesse sentido, o ordenamento contempla a possibilidade de edição de normas distintas da lei editada pelo Poder Legislativo. Essa possibilidade não afronta o princípio constitucional da legalidade, desde que considerado na acepção ampliada, adequada ao estágio do Estado Constitucional. Na acepção proposta, o princípio deve ser encarado em sintonia com os demais princípios constitucionais, de forma a reconhecer-lhes normatividade. A consideração da legalidade em acepções restritas a transformaria em mero sinônimo de reserva legal, a qual é apenas uma das suas dimensões.
Desta maneira, a Administração encontra-se vinculada a todo o ordenamento, sobretudo à Constituição da República, em diferentes intensidades e formas. O fundamento imediato de qualquer ato ou ação da Administração nesse sentido pode se encontrar na própria Constituição, não só na lei.
Os atos normativos editados pela Administração Pública possuem generalidade e abstração em variadas intensidades, não sendo possível identificar à moda tudo ou nada. Da mesma maneira, a integração destes atos ao ordenamento e a extensão e aplicabilidade de seus efeitos são variáveis, muito embora seja sempre possível e necessário aferr a incorporação da fonte responsável pela sua edição.
b)
Como a resposta foi afirmativa: b.1.) qual seu fundamento, sua relevância, suas possibilidades e seus limites
?
O fundamento da função normativa da Administração não é unívoco. Com efeito, existem competências normativas previstas explicitamente pela Constituição: regulamento, decreto autônomo, competência derivada a autonomia, competência atribuída a órgãos despidos de autonomia, mas com função normativa, atos normativos derivados de segundo grau. Outras competências são previstas explicitamente pela lei, que incumbe a Administração de elaborar ato normativo secundário, subordinado à mesma lei, para tratar de determinado assunto. Nesta situação, esses atos deverão obedecer aos parâmetros legalmente estabelecidos. A obediência aos princípios constitucionais também é imperativa, inclusive na ausência de parâmetros legais claros.
Em outras situações, o ordenamento admite o exercício implícito da função normativa. A existência de competências implícitas é creditada, sobretudo, à força normativa da Constituição e à vinculação direta da Administração aos seus preceitos, acenando, inclusive, para a possibilidade de aplicação direta da mesma, sem intermediação legislativa, em algumas hipóteses.
Em determinadas situações específicas, é possível reconhecer com maior nitidez a irrupção da competência normativa implícita:
a) o princípio da segurança jurídica exige que seja previamente fixada, quando possível - e levada ao conhecimento do público - a acepção conferida pela Administração a um conceito de menor densidade, a priori indeterminado. Esta fixação deve ser feita por meio de atos normativos, que não somente terão a função informativa para o particular como, sobretudo, direcionarão e vincularão a atividade dos órgãos e agentes subordinados, evitando aplicações diferenciadas do ordenamento;
b) como a Administração pode estar obrigada a agir em razão de imposições extraídas diretamente dos princípios constitucionais, a edição de ato normativo pode ser necessária para que o cidadão tenha, antecipadamente, ciência das posições da Administração e possa, com isso, programar suas condutas.
c) o procedimento, gênero que compreende a espécie processo, funciona como garantia constitucional, assegurando a regularidade e a racionalidade do poder estatal. É interessante, em particular, a função do procedimento de sistematizar as atuações administrativas, mediante o estabelecimento de diretrizes-padrão para a condução das atividades. Em diversos casos, pode ser necessária a edição de ato normativo para disciplinar o procedimento. ESsa necessidade pode ou não ser observada em virtude do risco de normatização excessiva, que afrontaria os princípios da segurança jurídica e da eficiência administrativa. O exercício da função normativa será obrigatório, conduto, quando existir risco de afronta ao princípio constitucional de isonomia, e quando for necessário à eficácia de algum direito fundamental.
d) no exercício os poderes conferidos em razão de relações hierárquicas, existe a possibilidade jurídica de emanar comandos vinculados a todos os órgãos subordinados, específicos para uma situação concreta ou de aplicação generalizada e abstrata, mediante a expedição de atos normativos. A existência de relação hierárquica deve ser verificada em cada caso, mediante observação do ordenamento. A necessidade de organização, conduto, não se restringe às hipóteses em que existe relação de hierarquia. Em outras situações, é possível identificar a necessidade de organizar as atividades administrativas, mediante a edição de atos normativos, para que seja possível alcançar as finalidades estabelecidas pelo ordenamento.
Os limites impostos aos atos normativos existem, sobretudo, em razão da organização escalonada do ordenamento. Com efeito, deve-se verificar em qual degrau hierárquico se posiciona o ato editado, para, então, observar quais atos lhe serão superiores. Na maioria das situações, com exceção das situações em que o ato fundar-se explicitamente na Constituição, será aplicada a preferência da lei. Em qualquer caso, por imposição do conteúdo material do princípio da legalidade, não se admite que o teor da norma afronte regras e princípios constitucionais." (MOTA, Fabrício.
Função normativa da Administração Pública.
Belo Horizonte: Editora Fórum, 2007, p. 256-260)
O Poder Executivo possui, destarte, certa atribuição normativa, como bem explicita Fabrício Mota. Não obstante, é igualmente certo que, segundo a Constituição, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei (art. 5º, II, CF), de modo que aludidos decretos não podem ganhar foros inovadores (decretos autônomos), sob pena de deturpação do art. 37, CF/88.
2.37.
Cominação de sanções - infrações de trânsito:
Como é sabido, a lei 9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código Nacional de Trânsito comina sanções para condutas atentatórias à segurança do tráfego, nos termos dos seus arts. 161 e ss. Por seu turno, o art. 259, CNT, estipula que
"
A cada infração cometida são computados os seguintes números de pontos: I - gravíssima - sete pontos; II - grave - cinco pontos; III - média - quatro pontos; IV - leve - três pontos.
"
Ainda nos termos do art. 259, §4º, CNT:
"A
o condutor identificado será atribuída pontuação pelas infrações de sua responsabilidade, nos termos previstos no § 3º do art. 257 deste Código, exceto aquelas: (Redação dada pela Lei nº 14.071, de 2020)
I - praticadas por passageiros usuários do serviço de transporte rodoviário de passageiros em viagens de longa distância transitando em rodovias com a utilização de ônibus, em linhas regulares intermunicipal, interestadual, internacional e aquelas em viagem de longa distância por fretamento e turismo ou de qualquer modalidade, excluídas as situações regulamentadas pelo Contran conforme disposto no art. 65 deste Código; (Incluído pela Lei nº 14.071, de 2020) II - previstas no art. 221, nos incisos VII e XXI do art. 230 e nos arts. 232, 233, 233-A, 240 e 241 deste Código, sem prejuízo da aplicação das penalidades e medidas administrativas cabíveis; (Incluído pela Lei nº 14.071, de 2020) III - puníveis de forma específica com suspensão do direito de dirigir."
Convém atentar ainda para o art. 261, CTN:
"art. 261.
A penalidade de suspensão do direito de dirigir será imposta nos seguintes casos
: (Redação dada pela Lei nº 13.281, de 2016) (Vigência) I -
sempre que, conforme a pontuação prevista no art. 259 deste Código, o infrator atingir, no período de 12 (doze) meses, a seguinte contagem de pontos
: (Redação dada pela Lei nº 14.071, de 2020) (Vigência) a)
20 (vinte) pontos, caso constem 2 (duas) ou mais infrações gravíssimas na pontuação
; (Incluído pela Lei nº 14.071, de 2020) (Vigência) b)
30 (trinta) pontos, caso conste 1 (uma) infração gravíssima na pontuação
; (Incluído pela Lei nº 14.071, de 2020) (Vigência) c)
40 (quarenta) pontos, caso não conste nenhuma infração gravíssima na pontuação
; (Incluído pela Lei nº 14.071, de 2020) (Vigência) II - por transgressão às normas estabelecidas neste Código, cujas infrações preveem, de forma específica, a penalidade de suspensão do direito de dirigir. (Incluído pela Lei nº 13.281, de 2016) (Vigência) III - (VETADO). (Incluído pela Lei nº 14.304, de 2022) (Vigência)
§ 1º
Os prazos para aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir são os seguintes
: (Redação dada pela Lei nº 13.281, de 2016) (Vigência) I -
no caso do inciso I do caput: de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e, no caso de reincidência no período de 12 (doze) meses, de 8 (oito) meses a 2 (dois) anos
; (Incluído pela Lei nº 13.281, de 2016) (Vigência) II - no caso do inciso II do caput: de 2 (dois) a 8 (oito) meses, exceto para as infrações com prazo descrito no dispositivo infracional, e, no caso de reincidência no período de 12 (doze) meses, de 8 (oito) a 18 (dezoito) meses, respeitado o disposto no inciso II do art. 263. (Incluído pela Lei nº 13.281, de 2016) (Vigência) III - (VETADO). (Incluído pela Lei nº 14.304, de 2022) (Vigência)
§ 2º Quando ocorrer a suspensão do direito de dirigir, a Carteira Nacional de Habilitação será devolvida a seu titular imediatamente após cumprida a penalidade e o curso de reciclagem.
§ 3º A imposição da penalidade de suspensão do direito de dirigir elimina a quantidade de pontos computados, prevista no inciso I do caput ou no § 5º deste artigo, para fins de contagem subsequente. (Redação dada pela Lei nº 14.071, de 2020) (Vigência)
§ 4o (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.619, de 2012) (Vigência)
§ 5º No caso do condutor que exerce atividade remunerada ao veículo, a penalidade de suspensão do direito de dirigir de que trata o caput deste artigo será imposta quando o infrator atingir o limite de pontos previsto na alínea c do inciso I do caput deste artigo, independentemente da natureza das infrações cometidas, facultado a ele participar de curso preventivo de reciclagem sempre que, no período de 12 (doze) meses, atingir 30 (trinta) pontos, conforme regulamentação do Contran. (Redação dada pela Lei nº 14.071, de 2020) (Vigência)
§ 6o Concluído o curso de reciclagem previsto no § 5o, o condutor terá eliminados os pontos que lhe tiverem sido atribuídos, para fins de contagem subsequente. (Incluído pela Lei nº 13.154, de 2015)
§ 7º O motorista que optar pelo curso previsto no § 5º não poderá fazer nova opção no período de 12 (doze) meses. (Redação dada pela Lei nº 13.281, de 2016) (Vigência)
§ 8o A pessoa jurídica concessionária ou permissionária de serviço público tem o direito de ser informada dos pontos atribuídos, na forma do art. 259, aos motoristas que integrem seu quadro funcional, exercendo atividade remunerada ao volante, na forma que dispuser o Contran. (Incluído pela Lei nº 13.154, de 2015)
§ 9º Incorrerá na infração prevista no inciso II do art. 162 o condutor que, notificado da penalidade de que trata este artigo, dirigir veículo automotor em via pública. (Incluído pela Lei nº 13.281, de 2016) (Vigência)
§ 10. O processo de suspensão do direito de dirigir a que se refere o inciso II do caput deste artigo deverá ser instaurado concomitantemente ao processo de aplicação da penalidade de multa, e ambos serão de competência do órgão ou entidade responsável pela aplicação da multa, na forma definida pelo Contran. (Redação dada pela Lei nº 14.071, de 2020) (Vigência)
§ 11. O Contran regulamentará as disposições deste artigo."
Por conta disso, a suspensão do direito de dirigir decorre da prática de infrações - constatadas pelo exercício do poder de política - que impliquem a
soma de pontos aludidos no art. 261, CNT
, acima transcrito. Não raro, como notório, os agentes da fiscalização conseguem identificar o veículo utilizado no momento da infração, conseguem identificar seu possível proprietário, sem poder afirmar de modo acurado quem teria sido o real violador da norma de trânsito. Descobre-se o dono do veículo, inferindo-se disso o nome do infrator.
2.38. Diferenciação entre atos nulos e anuláveis:
Sabe-se que, no âmbito do Direito Civil, vigora uma diferenciação corriqueira entre atos nulos e anuláveis, como se vê do art. 171 a 179, art. 145, art. 138, art. 119, art. 159, art. 367, art. 496, art. 1.550, a lei n. 10.406/2002. Sustenta-se, não raro, que se a norma impõe determinado requisito em razão do interesse do povo, eventual descumprimento da regra ensejaria nulidade absoluta, por conta do caráter indisponível do interesse envolvido. Quando, do contrário, cuida-se de um requisito imposto pela lei em proteção de interesses disponíveis da parte, referido vício pode convalescer, caso não seja alvo de insurgência pelo interessado.
No âmbito do Direito Administrativo, contudo, aludida diferenciação é empregada com temperamentos:
"Enquanto o Direito Civil diferencia nulidade absoluta, que seria passível de decretação de ofício, de nulidade relativa, que depende de provocação e se refere ao ato anulável, o Direito Administrativo, por via de regra, não aceita tal distinção, uma vez que sua adoção levaria a crer que interesses públicos veiculados por atos administrativos anuláveis aproximar-se-iam do regime de disposição, sendo que a Administração não poderia abrir mão de seu poder-dever de controlar a legalidade dos atos administrativos.
Ademais, outro argumento que separa o regime jurídico administrativo dos atos anuláveis do regime privado é o de que a autotutela administrativa não depende de provocação, podendo ser exercida, conforme visto, de ofício pela Administração. A Administração não depende, portanto, de provocação particular para anular atos irregulares.
Assim, alguns autores, como Hely Lopes Meirelles, foram peremptórios no sentido de negar existência de atos anuláveis no âmbito da Administração Pública, pela “impossibilidade de preponderar o interesse privado sobre o público e não ser admissível a manutenção de atos ilegais, ainda que o desejam as partes, porque a isto se opõe à exigência de legalidade administrativa”. Para o autor, ato anulável é ato originalmente nulo.
Também Diógenes Gasparini considera que só há uma espécie de ato administrativo inválido: o comumente chamado de nulo. Desse modo, não se têm no Direito Administrativo, como ocorre no Direito Privado, atos nulos e anuláveis, em razão do princípio da legalidade, incompatível com essa dicotomia. Ademais, os atos anuláveis ofendem direitos privados, disponíveis pelos interessados, enquanto os nulos agridem interesses públicos, indisponíveis pelas partes. Lá são anuláveis, aqui são nulos. O ato administrativo sempre ofenderá, quando ilegal, um interesse público, sendo, portanto, nulo.
Todavia, a corrente doutrinária majoritária no Direito Administrativo propugna a possibilidade de diferenciação entre atos nulos e anuláveis não com base na distinção feita no Direito Civil, mas fundamentada na possibilidade de convalidação do ato administrativo. Nessa perspectiva, atos nulos são aqueles que não admitem convalidação ou saneamento de seus vícios, enquanto anuláveis são os que, por conterem pequenas irregularidades, admitem convalidação.
Convalidação, conforme será visto, é o suprimento da invalidade do ato com efeitos retroativos. O que se discute de forma mais disseminada no Direito Administrativo é se existe o dever de anular, dando-se prioridade à anulação em detrimento da convalidação, ou dever de convalidar, o que torna a anulação a segunda opção, utilizada apenas quando não houver como “salvar” o ato administrativo, que é o entendimento, conforme se verá no comentário do artigo próprio, esposado por Weida Zancaner.
Outra questão, mais recente até, que será discutida no item IV do presente comentário, é se o exercício da autotutela deve obedecer ao processo administrativo ou pode ser viabilizado por ato unilateral expedido pela Administração Pública.
De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello, são nulos: (a) os atos que a lei assim os declare; (b) os atos em que é racionalmente impossível a convalidação, pois, se o mesmo conteúdo (é dizer, o mesmo ato) fosse novamente produzido, seria reproduzida a invalidade anterior, como os atos de objeto ilícito; os praticados com desvio de poder; os praticados com falta de motivo vinculado e os praticados com falta de causa. São anuláveis: (a) os que a lei assim os declare; e (b) os que podem ser praticados sem vício, como os atos expedidos por sujeito incompetente; os editados com vício de vontade e os proferidos com defeito de formalidade
." ((NOHARA, Irene; MATOS, Thiago.
Processo Administrativo:
Lei 9.784/1999 Comentada. São Paulo: RT. 2018. capítulo XIV).
Em sentido pontualmente distinto, atente-se para o julgado abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. MILITAR. LICENCIAMENTO. DISCRICIONARIEDADE. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO. NULIDADE ABSOLUTA. REINTEGRAÇÃO. CABIMENTO. 1 – O ato de licenciamento do militar da corporação em que serve é de caráter discricionário. O art. 43 do Decreto n. 92.577/86 elenca, entre os requisitos para a concessão do engajamento ou reengajamento do militar, a conveniência da Administração, que não se baseia em critérios objetivos, não sento referido ato, portanto, vinculado. 2 – O ato de licenciamento do apelante não foi motivado, faltando-lhe a exposição dos seus motivos, ou seja, os critérios utilizados para a escolha dos militares a serem reengajados, de acordo com o número de vagas existentes na corporação, naquela época, e do não enquadramento do apelante nesses critérios. Sendo a motivação requisito essencial do ato administrativo, conforme entendimento doutrinário contemporâneo, sua ausência acarreta a nulidade do ato. 3 –
O ato administrativo inquinado de nulidade relativa pode ser convalidado, pois o vício que o afeta é sanável; ao contrário da nulidade absoluta, ou de pleno direito, cujo vício é insanável, não se podendo convalidar o ato maculado. No caso, trata-se de nulidade absoluta. Passado longo período após a edição do ato atacado, não se poderá retornar ao passado, com total fidelidade aos fatos, a fim de se perquirir os critérios de conveniência utilizados pela Administração para determinar os militares que seriam reengajados e os que seriam licenciados
. 4 – Recurso conhecido e provido. (TRF-2 - AC: 133153 97.02.06771-5, Relator: Desembargador Federal LUIZ ANTONIO SOARES, Data de Julgamento: 14/04/2003, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJU - Data::08/09/2003 - Página::25)
Atente-se ainda para o art. 55 da lei n. 9.784/1999:
"Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração."
2.39. Transferência de pontuação - trânsito:
Como é sabido, a lei 9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código Nacional de Trânsito comina sanções para condutas atentatórias à segurança do tráfego, nos termos dos seus arts. 161 e ss. Por seu turno, o art. 259, CNT, estipula que
"A cada infração cometida são computados os seguintes números de pontos: I - gravíssima - sete pontos; II - grave - cinco pontos; III - média - quatro pontos; IV - leve - três pontos."
Ainda nos termos do art. 259, §4º, CNT:
"Ao condutor identificado será atribuída pontuação pelas infrações de sua responsabilidade, nos termos previstos no § 3º do art. 257 deste Código, exceto aquelas: (Redação dada pela Lei nº 14.071, de 2020) I - praticadas por passageiros usuários do serviço de transporte rodoviário de passageiros em viagens de longa distância transitando em rodovias com a utilização de ônibus, em linhas regulares intermunicipal, interestadual, internacional e aquelas em viagem de longa distância por fretamento e turismo ou de qualquer modalidade, excluídas as situações regulamentadas pelo Contran conforme disposto no art. 65 deste Código; (Incluído pela Lei nº 14.071, de 2020) II - previstas no art. 221, nos incisos VII e XXI do art. 230 e nos arts. 232, 233, 233-A, 240 e 241 deste Código, sem prejuízo da aplicação das penalidades e medidas administrativas cabíveis; (Incluído pela Lei nº 14.071, de 2020) III - puníveis de forma específica com suspensão do direito de dirigir."
Convém atentar ainda para o art. 261, CTN:
"art. 261.
A penalidade de suspensão do direito de dirigir será imposta nos seguintes casos
: (Redação dada pela Lei nº 13.281, de 2016) (Vigência) I -
sempre que, conforme a pontuação prevista no art. 259 deste Código, o infrator atingir, no período de 12 (doze) meses, a seguinte contagem de pontos
: (Redação dada pela Lei nº 14.071, de 2020) (Vigência) a)
20 (vinte) pontos, caso constem 2 (duas) ou mais infrações gravíssimas na pontuação
; (Incluído pela Lei nº 14.071, de 2020) (Vigência) b)
30 (trinta) pontos, caso conste 1 (uma) infração gravíssima na pontuação
; (Incluído pela Lei nº 14.071, de 2020) (Vigência) c)
40 (quarenta) pontos, caso não conste nenhuma infração gravíssima na pontuação
; (Incluído pela Lei nº 14.071, de 2020) (Vigência) II - por transgressão às normas estabelecidas neste Código, cujas infrações preveem, de forma específica, a penalidade de suspensão do direito de dirigir. (Incluído pela Lei nº 13.281, de 2016) (Vigência) III - (VETADO). (Incluído pela Lei nº 14.304, de 2022) (Vigência)
§ 1º
Os prazos para aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir são os seguintes
: (Redação dada pela Lei nº 13.281, de 2016) (Vigência) I -
no caso do inciso I do caput: de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e, no caso de reincidência no período de 12 (doze) meses, de 8 (oito) meses a 2 (dois) anos
; (Incluído pela Lei nº 13.281, de 2016) (Vigência) II - no caso do inciso II do caput: de 2 (dois) a 8 (oito) meses, exceto para as infrações com prazo descrito no dispositivo infracional, e, no caso de reincidência no período de 12 (doze) meses, de 8 (oito) a 18 (dezoito) meses, respeitado o disposto no inciso II do art. 263. (Incluído pela Lei nº 13.281, de 2016) (Vigência) III - (VETADO). (Incluído pela Lei nº 14.304, de 2022) (Vigência)
§ 2º Quando ocorrer a suspensão do direito de dirigir, a Carteira Nacional de Habilitação será devolvida a seu titular imediatamente após cumprida a penalidade e o curso de reciclagem.
§ 3º A imposição da penalidade de suspensão do direito de dirigir elimina a quantidade de pontos computados, prevista no inciso I do caput ou no § 5º deste artigo, para fins de contagem subsequente. (Redação dada pela Lei nº 14.071, de 2020) (Vigência)
§ 4o (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.619, de 2012) (Vigência)
§ 5º No caso do condutor que exerce atividade remunerada ao veículo, a penalidade de suspensão do direito de dirigir de que trata o caput deste artigo será imposta quando o infrator atingir o limite de pontos previsto na alínea c do inciso I do caput deste artigo, independentemente da natureza das infrações cometidas, facultado a ele participar de curso preventivo de reciclagem sempre que, no período de 12 (doze) meses, atingir 30 (trinta) pontos, conforme regulamentação do Contran. (Redação dada pela Lei nº 14.071, de 2020) (Vigência)
§ 6o Concluído o curso de reciclagem previsto no § 5o, o condutor terá eliminados os pontos que lhe tiverem sido atribuídos, para fins de contagem subsequente. (Incluído pela Lei nº 13.154, de 2015)
§ 7º O motorista que optar pelo curso previsto no § 5º não poderá fazer nova opção no período de 12 (doze) meses. (Redação dada pela Lei nº 13.281, de 2016) (Vigência)
§ 8o A pessoa jurídica concessionária ou permissionária de serviço público tem o direito de ser informada dos pontos atribuídos, na forma do art. 259, aos motoristas que integrem seu quadro funcional, exercendo atividade remunerada ao volante, na forma que dispuser o Contran. (Incluído pela Lei nº 13.154, de 2015)
§ 9º Incorrerá na infração prevista no inciso II do art. 162 o condutor que, notificado da penalidade de que trata este artigo, dirigir veículo automotor em via pública. (Incluído pela Lei nº 13.281, de 2016) (Vigência)
§ 10. O processo de suspensão do direito de dirigir a que se refere o inciso II do caput deste artigo deverá ser instaurado concomitantemente ao processo de aplicação da penalidade de multa, e ambos serão de competência do órgão ou entidade responsável pela aplicação da multa, na forma definida pelo Contran. (Redação dada pela Lei nº 14.071, de 2020) (Vigência)
§ 11. O Contran regulamentará as disposições deste artigo."
Logo, a suspensão do direito de dirigir decorre da prática de infrações - constatadas pelo exercício do poder de política - que impliquem a soma de pontos aludidos no art. 261, CNT, acima transcrito. Não raro, como notório, os agentes da fiscalização conseguem identificar o veículo utilizado no momento da infração, conseguem identificar seu possível proprietário, sem poder afirmar de modo acurado quem teria sido o real violador da norma de trânsito.
Com efeito, deve-se ter em conta que, em solo brasileiro, como regra, a propriedade não se adquire
solo consensus,
eis que exige atos translativos, ao contrário do que ocorre no Direito alemão, por exemplo. Cuidando-se de domínio de bens imóveis, a propriedade é adquirida mediante usucapião, teoria da
Saisine
ou registro imobiliário. Cuidando-se de bens móveis, o domínio é adquirido mediante usucapião, Saisine (transmissão
mortis causa
) ou tradição.
Repiso: cuidando-se de bens móveis, o domínio é adquirido mediante a tradição, ou seja, o ato de entrega do bem, por força de contrato (art. 1.267, Código Civil/2002) - cuide-se de contrato de compra e venda ou de doação. A propriedade não é obtida
solo consensus;
mas, tampouco há necessidade de registros administrativos para que o domínio de tais bens seja empreendida, ao contrário do que se procede quanto aos bens imóveis.
O registro junto ao DETRAN não se destina a comprovar efetivamente o domínio de tais bens, para todos os efeitos jurídicos, tratando-se muito mais de anotações para fins administrativos, viabilizando a identificação de condutores para imposição de eventuais multas
.
Isso significa que a eventual ausência de registro da transferência do veículo junto ao departamento de trânsito
não impede
que a prova da alienação se dê por outros meios, desde que efetivamente idôneos e adequados para a demonstração efetiva do domínio.
Reporto-me aos seguintes julgados, com cognição precária:
ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. ALIENAÇÃO DE VEÍCULO. TRADIÇÃO. AUSÊNCIA DE REGISTRO DE TRANFERÊNCIA JUNTO AO DETRAN. 1. "O fato de não ter sido realizada a transferência de propriedade do automóvel autuado junto ao DETRAN não obsta que a prova da alienação se faça por outros meios" (REsp 599620/RS, 1ª T., Min. Luiz Fux, DJ de 17.05.2004). 2. Recurso especial a que nega provimento. (REsp nº 961.969/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Dje de 01/09/2008)
EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA SOBRE VEÍCULO ALIENADO. AUSÊNCIA DE REGISTRO DE TRANSFERÊNCIA PERANTE O DETRAN. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE VALIDADE EM RELAÇÃO A TERCEIROS. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. I - O Tribunal de origem afastou o registro no Detrancomo única prova de propriedade do veículo, nada aduzindo a respeito do art. 129, 7º, da Lei 6.015/73, tido como violado, que dispõe acerca da necessidade de registro da venda de veículos no cartório de Registro de Títulos e Documentos para validade contra terceiros. Incidência das súmulas 282 e 356 do STF. II - Ademais, já se decidiu nesta Corte que: "O fato de não ter sido realizada a transferência de propriedade do automóvel autuado junto ao DETRAN não obsta que a prova da alienação se faça por outros meios"(REsp 599620/RS, 1ª T., Min. Luiz Fux, DJ de 17.05.2004). Precedente: REsp nº 961.969/RS, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJe de 01/09/2008. III - Agravo Regimental improvido.
(AgRg no REsp 1051456/BA, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/10/2008, DJe 10/11/2008)
EMBARGOS DE TERCEIRO. FRAUDE À EXECUÇÃO. ART. 593, INCISO II, DO CPC E ART. 185 DO CTN. REQUISITOS PARA CONFIGURAÇÃO. COMERCIANTE DE VEÍCULOS USADOS. PRÁTICA COMERCIAL RESGUARDO DO DIREITO DO ADQUIRENTE DE BOA-FÉ. ALIENAÇÃO DO BEM ANTERIOR À PENHORA. LEGITIMAÇÃO PASSIVA DO EXECUTADO. A presunção de fraude do art. 185 do CTN pode ser afastada pela parte prejudicada, por meio de embargos de terceiro, cabendo ao adquirente demonstrar a sua boa-fé, por não ter conhecimento da existência da execução ou da inscrição em dívida ativa.
Tratando-se de alienação de veículo, cuja propriedade se transfere pela simples tradição, a inexistência de ônus e restrições pendentes no DETRAN na data da venda torna patente a boa-fé do terceiro
. (TRF4, AG 5019070-12.2013.404.0000, Primeira Turma, Rel. José Jacomo Gimenes, D.E. 30/01/2014)
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENHORA. VEÍCULO AUTOMOTOR. EMBARGOS DE TERCEIRO. ALIENAÇÃO. TRADIÇÃO. FRAUDE. INOCORRÊNCIA. REEXAME. SÚMULA N. 7-STJ. ACÓRDÃO RECORRIDO. CONTRADIÇÃO QUE NÃO ALTERA O JULGADO. NÃO PROVIMENTO. 1. "
O fato de não ter sido realizada a transferência de propriedade do automóvel autuado junto ao DETRAN não obsta que a prova da alienação se faça por outros meios
" (REsp 599620/RS, 1ª T., Min.Luiz Fux, DJ de 17.05.2004). 2. Concluído pelas instâncias ordinárias que o executado não era mais proprietário do veículo sobre o qual recaiu a penhora e que sua alienação não importou em fraude, o reexame da questão encontra o óbice de que trata o enunciado n. 7, da Súmula. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ, AgRg no Ag 658606, Quarta Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe de 28/08/2012)
Por conta disso, há quem adquira veículos e demore para transferi-lo para o próprio nome junto ao DETRAN, em que pese a multa prevista no art. 134, Código Nacional de Trânsito. A sanção do art. 134, CNT, tem sido mitigada pelo STJ, quando em causa questões tributárias: AgRg no AREsp 438.156/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 6/6/2014; AgInt no AREsp 429.718/RS , Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 21/8/2017; AgRg no AREsp 369.593/RS , Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 31/3/2014; AgRg no AREsp 811.908/RS , Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 29/2/2016; AgRg no AREsp 452.332/RS , Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 21/3/2014; e AgRg no REsp 1.323.441/RJ , Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 27/08/2012.
Ainda segundo o Superior Tribunal de Justiça,
"
a responsabilidade solidária do ex-proprietário, prevista no art. 134 do CTB, somente pode ser mitigada na hipótese da Súmula 585/STJ: 'A responsabilidade solidária do ex-proprietário, prevista no art. 134 do Código de Trânsito Brasileiro CTB, não abrange o IPVA incidente sobre o veículo automotor, no que se refere ao período posterior à sua alienação
'"
(STJ, AgInt no PUIL 1.556/SP, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 17/06/2020).
Ao que releva ao caso, o fato é que é dado ao sujeito que aparenta ser proprietário e condutor rotineiro do veículo, por conta do registro junto ao DETRAN, a oportunidade de indicar o verdadeiro infrator, conforme art. 257, CNT:
"Art. 257.
As penalidades serão impostas ao condutor, ao proprietário do veículo, ao embarcador e ao transportador, salvo os casos de descumprimento de obrigações e deveres impostos a pessoas físicas ou jurídicas expressamente mencionados neste Código
.
§ 1º Aos proprietários e condutores de veículos serão impostas concomitantemente as penalidades de que trata este Código toda vez que houver responsabilidade solidária em infração dos preceitos que lhes couber observar, respondendo cada um de per si pela falta em comum que lhes for atribuída.
§ 2º
Ao proprietário caberá sempre a responsabilidade pela infração referente à prévia regularização e preenchimento das formalidades e condições exigidas para o trânsito do veículo na via terrestre, conservação e inalterabilidade de suas características, componentes, agregados, habilitação legal e compatível de seus condutores, quando esta for exigida, e outras disposições que deva observar
.
§ 3º Ao condutor caberá a responsabilidade pelas infrações decorrentes de atos praticados na direção do veículo.
§ 4º O embarcador é responsável pela infração relativa ao transporte de carga com excesso de peso nos eixos ou no peso bruto total, quando simultaneamente for o único remetente da carga e o peso declarado na nota fiscal, fatura ou manifesto for inferior àquele aferido.
§ 5º O transportador é o responsável pela infração relativa ao transporte de carga com excesso de peso nos eixos ou quando a carga proveniente de mais de um embarcador ultrapassar o peso bruto total.
§ 6º O transportador e o embarcador são solidariamente responsáveis pela infração relativa ao excesso de peso bruto total, se o peso declarado na nota fiscal, fatura ou manifesto for superior ao limite legal.
§ 7º
Quando não for imediata a identificação do infrator, o principal condutor ou o proprietário do veículo terá o prazo de 30 (trinta) dias, contado da notificação da autuação, para apresentá-lo, na forma em que dispuser o Contran, e, transcorrido o prazo, se não o fizer, será considerado responsável pela infração o principal condutor ou, em sua ausência, o proprietário do veículo
.
§ 8º Após o prazo previsto no § 7º deste artigo, se o infrator não tiver sido identificado, e o veículo for de propriedade de pessoa jurídica, será lavrada nova multa ao proprietário do veículo, mantida a originada pela infração, cujo valor será igual a 2 (duas) vezes o da multa originária, garantidos o direito de defesa prévia e de interposição de recursos previstos neste Código, na forma estabelecida pelo Contran. (Redação dada pela Lei nº 14.229, de 2021) (Vigência)
§ 9º O fato de o infrator ser pessoa jurídica não o exime do disposto no § 3º do art. 258 e no art. 259.
§ 10. O proprietário poderá indicar ao órgão executivo de trânsito o principal condutor do veículo, o qual, após aceitar a indicação, terá seu nome inscrito em campo próprio do cadastro do veículo no Renavam. (Incluído pela Lei nº 13.495, 2017) (Vigência)
§ 11. O principal condutor será excluído do Renavam: (Incluído pela Lei nº 13.495, 2017) (Vigência) I - quando houver transferência de propriedade do veículo; (Incluído pela Lei nº 13.495, 2017) (Vigência) II - mediante requerimento próprio ou do proprietário do veículo; (Incluído pela Lei nº 13.495, 2017) (Vigência) III - a partir da indicação de outro principal condutor."
Logo,
"Quando não for imediata a identificação do infrator, o principal condutor ou o proprietário do veículo terá o prazo de 30 (trinta) dias, contado da notificação da autuação, para apresentá-lo, na forma em que dispuser o Contran, e, transcorrido o prazo, se não o fizer, será considerado responsável pela infração o principal condutor ou, em sua ausência, o proprietário do veículo."
2.40. Apresentação tardia do condutor:
Em que pese o disposto no art. 257, CNT, os Tribunais têm reputado cabível a apresentação tardia do condutor/infrator, mediante demanda judicial.
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. ART. 1.022 DO CPC/2015. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. INDICAÇÃO DO CONDUTOR DO VEÍCULO. INÉRCIA DO PROPRIETÁRIO. COMPROVAÇÃO DO VERDADEIRO RESPONSÁVEL EM SEDE JUDICIAL. POSSIBILIDADE. 1. "Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC" (Enunciado Administrativo n. 3). 2. Aplica-se o óbice da Súmula 284 do STF quando a alegação de ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015 se faz de forma genérica, sem a indicação precisa dos vícios de que padeceria o acórdão impugnado. 3.
O decurso do prazo previsto no art. 257, § 7º, do CTB acarreta somente a preclusão administrativa, não afastando o direito de o proprietário do veículo, em sede judicial, comprovar o verdadeiro responsável pelo cometimento da infração, sob pena de ofensa ao que dispõe o art. 5º, inc. XXXV, da Constituição da Republic
a. 4. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido para cassar o acórdão impugnado. (STJ - REsp: 1774306 RS 2018/0272351-5, Relator: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 09/05/2019, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/05/2019)
Atente-se para a fundamentação do acórdão do STJ:
"(...) Em caso semelhante, esta Casa de Justiça entendeu que a preclusão do prazo para informar o real condutor do veículo é meramente administrativa, pois "a verdade dos fatos a que chegou o Judiciário é suficiente para afastar a presunção jurídica de autoria (e, consequentemente, de responsabilidade) criada na esfera administrativa" (AgRg no Ag 1370626⁄DF, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe 27⁄04⁄2011).
Com efeito, o proprietário do automóvel tem o direito de buscar a via judicial a fim de demonstrar que não foi o responsável pela infração de trânsito, não podendo o Poder Judiciário eximir-se de apreciar tal pleito, sob pena de desconsiderar o preceito constitucional estampado no art. 5º, XXXV, da Carta Magna.
É o que se observa nas hipóteses de mitigação da regra estampada no art. 134 do CTB. Confiram-se: AgRg no REsp 1.482.835⁄RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, DJe 14 ⁄ 11 ⁄ 2014, e AgRg no AREsp 427.337⁄RS, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, Primeira Turma, DJe 1º⁄07⁄2015.
Assim, impõe-se o retorno dos autos ao Juízo de origem, a fim de que analise a pretensão do autor, à luz do suporte fático-probatório presente nos autos." (STJ - REsp: 1774306 RS 2018/0272351-5, Relator: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 09/05/2019, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/05/2019)
Nesse mesmo sentido, menciono os seguintes acórdãos do TRF4:
ADMINISTRATIVO. AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. APRESENTAÇÃO DE CONDUTOR. PRECLUSÃO ADMINISTRATIVA. APRESENTAÇÃO JUDICIAL. POSSIBILIDADE. Embora o Código de Trânsito Brasileiro disponha sobre o prazo para apresentação do condutor ( § 7º do artigo 257 do CTB), é conveniente destacar que a preclusão temporal que tal dispositivo consagra é meramente administrativa. Isso porque, em sede judicial, existe a possibilidade de o proprietário do veículo demonstrar que não guiava o veículo por ocasião do cometimento da infração, mesmo que tenha perdido o prazo administrativo para tanto. Entendimento diverso resultaria em desconsideração ao que estabelece o art. 5º, XXXV, da CF/88. Apelação provida. (TRF-4 - AC: 50018385720184047001 PR 5001838-57.2018.4.04.7001, Relator: CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, Data de Julgamento: 15/07/2020, QUARTA TURMA)
ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO. AUSÊNCIA DE PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE. ART. 5º, XXXV, DA CF/88. 1.
O proprietário, em sede judicial, tem o direito de demonstrar que não guiava o veículo por ocasião do cometimento da infração, mesmo que não tenha se utilizado por primeiro da via administrativa para tanto. Entendimento diverso resultaria em desconsideração ao que estabelece o art. 5º, XXXV, da CF/88. 2. Mantida a sentença
. (TRF4, AC 5005434-74.2017.4.04.7004, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 15/05/2019)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. TUTELA DE URGÊNCIA. DNIT. AUTO DE INFRAÇÃO. SUSPENSÃO. APRESENTAÇÃO DE CONDUTOR. PRECLUSÃO ADMINISTRATIVA. APRESENTAÇÃO JUDICIAL. POSSIBILIDADE. 1. Nos termos do art. 300 do Código de Processo Civil, a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. 2.
Precedentes do STJ e dessa Corte no sentido de que o proprietário, em sede judicial, tem o direito de demonstrar que não guiava o veículo por ocasião do cometimento da infração, mesmo que tenha perdido o prazo administrativo para tanto
. 3. Evidente o perigo de dano ao agravado, diante da iminente aplicação das penalidades impostas, com a consequente pontuação na CNH e seus reflexos. (TRF4, AG 5025161-11.2019.4.04.0000, QUARTA TURMA, Relatora MARIA ISABEL PEZZI KLEIN, juntado aos autos em 29/08/2019)
Não raro, o tema pode suscitar dúvidas quanto ao risco de que a transferência de pontos seja feita consensualmente, sem atingir o efetivo infrator da legislação de trânsito, em algo próximo à colusão. Isso não pode ser suposto, contudo, diante da presunção de boa-fé objetiva, na forma do art. 5º, art. 322, §2º, Código de Processo Civil, dentre outros dispositivo.
2.41. Decadência do direito à constituição do crédito:
Na forma do art. 282, §6, Código Nacional de Trânsito - CNT, com a redação dada pela l4.229/2021:
"O prazo para expedição das notificações das penalidades previstas no art. 256 deste Código é de 180 (cento e oitenta) dias ou, se houver interposição de defesa prévia, de 360 (trezentos e sessenta) dias, contado: I - no caso das penalidades previstas nos incisos I e II do caput do art. 256 deste Código, da data do cometimento da infração; II - no caso das demais penalidades previstas no art. 256 deste Código, da conclusão do processo administrativo da penalidade que lhe der causa."
O art. 292, §7 preconizou que
"o descumprimento dos prazos previstos no § 6º deste artigo implicará a decadência do direito de aplicar a respectiva penalidade."
Assim, a Administração Pública deve promover a notificação nos prazos de 180 dias corridos, contados da data de alegado cometimento da infração administrativa.
Nos termos da súmula 312, STJ,
"
No processo administrativo para imposição de multa de trânsito, são necessárias as notificações da autuação e da aplicação da pena decorrente da infração
."
2.42. Prescrição da pretensão de cobrança:
Contanto que tenha sido promovida a constituição do alegado crédito, de modo tempestivo, a Administração Pública contará com prazos para apreciação de eventual impugnação administrativa, conforme art. 289-A, Código Nacional de Trânsito.
"O não julgamento dos recursos nos prazos previstos no § 6 do art. 285 e no caput do art. 289 deste Código ensejará a prescrição da pretensão punitiva. "
Concluído o processo administrativao, a Administração disporá do prazo de prazo de até 5 anos para promover a cobrança em Juízo das multas pertinentes. Aplica-se nesse âmbito a lei n. 9.873/1999 e resolução 404/2012 - CONTRAN - prazo prescricional de 05 anos.
2.43. Distribuição do ônus da prova - exame precário:
Na espécie, cabe à parte autora comprovar a veracidade da narrativa dos fatos, promovida na peça inicial, conforme art. 373, I, CPC/15. D'outro tanto, incumbe aos requeridos a demonstração da ocorrência de fatos obstativos do acolhimento da pretensão do(a)(s) demandante(s), contanto que venham a ser alegados na contestação - art. 341 e art. 373, II, CPC/15.
Aparentemente, não há lastro, nesse caso, para inversão do ônus da prova, na forma do art. 373, §1º, CPC. Conquanto haja alguma assimetria entre o autor e os requeridos, é fato que, na situação em exame, não há uma situação de dificuldade probatória ou manifesta vulnerabilidade da parte demandante, a justificar dita medida.
Eventual inversão do ônus da prova, nessa etapa do processo demandaria a conversão do julgamento em diligência, conforme parte final dart. 373, §1, CPC/15
.
Ademais, a inversão prevista no art. 373, CPC também deve ser empregada com comedimentos, conforme análise crítica de Araken de Assis:
"Essa teoria tem cunho autoritário, porque concentra poderes no órgão judiciário, e, desse modo, traz consigo alto risco de subjetivismo. Duas objeções principais, relevando o risco de prevaricação e o dever de fidelidade do juiz ao direito, opõem-se à doutrina: (a) o já mencionado risco de subjetividade e, ademais, de relatividade: o que é fácil para certo juiz pode não o ser para outro; e (b) a violação positiva ao direito fundamental processual do contraditório. Contra o risco de subjetividade, inexiste remédio; para a violação do contraditório, a medida cabível é a exigência de que haja motivo concreto, prévio e delimitado para a distribuição ope judicis. A distribuição do ônus da prova na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, III) contrabalança os riscos, norteando a atividade das partes na instrução das causas. Seja como for, as objeções evidenciam que, entre nós, inexiste ainda densidade do direito fundamental à prova. O contraditório argumentantivo (dizer e contradizer) não mais satisfaz."
(ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 203-209).
Essa distribuição do ônus da prova, prevista no art. 373, I e II, CPC/15, deve ser tomada em conta para avaliação do pedido de antecipação de tutela.
2.44. Elementos de convicção veiculados nos autos:
No presente caso, os autores anexaram documentos de identificação pessoal. Juntaram relação de infrações tidas por cometidas:
Anexou-se certificado e licenciamento do veículo. Seguiu-se cópia do termo de notificação:
Esses são os elementos de convicção veiculados nos autos.
2.44. VALORAÇÃO dos elementos probatórios:
Equacionados aludidos elementos de convicção e os vetores jurídicos acima, passo a apreciar a pretensão do autor.
A rigor, a notificação do autuado a respeito da imputação administrativa é um requisito em tudo semelhante a uma citação no processo civil, eis que se trata de medida indispensável para que o sujeito/a empresa tome conhecimento da pretensão punitiva contra si endereçada. Logo, eventual irregularidade na medida pode comprometer a garantia do devido processo.
A ausência de notificação pode implicar agressão ao art. 5, LIV e LV, Constituição/88 e lógica do art. 2 da lei n. 9.784/1994. Deve-se atentar, ademais, para o regime de dupla notificação, na forma da
súmula 312, STJ
:
"No processo administrativo para imposição de multa de trânsito, são necessárias as notifi cações da autuação e da aplicação da pena decorrente da infração."
Convém destacar que eventual ausência de notificação válida no prazo do art. 281-A do Código Nacional de Trânsito enseja a
decadência do cogitado direito de cominar sanções ao condutor
:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. MULTA DE TRÂNSITO. PRAZO DE NOTIFICAÇÃO DO INFRATOR. 30 (TRINTA) DIAS. DESCUMPRIMENTO. INSUBSISTÊNCIA DO AUTO DE INFRAÇÃO. 1. Segundo entendimento deste Superior Tribunal firmado sob o rito dos recursos repetitivos, "não havendo a notificação do infrator para defesa no prazo de trinta dias, opera-se a decadência do direito de punir do Estado, não havendo que se falar em reinício do procedimento administrativo."(REsp 1.092.154/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 12/8/2009, DJe 31/8/2009). 2. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no REsp: 1810131 CE 2019/0110462-1, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 27/08/2019, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/08/2019)
ADMINISTRATIVO. AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. NOTIFICAÇÃO NO ATO DA AUTUAÇÃO. ABORDAGEM POLICIAL. CONDIÇÃO DE SÓCIO DO INFRATOR DA PESSOA JURÍDICA À QUAL PERTENCE O VEÍCULO. NECESSIDADE DE DUPLA NOTIFICAÇÃO SUPRIDA. - No procedimento de aplicação da multa de trânsito, exige-se a notificação do infrator em duas oportunidades.
A primeira é a notificação do cometimento da infração, que oportunizará a apresentação da chamada 'defesa prévia'. A outra notificação é da aplicação da penalidade, após o julgamento da consistência do auto de infração de trânsito, forte nos artigos 280, 281 e 282 do Código de Trânsito Brasileiro - Verificado pela autoridade policial o cometimento da infração, deve ocorrer desde logo a notificação do condutor para apresentação de defesa prévia, não invalidando a lavratura do auto a eventual ausência de assinatura do infrator. Inteligência do art. 280, VI, do Código de Trânsito Brasileiro
- Identificado o condutor e a ele aplicada penalidade, com todas as consequências que lhe são inerentes, a segunda notificação deve ser feita em seu nome, na linha de precedentes desta Corte - Sendo o demandante sócio e representante da pessoa jurídica à qual pertence o veículo, ainda que não possam ser confundidos sócio e pessoa jurídica, é claro que aquele, como representante desta, foi cientificado da penalidade aplicada, constituindo formalismo exacerbado defender a necessidade de intimação pessoal dele. Não se cogita, assim, de malferimento ao disposto no art. 282 do CTB, tampouco ofensa à Súmula 312 do STJ. (TRF-4 - AC: 50303533320174047100 RS 5030353-33.2017.4.04.7100, Relator: RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Data de Julgamento: 25/09/2019, QUARTA TURMA)
Cogita-se, quanto menos, de quatro situações distintas
: (a) o condutor é o proprietário do veículo utilizado por época do cometimento da infração; (b)
o infrator não é o proprietário do veículo, contudo resta notificado ao tempo da infração, ao travar contato com os agentes policiais, com recebimento da autuação pertinente
; (c) o infrator não é o proprietário e não resta identificado; (d) o infrator assume a responsabilidade pela infração, recebendo cópia da notificação endereçada ao proprietário.
Note-se que, em princípio, quando o infrator toma
efetivo conhecimento da autuação e assume a responsabilidade pelo ato
, dever-se-ia empregar a lógica dos seguintes julgados, emanados do TRF4 e STJ:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. ART. 535 DO CPC/1973. VIOLAÇÃO. INEXISTÊNCIA. MULTA DE TRÂNSITO. AUTO DE INFRAÇÃO EM FLAGRANTE. ASSINATURA. RECUSA DO CONDUTOR. NOTIFICAÇÃO DO PROPRIETÁRIO. COMUNICAÇÃO POR EDITAL. REQUISITOS LEGAIS. OBSERVÂNCIA. 1. O Plenário do STJ decidiu que "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2). 2. Não viola o art. 535 do CPC/1973 o acórdão que contém fundamentação clara, coerente e suficiente para responder às teses defendidas pela parte recorrente. 3.
O Superior Tribunal de Justiça firmou orientação no sentido de que a assinatura do condutor do veículo no auto de infração, em virtude do flagrante, dispensa a expedição de nova notificação para o início do prazo da defesa prévia, já que o infrator é cientificado pessoalmente, mediante abordagem da autoridade de trânsito, abrindo-se, desde logo, a oportunidade de oferecer a sua defesa na esfera administrativa
. 4. Não sendo possível colher a assinatura do condutor, seja pela falta de flagrante, seja pela sua recusa, a autoridade de trânsito deve proceder a
notificação do proprietário do veículo, no prazo de 30 (trinta dias), nos termos do § 3º do art. 280 c/c art. 281, parágrafo único, II, do CTB
, para apresentar a defesa prévia. 5. Hipótese em que o condutor do veículo se recusou a assinar o auto de infração, tendo a Administração expedido a notificação ao endereço do proprietário, por remessa postal, a quem compete, dentro do prazo legal, indicar a pessoa responsável pela conduta infracional. 6. Devolvida a correspondência ao remetente com aviso de "ausente", mostra-se plenamente válida a notificação por edital. 7. Agravo interno desprovido. (STJ - AgInt no REsp: 1601675 RS 2016/0121680-9, Relator: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 01/07/2019, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/08/2019)
Da fundamentação, destaco o seguinte:
"(...) Quanto à alegada ausência de assinatura do condutor no auto de infração que foi lavrado em seu desfavor, apontando o apelante, inclusive, que não teria havido sua devida notificação, há de se notar, como bem apontou o magistrado de origem, que o autor foi abordado e, em flagrante, constatado o cometimento da infração de trânsito, de forma que há aplicação do art. 280, inciso VI, do Código de Trânsito Brasileiro. Ou seja, a notificação se deu no momento da abordagem, conquanto não tenha o autor assinado o auto de infração. Contudo, ainda que não tenha assinado o auto de infração, também como apontado pelo magistrado a quo, houve a inegável identificação plena do apelante pelo agente público que fez a abordagem. Assim, nesse sentido, permanece hígido o procedimento adotado.
Quanto ao mais, esta Corte de Justiça possui entendimento, consolidado na Súmula 312 de que, no processo administrativo de imposição de multa de trânsito, são necessárias duas notificações, uma relativa a autuação e outra para a imposição da penalidade, sendo certo que, não ocorrendo a notificação da autuação em flagrante, esta deve ser realizada em até 30 dias ao endereço do proprietário do veículo, na forma dos arts. 280, § 3º, e 281, parágrafo único, II, do Código de Trânsito Brasileiro.
Com efeito, não sendo possível colher a assinatura do condutor, seja pela falta de flagrante, seja pela sua recusa, a autoridade de trânsito deve proceder a notificação do proprietário do veículo, nos termos do 257, § 7º, do art. 280, § 3º, c/c art. 281, parágrafo único, II, todos do CTB, para apresentar a defesa prévia." (STJ - AgInt no REsp: 1601675 RS 2016/0121680-9, Relator: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 01/07/2019, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/08/2019)
Confira-se a lógica do art. 239, §1, CPC/15:
"O comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a falta ou a nulidade da citação, fluindo a partir desta data o prazo para apresentação de contestação ou de embargos à execução."
Menciono ainda o art. 277, CPC/15:
"
Quando a lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade
."
Reitero, assim, que os Tribunais têm reputado que a notificação do cogitado infrator no momento da autuação - por força de alegado estado de flagrante - torna desnecessária nova comunicadção a respeito da deflagração do processo administrativo sancionar. Remanesceria, porém, a necessidade da notificação a ser promovida ao final do processo administrativo, conforme súmula 312, Superior Tribunal de Justiça.
O TJRS já deliberou que
"
É ilegal a imposição de multa de trânsito sem procedimento administrativo regular e que assegure ao autuado o exercício do direito de defesa através do contraditório. Não é sufi ciente a prévia intimação pessoal. É indispensável também observar a fl uência do prazo de defesa
."
(TJRS Mandado de Segurança nº 70000502443; Relator vencido: Desa. Maria Isabel de Azevedo Souza; Redator para Acórdão: Des. Arno Werlang; Julgado em 29/03/2000)
Em deliberação monocrática, o STJ já chegou a decidir:
"(...) No caso dos autos, o proprietário do veículo foi regularmente notificado da autuação, tanto que apresentou a autora como condutora infratora. Portanto, a autora tinha ciência da autuação, tendo em vista que a sua apresentação como condutora infratora depende da sua anuência juntamente com o proprietário, conforme Formulário de Indicação do Condutor Infrator -FICI. Contudo, a real condutora não foi notificada da penalidade, que implicou na aplicação de 7 pontos na CNH. Essa pena foi dirigida direito à condutora, não ao proprietário, de forma que deveria ter sido notificada para apresentação de defesa, o que não ocorreu. Logo, deve ser anulado o AIT série 300/E001055657. Com efeito, mesmo não estando no rol de sanções do art. 256 do Código de Trânsito Brasileiro, a natureza da inscrição de pontos na Carteira Nacional de Habilitação é punitiva. Tal se justifica, pois o art. 259 do CTB que disciplina os pontos na CNH está inserido no Capítulo XVI destinado especificamente às penalidades de trânsito. Dessa forma, não há como afastar a previsão expressa de notificação prévia do art. 282 do Código de Trânsito Brasileiro, in verbis: Art. 282. Aplicada a penalidade, será expedida notificação ao proprietário do veículo ou ao infrator, por remessa postal ou por qualquer outro meio tecnológico hábil, que assegure a ciência da imposição da penalidade. Portanto, não merece reforma o acórdão recorrido ao reconhecer o caráter punitivo da inscrição de pontos na Carteira Nacional de Habilitação e aplicar a orientação consolidada nesta Corte sobre a imprescindibilidade das notificações da autuação e da aplicação da pena, procedimento conhecido como dupla notificação." (STJ - REsp: 1902093 RS 2020/0276065-1, Relator: Ministra REGINA HELENA COSTA, Data de Publicação: DJ 23/11/2020)
O TRF4 já deliberou que
"É obrigatória a remessa da notificação da autuação ao condutor identificado quando não há a coleta da sua assinatura no auto de infração de trânsito no momento da abordagem. Precedentes do STJ. Nos termos da tese fixada por esta Corte, é obrigatória a remessa da notificação de imposição de penalidade de multa (NIP) para o proprietário do veículo e para o condutor infrator, quando estes forem pessoas distintas."
(TRF-4 - AC: 50048194620204047112 RS, Relator: SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, Data de Julgamento: 12/04/2023, QUARTA TURMA)
Atentando-se, porém, para os limites desta causa, reporto-me ao seguinte acórdão do Tribunal Regional da 4. Região:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. NOTIFICAÇÕES DA AUTUAÇÃO E DA APLICAÇÃO DA PENA. 1. No processo administrativo para imposição de multa de trânsito, são necessárias as notificações da autuação e da aplicação da pena decorrente da infração. 2.
Tratando-se de abordagem pessoal, restou o condutor notificado acerca da infração no momento em que interpelado pela autoridade competente
3. Tendo a notificação da penalidade sido encaminhada ao endereço cadastrado pelo autor junto ao DETRAN, não demonstrada, por ora, a probabilidade do direito invocado a ensejar a concessão da medida. (TRF-4 - AI: 50510193920224040000, Relator: ROGERIO FAVRETO, Data de Julgamento: 16/03/2023, TERCEIRA TURMA)
ADMINISTRATIVO. TRÂNSITO. AUTO DE INFRAÇÃO. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO DO CONDUTOR. NOTIFICAÇÃO DA AUTUAÇÃO. AUSÊNCIA DE ASSINATURA. NOTIFICAÇÃO DA PENALIDADE. IRDR N.º 5047424-37.2019.4.04.0000. REPETIÇÃO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA.
É obrigatória a remessa da notificação da autuação ao condutor identificado quando não há a coleta da sua assinatura no auto de infração de trânsito no momento da abordagem. Precedentes do STJ. Nos termos da tese fixada por esta Corte, é obrigatória a remessa da notificação de imposição de penalidade de multa (NIP) para o proprietário do veículo e para o condutor infrator, quando estes forem pessoas distintas
. Não sendo possível repetir os atos administrativos, pois transcorridos os prazos decadenciais para expedição de ambas notificações ao condutor (art. 281, parágrafo único, II e art. 282, § 6º, do CTB), é de serem afastados os efeitos do AIT atribuídos ao condutor, mantida, entretanto, a higidez do auto e os efeitos atribuídos ao proprietário do veículo. (TRF-4 - AC: 50030577920214047202 SC, Relator: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 15/02/2023, QUARTA TURMA)
Ora,
"
O auto de infração de trânsito lavrado no ato da abordagem, ou seja, em flagrante, e devidamente assinado por quem conduzia o veículo, supre a exigência da notificação da autuação para fins de aplicação da multa, segundo a exegese do inciso VI do art. 280 do CTB. Todavia, in casu, não consta a assinatura do condutor, razão pela qual não incide a exceção à notificação da autuação
."
(TJ-MS - AC: 08097958620208120001 Campo Grande, Relator: Des. Amaury da Silva Kuklinski, Data de Julgamento: 22/03/2023, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: 23/03/2023)
No caso em análise, ao menos por ora, os autos não permitem maiores considerações sobre o tema. Nâo há elementos que permitem aferir se a notificação teria sido promovida no prazo legalmente previsto para tanto. Por outro lado, tampouco há elementos que evidenciem que a autuação teria sido promovida por equívoco. Conquanto seja cabível a indicação de condutor no âmbito judicial, como registrei acima, isso deve vir acompanhado de elementos probatórios que indiquem que o motorista apontado teria sido o efetivo infrator às normas de trãnsito, ao tempo reportado pela autuação. Não basta a mera assunção voluntária de tais encargos, dado o risco de colusão.
Em primeiro exame, no âmbito administrativo, aludida indicação pode ser promovida, no prazo de lei, sem necessidade de maiores justificativas. Indica-se o responsável e a pontuação lhe é atribuída, contanto que haja respeito ao contraditório e
não haja sinais de mendacidade
.
No âmbito judicial, porém, em regra, exigem-se elementos densos, indicativos da efetiva responsabilidade do sujeito apontado como causador da infração administrativa
.
O ponto é que, em regra, o registro do veículo junto ao DETRAN se destina a fins administrativos, não se prestando a comprovar o domínio do bem móvel. Aludido cadastro se presta a viabilizar a identificação do provável condutor do veículo, para fins de imputação de infrações administrativas. Tanto por isso, é importante que - em caso de alienação do automóveis - o proprietário promova a comunicação efetiva da transferência para o adquirente. Do contrário, responderá -
nos termos da lei
- pelas infrações cometidas com o uso do veículos. Sem dúvida que é viável a indicação tardia do condutor.
Mas, isso deve ser promovido de modo convincente, já que não basta que alguém assuma as infrações como fruto das suas ações; é importante que isso realmente tenha ocorrido. A cominação de sanções busca penalizar condutores descuidados, negligentes ou que violem as regras do trânsito de modo acintoso. Do contrário, seria instituído um mercado para assunção de infrações alheias, o que não se admite
.
Assim, a apresentação tardia do condutor em Juízo aparentemente não pode se dar mediante simples declaração de alguém, exigindo-se um começo de prova a evidenciar que, de fato, seria indevida a sua imputação ao sujeito apontado como condutor, no cadastro mantido junto ao DETRAN/PR
.
A prova de eventual alienação é razoavelmente simples, pois pode ser promovida com os comprovantes dos pagamentos promovidos pelo adquirente, com as datas respectivas. Uma vez mais, a transferência de obrigações, no âmbito de processo judicial, depende da prova dos fatos ocorridos, dado que - ao contrário da cessão de créditos (art. 290, CC/2002) - a cessão de dívidas depende da aquiescência do credor. Na forma do art. 123, CTN, eventuais acordos entre particulares não são oponíveis aos particulares.
Quando não se cuida de alienação - mas, isso sim, de cessão episódica do uso do veículo -, em regra a comprovação pode se revelar mais difícil, exceção feita aos casos em que haja gravação do(a) motorista no momento da prática da condução de modo ilícito
. A prova pode ser feita por meio de inquirição de testemunhas ou outros meios igualmente hábeis para tanto, eis que não há efetiva tarifação probatória no caso.
Recurso Inominado. Multa de Trânsito. Transferência de Pontuação. Auto de infração de trânsito e processo administrativo para suspensão do direito de dirigir . Ausência de indicação do condutor no prazo legal. Prazo de indicação de condutor responsável tem natureza meramente administrativa. Princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CF/88) . Possibilidade, no caso concreto, de transferência de pontuação.
Prova dos autos a demonstrar que o veículo era conduzido por terceira pessoa na data da infração. Sentença de procedência mantida por seus próprios fundamentos, com fulcro no artigo 46 da Lei nº 9.099/1995 . Precedentes desta Turma. Recurso desprovido.
(TJ-SP - RI: 10176558520198260071 SP 1017655-85.2019 .8.26.0071, Relator.: André Luís Bicalho Buchignani, Data de Julgamento: 16/02/2022, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: 16/02/2022)
Recurso inominado – multa de trânsito –indicação do condutor– transferência de pontuação– impossibilidade - artigo 257, § 7º, do código de trânsito brasileiro – 1.471 do Superior Tribunal de Justiça –
ausência de prova robusta - sentença mantida por seus próprios fundamento
s. (TJ-SP - RI: 10087200920208260625 SP 1008720-09.2020 .8.26.0625, Relator.: Mateus Veloso Rodrigues Filho, Data de Julgamento: 01/09/2021, 2º Turma Cível e Criminal, Data de Publicação: 01/09/2021)
Recurso inominado – DETRAN/DER – Infração de trânsito – Transferência de pontuação em prontuário de suposto condutor – Perda do Prazo para indicação do condutor, nos termos do art. 257, § 7º do Código de Trânsito Brasileiro – Pretensão de indicação do condutor judicialmente, conforme precedente do Superior Tribunal de Justiça, PUIL 1501/SP – Ausência de prova robusta –
Mera declaração de suposto condutor assumindo a infração, desacompanhada de outras provas, não afasta a legitimidade e a veracidade do ato administrativo – Sentença de Improcedência Mantida – Negado Provimento
. (TJ-SP - RI: 10008821020208260659 SP 1000882-10.2020 .8.26.0659, Relator.: Jane Rute Nalini Anderson, Data de Julgamento: 24/03/2021, Segunda Turma Civel e Criminal, Data de Publicação: 24/03/2021)
“APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA Mandado de segurança Procedimento administrativo de cassação do direito de dirigir Pedido de indicação do verdadeiro infrator em sede judicial, com o consequente desbloqueio do prontuário do impetrante Impossibilidade no caso concreto
Mera declaração de terceiro que não se mostra suficiente para, mesmo mediante apresentação de ata notarial, após o decurso do prazo previsto no artigo 257, § 7º, do Código de Trânsito Brasileiro, afastar a presunção de veracidade e legitimidade de que se revestem os autos de infração, consolidados após o referido decurso de prazo, e os procedimentos administrativos de cassação do direito de dirigir Sentença de concessão da segurança reformada
RECURSO E REMESSA NECESSÁRIA PROVIDOS. (TJSP; Apelação / Remessa Necessária 1029965-02.2019.8.26.0564 ; Relator (a): Marcos Pimentel Tamassia; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Público; Foro de São Bernardo do Campo - 2ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 28/08/2020; Data de Registro: 28/08/2020”
Administrativo. auto de infração de trânsito. indicação do condutor infrator. transferência da pontuação correspondente . preclusão administrativa.
apresentação judicial. impossibilidade. ausência de prova inequívoca de que o veículo era guiado por terceiro no momento da autuação . sentença de improcedência mantida. apelação improvida
. (TRF-4 - AC: 50001212420204047103 RS, Relator.: CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, Data de Julgamento: 17/03/2021, 4ª Turma)
INDEFIRO, por conta do exposto, o pedido de antecipação de tutela, sem prejuízo de eventual reexame em sentença - lógica do art. 296, CPC.
III - EM CONCLUSÃO
3.1. DECLARO a competência desta unidade jurisdicional e a submissão dessa causa ao procedimento comum. Retifique-se a autuação.
3.2. REGISTRO que não diviso conexão entre esta demanda e algum outro caso, para os fins de reunião entre este processo e alguma outra causa, na forma do art. 55, §1, CPC e súmula 235, STJ.
3.3. DESTACO que não vislumbro sinais de violação à garantia da coisa julgada - art. 5, XXXVI, CF e art. 508, CPC - e tampouco há indicativos de incursão da demanda em litispendência - art. 337, §2, CPC. A causa não comporta suspensão, na etapa em que se encontra - art. 313, CPC.
3.4. ANOTO que as partes estão legitimadas para a causa que o autor possui interesse processual - art. 17, CPC.
3.5. REGISTRO que a pretensão do autor não foi atingida pela prescrição, conforme prazo do art. 1º do decreto 20.910/32. O instituto da decadência não se aplica ao caso.
3.6. EQUACIONEI alguns vetores, com cognição precária, necessários à avaliação do pedido de antecipação de tutela. Detalhei os elementos de convicção veiculados aos autos.
3.7. INDEFIRO, por ora, o pedido de antecipação de tutela, conforme fundamentação.
3.8.
CITE-SE a requerida para, querendo, apresentar contestação no prazo de 30 dias úteis, contados na forma dos arts. 183, 219, 224, 231, CPC e art. 9 da lei n. 11.419/2006. No mesmo prazo, querendo, poderá apresentar proposta de acordo. Requisito a apresentação de elementos de convicção pertinentes à(s) autuação(ões) debatida neste processo.
3.9. DEIXO de designar audiência de conciliação nessa fase do processo, a despeito do art. 334, CPC, eis que a medida tem se revelado infrutífera em casos como o presente.
3.10. INTIME-SE a autora para, querendo, apresentar réplica à contestação, conforme arts. 219, 224, 351, CPC e art. 5 da lei n. 11.419/06. Prazo de 15 dias úteis, contados da intimação.
3.11. INTIMEM-SE as partes - tão logo tenha sido apresentada réplica ou tenha se esgotado o prazo para tanto - para se manifestarem sobre a prova documental e, querendo, especificarem as diligências probatórias pertinentes e necessárias para a solução do processo. Prazo não sequenciado de 15 dias úteis - parte autora - e 30 dias úteis, requerida, contados da intimação.
3.12. ANOTO que, caso requeiram a inquirição de testemunhas deverão apresentar desde logo o pertinente rol, com a qualificação devida, atentando para o limite do art. 357, §6, CPC. Caso requeiram dilação pericial, deverão apresentar desde logo, no prazo fixado no tópico anterior, os quesitos correlatos, sem prejuízo de oportuna intimação para indicação de assistentes periciais e demais medidas do art. 465, §1, CPC, caso a medida venha a ser deferida pelo Juízo. Ficam cientes de que o decurso
in albis
do aludido prazo implicará preclusão temporal. Prazo comum de 15 dias úteis, contados da intimação.
3.13. VOLTEM-ME conclusos para saneamento ou, não sendo suscitadas outras objeções, tampouco requerida dilação probatória, para prolação de sentença, na forma dos artigos 355 e 357, CPC.
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