Processo nº 1000890-70.2020.8.11.0055
ID: 322825414
Tribunal: TJMT
Órgão: 4ª VARA CÍVEL DE TANGARÁ DA SERRA
Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL
Nº Processo: 1000890-70.2020.8.11.0055
Data de Disponibilização:
11/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ALBERTO FERNANDO SANTA ROSA AMBROSIO
OAB/MT XXXXXX
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ELAINE JOSEFA DE SOUZA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 4ª VARA CÍVEL DE TANGARÁ DA SERRA SENTENÇA Processo: 1000890-70.2020.8.11.0055. AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO REU: WESLEY LOPES TORRES, SER…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 4ª VARA CÍVEL DE TANGARÁ DA SERRA SENTENÇA Processo: 1000890-70.2020.8.11.0055. AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO REU: WESLEY LOPES TORRES, SERVICO AUTONOMO MUNICIPAL DE AGUA E ESGOTO - SAMAE TERCEIRO INTERESSADO: MUNICÍPIO DE TANGARÁ DA SERRA Vistos. O MINISTERIO PÚBLICO ESTADUAL ajuizou Ação Civil Pública Ambiental c/c Tutela Antecipada contra SERVIÇO AUTÔNOMO MUNICIPAL DE ÁGUA E ESGOTO – SAMAE, WESLEY LOPES TORRES e MUNICÍPIO DE TANGARÁ DA SERRA, qualificados no processo, objetivando compelir os demandados o promoverem as medidas adequadas para tratamento de esgoto, uma vez que relatório (s) indicou (ram) a poluição do Rio Ararão através de efluente tratado oriundo da estação de tratamento de esgoto em desconformidade com os parâmetros estabelecidos pela legislação em níveis que possam resultar danos à saúde humana e provocar a destruição da biodiversidade do curso da água. Dessa forma, diante da gravidade dos fatos, o MP ajuizou a presente ação com a finalidade de recomposição do dano ambiental. Com a inicial juntou documentos. Em ID. 30240894, foi facultado ao autor a emenda à inicial a fim de regularizar o polo passivo da ação, uma vez que a Inicial fazia menções a condutas dolosas supostamente cometida pelo Segundo requerido, sem descrevê-las. Na sequência o MP opôs embargos de declaração à decisão que determinou a emenda com o objetivo de manifestar sobre pontos contraditos, porventura existentes na decisão prolatada. Analisando com esmero a decisão vergastada, constata-se a existência dos alegados vícios, uma vez que se trata de análise a ser feita quando da instrução do feito (Id. 31753668). Os embargos de declaração foram julgados procedentes e a inicial foi recebida. Na mesma decisão foi analisado o pedido liminar, deferindo-se parcialmente a liminar, determinando a citação das partes requeridas para apresentarem resposta no prazo legal, intimação do município e notificação da SEMA, para, caso queria, intervir no feito (Id. 31852070). Os requeridos se habilitaram nos autos (ID. 32203239). Wesley Lopes Torres e SAMAE se manifestaram, respectivamente, aos Ids. 32638682 e 32642054, pugnando pela designação de audiência de conciliação. O Ministério Público deu seu parecer favorável à designação de audiência da de conciliação (Id. 32825502). Por conseguinte, foi apresentada contestação pelos requeridos aos Ids. 32831501 e 32831502, pugnado pela concessão da tutela de urgência para o afastamento cautelar do requerido, pleiteada pelo Ministério Público bem como que seja reconsiderada a liminar no tocante à pessoa física do requerido; também pugnou pela inclusão do Município de Tangará como litisconsorte. No mérito pugna pela total improcedência da ação. Em decisão foi deferido o pedido dos requeridos para a realização de audiência de conciliação (Id. 329513420). Certidão de notificação da secretaria estadual do meio ambiente (Id. 34012531). SAMAE se manifestou ao Id. 34125385. Realizada audiência de conciliação foi concedido cinco dias para a requerida SAMAE apresentasse cronograma em 5 dias, com vistas ao MP. (ID. 34444441). Adiante, a requerida SAMAE se manifestou ao ID. 34824456, apresentando os documentos de proposta de cronograma de ações para cumprimento junto à SEMA, com prazo final em maio/2022. Com vistas o Ministério Público se manifestou informando que o novo cronograma apresentado pela requerido SAMAE possui longos prazos, e tendo questões bastantes técnicas, que fogem da análise jurídica necessitando de estudo por parte de profissionais da área. Dessa forma, pugnou pela suspensão do feito por 60 dias para que a EMA e CAO- MPMT, por meio de profissionais habilitados possam emitir relatórios em relação às medidas apresentadas pela ré (Id. 35151315). O pedido foi deferido ao ID. 35237294. Ao ID. 37390199, o parquet juntou denúncia encaminha por advogado informando poluição ambiental no rio Ararão protocolada na promotoria de justiça. Adiante, SAMAE se manifestou ao ID. 40114217, ressaltando que a autarquia almejou a consolidação de um Termo de Ajustamento único e geral abrangendo o Saneamento Básico do Município. Informou que o Termo de Ajustamento de Conduta deve ser firmado entre a autarquia SAMAE, Município, SEMA e MP. Opinou pela manutenção do cronograma apresentado, pois seria inviável a redução dos prazos (Id. 40114217). Ministério Público requereu expedição de ofício à SEMA para informar se o cronograma apresentado pelo SAMAE foi deferido, bem como se houve licenciamento para que o requerido execute as melhorias da execução da obra (Id. 40090781). Pedido deferido ao Id. 41194615. Ofício da SEMA juntado ao ID. 42329817 informando que o saneamento de Tangará da Serra esta todo sem licenciamento ambiental e isso levará ao colapso da economia local, pois não veem como continuar licenciando novas atividades e ocupações que geram resíduos e esgotos que não tem um destino de tratamento adequado. Ao ID. 43777793 o parquet requereu a imposição de multa uma vez que os requeridos não cumpriram com a liminar, pugnou ainda pela imediata paralização das obras de estação de tratamento de esgoto de Tangará da Serra, ante sua ilegalidade, até que se obtenha o licenciamento ambiental pela SEMA. O pedido ministerial foi postergado e designada audiência de conciliação entre as partes para fins de resolução do problema (Id. 44495590). Realizada audiência foi realizado acordo entre os presentes (Id. 45139197). MP juntou relatório de ensaio n. 3087.2020.U-V.0 indicando que a água está em desacordo com a Resolução do CONAMA 375/2005 (Id. 45118174). Nova audiência de conciliação foi realizada e na oportunidade foi determinado aguardar a juntada do cronograma do SAMAE (quanto a ETE) e documento pela SEMA sobre a desnecessidade de EIA/RIM, após que fosse aberto vistas ao MP (Id. 47060373). Ministério Público apresentou impugnação à contestação ao ID. 48371765, rechaçando as preliminares dos requeridos e ratificando os termos de sua pretensão. Por fim, pugnou por designação de audiência de instrução e julgamento para oitiva de testemunhas. A requerida SAMAE manifestou-se ao ID. 48922185, expondo cronograma de plano de ações. Ministério Público apresenta ata de reunião ocorrida perante a Promotoria de Justiça (Id. 48841176). O Município de Tangará da Serra se manifestou ao ID. 50871944, requerendo o chamamento do feito à ordem para corrigir a participação municipal, que seria terceiro interessado e não requerido. Ao ID. 63492033, antes do saneamento do feito determinou-se a intimação das partes para juntar documentos novos e/ou especificar as provas que pretendem produzir. Ministério Público se manifestou ao ID. 64284346, pedindo que seja nomeado um interventor judicial junto ao SAMAE para tomar todas as providências necessárias ao cumprimento das determinações judiciais. Após que seja designada audiência com as partes, reiterou a impugnação à contestação, consistente em prova testemunha e pericial. Wesley Lopes Torres pugnou pela análise da preliminar de sua ilegitimidade passiva e impossibilidade jurídica do pedido. Menciona haver uma confusão processual vez que o problema vem desde os idos de 1996, por fim requereu a intimação para manifestar sobre as novas provas (Id. 65814222). Município de Tangará da Serra se manifestou ao ID. 67864360. Em ID. 68509576 foi lançada decisão chamando o feito a ordem para determinar intimado do requerido SAMAE para apresentar contestação no prazo legal. Ainda, designou realização de inspeção judicial para o dia 08 de novembro de 2021 às 14h. Relatório de vistoria juntado ao ID. 72497750. Com vistas as partes se manifestaram sobre o relatório juntado pela SEMA, aos ids. 73426704, 78378473, 78420592, 79383448, 79495079. O MP manifestou no feito reiterando a urgente necessidade na análise de seu pedido de intervenção judicial, diante do descaso reiterado perpetrado pela autarquia. Juntou ainda o relatório técnico relativo à inspeção judicial (id. 78426136). Em decisão de ID. 79061438 foi decretada a revelia de SAMAE, entretanto sem aplicar-lhe os efeitos, ante os interesses indisponíveis. Ainda, designou-se audiência de conciliação para 20 de abril de 2022, a fim de que fosse analisado definitivamente o pleito ministerial. Realizada audiência determinou-se fixação de prazo para a requerida SAMAE juntar documentos conforme determinação nos autos (Id. 82879460). Requerida SAMAE se manifestou ao ID. 83101046, requerendo que seja oficiado a SEMA para analisar o pedido de revogação da outorga, uma vez que o sistema Giga não estava funcionando adequadamente, não sendo possível fazer o referido pedido (Id. 83101046). O pedido foi deferido ao ID. 83192570. Em seguida, apresentou documentos referentes a projeto do rio Sepotuba (Id. 83508121). O Estado de Mato Grosso informando que tão logo obtivesse resposta iria informar (Id. 86053961). Ao ID. 89228542, foi juntando ofício contendo informação oriundas da SEMA-MT acerca de licenciamento/outorga pendentes. Em decisão o pedido de intervenção judicial foi indeferido por não estarem preenchidos os requisitos legais, determinando o saneamento do feito em cooperação, ante sua complexidade, nos termos do artigo 357, §3º do CPC. Dessa forma, foi designada audiência para saneamento do processo (Id. 89365468). Embargos de declaração opostos pelo Estado ao ID. 90588035, informando que não é parte no feito e a decisão foi obscura quanto seu comparecimento, gerando incerteza e podendo causar nulidade. Contrarrazões dos embargos apresentadas pelo MP ao ID. 90992518. Ministério Público informou interposição de Agravo de Instrumento ao ID. 93411302, sobre a decisão que indeferiu a intervenção judicial na autarquia SAMAE. Os embargos de declaração foram acolhidos para determinar que seja indicado servidor da SEMA a fim de auxiliar nos trabalhos, eis que o Estado consta como terceiro interessado nos autos. Realizada audiência, foram ouvidas as partes para que o feito pudesse ser saneado em conjunto. Na oportunidade se fixou os pontos controvertidos; delimitou prova pericial e nomeou perito (Id. 96909565). Adiante, o requerido Wesley pugnou pelo ajuste da decisão saneadora de modo que seja excluído o item 1: “Reator anaeróbio – prosseguimento do projeto ou alteração devido a problemas estruturais citados” e incluído os itens que seguem: “ 8 – Responsabilidade Civil e Ambiental da Autarquia Samae” e “9 – Responsabilidade Civil e Ambiental de todos os gestores do Samae, considerando o tempo de cada gestor a frente da Autarquia”. (Id. 98681972). Com vistas o parquet pugnou pela manutenção da decisão saneadora em seus exatos termos. Ainda, indicou assistente técnico (Id. 101874324). O perito nomeado informou aceite e fixou seu honorários periciais ao ID. 102123023. O município informou concordância com os honorários periciais, arrolando quesitos judiciais (Id. 103789708). Em decisão determinou-se que a requerida SAMAE depositasse o valor dos honorários periciais, determinando também prazo para início dos trabalhos (ID. 108283294). Pagamento integral efetuado ao Id. 115332621. O perito informou a data, horário e local de instalação dos trabalhos periciais (id. 118103425). Em seguida, o perito nomeado solicitou uma prorrogação do prazo para a inclusão do laudo (id. 127579569). Pedido deferido por 10 (dez) dias (id. 128397378). Laudo pericial apresentado ao Id. 128951952 e ss. O Ministério Público solicitou a intimação do perito judicial para se manifestar sobre as constatações feitas pelo assistente técnico do órgão ministerial, através do Relatório Técnico nº 958/2023, bem como para realizar as alterações/correções pertinentes, para posterior manifestação do laudo pericial (id. 130755621). Inclusão do alvará de levantamento de R$ 25.919,64, referente a 50% do valor dos honorários (id. 130970225). Em seguida, o requerido Wesley solicitou a intimação do perito para prestar esclarecimentos (id. 131107726). Os pedidos foram deferidos ao Id. 138792804. Por sequência, o perito apresentou os esclarecimentos técnicos ao ID. 140571092. Intimados acerca do complemento do laudo pericial o requerido Wesley solicitou que seja complementado considerando todas as insurgências apresentadas por ele (Id. 140667954). Ministério Público pugnou pela homologação do laudo pericial e julgamento procedente da demanda (Id. 141493959). A requerida SAMAE informou inexistir apontamento ao laudo pericial inicial e complementar, por parte da equipe técnica (Id. 151792148). Na sequência, foi afastadas as demais manifestações e o Laudo Pericial foi homologado intimando-se as partes para apresentarem suas alegações finais (Id. 153072705). O Ministério Público apresentou suas alegações finais ao ID. 159308372, ratificando a petição inicial, requerendo que seja a demanda julgada totalmente procedente (Id. 159308372). O requerido Wesley apresentou suas alegações finais ao ID. 189238674, pugnando pelo acolhimento de suas preliminares, e no mérito pugna pela improcedência da ação (Id. 189238674). Os autos vieram conclusos. FUNDAMENTO E DECIDO O feito enseja julgamento antecipado, na forma do artigo 355, inciso I, do CPC. A prova trazida aos autos é suficiente para o desfecho da Iide. A primeira questão a ser enfrentada cinge-se na preliminar aduzida pelo requerido Wesley Lopes Torres em sede de contestação, onde arguiu preliminar de ausência de legitimidade passiva e impossibilidade jurídica do pedido. Em síntese alega ser ilegítimo, pois o cargo de Diretor Geral da autarquia é de livre nomeação e exoneração e com seu afastamento não possui mais legitimidade na atuação do órgão autárquico, o que consequentemente, o impede de cumprir as obrigações avençadas nestes autos, tornando o pedido quanto a ele juridicamente impossível. Entretanto, a natureza do dano ambiental é propter rem, ou seja, o dano acompanha a coisa independente de quem é o proprietário e de quem o ocasionou, sendo sua responsabilidade objetiva e solidária, não se exigindo assim comprovação de culpa, bem como tornando-se a responsabilidade solidária pode o requerido figurar no polo passivo. Referida ação busca realizar medidas necessárias na ETE (Estação de Tratamento de Esgoto), a recuperação do rio Ararão, e também busca a indenização por eventuais danos ambientais causados, assim como dano moral coletivo. Dessa forma, mesmo que o requerido Wesley Lopes Torres não faça mais parte da autarquia SAMAE, a ele recai a obrigação, caso seja procedente, de recuperar e indenizar, pois contribuiu para o dano ambiental. Portanto, o pedido é sim juridicamente possível. Dessa forma, não afasta a responsabilidade do requerido tornando-se, assim, todos responsáveis solidários, conforme entendimento do Tribunal de Justiça deste Estado: E M E N T A: RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANO AMBIENTAL – DECISÃO QUE REJEITOU CHAMAMENTO AO PROCESSO – RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL – LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA – OBRIGAÇÃO DE NATUREZA PROPTER REM – POSSIBILIDADE DE DIREITO DE REGRESSO – PRECEDENTES DO STJ – DECISÃO MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. A responsabilidade civil ambiental é objetiva, solidária e possui natureza propter rem. 2. Não há obrigatoriedade, de ser deferido o chamamento ao processo, atribuindo responsabilidade a terceiro, pois o litisconsórcio é facultativo e é garantido o direito de regresso. 3. Recurso conhecido e não provido. Decisão mantida. (TJ-MT - AGRAVO DE INSTRUMENTO: 1010893-50.2023.8.11 .0000, Relator.: MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO, Data de Julgamento: 07/11/2023, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 16/11/2023) (g.n.). Oportuno salientar que a análise dos pressupostos e condições da ação devem ser realizados sob a ótica das alegações contidas na inicial. E mais, deve ser de conhecimento de todos os operadores do direito que ao Poder Público cabe a implantação de saneamento básico a toda a população, responsabilizando-se, além do fornecimento de água, pelo tratamento dos efluentes, evitando que o esgoto sanitário atinja rios e nascentes, perpetuando os recursos naturais para as próximas gerações. Por fim, em que pese o requerido Wesley mencionar que houve cerceamento de defesa, pois não teve acesso ao documento juntado ao ID. 72497750, nota-se dos autos que, quando da manifestação ministerial com juntada dos documentos, logo em sequência determinou-se abertura de vistas para as partes se manifestarem (Id. 72549231), onde inclusive, o requerido Wesley se manifestou ao Id. 73426704. Desse modo, AFASTO as preliminares arguidas. Não havendo outras preliminares, passo, pois, à análise do mérito. Antes da análise dos fatos, mister tecer algumas considerações sobre o tema, em decorrência da relevância que apresenta à saúde e à preservação da vida, assim como da responsabilidade do Poder Público em manter um ambiente sadio e equilibrado à coletividade recebendo o meio ambiente especial atenção do legislador constituinte. Primeiramente, deve ser registrado que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, inovando em material constitucional, inseriu em seu artigo 225 que: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” Mais adiante, menciona que: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao Meio Ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. (art. 225, §3º CF). Ao dissertar sobre o assunto, Alexandre de Moraes preleciona: "A Constituição Federal de 1988 consagrou como obrigação do Poder Público a defesa, preservação e garantia de efetividade do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial e sadia qualidade de vida. Assim, no caput do art.225, 0 texto constitucional afirma que 0 meio ambiente e’ bem de uso comum do povo, suscitando diversas questões quanto :1 efetividade de sua proteção. (...) O que se pretende é a salvaguarda dos recursos naturais, a preservação do meio ambiente para as gerações futuras, garantindo-se o potencial evolutivo. Dentro desse contexto, o art. 225 deve ser interpretado em consonância com a art. 1°, III, que consagra como fundamento da República o princípio da dignidade da pessoa humana; 0 art. 3°, II, que prevê como objetivo fundamental da República o desenvolvimento nacional; e o art.4°, IX, que estipula que o Brasil deve reger-se em suas relações internacionais pelos princípios da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, de maneira a permitir maior efetividade na proteção ao meio ambiente”. (Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional,4“ ed., 2004,p.2053/2057). Por sua vez, a Constituição do Estado de Mato Grosso, em manifesta competência legislativa concorrente sobre o tema, dispõe no mesmo sentido, em seu artigo 263 e 264: "Art. 263. Todos têm direito a Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de Vida, impondo-se ao Estado, aos Municípios e a coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º . Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Estado: (Parágrafo Único transformado em § 1º pela Emenda Constitucional nº 104/2022) (...) III – instituir a política estadual de saneamento básico e recursos hídricos; IV - exigir, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade, garantida a participação da comunidade mediante audiências públicas e de seus representantes em todas as fases; (...) Art. 264 - As condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores a sanções administrativas, com aplicação de multas diárias e progressivas no caso de continuidade da infração ou reincidência, incluídas a redução de atividade e interdição, independente da obrigação dos infratores de repararem os danos causados, na forma do artigo 298 desta constituição.” Dos autos verifica-se pelo Relatório de Inspeção realizado pela SEMA ao ID 30172974, a constatação de que: (...) em atendimento ao solicitado pela Coordenadoria de Controle de Recursos Hídricos –CCRH via e-mail, foi realizada vistoria na Estação de Tratamento e Esgoto de Tangara da Serra para verificar o entendimento do estabelecimento no parágrafo 1º do artigo 1º da Portaria de Outorga nº 62. Não foi constatado a instalação de medidor de vazão contínuo de efluentes automatizado para monitoramento dos efluentes, na estação de tratamento de esgoto. Na vistoria fomos acompanhados pelo Diretor do SAMAE Wesley Lopes Torres, o qual informou que o recurso financeiro para instalação do medidor já esta assegurado bem como para as demais ações que serão tomadas na estação. Conclusão: foi emitido a notificação nº. 135638, onde o Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto fica notificado a: 1) apresentar junto a SEMA o monitoramento de lançamento de efluentes da Estação de Tratamento de esgoto (prazo de 5 dias); 2) Instalar o medidor de vazão conforme portaria n. 062 de 10 de março de 2011 (prazo de 30 dias). (Id. 30172974). Constata-se, ademais, que o Ministério Público Estadual expediu notificação recomendatória: (...) no exercício de suas atribuições, abstenha-se imediatamente de emitir declarações de disponibilidade de coleta e esgoto para novos loteamentos sem a renovação da outorga de uso de recursos hídricos (ETE ARARÃO), bem como suspenda as declarações referidas, emitidas sem a efetiva disponibilidade (...) (Id. 30172971). Ademais, disso, mesmo ciente das recomendações do Ministério Público e notificações da SEMA, frisando sobre a necessidade de efetiva medição de vazão n entrada e saída dos efluentes líquidos, os requeridos não concluíram com as instalações de equipamentos de monitoramentos necessários, e, enquanto isso, eram lançados no rio Ararão os efluentes sem se saber a quantidade de líquidos despejados, tudo em desacordo com a outorga da SEMA, causando graves danos ao meio ambiente e consequentemente, à população. Posteriormente, após muitas notificações, inspeções e acompanhamentos infrutíferos, a SEMA/MT emitiu auto de infração ambiental cometida pela requerida SAMAE ao descumprir as condicionantes da portaria de Outorga 628/2015, por meio do autor de Infração n. 107984 e Notificação n. 83853, aplicando a multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais) (Id. 30173249), por ter indicado poluição do rio Ararão, uma vez que os efluentes eram emitidos em desconformidade com os parâmetros estabelecidos pela legislação. Denota-se que referido medidor foi implantando muitos anos depois, após muitas cobranças/notificações, e ainda, que outras obras necessárias encontravam-se paralisadas supostamente sem justificativa plausível. Em Laudo Pericial realizado nos autos por perito nomeado por este juízo se concluiu que embora os resultados da DBO à época do Laudo Pericial estejam atendendo a Resolução do CONAMA nº 430 de 13/05/2011, diversas irregularidades ainda persistem e mesmo após a realização das devidas análises e vistorias, foram constatados vícios e inconsistências na Estação de Tratamento de Esgoto, quais sejam: a) Manta de Impermeabilização de solo com a presença de remendos por manta asfáltica e rasgos em diversas mantas de impermeabilização de solo das lagoas; além de prejudicar a eficiência do tratamento do efluente na ETE também pode possibilitar a contaminação do solo; b) Desvio de Efluente via By Pass devido a ausência de comportas e uso de medidas paliativas (sacos de areia) para interrupção do fluxo do efluente tratado, apesar da eficiência da DBO 90,7% constatada por ensaio em amostra retirada em vistoria, tal desvio impossibilita o tratamento completo do efluente; c) Caixas de Manobras/comportas – ausência de comportas operáveis na ETE – Ararão, as manobras vem sendo realizadas com medidas paliativas, quais não garantem com precisão a qualidade da operação; d) Desarenador – o Sistema de Tratamento Preliminar em funcionamento vem operando sem a existência de tanque de equalização e o acionamento volante não se apresentavam adequadas para realização de manobras as quais são destinadas; e) Estruturas de ampliação, as quais apresentam aspectos visuais condizentes a corrosão de armadura, além de crescimento de vegetação dentro das edificações e patologias de fissuras devido ao fator de variação higroscópica “variação de umidade e temperatura”; f) Inexistência de medidor de vazão de efluente instalado e em operação na ETE; g) Quanto a limpeza, foram identificados diversos materiais (latas de refrigerante, paletes de madeira) e vegetações dentro e também fora das lagoas de tratamento de esgoto. Com efeito, referido Laudo Pericial obteve a seguinte conclusão: (...) II - Conforme informações levantadas constatou-se que a ETE Ararão apresenta falhas de manutenções, demonstrando vícios nas mantas de impermeabilização de solo, decorrente de rasgos, furos, bolhas e presença de erosão; III. Através de inspeção realizada, foi verificado que devido à falta de manutenções das comportas de manobra, existe no local desvio de efluente para a disposição final no corpo receptor sem a devida finalização do processo de tratamento de esgoto recebido pela ETE; III - Com base nas análises realizadas sob o sistema de ampliação da ETE Ararão, constatou-se que a mesma apresenta aspectos condizentes com corrosão de armadura no reator anaeróbio e sistema de tratamento preliminar, onde também demonstrou crescimento de vegetação dentro das edificações. Juntamente com as demais estruturas (laboratório/depósito e leito de secagem), foram verificados a existência de patologias de fissuras devido ao fator de variação higroscópica “variação da umidade e temperatura”, e ainda formação de eflorescências. V. No que pese a obra de ampliação não ter sido concluída, como devidamente demonstrado e constatado através dos ensaios laboratoriais realizados, o sistema de tratamento atual cumpre com as suas funções. No que consiste a finalização da obra, cabe pontuar que a viabilidade econômica poderá ser comprometida devido ao estado de deterioração das edificações, o que resultará consequentemente em custos elevados. VI- Por fim, através de ensaios laboratoriais realizados nas amostras coletadas na data da vistoria, levando em consideração os parâmetros analisados, tem-se que os resultados da DBO atendem os valores permitidos para Lançamentos de Efluente, conforme a Resolução CONAMA nº 430 de 13/05/2011 [...] (ID. 128951952). E informações adicionais: [...] I - Com base no pedido de esclarecimento realizado pela Parte Requerente referente a tabela 2 do laudo pericial, constata-se que houve equívoco quanto aos cálculos apresentados e os mesmos foram corrigidos pela tabela 1 do presente esclarecimento de laudo. II. Com base na tabela 1 do presente esclarecimento, se verifica que dentre os ensaios realizados, apenas as amostras com análises realizadas em 18/10/2022 e 24/02/2023, obteve resultado de eficiência INFERIOR aos valores permitidos para lançamentos de efluente, conforme a Resolução CONAMA nº 430 de 13/05/2011. III. Por fim, conforme acima descrito, o laudo pericial foi elaborado com base nos resultados obtidos através das amostras retidas por este núcleo de perícias. Desta forma, não há necessidade de alteração da conclusão apresentada no laudo pericial acostado ao ID 128951952. [...] (ID. 140571092). Outrossim, verifica-se que o empreendimento esta funcionando sem Outorga de Diluição e Licença de Operação vigentes, estando totalmente irregular (Id. 159308373). Vê-se, dessa forma, que os problemas objeto da lide, existem, são conhecidos dos demandados há muito tempo e não se vê a realização de medidas concretas para sua solução. Temos assim que os requeridos tiveram mais de cinco anos para implantar o sistema monitoramento automático, regularizar a ETE Ararão o qual conforme faz prova as fotos e relatórios técnicos é um equipamento relativamente simples e manutenções de extrema necessidade, contudo não o fizeram. E nem se venha arguir problemas financeiros, porquanto é de conhecimento público que o SAMAE cobra, junto à conta de água, um percentual da tarifa a título de esgoto. Destarte, pelo que arrecadam os requeridos têm o dever ético-moral de prestarem serviços de excelência na área de saneamento básico e infraestrutura, buscando o bem estar da população, tanto na seara social, quanto na ambiental. Como bem salientado pelo Ministério Público, nota-se, portanto, que ficou comprovado através da perícia judicial, que até o momento não houve evolução no que diz respeito à regularização da ETE Ararão, sendo que todas as obras iniciadas se encontram paralisadas, à mercê das condições climáticas que tem causado deteriorações nas edificações, situação que, consequentemente, trará reflexos econômicos ainda maiores. Ademais, frise-se que, muito embora não tenha sido emitida outorga para diluição da carga orgânica no Córrego Ararão, a necessidade de tal autorização encontra-se suspensa até a conclusão da obra de ampliação, com o objetivo de se verificar a eficiência do novo sistema implementado, para se decidir sobre a continuidade da diluição do afluente tratado no Córrego Ararão ou destinação ao Rio Sepotuba. Registra-se que após a angularização processual, em 06/05/2020 foi deferida parcialmente a antecipação de tutela vindicada pelo autor, nos seguintes termos: (...) Ante o exposto, uma vez ausente um dos requisitos contidos no art. 300 do CPC com relação aos demais pedidos, DEFIRO PARCIALMENTE a liminar pleiteada pelo autor da ação para DETERMINAR: a) à Autarquia Municipal SAMAE – SERVIÇO AUTÔNOMO MUNICIPAL DE ÁGUA E ESGOTO e ao requerido WESLEY LOPES TORRES, que APRESENTEM à SEMA e juntem aos autos no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias Plano de Ação (cronograma) para atuação urgente na Estação de Tratamento de Esgoto de Tangará da Serra, conforme requerido no item b.2 da Petição Inicial; b) à Autarquia Municipal SAMAE – SERVIÇO AUTÔNOMO MUNICIPAL DE ÁGUA E ESGOTO e ao requerido WESLEY LOPES TORRES, que EXECUTEM no prazo de 120 (cento e vinte) dias o plano de ação previsto no tópico anterior, após aprovação da SEMA, sem prejuízo do disposto no art. 536, §3º, do CPC. Em caso de descumprimento da tutela de urgência deferida, sejam os requeridos condenados solidariamente a pagarem multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), em favor do fundo a que alude o artigo 13 da Lei nº 7.347/85. (...) Da decisão não houve interposição de recursos pelas partes. O Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), por sua vez, estabelece: Art. 1o Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei. Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: (...) XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico; Relativamente ao saneamento ambiental, a Lei Complementar nº 317 de julho de 2024, que dispõe sobre o plano diretor participativo do Município de Tangará da Serra (PDOMTS), Lei Complementar n. 210 de 11 de setembro de 2015, estabelece que: Art. 34. Constituem-se diretrizes específicas de desenvolvimento na área de saneamento e drenagem: I - formulação de política municipal de saneamento básico com o objetivo de universalizar o acesso aos serviços de saneamento básico, mediante ações articuladas em saúde pública, desenvolvimento urbano e meio ambiente. II - garantir que abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos sejam realizados de formas adequadas à saúde pública e à proteção do meio ambiente; III - planejar ações de saneamento e dos programas urbanísticos de interesse comum, de forma a assegurar, entre outras medidas, a preservação dos mananciais e a efetiva solução dos problemas de drenagem urbana e esgotamento sanitário; V - promover o desenvolvimento e a aplicação de tecnologias alternativas para o saneamento; (...) A responsabilidade dos demandados, no presente caso também esta estabelecida no referido Plano Diretor, ao estabelecer que: Art. 35. As diretrizes específicas relativas ao saneamento e a drenagem urbana serão implementadas mediante: I - revisão periódica do plano municipal de saneamento; II - criação de condições urbanísticas para que a recuperação e a preservação dos fundos de vale sejam executadas preferencialmente, mediante a criação de parques lineares adequadamente urbanizados, que permitam a implantação dos interceptores de esgoto sanitário; (...) XII - incentivo ao uso de sistema de tanques sépticos para tratamento de rejeitos domésticos, bem como de poços de monitoração para o controle de contaminação do lençol freático nas áreas desprovidas de redes de esgoto sanitário em que são utilizadas, simultaneamente, fossas sanitárias e cisternas para captação de água; XIII - proibição imediata do lançamento de esgoto sanitário que não passe previamente por tratamento adequado nos córregos que cortam o centro da cidade e, principalmente, no Rio Queima Pé, cabendo ao município: a) delimitar e levantar a situação dos córregos urbanos; b) diagnosticar os pontos onde são feitos os lançamentos irregulares; c) notificar os infratores e estabelecer prazo de regularização de acordo com as normas vigentes; d) fornecer orientação técnica aos contribuintes; e) monitorar continuamente a qualidade da água proveniente de comércios e indústrias. (...) Da análise dos autos, pelo conjunto probatório, observa-se que desde o ano de 2014, ou seja, há mais de 10 anos, os demandados têm sido cobrados pelos órgãos ambiental e ministerial, porém sem nenhum resultado concreto. Verifica-se, dessa forma, a recalcitrância dos requeridos em buscarem a solução para os problemas descritos na inicial, os quais causam toda a sorte de infortúnios à população tangaraense. A Constituição Federal assegura no artigo 225 o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem assim o dever fundamental de preservação, oponível tanto a particulares quanto ao Poder Judiciário, in verbis: Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial a sadia qualidade de Vida, impondo-se ao Poder Público e a coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (...) § 3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao Meio Ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. No mesmo sentido dispõe a Constituição Estadual do Mato Grosso que: Art. 263. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Estado, aos Municípios e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. O conceito de saneamento básico, conjunto de procedimentos adotados em determinada região com a finalidade de assegurar uma situação higiênica saudável para os habitantes, relaciona-se, intrinsecamente, com os direitos à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, notadamente porque se faz imprescindível que o indivíduo não conviva em contatos com materiais prejudiciais à sua saúde. Por sua vez, a Lei nº 9.433/97, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, prevê que a água é um bem de domínio público e estabelece como objetivo a disponibilização hídrica em padrões de qualidade adequados para utilização pela geração atual e pelas gerações futuras. Por se tratar de bem essencial à manutenção da vida, a proteção dos recursos hídricos devem ser assegurada de maneira ampla, sendo certo que também cabe ao Município, no âmbito de seu território, promover tal proteção, conforme estabelece o art. 23, VI, da Constituição Federal: Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do. Distrito Federal e dos Municípios: (...) VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas. Além disso, o Plano Diretor, alhures transcrito dispõe que é vedado imediata do lançamento de esgoto sanitário que não passe previamente por tratamento adequado. Desse modo, restou amplamente demonstrada a negligência dos requeridos em implementar as medidas necessárias à regularização das reder pluviais e implantação de sistemas de tratamento adequado de esgoto, evitando, assim, a contaminação das águas pluviais. E mais, a Lei Federal 11.445/07, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, em seu art. 2º enumera princípios fundamentais à matéria, dos quais impede ressaltar os seguintes: Art. 2º os serviços públicos de saneamento básico serão prestados com base nos seguintes princípios fundamentais: (...) III – abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos realizados de formas adequadas à saúde pública e à proteção do meio ambiente; IV – disponibilidade, em todas as áreas urbanas, de serviços de drenagem e de manejo das águas pluviais adequados à saúde púbica e à segurança da vida e do patrimônio púbico e privado; (...) Art. 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se: I - saneamento básico: conjunto de serviços, infra-estruturas e instalações operacionais de: (...) b) esgotamento sanitário: constituído pelas atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde as ligações prediais até o seu lançamento final no meio ambiente; (...) Assim, é clarividente que tanto o serviço de esgotamento sanitário, como o de manejo de águas pluviais deve ser realizado de forma a não prejudicar a saúde pública e o meio ambiente. Todavia, o Município de Tangará da Serra os aludidos serviços públicos não apenas nitidamente provocam poluição ao meio ambiente, com a consequente degradação do patrimônio público, como também expõe a risco a saúde dos habitantes. A Lei Nacional nº 11.445/2007 estabelece as diretrizes nacionais de saneamento básico, a fim de nortear os agentes administrativos a realizá-lo de forma adequada, compondo-se de princípios básicos no intuito de se resguardar princípios constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana e, ao mesmo tempo, o respeito a saúde pública e preservação do meio ambiente (art. 1º e 2º). Sobre os descartes de esgotos sanitários, cumpre destacar, ainda, a teor do artigo 3º da Resolução 430/2011, do CONAMA, que é taxativo quanto a necessidade de tratamento dos efluentes antes do seu lançamento nos corpos d’água: “Art. 3º Os efluentes de qualquer fonte poluidora somente poderão ser lançados diretamente nos corpos receptores após o devido tratamento e desde que obedeçam às condições, padrões e exigências dispostos nesta Resolução e em outras normas aplicáveis.” A resolução traz também diversas especificações que devem ser observadas para o lançamento de efluentes nos corpos d’águas, especificações estas que não vem sendo cumpridas pelos réus, que insistem em poluir os corpos hídricos da cidade. Na lição de Paulo Affonso LEME MACHADO: “A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repara-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação. Não se pergunta a razão de degradação para que haja dever de indenizar e/ou reparar. A responsabilidade sem culpa tem incidência na indenização ou na reparação dos ‘danos causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade’ (Art. 14, §1º da Lei 6.938/1981). Não interessa que tipo de obra ou atividade seja exercida pelo que degrada, pois não há necessidade de que ela apresenta risco ou seja perigosa. Procura-se quem foi atingido e, se for o meio ambiente e o homem, inicia-se o processo lógico-jurídico da imputação civil objetiva ambiental. Só depois é que se entrará na fase do estabelecimento do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano. É contra o Direito enriquecer-se ou ter lucro à custa da degradação do meio ambiente. (In: Direito Ambiental Brasileiro, 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 403). Nesse sentido: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA E PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. SANEAMENTO BÁSCO. IMPLANTAÇÃO DE ESTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ESGOTO (ETE). MUNICÍPIO DE BARROSO. LANÇAMENTO DOS DEJETOS 'IN NATURA' EM CURSOS D'ÁGUA. IMPACTO AMBIENTAL RECONHECIDO. PRAZO PARA CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES: RAZOABILIDADE. SENTENÇA CONFIRMADA. - Nos termos do art. 225 da Constituição Federal, todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações - O esgotamento sanitário, parte integrante do saneamento básico, constitui serviço público essencial, que deve ser assegurado a todos os cidadãos, evitando-se que os dejetos atinjam os cursos d'água, sob pena de ofensa a direitos constitucionais como o da dignidade da vida e da pessoa humana, saúde pública e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado - Inexiste discricionariedade do Poder Público na implementação de obras de saneamento básico. E, no caso, ficou comprovado que a postura omissa do réu, consistente na ausência de implementação do sistema de tratamento de esgoto ensejou a ocorrência de danos ao meio ambiente, consubstanciados no despejo de esgoto sanitário "in natura" nos cursos d'água, expondo a população e o próprio meio ambiente a risco - O prazo fixado na sentença para o cumprimento da obrigação mostra-se razoável, não se justificando mais a protelação indefinida de tal providência, notadamente em razão da urgência da necessidade da obra, sob pena de perpetuação da contaminação do meio ambiente e manutenção da degradação do ecossistema local. (TJ-MG - AC: 10059180002723002 Barroso, Relator.: Wander Marotta, Data de Julgamento: 10/02/2022, Câmaras Cíveis / 5ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 11/02/2022) Indenização – Tubulação de águas pluviais e esgoto clandestino, de responsabilidade da Administração Municipal, instalada dentro do lote de terreno dos autores, restringindo-lhes o uso pleno da propriedade – Excessiva e negligente morosidade na solução do problema – Dano moral – Ocorrência – Nexo causal entre a ação omissiva do Estado e o dano- Recurso improvido. (TJ-SP – APL: 1643523420078260000 SP 0164352-34.2007.8.26.0000, Relator: Alves Bevilacqua, 2ª Câmara de Direito Público). É possível concluir, portanto que as atitudes comissivas e omissivas dos réus evidentemente afrontam as disposições da lei de saneamento básico, expondo a risco o meio ambiente e os habitantes locais. Portanto, restando demonstrado nos autos que os requeridos realizam o lançamento de efluentes sem controle adequado do medidor de vazão e seu monitoramento, estando ainda sem finalização da obra e remanescendo manutenções corretas, deve ter intervenção judicial a fim de minimizar os danos ambientais causados com essa prática. Assim, comprovada a ocorrência do dano ambiental, grave, diga-se de passagem, tenho como inconteste o dever de indenização ambiental. É certo que em matéria de meio ambiente (conectado à noção de saúde pública), as decisões judiciais devem privilegiar os princípios da precaução e o da prevenção, com o objetivo de evitarem-se os danos, visto que, ao contrário de outras áreas, a indenização a posteriori é quase impraticável. No caso em exame, diante a vasta documentação carreada aos autos desta ação pelo Ministério Público Estadual, vejo que o dano moral coletivo está devidamente comprovado, em decorrência do grave dano causado ao meio ambiente. Ao contrário do que acontece com a responsabilidade no direito civil, no direito ambiental a responsabilidade é objetiva (art. 14, § 1o, da Lei nº 6.938/81) e visa a reparação de danos causados a grupos indeterminados de pessoas afetadas pelo dano ambiental, levando-se em consideração a responsabilização do poluidor, sendo, pois, direito público, com caráter notadamente coletivo. Assim, tem-se que o dano moral coletivo atinge uma infinidade de bens, direitos e obrigações que pertencem não a um individuo somente, como é o dano moral individual que conhecemos, mas sim a todo um grupo social ou coletividade. Neste contexto, são elucidativas as palavras de Luis Henrique Paccagnella (2003, p. 15): Exemplificando, se o dano a uma paisagem causar impacto no sentimento da comunidade daquela região, haverá dano moral ambiental. O mesmo se diga da supressão de certas árvores na zona urbana, ou de uma mata próxima ao perímetro urbano, quando tais áreas foram objeto de especial apreço pela coletividade. Entendo, assim, que o reconhecimento do dano moral ambiental não está ligado, diretamente, à repercussão física no meio ambiente. Está, ao contrário, relacionado com a violação do sentimento coletivo, com o sofrimento da comunidade ou grupo social, em vista de certa lesão ambiental. Ora, para sua caracterização há que comprovar somente o evento danoso, a conduta lesiva e o nexo causal entre o dano e a conduta do poluidor, o que esta mais que comprovado nos autos. No que diz respeito ao valor da indenização, a apuração do quantum indenizatório nos casos de dano moral consiste em matéria que deve ser analisada com a devida cautela, uma vez que a Lei não estabelece parâmetros objetivos para o seu cálculo, devendo ser prudentemente arbitrado pelo julgador com base nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Na busca desse objetivo, o importe fixado precisa mostrar-se razoável e proporcional ao poder econômico do ofensor, à sua culpabilidade e ao grau do dano, de forma a não se tornar inexpressivo e insignificante, escapando à função penalizadora e pedagógica da indenização. Ante todas as peculiaridades e do conjunto probatório do caso concreto, entendo que o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) mostra-se justo, razoável, adequado e atende a função pedagógica da condenação, estando em consonância com os precedentes dos Tribunais Pátrios. Com efeito, somente cabe a alteração do valor indenizatório quando este se mostrar exorbitante ou ínfimo, consoante iterativa jurisprudência do STJ: "A indenização por dano moral deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento indevido, devendo o arbitramento operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte empresarial das partes, às suas atividades comerciais e, ainda, ao valor do negócio. Há de orientar-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida, notadamente à situação econômica atual e às peculiaridades de cada caso" (RESP 203.755/MG. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Quarta Turma. Acórdão de 27.04.99). Assim, entendo razoável a fixação do valor sugerido pelo Ministério Público Estadual em petição inicial. DISPOSITIVO. Face ao exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial, resolvendo o feito com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do CPC. CONDENO os demandados, solidariamente: a) A apresentar nos autos o Plano de Ação (cronograma) para atuação urgente na Estação de Tratamento de Esgoto de Tangará da Serra; a fim de evitar novos lançamentos de efluentes no rio Ararão em desacordo com as diretrizes estabelecidas nas Resoluções do CONAMA, bem como nas Portarias de Outorga, em especial a nº 629/2015 e Perícia Técnica realizada pelo CAO/MP. O Plano de Ação deverá conter obrigatoriamente soluções para os seguintes problemas apontados pela perícia, conforme pedidos de item b.2 da petição inicial e problemas apontados em Laudo Pericial nos autos, confirmando a tutela nos autos; b) que EXECUTEM o plano de ação previsto no tópico anterior, após aprovação da SEMA, sem prejuízo do disposto no art. 536, §3º, do CPC. c) Determino a restauração e recuperação da área degradada, com início no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias; d) CONDENO ao pagamento de indenização pela lesão ao bem difuso violado, nos termos da Lei 7.347/85 e seus dispositivos legais aplicáveis, na quantia de R$ 100.000,00 (cem mil reais), devendo o valor ser direcionado ao fundo que trata o artigo 13 da LACP, corrigido monetariamente desde o arbitramento, observadas as disposições da EC nº 113/2021, e acrescido de juros moratórios, desde a citação, de acordo com a remuneração oficial da caderneta de poupança (Tema 810, STF), aplicando-se a EC 113/21 a partir de sua vigência; e) Por oportuno, consigne-se que as partes rés deverão comprovar, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, a contar desta decisão, o cumprimento das determinações acima, apresentando, se o caso, cronograma e respectivos planos para o alcance das metas de universalização da prestação dos serviços públicos de saneamento básico, sob pena de medidas indutivas e coercitivas necessárias para assegurar o efetivo cumprimento da ordem (Art. 139, IV do CPC). Caso as obrigações acima já tenham sido implementadas, ainda que parcialmente no curso da presente demanda (considerando que já se passaram quase 05 anos desde o ajuizamento da ação), deverão as partes rés comprovar tal situação em sede de ulterior fase de cumprimento de sentença. Nos termos do art. 18 da Lei nº 7.347/85, não há se falar em custas e honorários advocatícios, sabendo-se que “a Corte Especial do STJ, no julgamento dos EAREsp 962.250/SP, de relatoria do Ministro Og Fernandes (DJe 21/8/2018), firmou a compreensão de que, em razão da simetria, descabe a condenação em honorários advocatícios da parte requerida em Ação Civil Pública, quando inexistente má-fé, como ocorre com a parte autora, por força da aplicação do art. 18 da Lei 7.347/1985, qualquer que seja o legitimado ativo”. Oportunamente, DÊ-SE baixa e ARQUIVEM-SE os autos observadas as cautelas de praxe. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. Data e assinatura eletrônica. Pedro Flory Diniz Nogueira Juiz de Direito em Cooperação.
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