Processo nº 1035167-18.2024.8.11.0041
ID: 323942225
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1035167-18.2024.8.11.0041
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JULIANA CRISTINA MARTINELLI RAIMUNDI
OAB/SC XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1035167-18.2024.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Empréstimo consignad…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1035167-18.2024.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Empréstimo consignado, Cartão de Crédito] Relator: Des(a). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [BANCO BMG SA - CNPJ: 61.186.680/0001-74 (APELANTE), JULIANA CRISTINA MARTINELLI RAIMUNDI - CPF: 023.580.389-89 (ADVOGADO), ANTONIO DE MORAES DOURADO NETO - CPF: 038.499.054-11 (ADVOGADO), RAIMUNDO LIMA DOS SANTOS FILHO - CPF: 345.807.271-34 (APELADO), PEDRO MOACYR PINTO JUNIOR - CPF: 376.457.141-15 (ADVOGADO), BRUNO ALEXANDRE CAPISTRANO DE IRINEU SILVA - CPF: 002.426.451-27 (ADVOGADO), JEANNY CRISTINA DA SILVA BOTELHO CAPISTRANO - CPF: 003.064.271-09 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO C/C PEDIDO DE NULIDADE CONTRATUAL. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE RECURSAL AFASTADA. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA INOCORRENTES. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. LEGALIDADE DA MODALIDADE CONTRATADA. UTILIZAÇÃO CONSCIENTE DO PRODUTO FINANCEIRO. DESCARACTERIZAÇÃO DE ABUSIVIDADE. INEXISTÊNCIA DE DANOS MORAIS. RECURSO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelação cível interposta por instituição financeira contra sentença que, ao reconhecer suposto vício de consentimento na contratação de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável (RMC), determinou a conversão da operação para empréstimo pessoal consignado, com incidência da taxa média de mercado à época da contratação, restituição de valores e condenação ao pagamento de indenização por danos morais. II. Questão em discussão 2. Há três questões centrais em discussão: (i) a configuração ou não de vício de consentimento apto a anular a contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável; (ii) a validade da modalidade contratual de RMC diante dos deveres de informação e transparência nas relações de consumo; e (iii) a existência de ilícito contratual a ensejar indenização por danos morais. III. Razões de decidir 3. A preliminar de ausência de dialeticidade recursal deve ser afastada, uma vez que a peça de apelação delimita os fundamentos impugnados da sentença e explicita, ainda que parcialmente reiterando argumentos anteriores, os motivos pelos quais o recorrente pretende a reforma do julgado, atendendo ao disposto no art. 1.010, II e III, do CPC. 4. A relação jurídica questionada constitui obrigação de trato sucessivo, o que afasta a tese de prescrição trienal e de decadência quadrienal, porquanto a pretensão se renova a cada desconto mensal, tendo o termo inicial do prazo extintivo coincidido com a data do último desconto efetivado, o que torna a ação tempestiva. 5. A contratação de cartão de crédito consignado foi regularmente formalizada, mediante apresentação de documentos claros e assinatura do termo de adesão, no qual constam informações explícitas quanto à modalidade do produto, aos encargos incidentes e à forma de amortização, não havendo prova robusta de vício de vontade. 6. A conduta reiterada do recorrido em realizar saques e usufruir da funcionalidade do cartão ao longo dos anos reforça a inexistência de erro substancial ou induzimento em erro, revelando adesão voluntária e consciente à operação contratada. 7. Diante da ausência de qualquer conduta abusiva por parte da instituição financeira, bem como da regularidade dos descontos realizados com base no contrato validamente firmado, inexiste fundamento jurídico para conversão da modalidade de crédito tampouco para a condenação por danos morais, os quais demandam demonstração concreta de ofensa a direitos da personalidade. IV. Dispositivo e tese 8. Recurso de apelação provido. Sentença reformada para julgar improcedentes os pedidos iniciais. Tese de julgamento: "1. A contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável, formalizada com transparência e acompanhada da efetiva utilização do produto financeiro, não configura vício de consentimento, sendo incabível sua conversão em empréstimo consignado tradicional. 2. A instituição financeira que age no exercício regular do direito, mediante contrato claro e descontos legítimos, não incorre em ilícito apto a ensejar indenização por danos morais." Dispositivos relevantes citados: CC, arts. 178, II, e 206, § 3º, IV; CDC, arts. 6º, III e VIII, e 14. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp 1658793/MS, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª Turma, j. 25.05.2020; TJMT, Ap. Cív. nº 1000116-60.2024.8.11.0100, Rel. Des. Luiz Octávio O. Saboia Ribeiro, 5ª Câm. Dir. Priv., j. 15.04.2025. R E L A T Ó R I O EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação interposto por BANCO BMG S.A. contra sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara Especializada em Direito Bancário de Cuiabá, na Ação Revisional de Contrato de Empréstimo Consignado/Cartão c/c Nulidade Contratual e Repetição de Indébito n. 1035167-18.2024.8.11.0041, ajuizada por RAIMUNDO LIMA DOS SANTOS FILHO, que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, convertendo o contrato de cartão de crédito para contrato de empréstimo pessoal consignado, com aplicação da taxa média de mercado do BCB da data da contração. Houve ainda a determinação de devolução dos valores ilegalmente descontados, se houver, na forma simples, com a compensação do crédito eventualmente existente em favor do banco. Além disso, condenou-se o requerido ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais), acrescido dos consectários legais. Por fim, houve a condenação do requerido ao pagamento das custas e despesas processuais e honorários sucumbenciais, arbitrados em 15% (quinze por cento) do proveito econômico obtido. O apelante alega, preliminarmente, que ocorreu a prescrição da pretensão autoral, uma vez que o contrato foi celebrado em 28/09/2009 e a ação distribuída apenas em 13/08/2024, tendo transcorrido o prazo de 03 (três) anos previsto no artigo 206, §3º, IV do Código Civil. Aduz ainda a ocorrência de decadência, pois o prazo de 04 (quatro) anos para pleitear a anulação do negócio jurídico por erro substancial, conforme artigo 178, II do Código Civil, já se esgotou. No mérito, sustenta que a contratação do cartão de crédito consignado foi regular, com expressa ciência da parte apelada sobre a modalidade do produto contratado, tendo esta inclusive realizado diversos saques complementares entre 2012 e 2022 e pagamentos voluntários de boletos, demonstrando pleno conhecimento do produto. Argumenta que o termo de adesão não deixa margem para dúvidas quanto à modalidade do produto financeiro contratado e que não há que se falar em abusividade de produto legalmente admitido. Quanto aos pedidos acolhidos na sentença, defende a impossibilidade técnica de conversão do cartão de crédito em empréstimo consignado, pois são modalidades de crédito distintas, com características específicas e margens consignáveis diferentes junto ao INSS. Impugna a condenação por danos materiais, visto que agiu no exercício regular de seu direito ao efetuar os descontos autorizados, e a condenação por danos morais, por não haver demonstração de ofensa aos direitos de personalidade do apelado, requerendo subsidiariamente a redução do quantum indenizatório para o valor máximo de R$ 2.000,00 (dois mil reais). Contrarrazões apresentadas em id. 293428890, que a parte apelada, preliminarmente, alega a impossibilidade de conhecimento do recurso por ausência de dialeticidade recursal. No mérito, requer o desprovimento do recurso. É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Egrégia Câmara: Conforme relatado, trata-se de recurso de apelação interposto por BANCO BMG S.A. contra sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara Especializada em Direito Bancário de Cuiabá que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, convertendo o contrato de cartão de crédito para contrato de empréstimo pessoal consignado, com aplicação da taxa média de mercado do BCB da data da contração. Houve ainda a determinação de devolução dos valores ilegalmente descontados, se houver, na forma simples, com a compensação do crédito eventualmente existente em favor do banco. Além disso, condenou-se o requerido ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais), acrescido dos consectários legais. Por fim, houve a condenação do requerido ao pagamento das custas e despesas processuais e honorários sucumbenciais, arbitrados em 15% (quinze por cento) do proveito econômico obtido. PRELIMINAR – DA DIALETICIDADE RECURSAL Inicialmente, quanto à preliminar de ausência de dialeticidade recursal, suscitada em contrarrazões, entendo que não comporta acolhimento. Embora o apelado sustente que o recurso não apontaria os equívocos da decisão recorrida, verifica-se que a apelação, ainda que repita argumentos já expendidos anteriormente, expõe de forma suficiente as razões pelas quais o apelante entende que a sentença deve ser reformada. A exposição das razões recursais, ainda que mediante a reiteração parcial de argumentos já deduzidos, foi suficiente para viabilizar o pleno exercício do contraditório pelo apelado, tanto que apresentou substanciosas contrarrazões, refutando os argumentos do apelante. Desse modo, REJEITO a preliminar arguida nas contrarrazões. PRELIMINARES – DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA (CARTÃO RMC). O apelante sustenta a ocorrência simultânea de dois fenômenos extintivos de direitos: (i) a decadência do direito de pleitear a anulação do negócio jurídico, com fundamento no art. 178, II, do Código Civil, ao argumento de que o prazo quadrienal para arguição de vício de consentimento findou-se há muito tempo, considerando que o primeiro contrato de cartão de crédito consignado foi celebrado em 2009; e (ii) a prescrição trienal prevista no art. 206, § 3º, IV do Código Civil, aduzindo que o prazo prescricional de três anos iniciou-se com a ciência do dano, que coincidiria com o ajuizamento do primeiro contrato. A análise aprofundada de ambos os institutos revela que as prejudiciais não merecem acolhimento. Primeiramente, quanto à natureza jurídica da relação obrigacional em exame, resta inequívoco tratar-se de obrigação de trato sucessivo, caracterizada pelos descontos mensais continuados na remuneração do autor, que se renovam periodicamente. Tal classificação implica consequências jurídicas determinantes para o deslinde da controvérsia quanto aos prazos extintivos, uma vez que a contagem dos prazos decadencial e prescricional tem início a partir do último pagamento. No caso sub examine, extrai-se da documentação carreada aos autos que os descontos na conta da autora, relativos ao questionado cartão de crédito consignado, perduraram até dezembro de 2022, evidenciando a contemporaneidade da pretensão deduzida em juízo, principalmente em razão do termo inicial do prazo prescricional ser o vencimento da última parcela. Nesse sentido é o entendimento jurisprudencial, in verbis: “AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. RECONSIDERAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO PROVIDO PARA CONHECER DO AGRAVO E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. (...) 3. O termo inicial do prazo prescricional da pretensão de repetição do indébito relativo a desconto de benefício previdenciário é a data do último desconto indevido. Precedentes. (...)” (STJ, AgInt no AREsp 1658793/MS, 4ª Turma, Rel. Min. Raul Araújo, j. 25.05.2020 – negritei e grifei) O eg. TJMT já assentou: “AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C NULIDADE CONTRATUAL E RESTITUIÇÃO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) – PRESCRIÇÃO AFASTADA – ONEROSIDADE EXCESSIVA – JUROS REMUNERATÓRIOS – TAXA MÉDIA DE MERCADO - SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. O objeto da lide se refere a contrato de cartão de crédito consignado, cuja obrigação é de trato sucessivo, em que o termo inicial do prazo prescricional é o vencimento da última parcela. (...) (TJMT, 1028705-16.2022.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 10/07/2024, Publicado no DJE 14/07/2024 - destaquei). Logo, não há falar em prescrição, pois apesar da primeira contratação realizada ainda em 28/09/2009, as prestações continuaram a ser debitadas diretamente da folha de pagamento do apelado até os dias atuais, de modo que rejeito a preliminar de prescrição suscitada. Quanto à preliminar de decadência, é possível observar que os autos versam não somente sobre pedido de anulação do contrato, mas também pela revisão e conversão da modalidade do pacto, motivo pelo qual não há que se falar na incidência da regra do art. 178 do Código Civil. Nesse sentido, “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE/INEXIGIBILIDADE DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PRELIMINAR DE DECADÊNCIA – REJEITADA – CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO DE CARTÃO DE CRÉDITO – VÍCIO DE CONSENTIMENTO EVIDENCIADO – FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO – CONVERSÃO PARA EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNADO EM FOLHA DE PAGAMENTO – DETERMINAÇÃO DE RECÁLCULO DOS VALORES – REPETIÇÃO DO INDÉBITO – POSSIBILIDADE – RECURSO CONHECIDO DESPROVIDO. A ação revisional de cláusulas não deve ser confundida com anulação do negócio jurídico, razão pela qual não há incidência do prazo decadencial previsto no art. 178, II, do CC. (...)”. (RAC n.º 1017336-93.2020.8.11.0041, 3ª Câm. Direito Privado, Rel. Des. Dirceu dos Santos, j. 27.04.2022 – negritei). “PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR – RECURSO DE APELAÇÃO – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E NULIDADE CONTRATUAL C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE RECURSAL – VIOLAÇÃO – INEXISTÊNCIA – PRELIMINAR – REJEIÇÃO –DECADÊNCIA – INOCORRÊNCIA – PRESCRIÇÃO – AUSÊNCIA DE HIPÓTESE – PREJUDICIAIS DE MÉRITO – NÃO ACOLHIMENTO – CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) – CONVERSÃO EM EMPRÉSTIMO CONSIGNADO – SAQUE DE LIMITE DE CARTÃO DE CRÉDITO – DEVER DE INFORMAÇÃO – VIOLAÇÃO – ILEGALIDADE CONSTATAÇÃO – TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS – ADEQUAÇÃO À MÉDIA PRATICADA NA ÉPOCA DO SAQUE – RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO – FORMA SIMPLES – DANO MORAL – NÃO CONFIGURAÇÃO – SENTENÇA REFORMADA EM PARTE – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) 2. Sabe-se que, nos casos de revisão contratual de contratos bancários, com pedido de restituição de valores pagos indevidamente, o prazo prescricional se amolda à previsão decenal do artigo 205 do Código Civil. 3. Nas hipóteses que envolvem prestações de trato sucessivo, o pacto se renova ao longo do tempo, de forma automática, devido aos descontos efetuados mensalmente e, portanto, a cada novo desconto, o período de decadência é renovado e o termo inicial para contagem do prazo decadencial é o vencimento da última parcela. (...)” (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 10437150320228110041, Relator.: MARCIO VIDAL, Data de Julgamento: 09/07/2024, Quinta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/07/2024- destaquei). Desta forma, não há que se falar em decadência ou prescrição, ainda que parcial, pois as prestações continuaram a ser debitadas diretamente da conta do apelado até 2022. Diante disso, REJEITO as prejudiciais de prescrição e decadência. MÉRITO Após cuidadosa análise dos autos e da extensa documentação que o instrui, passo à apreciação do mérito recursal. A controvérsia central gravita em torno da caracterização jurídica do contrato celebrado entre as partes - se efetivamente consiste na modalidade de cartão de crédito consignado com Reserva de Margem Consignável (RMC) ou se o consumidor foi induzido a erro, acreditando estar contratando um empréstimo consignado tradicional - e, por conseguinte, da existência de falha no dever de informação capaz de gerar danos materiais e morais à parte autora. De início, cumpre destacar que a relação jurídica estabelecida entre as partes se submete aos ditames do Código de Defesa do Consumidor, consoante o entendimento consolidado na Súmula 297 do STJ: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras". Nesta toada, a parte autora, na condição de consumidora, goza da prerrogativa de inversão do ônus probatório, nos termos do art. 6º, VIII, do CDC. Ressalte-se que, contemporaneamente, a modalidade de cartão de crédito consignado difunde-se como operação de crédito peculiar, na qual a instituição financeira disponibiliza ao consumidor um cartão de crédito, cujo valor mínimo da fatura é descontado diretamente de sua remuneração, com reserva de margem consignável de 5% (cinco por cento), diversa dos 35% (trinta e cinco por cento) destinados a empréstimos consignados propriamente ditos. Todavia, a prática negocial revela que, frequentemente, o consumidor, ao procurar a instituição financeira com o desiderato de obter um empréstimo consignado tradicional, depara-se com a oferta de cartão de crédito consignado, culminando na imediata transferência do valor contratado para sua conta corrente, sem a efetiva emissão do cartão físico ou, quando emitido, sem a utilização para operações comerciais. Ao contrário do alegado pela parte autora/apelada, ao analisar detidamente a documentação acostada aos autos, entendo que não restou comprovado o vício de consentimento alegado. Com efeito, o banco apelante demonstrou de forma inequívoca a existência da relação contratual por meio de robusto dossiê comprobatório, evidenciando a contratação de Cartão de Crédito Consignado, com registro de assinatura da autora e documentação completa. O último instrumento contratual firmado entre as partes, assim como os anteriores, é inequívoco quanto à natureza da contratação, constando expressamente, em diversos pontos, tratar-se de "CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO", conforme se verifica no contrato juntado no id. 293428879, intitulado "CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO (“CCB”) CONTRATAÇÃO DE SAQUE MEDIANTE A UTILIZAÇÃO DO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO EMITIDO PELO BMG”. A análise dos documentos revela, ainda, que o contrato apresenta uma imagem ilustrativa do cartão, bem como um “TERMO DE CONSENTIMENTO ESCLARECIDO DO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO”, no qual consta que o autor foi informado acerca da contratação dessa modalidade, sendo ciente de que a realização de saque, mediante utilização do limite do referido cartão, ensejará a incidência de encargos. Consta, igualmente, que o valor do saque, acrescido dos respectivos encargos, será incluído na próxima fatura do cartão; que a diferença entre o valor pago mediante consignação (desconto realizado diretamente na remuneração ou benefício) e o total da fatura poderá ser quitada por meio do pagamento da fatura mensal; e que, em caso de inadimplemento da fatura até a data de vencimento, incidirão encargos sobre o valor em aberto, conforme disposto na própria fatura. Ressalta-se, ainda, que o autor declarou ter ciência da existência de outras modalidades de crédito, como o empréstimo consignado, que apresentam taxas de juros mensais em percentuais inferiores. Ora, é imperioso que a parte que alega vício de consentimento demonstre, de forma cabal, que foi ludibriada ou que a informação prestada foi deficiente a ponto de comprometer sua liberdade de escolha. No caso em apreço, o contrato de 2022, que é o último e mais recente, e que reforça uma série de contratações anteriores, é de clareza meridiana, assim como os contratos anteriores. A simples leitura do título e dos termos da CCB já seria suficiente para um homem médio compreender o que estava contratando. Não se pode presumir a ignorância do consumidor para justificar a desconsideração de um contrato que, em sua face, é hígido e transparente. Ademais, a análise das faturas juntadas aos autos demonstra de forma inconteste que o Apelado utilizou o cartão de crédito consignado para realizar diversos saques complementares. Essa conduta reitera a ciência do consumidor acerca da natureza do produto. Por fim, e não menos importante, a ficha financeira do apelado (id. 293427885), que corresponde ao seu holerite detalhado de 2009 a 2024, revela a reiteração na contratação de serviços de mesma natureza. Ao longo dos anos, o holerite do apelado, Raimundo Lima dos Santos Filho, Bombeiro Militar, demonstra de forma recorrente o registro de descontos referentes a "CARTAO CREDITO" e "CONSIGNACAO". Essa repetição de contratações de produtos financeiros de natureza similar, com descontos em sua remuneração, indica uma familiaridade do consumidor com as modalidades de crédito consignado e cartão de crédito consignado. Vale ressaltar que a jurisprudência deste Tribunal de Justiça tem se firmado no sentido de reconhecer a validade da contratação de cartão de crédito consignado quando comprovada por meio idôneo, como no presente caso, conforme se verifica em recentes julgados: “DIREITO CIVIL E CONSUMERISTA. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. CONTRATAÇÃO COMPROVADA. ASSINATURA FÍSICA E BIOMETRIA FACIAL. PROVEITO ECONÔMICO DEMONSTRADO. IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. (...) III. Razões de decidir 3. A instituição financeira comprovou a existência de relação jurídica mediante apresentação de contrato físico assinado pela apelante (nº 64595070) e contrato eletrônico formalizado por biometria facial (nº 77729893), com envio de foto do rosto e documento de identificação pessoal da recorrente, cujas imagens não foram impugnadas. 4. A mera condição de pessoa idosa, por si só, não implica presunção de fraude ou invalidade da contratação, sendo necessária a comprovação de vício de consentimento ou incapacidade para os atos da vida civil, o que não restou demonstrado nos autos. 5. Os valores contratados foram depositados em conta bancária de titularidade da apelante, conforme comprovantes de transferência juntados aos autos, além de saques complementares posteriormente realizados, evidenciando o proveito econômico auferido pela consumidora. 6. O instrumento contratual é claro em seus termos, informando expressamente tratar-se de contratação de empréstimo consignado na modalidade cartão de crédito, não havendo violação ao dever de informação ou vício de consentimento capaz de invalidar o negócio jurídico. IV. Dispositivo e tese (...) Tese de julgamento: "1. Comprovada a contratação regular de cartão de crédito consignado por meio de assinatura física ou biometria facial, com proveito econômico pelo consumidor, não há que se falar em fraude ou inexistência de relação jurídica. 2. A condição de pessoa idosa, por si só, não invalida a contratação, sendo necessária a comprovação de vício de consentimento ou incapacidade.” (...)” (TJMT, 1000116-60.2024.8.11.0100, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 15/04/2025, Publicado no DJE 23/04/2025 - destaquei). “DIREITO DO CONSUMIDOR E CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). COMPROVAÇÃO DA CONTRATAÇÃO E UTILIZAÇÃO DO CARTÃO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (...) III. RAZÕES DE DECIDIR O contrato foi regularmente firmado, com termo de adesão identificando a natureza da contratação, e com posterior utilização do cartão por parte do consumidor, afastando vício de consentimento. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, conforme Súmula 297/STJ. Ausência de demonstração de falha no dever de informação ou de abusividade contratual. Descontos mensais autorizados e referentes a valores efetivamente disponibilizados ao autor. Exercício regular de direito pela instituição financeira. IV. DISPOSITIVO E TESE (...) Tese de julgamento: “1. A contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável, acompanhada de utilização pelo consumidor, afasta a alegação de vício de consentimento. 2. Não há direito à restituição de valores descontados regularmente nos termos contratados, quando comprovada a validade e a execução da avença.” (TJMT, 1001161-37.2022.8.11.0014, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 02/04/2025, Publicado no DJE 05/04/2025 - destaquei). “DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. LEGALIDADE DA CONTRATAÇÃO. SENTENÇA IMPROCEDENTE. RECURSO DESPROVIDO. (...) III. Razões de decidir 3. A documentação acostada aos autos comprova a regularidade da contratação, evidenciando a assinatura da contratante no termo de adesão ao regulamento para utilização do cartão consignado, a solicitação de saque e a efetiva disponibilização do crédito em conta bancária. Ausência de vícios de consentimento que justifiquem a anulação do contrato. Precedentes desta Câmara reconhecem a validade da modalidade de crédito com RMC quando demonstrada a ciência do consumidor sobre as condições pactuadas. IV. Dispositivo e tese (...) Tese de julgamento: “Ausentes elementos capazes de ensejar a nulidade contratual há que ser mantida a r. sentença que julgou improcedente os pedidos ante a constatação da legalidade do contrato”. (...)” (TJMT, 1016938-78.2022.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 02/04/2025, Publicado no DJE 08/04/2025 - destaquei). Logo, não há que se falar em vício de consentimento na contratação, uma vez que o instrumento contratual é claro quanto à sua natureza jurídica, além de ter havido a utilização do produto mediante saque pelo apelado, o que demonstra sua ciência e concordância com os termos da avença. No presente caso, não se vislumbra qualquer ofensa à legislação consumerista que justifique a intervenção judicial para modificar os termos do contrato livremente pactuado entre as partes. O contrato é claro quanto à sua natureza jurídica, não havendo qualquer indício de que o apelado tenha sido induzido a erro. Assim, comprovado o pleno conhecimento do titular do cartão de crédito consignado quanto aos termos da avença contratual, atua sob a égide do estrito exercício regular do direito a instituição financeira que realiza os devidos descontos em contracheque do contratante para quitação do valor mínimo da fatura. Portanto, não há que se falar em conversão do contrato de cartão de crédito consignado em empréstimo consignado tradicional, tampouco em restituição de valores, pois todos os descontos realizados decorreram do exercício regular de um direito contratualmente previsto. Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso para reformar a sentença, julgando improcedentes os pedidos formulados na inicial, e por consequência, condenar o autor/apelado ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, suspendendo a exigibilidade em razão de eventual gratuidade da justiça concedida. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 08/07/2025
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