Victor De Oliveira Vasconcellos x Uber Do Brasil Tecnologia Ltda.
ID: 259587063
Tribunal: TRT3
Órgão: 39ª VARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE
Classe: AçãO TRABALHISTA - RITO SUMARíSSIMO
Nº Processo: 0010289-80.2025.5.03.0139
Data de Disponibilização:
24/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
PEDRO PAULO POLASTRI DE CASTRO E ALMEIDA
OAB/BA XXXXXX
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RAFAEL ALFREDI DE MATOS
OAB/BA XXXXXX
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PEDRO ZATTAR EUGENIO
OAB/MG XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO 39ª VARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE 0010289-80.2025.5.03.0139 : VICTOR DE OLIVEIRA VASCONCELLOS : UBER DO BRA…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO 39ª VARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE 0010289-80.2025.5.03.0139 : VICTOR DE OLIVEIRA VASCONCELLOS : UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. INTIMAÇÃO Fica V. Sa. intimado para tomar ciência da Sentença ID 3034397 proferida nos autos. SENTENÇA I - RELATÓRIO Dispensado o relatório, nos termos do artigo 852-I, da CLT. II- FUNDAMENTAÇÃO (Arts. 93, IX, CF c/c. 832/CLT c/c 489, II, CPC) QUESTÃO DE ORDEM DIREITO INTERTEMPORAL. DIREITO MATERIAL E PROCESSUAL DO TRABALHO. LEI 13.467/2017 A presente ação foi ajuizada em 28/03/2025, tendo sido alegada na exordial a existência de vínculo de emprego no período de 30/09/2021 a 06/03/2025. Aplicam-se, pois as alterações introduzidas pela Lei nº 13.467/2017, vigente a partir de 11/11/2017. MEDIDAS SANEADORAS IMPUGNAÇÃO AOS DOCUMENTOS A impugnação de documentos juntados pela parte adversa tem que ser específica e se dirigir ao conteúdo do documento. Impugnação genérica não prospera. De conseguinte, o valor probatório dos documentos juntados pelas partes será avaliado no momento oportuno, guardada a compatibilidade com a matéria em exame e com as demais provas dos autos e, se houver algum impertinente ao fim a que se destina, será desconsiderado. Nada a prover. IMPUGNAÇÃO AO PEDIDO DE JUSTIÇA GRATUITA O autor atendeu aos requisitos legais ante a declaração de Id a629362. Inteligência do art. 790, § 3º, da CLT e das OJs 269, 304 e 331 da SDI-1, do TST. Nada a prover. PONTOS INCONTROVERSOS - PROVA EMPRESTADA - CONVENÇÃO PROCESSUAL Em audiência (Id f495e13), houve a convenção processual entabulada pelas partes quanto à fixação dos pontos incontroversos e no tocante à produção de prova emprestada. PRELIMINARES INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA EM RAZÃO DA MATÉRIA Argui a ré a incompetência desta Especializada em razão da matéria, argumentando que a relação jurídica estabelecida entre as partes possui natureza de parceria comercial, decorrente da prestação de serviços de intermediação digital pela Uber ao motorista autônomo. Sustentando a inexistência de relação de trabalho (e de emprego), defende, conforme decidido pelo STF, ao apreciar o Tema 550 de repercussão geral, que a apreciação da presente demanda não está abrangida pelo art. 114 da Constituição Federal, ou seja, não se trata de competência da Justiça do Trabalho, razão pela qual requer seja declarada a incompetência desta Justiça especializada e a consequente extinção do processo sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, IV do CPC Sem razão. Deduzida em Juízo a pretensão de reconhecimento da relação de emprego, compete exclusivamente à Justiça do Trabalho o conhecimento e julgamento da demanda, sendo esta Justiça Especializada a única competente para julgar esta modalidade de relação de trabalho. Aplicação e inteligência do disposto no artigo 114, caput, e incisos I, VI e IX, da Constituição Federal, de acordo com a redação dada pela emenda constitucional 45, de 8/12/2004, c/c artigo 652, caput e alínea “a”, II e IV, da CLT. Nesse sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal: A definição da competência decorre da ação ajuizada. Tendo como causa de pedir relação jurídica regida pela CLT e pleito de reconhecimento do direito a verbas nela previstas, cabe à Justiça do Trabalho julgá-la. [CC 7.950, rel. min. Marco Aurélio, j. 14-9-2016, P, DJE de 1º-8-2017.] À determinação da competência da Justiça do Trabalho não importa que dependa a solução da lide de questões de direito civil, mas sim, no caso, que a promessa de contrato, cujo alegado conteúdo é o fundamento do pedido, tenha sido feita em razão da relação de emprego, inserindo-se no contrato de trabalho. [CJ 6.959, rel. min. Célio Borja, j. 23-5-1990, P, DJ de 22-2-1991.]= RE 503.278 AgR, rel. min. Ayres Britto, j. 26-4-2007, 1ª T, DJ de 3-8-2007 Rejeito. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DO CURSO DA RELAÇÃO JURÍDICA A competência para julgamento de processos, por esta Especializada é fixada a partir dos pedidos e da causa de pedir constantes na exordial. Dessa forma, a relação jurídica em litígio é o que define a competência material da Justiça do Trabalho. A reclamada arguiu preliminar de incompetência material da Justiça do Trabalho quanto aos recolhimentos previdenciários que não sejam decorrentes das suas próprias decisões. No entanto, deixo de conhecer da preliminar suscitada em defesa, uma vez que a autora não formulou qualquer pedido em tal sentido. Registro que, nos termos do entendimento consubstanciado no item I, da Súmula 368 do TST, "A competência da Justiça do Trabalho, quanto à execução das contribuições previdenciárias, limita-se às sentenças condenatórias em pecúnia que proferir e aos valores, objeto de acordo homologado, que integrem o salário de contribuição." Rejeito. MÉRITO RELAÇÃO DE TRABALHO HAVIDA ENTRE AS PARTES O autor postula o reconhecimento da relação de emprego entre as partes. Alega, em síntese, que aderiu aos termos e condições da ré, iniciando as atividades em 30/09/2021, na função de motorista; que realizava jornadas diárias de trabalho, de acordo com a demanda ofertada pela reclamada, em horários variáveis, conforme previsão do § 3º do art. 443 da CLT; que recebia pelo exercício da função de motorista remuneração média semanal de R$300,00; que no dia 06/03/2025, foi bloqueado sumariamente e até o momento não teve nenhum direito reconhecido. Analisa os cinco elementos caracterizadores da relação empregatícia, nos artigos 2º e 3º da CLT: a) prestação de trabalho por pessoa física; b) pessoalidade por parte do trabalhador; c) não-eventualidade; d) onerosidade; e) subordinação. Conclui que o contrato firmado entre as partes se enquadra na modalidade de contrato por prazo indeterminado, devendo a ré a ser condenada reconhecer o vínculo empregatício mantido, bem como no pagamento das verbas legais e contratuais sonegadas durante o período do contrato. Postula o reconhecimento da existência de vínculo empregatício com a ré, a partir de 30/09/2021, bem como seja declarada a nulidade da dispensa ocorrida em 06/03/2025, com a sua consequente reintegração. Sucessivamente, pede o pagamento de todas as verbas rescisórias atinentes a rescisão imotivada do contrato de trabalho, que especifica. Devidamente citada, a ré, estabelecendo o contraditório e os limites objetivos da lide, apresenta contestação na qual refuta a pretensão. Sustenta, em síntese, que a Uber é uma empresa de tecnologia utilizada pelos "Motoristas Parceiros" para a localização e captação de usuários visando o seu deslocamento. Argumenta que a Uber não explora a atividade empresarial de transportes, mas sim a "chamada economia de compartilhamento, especificamente da espécie “on-demand economy” (economia sob demanda), na qual, através de uma plataforma conectada à internet (aparelho celular), apresenta um grande número de consumidores (demanda) cadastrados na plataforma digital, à trabalhadores independentes (oferta), que também encontram-se cadastrados na mesma plataforma". Diz que os motoristas parceiros são trabalhadores independentes que se cadastram na plataforma com o intuito de maximizar os seus ganhos e, assim, prospectar os seus empreendimentos individuais, sendo que a Uber apenas cuida de fornecer a ferramenta capaz de hospedar as solicitações de viagens. Afirma que sua missão é conectar pessoas por meio do aplicativo, aproximando os prestadores de serviço independentes ("motoristas parceiros") e os usuários que desejam se deslocar em determinada região. Aduz que a relação jurídica firmada entre o autor e a Uber Brasil é meramente comercial (parceria comercial), decorrente da prestação de serviços de intermediação digital pela Uber ao motorista independente, lógica inversa da relação de trabalho, na qual o trabalhador é quem presta o serviço à entidade empresarial. Destaca que foi o autor quem contratou a Uber e pagou a ré pelo uso da plataforma, conforme indicam os "Termos e Condições Gerais dos Serviços de Intermediação Digital". Sustenta a ausência de subordinação, argumentando que, uma vez cadastrado na plataforma, o que era realizado sem qualquer seleção ou entrevista, bastando, por imperativo da legislação de trânsito, o envio de CNH e documento do carro a ser utilizado, além do aceite às condições dos "Termos de Uso", o autor escolhia onde, quando e como utilizaria o aplicativo disponibilizado pela ré, sem qualquer imposição ou ingerência da Uber, podendo ficar online quando quisesse, momento em que receberia solicitações de viagens. Aduz que o motorista possui total liberdade para recusar as viagens e cancelar aquelas já aceitas, sem punição ou prejuízo, podendo, ainda, ficar quanto tempo desejasse sem utilizar a plataforma. Defende que a Uber é mera intermediadora digital, não exercendo quaisquer dos poderes típicos de um empregador, e que a existência de uma política de conduta visa salvaguardar parâmetros mínimos da forma de utilização da plataforma, possuindo a finalidade de promover a viabilidade da plataforma e também proporcionar um ambiente sadio e seguro aos motoristas e aos usuários que acessam a plataforma. Argumenta que as avaliações recíprocas de motoristas e usuários, bem como o envio de sugestões da Uber aos motoristas, visam apenas garantir padrões mínimos de qualidade da plataforma e a segurança dos usuários e motoristas. Sustenta não haver habitualidade, eis que o autor atendia viagens em dias variáveis, sem rotina ou previsibilidade quanto ao uso da plataforma. Quanto ao estabelecimento dos valores da viagem pela reclamada, alega que possibilitar uma negociação casuística direta inviabilizaria a atividade e poderia ocasionar uma concorrência desleal dentro da plataforma. Em relação à onerosidade, defende ainda que o reclamante não recebeu pagamentos da Uber, mas sim pagou à empresa pelo uso do aplicativo ("Taxa de serviço"), ressaltando que o motorista recebe o maior percentual (75% do valor de cada viagem). Afirma que o motorista parceiro pode se fazer substituir por outro motorista que já esteja previamente cadastrado na plataforma, além de ter outros motoristas vinculados à sua conta e por ele contratados, se mantendo como motorista principal, não havendo pessoalidade, sendo possível o compartilhamento de veículo e de conta. Acrescenta haver possibilidade de cadastramento de pessoa jurídica, com vários motoristas vinculados e por ela contratados, sem ingerência da ré. Cita entendimento doutrinário e jurisprudencial de suporte à sua tese. Examino. Primeiramente, antes de se analisar o mérito propriamente dito, importante tecer breve contextualização acerca dos aspectos históricos, econômicos e sociais que permeiam o tema discutido nos presentes autos, ante a controvérsia acerca da matéria. A sociedade vem passando por diversas remodelações em sua organização ao longo do tempo, entre as quais a reestruturação produtiva do capital, que traz consigo importantes mudanças nas relações de trabalho. Na contemporaneidade, estamos diante da chamada Quarta Revolução Industrial, configurada na revolução tecnológica, com o aparecimento de tecnologias inovadoras, como a inteligência artificial, robótica e plataformas digitais, que, sem dúvida, repercutem no mundo do trabalho. As novas ferramentas tecnológicas, ao mesmo tempo que proporcionam um aumento da eficiência e qualidade nos processos produtivos, trazem novos desafios a serem enfrentados pela sociedade, considerando seu profundo impacto nas relações trabalhistas. Tais impactos não se restringem apenas à alteração de postos de trabalho, por exemplo, a partir da automação de processos, com a substituição das tarefas humanas, mas o que verificamos é uma significativa remodelação das relações trabalhistas e o surgimento de novas formas de organização do trabalho. As Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) no ambiente laboral, como o uso de plataformas digitais, são inovações que devem ser implementadas de forma a não criar ou mesmo ampliar formas precárias de trabalho. Diante desse cenário de desafios das relações trabalhistas frente às novas tecnologias, cumpre à Justiça do Trabalho resguardar eventuais prejuízos e violações aos direitos trabalhistas, garantindo a efetiva proteção aos trabalhadores. A aplicação da legislação trabalhista, já consolidada nas formas tradicionais de trabalho, deve atualizar-se de forma a acompanhar as inovações nas relações laborais, mantendo, dessa forma, as garantias aos trabalhadores, tão arduamente conquistadas ao longo da história. Nesse sentido, a OIT propõe, na Recomendação 198, que os Membros devem formular e aplicar políticas nacionais "clarificando e adotando o alcance de regulamentos e leis relevantes, no sentido de garantir proteção efetiva aos trabalhadores que executam seus trabalhos no contexto de uma relação de trabalho", que incluam, ao menos, medidas para: "combater as relações de trabalho disfarçadas no contexto de, por exemplo, outras relações que possam incluir o uso de outras formas de acordos contratuais que escondam o verdadeiro status legal, notando que uma relação de trabalho disfarçado ocorre quando o empregador trata um indivíduo diferentemente de como trataria um empregado de maneira a esconder o verdadeiro status legal dele ou dela como um empregado, e estas situações podem surgir onde acordos contratuais possuem o efeito de privar trabalhadores de sua devida proteção" (item 4.b da Recomendação 198 da OIT) Observando-se tais parâmetros, passo à análise do caso concreto. Cediço que o fenômeno sócio jurídico da relação de emprego emerge desde que reunidos os seus cinco elementos fático-jurídicos constitutivos exigidos pela legislação celetista na norma de seus artigos 2º e 3º, quais sejam: prestação de trabalho por pessoa física a outrem, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação. À análise de cada um dos requisitos legais do liame empregatício. Trabalho por Pessoa Física De acordo com o ilustre prof. Maurício Godinho Delgado "A prestação de serviços que o Direito do Trabalho toma em consideração é aquela pactuada por uma pessoa física. Os bens jurídicos tutelados pelo Direito do Trabalho importam à pessoa física, não podendo ser usufruídos por pessoas jurídicas. Assim, a figura do trabalhador há de ser, sempre, uma pessoa natural"; (Delgado. Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 8º Edição, Ltr, São Paulo: 2009, pág. 270) Desnecessário frisar que o autor é pessoa física. Pessoalidade Conforme enfatiza o emérito doutrinador Maurício Godinho Delgado "é essencial à configuração da relação de emprego que a prestação do trabalho, pela pessoa natural, tenha efetivo caráter de infungibilidade, no que tange ao trabalhador." (Delgado, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 15ª ed. São Paulo: LTr, 2016). Significa que o trabalhador não poderá fazer-se substituir por outro trabalhador para que o serviço seja realizado. Na prova emprestada, verifica-se no depoimento da testemunha Walter Tadeu Martins Filho, prestado nos autos n. 0010200-28.2022.5.03.0021, que “o cadastro é pessoal e intransferível” (Id. dfbbc7f, fl. 791). Verifica-se que a substituição de um trabalhador por outro, de forma indistinta, é vedada. O cadastro do motorista no aplicativo é feito intuitu personae, até mesmo com foto e identificação. Quanto à alegação da ré de que outro motorista cadastrado pode dirigir o mesmo veículo, cumpre esclarecer que o automóvel registrado por cada motorista em sua conta é apenas uma ferramenta de trabalho que, por sua própria natureza, não tem relação alguma de dependência com os elementos fático-jurídicos do vínculo de emprego. Assim, a permissão dada ao proprietário do veículo de vincular terceiros para dirigi-lo é absolutamente irrelevante, tratando-se apenas de uma expressão do poder diretivo daquele que organiza, controla e regulamenta a prestação dos serviços. Tanto é que a reclamada só permite que o trabalhador ceda o uso do veículo a outros motoristas previamente cadastrados em seu sistema, como reconhecido em defesa, destacando que o depoimento da testemunha Vitor de Lalor Rodrigues da Silva (processo 0100776- 82.2017.5.01.0026, transcrito na ata Id 86a8a17) deu-se no mesmo sentido: " que é possível o motorista cadastrar mais uma pessoa para conduzir o veículo" (fl. 786). Do mesmo modo, a alegada possibilidade de cadastramento de pessoa jurídica na plataforma, eis que também haverá a vinculação ao motorista. Fica claro, assim, que a ré mantém vínculo personalíssimo com cada motorista que utiliza sua plataforma, independentemente de este ser ou não o proprietário do veículo conduzido. Por último, a tese ventilada na defesa de que não há pessoalidade entre as partes, na medida em que o aplicativo apenas aciona o motorista mais próximo para atender à demanda do usuário, de forma aleatória. Tal argumento não procede. Não se pode confundir a pessoalidade da relação motorista-Uber com a impessoalidade da relação usuário-motorista. Assim, da mesma forma que, na maioria das vezes, não sabemos qual vendedor irá nos atender em uma loja de sapatos, não é dado ao usuário do aplicativo indicar qual motorista o transportará. Resta assim configurado o elemento da pessoalidade. Não eventualidade Maurício Godinho Delgado, em sua obra Curso de direito do trabalho, sistematiza os principais conceitos e teorias acerca da não-eventualidade: a teoria do evento, dos fins do empreendimento e da fixação jurídica ao tomador de serviços. Pondera o citado autor: "(...)a conduta mais sensata, nesse contexto, é valer-se o operador jurídico de uma aferição convergente e combinada das distintas teorias em cotejo com o caso concreto estudado, definindo-se a ocorrência ou não de eventualidade pela conjugação predominante de enfoques propiciados pelas distintas teorias." (op. Cit.pág.304). Neste sentido e pelo que revela todo o contexto fático probatório delineado nestes autos, tem-se que a melhor definição para a hipótese do presente caso é a teoria dos fins do empreendimento, combinada com a teoria da eventualidade. Sob o prisma dessa última, será considerado eventual o trabalhador admitido em virtude de um determinado e específico acontecimento ou evento, ensejador de obra ou serviço na empresa. Nesses casos, a duração do serviço será transitória, condicionada a existência do motivo da contratação. Eventualidade que não caracteriza o trabalho do autor. Os motoristas cadastrados no aplicativo da ré atendem à demanda intermitente pelos serviços de transporte e o documento anexado sob o Id c0c26d8, revela a prestação de serviços no período de 30/09/2021 a 06/03/2025. Apesar de a ré mencionar que o autor realizava corridas conforme sua conveniência de dias e horários, não sendo determinado pela ré a habitualidade, verifica-se que o motorista que não se ativa continuamente, pode sofrer punições por períodos de inatividade ou por não aceitar um chamado no aplicativo, ou até mesmo ser desligado do sistema, uma vez que a reclamada avalia, por meio da plataforma digital, todo o desempenho do motorista, inclusive a qualidade do serviço, por meio das denominadas "taxa de aceitação" e "taxa de cancelamento", demonstradas pelo documento nomeado "Política de Descadastramento", cujo título é "POLÍTICAS E REGRAS", sendo de conhecimento do Juízo através de outras ações em trâmite contra a mesma ré. Como se vê, a não-eventualidade não só caracteriza a natureza do trabalho realizado no contexto da atividade normal desempenhada pela ré, como também era exigida dos motoristas. Onerosidade É o pagamento, pelo empregador, ao empregado, de uma determinada remuneração em função do contrato de trabalho firmado por ambos. Verifica-se que a ré retinha um percentual dos valores das corridas realizadas, obtendo através dele o seu lucro. Ainda, nota-se que a ré conduzia toda a política de pagamento do serviço prestado. Subordinação De todos os elementos fático-jurídicos da relação de emprego, o mais importante é, sem sombra de dúvida, a subordinação. É em torno dela que se arquiteta, no fundo, o próprio Direito do Trabalho. É ela, outrossim, que demarca as principais fronteiras de aplicação da legislação trabalhista. Contudo, o conceito de subordinação, a despeito de sua importância, é também o mais complexo de se identificar em uma relação de trabalho. Primeiro, por se tratar de critério natural e historicamente elástico que com o passar do tempo precisou se expandir para se adaptar às mudanças ocorridas no mundo do trabalho. Segundo, porque é um elemento multidimensional como observa o Min. Maurício Godinho Delgado ao relatar o RR-119400-55.2007.5.03.0001: "(...) a subordinação jurídica, elemento cardeal da relação de emprego, pode se manifestar em qualquer das seguintes dimensões: a clássica , por meio da intensidade de ordens do tomador de serviços sobre a pessoa física que os presta; a objetiva , pela correspondência dos serviços deste aos objetivos perseguidos pelo tomador (harmonização do trabalho do obreiro aos fins do empreendimento); a estrutural, mediante a integração do trabalhador à dinâmica organizativa e operacional do tomador de serviços, incorporando e se submetendo à sua cultura corporativa dominante(...)." No presente caso, patente que o labor se desenvolvia na forma determinada pela ré, sendo a autora avaliada em respeito ao padrão de qualidade da empresa, podendo ser punida com suspensão ou rescisão contratual, sendo controlada pela ré a localização da autora e, por fim, fixados os requisitos para o cadastro do veículo e o preço a ser pago ao reclamante pelo serviço prestado. Presente, portanto, o requisito da subordinação. Tais condutas da ré são reveladas pela documentação acostada aos autos e, até mesmo, pelos termos da defesa, demonstrando que a ré detém todo o controle sobre a atividade desenvolvida pelo motorista, e restaram corroboradas na prova testemunhal (prova emprestada, convencionada nos termos da ata Id - f495e13): " se o motorista tiver uma nota baixa, ele recebe um e-mail automático informando que a nota dele está abaixo da média da região; se o motorista tiver sucessivas notas baixas, pode ser encerrada a parceria; existem promoções e incentivos para o motorista rodar em determinado local; não sabe dizer exatamente quem apura as notas mencionadas" (testemunha Chrystinni Andrade Souza, Id 643e08d, processo 0010075-53.2019.5.03.0025, fl. 544) Por fim, inconteste a presença da subordinação em sua matriz clássica. O reclamante estava submisso a ordens sobre o modo de desenvolver a prestação dos serviços, sujeita a aplicação de sanções disciplinares e a controle contínuo do seu trabalho. Além disso, não tinha autonomia na fixação de preços, escolha de seus clientes ou modo de prestar seus serviços. Não há autonomia plena como faz querer transparecer a ré, uma vez que o trabalhador não possui qualquer possibilidade de discussão das condições contratuais. Ou aceita os termos e condições estipulados ou não trabalha para a plataforma. A submissão a cadastro como condição para ingresso no negócio e a vinculação obrigatória a todos os termos estabelecidos, por si só, já demonstram o desequilíbrio de forças no contrato. Por fim, cumpre salientar que a autonomia revelada pela assunção de riscos, livre organização e apropriação dos resultados são elementos acidentais do negócio envolvendo a força de trabalho humano, de modo que o ônus da prova desses elementos reveladores da autonomia é da parte que alega sua presença (art. 818 da CLT e art. 373, II, do CPC). Reconhecido pela ré o fato constitutivo do direito do autor (prestação de serviços), incumbia-lhe o ônus de provar fato modificativo/impeditivo da relação de emprego (art. 818/CLT c/c art. 373, II, CPC), do qual não se desincumbiu. Quanto à natureza jurídica da ré, ao contrário do alegado em defesa, verifica-se das provas produzidas que a Uber não se trata de uma mera fornecedora de um aplicativo para o motorista e passageiro, havendo prestação de serviços de transporte, com regulação dessa atividade, agenciamento do cliente e determinação pela ré das condições em que o serviço havia de ser prestado e de seu preço. É de conhecimento público e notório que o consumidor, ao instalar qualquer aplicativo da mesma natureza daquele disponibilizado pela ré, busca um serviço de transporte, com preço mais acessível do que aquele cobrado por um serviço de táxi sob a concessão estatal. Não há qualquer interesse em apenas obter um item tecnológico. Se houvesse simples disponibilização de aplicativo para conectar usuários e motoristas, não haveria requisitos para ingressar na plataforma, muito menos necessidade de apresentação de documentos, aprovação de cadastro e exigências relativas ao veículo. Também não há como acolher a argumentação da ré de que há tão somente relação comercial entre as partes, o que se mostra equivocado, visto não ser possível a uma das partes de uma relação comercial determinar condições para a outra, pena de não se estar diante de uma relação comercial. Nessa última, há liberdade e verdadeira discussão acerca das condições do contrato, inclusive preço, o que não ocorre neste caso. Vê-se ainda que os requisitos para manutenção do contrato não se coadunam com a mera disponibilização de aplicativo, tampouco com autonomia na prestação de serviços, criando-se regras a serem observadas pelo motorista, inclusive em relação à qualidade do serviço e do veículo, havendo avaliações, aplicando-se pena de suspensão ou, até mesmo, rescisão do pacto, caso houvesse avaliações ruins. Destaco a decisão proferida pela 15ª Turma do TRT-2ª Região, de relatoria da Desembargadora Beatriz de Lima Pereira, em que foi reconhecido o vínculo empregatício entre o motorista e a UBER (processo n. 1000123-89.2017.5.02.0038). Peço vênia, para adotar, também como razões de decidir, os fundamentos expostos em referido acórdão, pela excelência de seus argumentos: "(...) No que respeita ao objetivo empresarial das demandadas, é falacioso o argumento utilizado na medida em que há controle da concretização do serviço de transporte prestado pelo motorista, dito parceiro. Se se tratasse de mera ferramenta eletrônica, por certo as demandadas não sugeririam o preço do serviço de transporte a ser prestado e sobre o valor sugerido estabeleceriam o percentual a si destinado. Também não condicionariam a permanência do motorista às avaliações feitas pelos usuários do serviço de transporte. Simplesmente colocariam a plataforma tecnológica à disposição dos interessados, sem qualquer interferência no resultado do transporte fornecido, e pelo serviço tecnológico oferecido estabeleceriam um preço/valor fixo a ser pago pelo motorista pelo tempo de utilização, por exemplo. Na verdade, como bem observado na decisão proferida pelo MM. Juiz do Trabalho, Dr. Eduardo Rockenbach Pires, nos autos do processo n.º 1001492-33-2016-5-02-0013: "A ré oferece no mercado um produto principal: o transporte de passageiros. O aplicativo é um instrumento, um acessório ao bom funcionamento do serviço. E os consumidores do produto da ré não são os motoristas, mas sim os passageiros (...) o valor que cabe à empresa é extraído do serviço de transporte prestado ao consumidor passageiro. Logo, como o excedente do capitalista é extraído na circulação de sua mercadoria, conclui-se com segurança que a mercadoria com que a ré atua não é o aplicativo, e sim o serviço de transporte." E a confirmação dessa conclusão também pode ser extraída da confissão das demandadas de que contratam seguro de acidentes pessoais em favor de seus usuários, ou seja, aqueles que se utilizam do transporte, o que, em última instância, revela assumirem a responsabilidade pela integridade física dos usuários (fl. 616/617). Portanto, é patente a finalidade empresarial das demandadas: o transporte de passageiros. Também não prospera o argumento de que a relação existente entre as demandadas e o demandante trata-se de modelo de economia compartilhada. Esta, na sua essência, representa a prática de divisão do uso de serviços e produtos, numa espécie de consumo colaborativo, mas numa perspectiva horizontal, propiciada, em regra, pelas tecnologias digitais. Assim, no campo da mobilidade urbana, tal prática pode ser identificada nas práticas de carona compartilhada, na qual os usuários, valendo-se de plataformas tecnológicas, compartilham o transporte. E a propósito dessa prática, os especialistas não reconhecem na atividade desenvolvida pelas demandadas a existência efetiva de compartilhamento, observando que, na realidade, tais empresas lucram sem nada compartilhar, o que inclusive deu ensejo à criação do termo ridewashing (revestir de outro significado) o compartilhamento ou a carona no transporte. Exemplo genuíno dessa prática é a Oficina da Mesa, em São Paulo, que, com a instalação de uma cozinha industrial, possibilita o atendimento de empreendedores individuais no ramo de fornecimento de alimentos que antes, em regra, confeccionavam as refeições ou os alimentos comercializados nas dependências das cozinhas de suas residências. Pela utilização da cozinha industrial pagam um aluguel por hora independentemente do produto comercializado, não havendo, ainda, nenhuma ingerência do "dono" da cozinha industrial sobre o valor a ser cobrado pelo serviço prestado. Nesse contexto, não é possível também acolher a alegação das demandadas de que o sistema por ela gerenciado se trata de modelo de economia compartilhada. Resta, assim, examinar a natureza da relação existente entre as demandadas e o demandante, no caso dos autos. As demandadas, como já mencionado anteriormente, negam a existência de habitualidade, onerosidade, pessoalidade e subordinação. Contudo, os elementos de prova existentes nos autos sinalizam em direção diversa. A habitualidade está amplamente comprovada pelos documentos juntados às fl. 230/372, pelo demandante, a indicar que, no período de 14/07/2015 a 14/06/2016, o trabalho de motorista foi realizado de modo habitual. A onerosidade, do mesmo modo, é inequívoca, pois pela realização do serviço de transporte era o demandante remunerado, pouco importando que o seu ganho não fosse custeado diretamente pelas empresas demandadas. A melhor doutrina e a jurisprudência predominante dos tribunais trabalhistas há muito já reconhecem que a remuneração do empregado pode ser paga por terceiros. A propósito, vale citar a lição do saudoso Magistrado, Dr. Aluysio Sampaio, na página 118 da obra "Contrato Individual do Trabalho em sua vigência" (Editora dos Tribunais - 1982), de acordo com a qual: "Salário ou remuneração é, pois, a contraprestação devida pelo empregador - seja diretamente paga por ele ou por terceiros, como a gorjeta. À primeira vista, dada a compreensão corrente do instituto, a afirmativa poderá causar estranheza. Mas, desde que aceita a sinonímia entre salário e remuneração, espancam-se quaisquer dúvidas. Dir-se-á que aquilo pago por terceiros não pode constituir obrigação do empregador. Ledo engano: o que o empregador proporciona ao empregado não é estritamente a paga pelos serviços prestados, mas a oportunidade de ganho. Sabe-se, por exemplo, que são comuns os casos de garçons que pouco percebem diretamente do empregador, mas ganham quantias expressivas a título de gorjetas. Em certos casos, os garçons não se importam com o valor do salário pago diretamente pelo empregador, pois a parte substancial de seu ganho resulta das gorjetas pagas por terceiros. A prestação essencial devida pelo empregador ao empregado não é estritamente a remuneração direta, em espécie ou utilidades, mas a efetiva oportunidade de ganhos." Na espécie, os mesmos documentos antes citados revelam que as demandadas concentravam em seu poder, em regra, os valores pagos pelos usuários, realizando posteriormente o repasse ao demandante. Cumpre assentar também que o fato de ser reservado ao motorista o equivalente a 75% a 80% do valor pago pelo usuário não pode caracterizar, no caso, a existência de parceria, pois conforme indicado no depoimento pessoal do demandante (fl. 1101/1102), sem contraprova das empresas, ele arcava com as seguintes despesas: aluguel do veículo, despesas com sua manutenção, combustível, telefone celular e provedor da internet. O que, convenhamos, somam despesas elevadas, especialmente se considerarmos em comparação ao exemplo citado, em decisão judicial invocada pelas demandadas, das manicures em relação aos salões de beleza. Aqui, as despesas da manicure são mínimas e, portanto, o fato de receberem percentuais superiores a 50% pode mesmo configurar a uma relação de parceria. A pessoalidade, por seu turno, é inequívoca e confessada pelas demandadas. Argumentam que um mesmo veículo pode ser utilizado por vários motoristas, o que, a seu juízo, descaracterizaria a pessoalidade. Entretanto, admitem e confessam que o motorista deve ser sempre cadastrado, do que resulta conclusão em sentido diametralmente contrário, ou seja, o que importa é quem está conduzindo o veículo. Por fim, resta examinar a alegação de ausência de subordinação. Aduziram as demandadas que o motorista possui total autonomia na execução do trabalho, pode exercer uma segunda atividade profissional, não é submetido a regra de condutas, pode recusar viagens e também pode conceder desconto aos usuários. Contudo, mais uma vez, verifico que os elementos de prova existentes nos autos não refletem essa realidade. Quanto à existência de total autonomia do motorista, o próprio depoimento da preposta ouvida em Juízo à fl. 1102, revela que o valor a ser cobrado pelo usuário é "sugerido" pelas empresas e que o motorista pode dar desconto a ele. Entretanto, no caso de concessão de desconto pelo motorista, o valor destinado às empresas permanecerá calculado sobre aquele por elas sugerido. De acordo com a preposta "...o valor das viagens é sugerido pela UBER: tempo x distância; que o percentual da taxa da uber varia de 20% a 25%, de acordo com a categoria; que o percentual recebido não inclui o desconto ofertado pelo motorista ao cliente...". Portanto, não se pode cogitar de plena autonomia na medida de que a taxa de serviços não pode ser alterada. Do mesmo modo, a afirmação de que o motorista pode ficar ilimitadamente off-line e recusar solicitações de modo ilimitado também não condiz com a necessidade empresarial e com a realidade vivenciada na relação empresa/motorista /usuário. Fosse verdadeira tal afirmação, o próprio empreendimento estaria fadado ao insucesso, pois as empresas correriam o risco evidente de, em relação a determinados locais e horários, não dispor de um único motorista para atender o usuário. Ademais, as empresas se valem de mecanismos indiretos para obter o seu intento de disponibilidade máxima do motorista às necessidades dos usuários por elas atendidos. De acordo com o depoimento do demandante, sem contraprova das demandadas "...o depoente recebia incentivo se atingisse o número de 45 clientes por semana; que se não atingisse não recebia apenas o incentivo; que podia deixar o telefone off line; (...) que podia cancelar corrida, porém recebia informação de que a taxa de cancelamento estava alta e que poderia ser cortado; que existia um limite de cancelamento, mas não sabe informar qual era esse limite..." (fl.1101). Também não aproveita às demandadas o argumento de que o motorista é livre para exercer uma segunda atividade profissional, pois a exclusividade não figura como requisito da relação de emprego. Por fim, a alegação de que as empresas não impõem aos motoristas regras de conduta tampouco restou comprovada. Há confissão das demandadas de que as avaliações dos usuários são decisivas para a manutenção do cadastro do motorista. Aliás, a preposta, ouvida em audiência, admitiu que o demandante foi desligado exatamente por ter avaliação abaixo da média. "...que acredita que o reclamante foi desligado por conta da sua avaliação abaixo da média" (fl. 1012). É preciso registrar, nesse passo, que a relação existente entre as demandadas e os motoristas que lhes servem não se caracteriza pelo modelo clássico de subordinação e de que, assim, a depender do caso concreto sob exame, poderá não haver a configuração do vínculo de emprego, especialmente nos casos em que a prestação de serviços se revelar efetivamente eventual. Por isso, o exame das demandas judiciais que envolvem os novos modelos de organização do trabalho deve se dar à luz das novas concepções do chamado trabalho subordinado ou para subordinado, especialmente considerando o avanço da tecnologia. Aliás, a alteração introduzida pela Lei 12. 551/2011 no art. 6.º da CLT, é expressiva na direção ora apontada. De acordo com o parágrafo único "Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalhado alheio." E a respeito desses novos modelos, indispensável mencionar o "Relatório Conclusivo" do Grupo de Estudos "GE UBER" do Ministério Público do Trabalho, juntado aos autos às fl. 1245/1285. "A MUTAÇÃO DA SUBORDINAÇÃO - AS CONSTANTES REESTRUTURAÇÕES PRODUTIVAS O direito do trabalho como o conhecemos surge nos moldes da organização produtiva do tipo fordista/taylorista, em que trabalhadores eram reunidos em subordinação de estilo militar, para o controle do exército de trabalhadores. A subordinação, assim, tinha uma dimensão pessoal de controle direto, por meio de ordens dadas por escala hierárquica rígida de prepostos do empregador. A subordinação do estilo militar surge como nota característica da organização industrial, que logo se espraia por todos os setores empresariais como ideal-tipo. Com o avanço da tecnologia, a forma com que se apresentava a subordinação sofreu mutação. Inicialmente, na reestruturação produtiva do tipo toyotista ou pós-fordista, iniciada nos anos 1970, a subordinação já se apresenta de forma mais sutil, na forma de integração na estrutura produtiva. O "dar ordens" passa a menos militarizado, desconcentrando-se as unidades produtivas. A organização do trabalho, atualmente, conhecida como Revolução Digital ou Crowdsourcing, tem a potencialidade de mudar toda a forma que é realizado o controle dos trabalhadores. Não é mais concebida como uma engrenagem - na imagem de Charles Chaplin em Tempos Modernos -, mas como um sistema programável no qual os trabalhadores são unidades capazes de reagir aos sinais que eles recebem em função da programação realizada - nos moldes previstos por George Orwell em 1984 e pela distópica série do Netflix Black Mirror. No âmbito do antigo modelo, o Direito permitiu a ficção do direito de propriedade do homem sobre si mesmo e a alienação da mercadoria fictícia "força de trabalho", com a neutralização das faculdades mentais do trabalhador pela "organização científica do trabalho". O contrato de trabalho deu a forma jurídica à dissociação do sujeito pensante, reduzido à figura do contratante, e de um trabalho desubjetivado, reduzido a uma quantidade de tempo subordinado. O contrato de trabalho - e o direito do trabalho -, por garantirem o mínimo de segurança física e econômica necessária à manutenção de sua capacidade de trabalho no tempo longo da vida humana, possibilitaram a instituição do mercado de trabalho e tornaram caducas as figuras da escravidão e da corporação de ofício. O modelo organizacional da cibernética - e, portanto, da governança -, tenta bagunçar essa montagem jurídica, pois trata o ser humano como uma máquina inteligente. O trabalho não se apresenta mais como uma coisa, mas sim como uma fonte de energia do homem, energia que é sua propriedade, e que se pode ser por ele alugada. Um novo tipo de sujeito surge: o "sujeito objetivo", movido pelo cálculo, capaz de se adaptar em tempo real às variações do ambiente para atingir os objetivos que lhe são assinalados. Nesse contexto apresenta-se o "trabalhador flexível". Desenha-se, assim, um novo tipo de liame de direito que, à diferença do contrato, não tem por objeto uma quantidade de trabalho, mas a própria pessoa do trabalhador. Temos que lembrar sempre, por outro lado, que cibernética vem de direção, controle, governo. O controle da massa de trabalhadores para a realização de atividade econômica sempre vai ser necessário, alterando-se somente a forma. Enquanto o taylorismo/fordismo centrava-se na subordinação do trabalhador a uma racionalidade que lhe restava exterior, agora o foco está na sua programação, pela apresentação de metas, regras e medida dos resultados do trabalho por meio de indicadores estatísticos. É importante, no entanto, que o sujeito se aproprie desta avaliação para reagir positivamente à lacuna que ela revela entre sua performance e seus objetivos. Segundo Supiot, sob o regime fordista, o contrato de trabalho, de uma forma geral, apresenta-se como uma troca quantificada: em contrapartida a uma quantidade de horas de trabalho, o trabalhador recebe uma parcela de dinheiro. Isso somente foi possível pela legitimação dada pelo direito do trabalho, que colocou a subordinação jurídica no ponto central: o trabalhador abdica de toda liberdade durante o tempo que vendeu ao empregador, estando pronto a obedecer às ordens do contratante. Neste ponto há de se fazer um parêntese para explicar que essa é a forma mais usual de formatação do trabalho, não sendo jamais questionada a condição de empregado daquele que se coloca à disposição de um contratante para realizar trabalho, sendo-lhe quantificado o seu salário pela sua produção, e não pelo tempo à disposição do empregador, como é comum e ordinário no comércio (comissões) e mesmo na indústria (confecção, por exemplo). O ponto em comum, então, seria a colocação de tempo - determinado ou não - à disposição do empregador com a definição pelo contratante dos métodos de trabalho e aquisição por este do resultado final. No novo regime, a organização do trabalho - e consequentemente o seu controle - apresenta-se de forma diferente: é a programação por comandos. Restitui-se ao trabalhador certa esfera de autonomia na realização da prestação. Esta é a direção por objetivos. A partir da programação, da estipulação de regras e comandos preordenados e mutáveis pelo seu programador, ao trabalhador é incumbida a capacidade de reagir em tempo real aos sinais que lhe são emitidos para realizar os objetivos assinalados pelo programa. Os trabalhadores, nesse novo modelo, devem estar mobilizados e disponíveis à realização dos objetivos que lhe são consignados...". "...A subordinação dos dirigidos aos dirigentes cede à ideia do controle por "stick"(porrete) e "carrots" (premiação). Aqueles que seguem a programação recebem premiações, na forma de bonificações e prêmios; aqueles que não se adaptarem aos comandos e objetivos, são cortados ou punidos. Próprio da nova organização do trabalho, em que os trabalhos devem ser permanentemente inseguros - e a insegurança deve estar inculcada na mente das pessoas - para que o controle possa ser realizado da forma mais eficiente, e os objetivos melhor alcançados. A ideia é da mobilização total: os trabalhadores devem estar disponíveis a todo momento. Essa mobilização, diferentemente do fordismo-taylorismo, visa dominar não o corpo dos trabalhadores, mas seus espíritos, cedendo a obediência mecânica em prol da busca pelos trabalhadores do atingimento dos objetivos traçados pela empresa, a partir da esfera de autonomia concedida, que implica que o trabalhador seja sempre transparente aos olhos do empregador, que a todo momento tem o poder de mensurar e avaliar seu funcionamento. Aqui está, então, outro ponto central na organização por comandos ou programação, que é a avaliação da realização dos objetivos, corolária da autonomia concedida aos trabalhadores, estando onipresente nos dispositivos de governança pelos números. São, assim, criados diversos métodos e técnicas de avaliação dos trabalhadores, não somente em relação à quantificação dos objetivos, mas também são construídos dispositivos de análise qualitativa do trabalho realizado. A relação entre trabalhador e empresa passa por uma nova nomenclatura: é uma relação de aliança, em uma refeudalização das relações. O liame da aliança implica em um engajamento ainda maior da pessoa do trabalhador, pois ao invés de se fixar em obedecer mecanicamente a ordens dadas em tempo e lugar anteriormente fixados, devem os trabalhadores se mobilizar totalmente para a realização dos objetos que lhe são consignados e se submeter aos processos de avaliação de sua performance. Também é essencial na direção por objetivos o crescimento da influência da empresa na vida pessoal do trabalhador. É próprio do trabalho assalariado a reificação da pessoa que é, ao mesmo tempo, objeto e sujeito do contrato de trabalho, sendo que, de maneira recíproca, é reconhecida sua condição de pessoa. A desestabilização dos quadros espaços-temporais de execução do trabalho e a autonomia programada conduzem não a uma redução, mas a um aumento do engajamento da pessoa do trabalhador. Assim, o controle por programação ou comandos (ou por algoritmo) é a faceta moderna da organização do trabalho. Passa-se da ficção do trabalhador-mercadoria para a ficção do trabalhador-livre, em aliança neofeudal com a empresa. Altera-se a formatação, mas resta a natureza: a) de um lado as pessoas, travestidas em realidades intersubjetivas denominadas empresas, que detêm capital para investir na produção e serviços e b) do outro lado os demais indivíduos que têm somente o trabalho a ser utilizado e apropriado por essas realidades intersubjetivas para a realização de sua atividade econômica. A exploração dos segundos pelos primeiros continua a mesma". Em consequência, considerando as peculiaridades do caso dos autos, acolho o inconformismo do demandante para reconhecer o vínculo de emprego entre as partes (...)" Verifica-se, pois, na relação havida entre as partes, o poder de direção da ré, conduzindo o modus faciendi da prestação de trabalho. Configurada, pois, a subordinação jurídica. Nesse sentido o entendimento jurisprudencial, em caso similar: “AÇÃO PROPOSTA NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. RECURSO DO AUTOR. MOTORISTA DE APLICATIVO. UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. EMPRESAS DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS. PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE ART. 9º, 442 DA CLT E RECOMENDAÇÃO 198 DA OIT. VÍNCULO DE EMPREGO. PRESENÇA DOS ELEMENTOS FÁTICO-JURÍDICOS CONTIDOS NOS ART. 2º, 3º e 6º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CLT. SUBORDINAÇÃO E CONTROLE POR PROGRAMAÇÃO ALGORÍTMICA. CONFIGURAÇÃO. A tão falada modernidade das relações através das plataformas digitais, defendida por muitos como um sistema colaborativo formado por "empreendedores de si mesmo", tem ocasionado, em verdade, um retrocesso social e precarização das relações de trabalho. Nada obstante o caráter inovador da tecnologia, o trabalho on demand através de aplicativo tem se apresentado como um "museu de grandes novidades": negativa de vínculo de emprego, informalidade, jornadas exaustivas, baixa remuneração e supressão de direitos trabalhistas como férias e décimo terceiro salário. Comprovando-se nos autos que o autor, pessoa física e motorista da UBER, plataforma de trabalho sob demanda que utiliza a tecnologia da informação para prestação de serviços de transporte, laborava em favor desta com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação, seguindo diretrizes de controle algorítmico e padrão de funcionamento do serviço, impõe-se o reconhecimento do vínculo de emprego pleiteado com o pagamento das verbas trabalhistas e rescisórias a ele inerentes..(TRT-13 - RO: 00006996420195130025 0000699-64.2019.5.13.0025, 2ª Turma, Data de Publicação: 25/09/2020) Ainda que assim não fosse, o caso em comento apresenta óbvia subordinação estrutural, a qual se dá pelo próprio envolvimento do trabalhador no mecanismo produtivo da empresa, vale dizer, os serviços prestados pela autora estão no cerne da atividade fim da ré, sendo desnecessário que haja comandos diretivos verticalizados, tal como necessários à configuração da subordinação hierárquica clássica. A finalidade da ré é prestar serviços de transporte de passageiro, sendo que o motorista, além de essencial a suas atividades, estava obrigado a seguir todas as suas normas organizacionais na execução de suas atividades. Neste sentido, a jurisprudência: “Nesse ambiente pós-grande indústria, cabe ao trabalhador ali inserido habitualmente apenas "colaborar". A nova organização do trabalho, pelo sistema da acumulação flexível, imprime uma espécie de cooperação competitiva entre os trabalhadores que prescinde do sistema de hierarquia clássica. Em certa medida, desloca-se a concorrência do campo do capital, para introjetá-la no seio da esfera do trabalho, pois a própria equipe de trabalhadores se encarrega de cobrar, uns dos outros, o aumento da produtividade do grupo; processa-se uma espécie de sub-rogação horizontal do comando empregatício. A subordinação jurídica tradicional foi desenhada para a realidade da produção fordista e taylorista, fortemente hierarquizada e segmentada. Nela prevalecia o binômio ordem-subordinação. Já no sistema ohnista, de gestão flexível, prevalece o binômio colaboração-dependência, mais compatível com uma concepção estruturalista da subordinação. Nessa ordem de idéias, é irrelevante a discussão acerca da ilicitude ou não da terceirização, como também a respeito do disposto no art. 94, II da Lei 9.472/97, pois no contexto fático em que se examina o presente caso, ressume da prova a subordinação do reclamante-trabalhador ao empreendimento de telecomunicação, empreendimento esse que tem como beneficiário final do excedente do trabalho humano a companhia telefônica. Vale lembrar que na feliz e contemporânea conceituação da CLT " artigo 2º, caput - o empregador típico é a empresa e não um ente determinado dotado de personalidade jurídica. A relação de emprego exsurge da realidade econômica da empresa e do empreendimento, mas se aperfeiçoa em função da entidade final beneficiária das atividades empresariais.”.(TRT 3a. R. 1a. T. - Proc. 00059-2007-011-03-00-0-RO – Rel. Juiz José Eduardo de Resende Chaves Júnior – publ. DJMB 03/08/2007 Destaco, por fim, a decisão proferida pela 3ª Turma do TST, nos autos do processo 100353-02.2017.5.01.0066, da lavra do Ministro Relator Maurício Godinho Delgado, reconhecendo o vínculo com a Uber, que pela excelência dos fundamentos, peço vênia para adotar aqui, também como razões de decidir: RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO MANTIDA ENTRE OS TRABALHADORES PRESTADORES DE SERVIÇOS E EMPRESAS QUE ORGANIZAM, OFERTAM E EFETIVAM A GESTÃO DE PLATAFORMAS DIGITAIS DE DISPONIBILIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE AO PÚBLICO, NO CASO, O TRANSPORTE DE PESSOAS E MERCADORIAS. NOVAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DA FORÇA DE TRABALHO HUMANA NO SISTEMA CAPITALISTA E NA LÓGICA DO MERCADO ECONÔMICO. ESSENCIALIDADE DO LABOR DA PESSOA HUMANA PARA A CONCRETIZAÇÃO DOS OBJETIVOS DA EMPRESA. PROJEÇÃO DAS REGRAS CIVILIZATÓRIAS DO DIREITO DO TRABALHO SOBRE O LABOR DAS PESSOAS NATURAIS. INCIDÊNCIA DAS NORMAS QUE REGULAM O TRABALHO SUBORDINADO DESDE QUE NÃO DEMONSTRADA A REAL AUTONOMIA NA OFERTA E UTILIZAÇÃO DA MÃO DE OBRA DO TRABALHADOR (ART. 818, II, DA CLT). CONFLUÊNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS HUMANISTAS E SOCIAIS QUE ORIENTAM A MATÉRIA (PREÂMBULO DA CF/88; ART. 1º, III E IV; ART. 3º, I, II, III E IV; ART. 5º, CAPUT; ART. 6º; ART. 7º, CAPUT E SEUS INCISOS E PARÁGRAFO ÚNICO; ARTS. 8º ATÉ 11; ART. 170, CAPUT E INCISOS III, VII E VIII; ART. 193, TODOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988). VÍNCULO DE EMPREGO. DADOS FÁTICOS CONSTANTES DO ACÓRDÃO REGIONAL REFERINDO-SE A RELAÇÃO SOCIOECONÔMICA ABRANGENTE DE PERÍODO DE QUASE DOIS MESES. PRESENÇA DOS ELEMENTOS INTEGRANTES DA RELAÇÃO EMPREGATÍCIA. INCIDÊNCIA, ENTRE OUTROS PRECEITOS, TAMBÉM DA REGRA DISPOSTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 6º DA CLT (INSERIDA PELA LEI n. 12.551/2011), A QUAL ESTABELECE QUE “OS MEIOS TELEMÁTICOS E INFORMATIZADOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO SE EQUIPARAM, PARA FINS DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA, AOS MEIOS PESSOAIS E DIRETOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO DO TRABALHO ALHEIO”. PRESENÇA, POIS, DOS CINCO ELEMENTOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO, OU SEJA: PESSOA HUMANA PRESTANDO TRABALHO; COM PESSOALIDADE; COM ONEROSIDADE; COM NÃO EVENTUALIDADE; COM SUBORDINAÇÃO. ÔNUS DA PROVA DO TRABALHO AUTÔNOMO NÃO CUMPRIDO, PROCESSUALMENTE (ART 818, CLT), PELA EMPRESA DE PLATAFORMA DIGITAL QUE ARREGIMENTA, ORGANIZA, DIRIGE E FISCALIZA A PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS ESPECIALIZADOS DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE. Cinge-se a controvérsia do presente processo em definir se a relação jurídica havida entre o Reclamante e a Reclamada – Uber do Brasil Tecnologia Ltda. – configurou-se como vínculo de emprego (ou não). A solução da demanda exige o exame e a reflexão sobre as novas e complexas fórmulas de contratação da prestação laborativa, algo distintas do tradicional sistema de pactuação e controle empregatícios, e que ora se desenvolvem por meio da utilização de plataformas e aplicativos digitais, softwares e mecanismos informatizados semelhantes, todos cuidadosamente instituídos, preservados e geridos por sofisticadas (e, às vezes, gigantescas) empresas multinacionais e, até mesmo, nacionais. É importante perceber que tais sistemas e ferramentas computadorizados surgem no contexto do aprofundamento da revolução tecnológica despontada na segunda metade do século XX (ou, um pouco à frente, no início do século XXI), a partir da informática e da internet, propiciando a geração de um sistema empresarial de plataformas digitais, de amplo acesso ao público, as quais permitem um novo meio de arregimentação de mão de obra, diretamente por intermédio desses aplicativos digitais, que têm o condão de organizar, direcionar, fiscalizar e zelar pela hígida prestação de serviços realizada ao cliente final. A modificação tecnológica e organizacional ocorrida nas duas últimas décadas tem sido tão intensa que há, inclusive, autores e correntes de pensamento que falam na existência de uma quarta revolução tecnológica no sistema capitalista. Evidentemente que essa nova estrutura de organização empresarial e de prestação de serviços facilita a aproximação e a comunicação na sociedade e no âmbito da prestação de serviços ao público alvo, seja este formado por pessoas físicas ou por instituições. Porém a lógica de sua estruturação e funcionamento também tem sido apreendida por grandes corporações empresariais como oportunidade ímpar para reduzirem suas estruturas produtivas e, especialmente, o custo do trabalho utilizado e imprescindível para o bom funcionamento econômico da entidade empresarial. De nenhuma valia econômica teria este sistema organizacional e tecnológico, conforme se percebe, se não houvesse, é claro, a prestação laborativa por ele propiciada ao público alvo objetivado – neste caso, se não existissem motoristas e carros organizadamente postos à disposição das pessoas físicas e jurídicas. Realmente, os impactos dessa nova modalidade empresarial e de organização do trabalho têm sido diversos: de um lado, potenciam, fortemente, a um custo mais baixo do que o precedente, a oferta do trabalho de transporte de pessoas e coisas no âmbito da sociedade; de outro lado, propiciam a possibilidade de realização de trabalho por pessoas desempregadas, no contexto de um desemprego agudo criado pelas políticas públicas e por outros fatores inerentes à dinâmica da economia; mas, em terceiro lugar, pela desregulamentação amplamente praticada por este sistema, gerando uma inegável deterioração do trabalho humano, uma lancinante desigualdade no poder de negociação entre as partes, uma ausência de regras de higiene e saúde do trabalho, uma clara falta de proteção contra acidentes ou doenças profissionais, uma impressionante inexistência de quaisquer direitos individuais e sociais trabalhistas, a significativa ausência de proteções sindicais e, se não bastasse, a grave e recorrente exclusão previdenciária. O argumento empresarial, em tal quadro, segue no sentido de ser o novo sistema organizacional e tecnológico tão disruptivo perante a sistemática de contratação anterior que não se fazem presentes, em sua estrutura e dinâmica, os elementos da relação empregatícia. E, efetivamente, é o que cabe examinar, afinal, no presente processo. Passa-se, dessa maneira, ao exame da relação socioeconômica e jurídica entre as partes do presente processo, respeitados os aspectos fáticos lançados pelo próprio acórdão regional, como determina a Súmula 126 do TST. Nesse exame, sem negligenciar a complexidade das questões que envolvem a discussão dos autos, o eventual enquadramento como vínculo empregatício da relação jurídica entre o prestador de serviços e as plataformas digitais, pelo Poder Judiciário Trabalhista no Brasil, vai depender das situações fáticas efetivamente demonstradas, as quais, por sua própria complexidade, podem abarcar inúmeras e múltiplas hipóteses. A propósito, no Direito brasileiro existe sedimentada presunção de ser empregatício o vínculo jurídico formado — regido pela Constituição da República (art. 7º) e pela CLT, portanto —, desde que seja incontroversa a prestação de serviços por uma pessoa natural a alguém (Súmula 212, TST). Essa presunção jurídica relativa (não absoluta, esclareça-se) é clássica ao Direito do Trabalho, em geral, resultando de dois fatores historicamente incontestáveis: a circunstância de ser a relação de emprego a regra geral de conexão dos trabalhadores ao sistema socioeconômico capitalista; a circunstância de a relação de emprego, desde o surgimento do Direito do Trabalho, ter se tornado a fórmula mais favorável e protegida de inserção da pessoa humana trabalhadora na competitiva e excludente economia contemporânea. No Brasil, desponta a singularidade de esta antiga presunção jurídica ter sido incorporada, de certo modo, até mesmo pela Constituição da República de 1988, ao reconhecer, no vínculo empregatício, um dos principais e mais eficazes instrumentos de realização de notável bloco de seus princípios cardeais, tais como o da dignidade do ser humano, o da centralidade da pessoa humana na ordem jurídica e na vida socioeconômica, o da valorização do trabalho e do emprego, o da inviolabilidade física e psíquica da pessoa humana, o da igualdade em sentido substancial, o da justiça social, o do bem-estar individual e social, o da segurança e o da subordinação da propriedade à sua função socioambiental. Com sabedoria, a Constituição percebeu que não se criou, na História do Capitalismo, nessa direção inclusiva, fórmula tão eficaz, larga, abrangente e democrática quanto a estruturada na relação de emprego. Convergindo inúmeros preceitos constitucionais para o estímulo, proteção e elogio à relação de emprego (ilustrativamente: Preâmbulo da CF/88; art. 1º, III e IV; art. 3º, I, II, III e IV; art. 5º, caput; art. 6º; art. 7º, caput e seus incisos e parágrafo único; arts. 8º até 11; art. 170, caput e incisos III, VII e VIII; art. 193, todos do Texto Máximo de 1988), emerge clara a presunção também constitucional em favor do vínculo empregatício no contexto de existência de incontroversa prestação de trabalho na vida social e econômica. De par com isso, a ordem jurídica não permite a contratação do trabalho por pessoa natural, com os intensos elementos da relação de emprego, sem a incidência do manto mínimo assecuratório da dignidade básica do ser humano nessa seara da vida individual e socioeconômica. Em consequência, possuem caráter manifestamente excetivo fórmulas alternativas de prestação de serviços a alguém, por pessoas naturais, como, ilustrativamente, contratos de estágio, vínculos autônomos ou eventuais, relações cooperativadas e as fórmulas intituladas de “pejotização” e, mais recentemente, o trabalho de transporte de pessoas e coisas via arregimentação e organização realizadas por empresas de plataformas digitais. Em qualquer desses casos, estando presentes os elementos da relação de emprego, esta prepondera e deve ser reconhecida, uma vez que a verificação desses pressupostos, muitas vezes, demonstra que a adoção de tais práticas se dá, essencialmente, como meio de precarizar as relações empregatícias (art. 9º, da CLT). Nesse aspecto, cumpre enfatizar que o fenômeno sóciojurídico da relação empregatícia emerge quando reunidos os seus cinco elementos fático-jurídicos constitutivos: prestação de trabalho por pessoa física a outrem, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação. Observe-se que, no âmbito processual, uma vez admitida a prestação de serviços pelo suposto empregador/tomador de serviços, a ele compete demonstrar que o labor se desenvolveu sob modalidade diversa da relação de emprego, considerando a presunção (relativa) do vínculo empregatício sedimentada há várias décadas no Direito do Trabalho, conforme exaustivamente exposto. A análise casual das hipóteses discutidas em Juízo, portanto, deve sempre se pautar no critério do ônus da prova – definido no art. 818 da CLT -, competindo ao obreiro demonstrar a prestação de serviços (inciso I do art. 818 da CLT); e à Reclamada, provar eventual autonomia na relação jurídica (inciso II do art. 818 da CLT). No caso dos autos, a prova coligida no processo e referenciada pelo acórdão recorrido demonstrou que a Reclamada administra um empreendimento relacionado ao transporte de pessoas – e não mera interligação entre usuários do serviço e os motoristas cadastrados no aplicativo – e que o Reclamante lhe prestou serviços como motorista do aplicativo digital. Assim, ficaram firmemente demonstrados os elementos integrantes da relação de emprego, conforme descrito imediatamente a seguir. Em primeiro lugar, é inegável (e fato incontroverso) de que o trabalho de dirigir o veículo e prestar o serviço de transporte, em conformidade com as regras estabelecidas pela empresa de plataforma digital, foi realizado, sim, por uma pessoa humana - no caso, o Reclamante. Em segundo lugar, a pessoalidade também está comprovada, pois o Obreiro precisou efetivar um cadastro individual na Reclamada, fornecendo dados pessoais e bancários, bem como, no decorrer da execução do trabalho, foi submetido a um sistema de avaliação individualizada, a partir de notas atribuídas pelos clientes e pelo qual a Reclamada controlava a qualidade dos serviços prestados. É também incontroverso de que todas as inúmeras e incessantes avaliações feitas pela clientela final referem-se à pessoa física do motorista uberizado, emergindo, assim, a presença óbvia do elemento fático e jurídico da pessoalidade. O caráter oneroso do trabalho executado é também incontroverso, pois a clientela faz o pagamento ao sistema virtual da empresa, em geral por meio de cartão de crédito (podendo haver também, mais raramente, pagamento em dinheiro) e, posteriormente, a empresa gestora do sistema informatizado credita parte do valor apurado na conta corrente do motorista. Ora, o trabalhador somente adere a esse sistema empresarial e de prestação laborativa porque ele lhe assegura retribuição financeira em decorrência de sua prestação de trabalho e em conformidade com um determinado percentual dos valores apurados no exercício desse trabalho. Sobre a não eventualidade, o labor do Reclamante estava inserido na dinâmica intrínseca da atividade econômica da Reclamada e inexistia qualquer traço de transitoriedade na prestação do serviço. Não era eventual, também, sob a perspectiva da teoria do evento, na medida em que não se tratava de labor desempenhado para certa obra ou serviço, decorrente de algum acontecimento fortuito ou casual. De todo modo, é também incontroverso de que se trata de labor inerente à rotina fundamental da empresa digital de transporte de pessoas humanas, sem o qual tal empresa sequer existiria. Por fim, a subordinação jurídica foi efetivamente demonstrada, destacando-se as seguintes premissas que se extraem do acórdão regional, incompatíveis com a suposta autonomia do trabalhador na execução do trabalho: 1) a Reclamada organizava unilateralmente as chamadas dos seus clientes/passageiros e indicava o motorista para prestar o serviço; 2) a empresa exigia a permanência do Reclamante conectado à plataforma digital para prestar os serviços, sob risco de descredenciamento da plataforma digital (perda do trabalho); 3) a empresa avaliava continuamente a performance dos motoristas, por meio de um controle telemático e pulverizado da qualidade dos serviços, a partir da tecnologia da plataforma digital e das notas atribuídas pelos clientes/passageiros ao trabalhador. Tal sistemática servia, inclusive, de parâmetro para o descredenciamento do motorista em face da plataforma digital - perda do trabalho -, caso o obreiro não alcançasse uma média mínima; 4) a prestação de serviços se desenvolvia diariamente, durante o período da relação de trabalho – ou, pelo menos, com significativa intensidade durante os dias das semanas -, com minucioso e telemático controle da Reclamada sobre o trabalho e relativamente à estrita observância de suas diretrizes organizacionais pelo trabalhador, tudo efetivado, aliás, com muita eficiência, por intermédio da plataforma digital (meio telemático) e mediante a ativa e intensa, embora difusa, participação dos seus clientes/passageiros. Saliente-se ser fato notório (art. 337, I, do CPC/15) que a Reclamada é quem estabelece unilateralmente os parâmetros mais essenciais da forma de prestação dos serviços e da dinâmica de funcionamento da atividade econômica, como, por exemplo, a definição do preço da corrida e do quilômetro rodado no âmbito de sua plataforma digital. Desse quadro, se percebe a configuração da subordinação jurídica nas diversas dimensões: a) clássica, em face da existência de incessantes ordens diretas da Reclamada promovidas por meios remotos e digitais (art. 6º, parágrafo primeiro, da CLT), demonstrando a existência da assimetria poder de direção/subordinação e, ainda, os aspectos diretivo, regulamentar, fiscalizatório e disciplinar do poder empregatício; b) objetiva, tendo em vista o trabalho executado estritamente alinhado aos objetivos empresariais; c) estrutural, mediante a inteira inserção do profissional contratado na organização da atividade econômica desempenhada pela Reclamada, em sua dinâmica de funcionamento e na cultura jurídica e organizacional nela preponderante; d) por fim, a subordinação algorítima, que consiste naquela efetivada por intermédio de aferições, acompanhamentos, comandos, diretrizes e avaliações concretizadas pelo computador empresarial, no denominado algoritmo digital típico de tais empresas da Tecnologia 4.0. Saliente-se, por oportuno, que a suposta liberdade do profissional para definir seus horários de trabalho e de folgas, para manter-se ligado, ou não, à plataforma digital, bem como o fato de o Reclamante ser detentor e mantenedor de uma ferramenta de trabalho – no caso, o automóvel utilizado para o transporte de pessoas – são circunstâncias que não têm o condão de definir o trabalho como autônomo e afastar a configuração do vínculo de emprego. Reitere-se: a prestação de serviços ocorria diariamente, com sujeição do Autor às ordens emanadas da Reclamada por meio remoto e telemático (art. 6º, parágrafo único, da CLT); havia risco de sanção disciplinar (exclusão da plataforma) em face da falta de assiduidade na conexão à plataforma e das notas atribuídas pelos clientes/passageiros da Reclamada; inexistia liberdade ou autonomia do Reclamante para definir os preços das corridas e dos seus serviços prestados, bem como escolher os seus passageiros (ou até mesmo criar uma carteira própria de clientes); não se verificou o mínimo de domínio do trabalhador sobre a organização da atividade empresarial, que era centralizada, metodicamente, no algoritmo da empresa digital; ficou incontroversa a incidência das manifestações fiscalizatórias, regulamentares e disciplinares do poder empregatício na relação de trabalho analisada. Enfim, o trabalho foi prestado pelo Reclamante à Reclamada, mediante remuneração, com subordinação, e de forma não eventual. Cabe reiterar que, embora, neste caso concreto, tenham sido comprovados os elementos da relação empregatícia, deve ser considerado que o ônus da prova da autonomia recai sobre a defesa, ou seja, o ente empresarial, já que inequívoca a prestação de trabalho (art. 818, II, da CLT), sendo forçoso reconhecer, também, que a Reclamada não se desvencilhou satisfatoriamente de seu encargo probatório. Dessa forma, deve ser reformado o acórdão regional para se declarar a existência do vínculo de emprego entre as Partes, nos termos da fundamentação. Recurso de revista conhecido e provido.” – Destaques no original No caso dos autos, a subordinação, traço característico da relação de emprego, não restou elidida, ao contrário, restou evidenciada. A res in judicio deducta não se afina à noção de trabalho autônomo, porquanto a ré não se desincumbiu do ônus de prova. O intuitu personae, ou seja, a intenção de se manter empregado não foi desmerecido. O relacionamento mantido com a ré não foi superficial e teve evidências de trato sucessivo, conforme se extrai da prova dos autos. A pessoalidade e a onerosidade não foram infirmadas. A prova dos autos não elide os pressupostos da relação de emprego, ao revés evidenciam o trabalho do autor em favor da ré, com pessoalidade, subordinação, de forma não eventual e com onerosidade, cujos pagamentos são recebidos como salários. Como se observa, restou sobejamente comprovada a prestação de serviços por pessoa física, de forma não eventual, com subordinação, pessoalidade e onerosidade, nos moldes dos arts. 2º e 3º da CLT, restando caracterizado o vínculo empregatício. No tocante à data de admissão, o autor relata que teria se dado em 30/09/2021, o que restou corroborado no relatório de viagens (Id. 7af28ec, fl. 652 e seguintes). Registre-se que, por não observadas pela ré, todos os requisitos formais para a caracterização do contrato de trabalho intermitente, previstos no artigo 452-A – deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, impõe o reconhecimento de vínculo de emprego nos moldes clássicos previstos pelos artigos 2º e 3º da CLT. Verifica-se no relatório de viagens que a última viagem ocorreu em 06/03/2025, devendo esta ser considerada como a data da ruptura contratual, data esta reconhecida em defesa. Não há falar em reintegração, como pretende o autor, eis que este não goza de estabilidade, bem como prova de nulidade da dispensa sem justa causa, improcedendo tal pretensão. Desse modo, diante do princípio da continuidade da relação de emprego, que constitui presunção favorável ao empregado (Súmula 212/TST), sendo ônus da ré comprovar a modalidade rescisória, presume-se a dispensa sem justa causa do autor em 06/03/2025. Para efeito de cálculo das parcelas, deverá ser considerado o salário mensal de R$ 1.200,00, considerando o valor semanal de R$300,00 alegado na inicial, à míngua de prova em sentido contrário. Em razão do exposto, nos precisos termos dos artigos 2º e 3º da CLT, declaro que a relação existente entre o autor e a ré é de modalidade empregatícia, com admissão em 30/09/2021, salário mensal de R$ 1.200,00, função de motorista e dispensa sem justa causa em 06/03/2025, com projeção do aviso prévio indenizado para 14/04/2025. Procede, nestes termos. Verbas decorrentes do vínculo empregatício: Corolário do acima decidido, por encontrarem amparo legal, condeno a ré a pagar ao autor as seguintes parcelas, observados os limites do pedido: a) aviso prévio (30 dias), conforme requerido; b) décimo terceiro salário proporcional (3/12) do ano de 2021; c) décimo terceiro salário integral dos anos de 2022, 2023 e 2024; d) décimo terceiro salário proporcional (2/12) do ano de 2025, conforme requerido; e) férias integrais dos períodos aquisitivos 2021/2022, 2022/2023, acrescidas de 1/3, em dobro; f) férias integrais do período aquisitivo 2023/2024, acrescidas de 1/3; g) férias proporcionais (5/12), acrescidas de 1/3; h) FGTS de todo período contratual, bem como sobre as verbas rescisórias, acrescido da multa de 40%. Procedem, nesses termos. Anotação da CTPS Por imperativo legal, a ré deverá proceder à anotação da CTPS digital do autor, fazendo constar admissão em 30/09/2021 e saída em 14/04/2025, pela projeção do aviso prévio indenizado (OJ 82 da SDI-I do TST), na função de motorista, salário mensal de R$ 1.200,00, na forma da Portaria/MTP nº 671, de 8 de novembro de 2021, o que deverá ser comprovando nos autos, no prazo de 05 dias após intimação específica, sob pena de multa diária correspondente a R$ 100,00 (cem reais), até o limite de R$1.000,00 (hum mil reais), a ser revertida em favor do autor, sem prejuízo de a Secretaria da Vara fazê-lo. Procede. MULTA DO ARTIGO 477 DA CLT Nos termos do §6º, do artigo 477 da CLT, a entrega ao empregado de documentos que comprovem a comunicação da extinção contratual aos órgãos competentes bem como o pagamento dos valores constantes do instrumento de rescisão ou recibo de quitação deverão ser efetuados até dez dias contados a partir do término do contrato, o que não foi observado in casu. Por consequência, defiro ao autor o pagamento da multa prevista no §8º do artigo 477 da CLT. Ressalto que o reconhecimento do vínculo de emprego em Juízo não afasta a incidência da penalidade (Súmula, 462, TST). Procede. DANO MORAL Postula o autor o pagamento de indenização por danos morais, ao fundamento de que " suportou diligentemente todos os custos relativos ao seu automóvel, smartphone, tarifas e tributos aplicáveis, sempre cumprindo suas obrigações contratuais com a maior qualidade e diligência. O bloqueio repentino e injustificado gera, inclusive, prejuízos financeiros em relação aos custos de gasolina, óleo diesel, manutenção do veículo e pacote de internet, insumos duráveis para além da data da dispensa e obtidos para muito além do necessário ao consumo pessoal. Além disso, o trabalhador teve a principal fonte de sua subsistência pessoal e de sua família integralmente extinta sem qualquer direito de defesa e sem aviso prévio indenizado ou trabalhado. Esta ação da Reclamada materialmente impede o Reclamante de buscar uma nova fonte de renda, mantendo rendimentos suficientemente razoáveis para sustentá-lo durante essa busca, agravando ainda mais sua periclitante situação financeira e emocional". Por fim, assevera que a reclamada deixou de cumprir com sua obrigação previdenciária consistente no pagamento das contribuições sociais a cargo da empresa incidentes sobre as remunerações pagas à reclamante, ficando sem a cobertura previdenciária básica durante todo o período de prestação do serviço. Postula o recebimento de indenização por danos morais, no importe de R$5.000,00 para cada uma das violações. A ré rechaça a pretensão em exame. Examino. O dano moral possui fundamento de validade no art. 5º, inciso X da Carta Magna, verbis: "São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação." Por seu turno, o Código Civil, em seus artigos 186, 927 e 932, inciso III, dispõe: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo (art. 927), e, o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele. (art. 932, III)." De par com isso, para a indenização do dano moral, necessário sejam preenchidos os supostos da responsabilização inserta no precitado dispositivo legal (art. 186): ato ilícito ou erro de conduta do agente, ofensa a um bem jurídico e nexo causal, ou seja, a relação de causalidade entre a conduta da empresária e o dano ocorrido. Aguiar Dias, tratando do tema em sua obra DA RESPONSABILIDADE CIVIL, vol. I, Ed. Forense, 10ª edição, pág. 122, anota: "Como quer que seja, o que o nosso Código Civil tem em vista é o ato ilícito. Este acarreta, de si e originariamente, o vínculo da obrigação. Nele concorrem elementos objetivos e subjetivos. São requisitos da primeira categoria: o ato contra jus, sans droit, isto é, praticado de maneira ilícita, contra o direito; o resultado danoso; a relação causal entre o ato e o dano. São requisitos subjetivos: a imputabilidade do agente e que tenha agido com culpa." A doutrina abalizada nos ensina que dano moral é o sofrimento humano estranho ao patrimônio material, repercutindo no patrimônio ideal da pessoa natural; decorre da manifesta afronta à dignidade, imagem e honra objetiva e subjetiva da pessoa humana, que são invioláveis, por preceito legal (art. 1º, III, e 5º, X, da CR/88). Danos morais, seriam, exemplificadamente, os decorrentes de ofensas à honra, ao decoro, à paz interior, às crenças íntimas, aos sentimentos afetivos de qualquer espécie, à liberdade, à vida, à integridade corporal. Presente a ofensa não só à integridade física, como também ao sentimento de autoestima da vítima, também merecedor da tutela jurídica, concretiza-se a hipótese de ofensa a um direito, ainda que dela não tenha ocorrido prejuízo material. A reparação do dano moral tem como escopo lenir a dor suportada pela vítima, ao mesmo tempo em que se desestimula o agressor, evitando que danos dessa natureza venham a se repetir. Dissolução contratual Tocante ao rompimento do contrato, conforme estabelecido no tópico próprio, o rompimento abrupto do contrato com o reclamante, sem qualquer justificativa prévia e sem conceder ao motorista o direito de defesa quanto a eventual descumprimento das condições contratuais, provocou no autor frustração e angústia, passíveis de indenização. Concluo, portanto, que restaram comprovados os requisitos indispensáveis à imputação da responsabilidade civil à empregadora, qual seja, a conduta ilícita, o dano moral sofrido e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano a ensejar a acolhimento da pretensão postulada. Assim, presentes os requisitos à tipificação do dano moral, com fundamento no artigo 5º, V, da Constituição Federal, devida a indenização pelo dano sofrido. Ausência de cobertura previdenciária Quanto a ausência de cobertura previdenciária, tem-se que não implica reconhecer indenização por danos morais o simples descumprimento de obrigações trabalhistas sem prova robusta no sentido de que o prejuízo material oriundo do descumprimento contratual tenha alcançado, de fato, dimensão e gravidade capazes de atingir a esfera imaterial do trabalhador, como preconizado no já citado art. 5º, X, da CRFB. A aludida obrigação de indenizar decorre necessariamente da prova de efetivo dano à personalidade do empregado, o que não está demonstrado nos autos a contento, ônus que incumbia à parte autora (art. 818 da CLT c/c art. 373, I, do CPC). Fixação da indenização Ressalte-se que, embora exista grande dificuldade em estabelecer com exatidão a equivalência objetiva entre o dano e o ressarcimento, tal argumento não é razão para não indenizar, e, desta forma, beneficiar o responsável, deixando o direito sem sanção nem tutela. Considero que a quantificação matemática trazida pela Lei nº 13.467/2017, que alterou a CLT, incluindo, no Título II-A, os artigos 223 de A à F, estabelecendo a reparação por danos extrapatrimoniais para ofensa aos referidos bens jurídicos, não pode servir de parâmetro para a fixação do montante da condenação. A se acolher como base de cálculo o salário contratual do empregado, está a se admitir que aquele que recebe menor salário tem menos valorizados os seus direitos imateriais, o que não coaduna com os princípios constitucionais de igualdade da pessoa humana (art. 3º, IV, e art. 5º, caput, da CF), além de ferir os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na reparação do dano. Neste sentido, o posicionamento adotado pela Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), através do ajuizamento perante o Supremo Tribunal Federal (STF), da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5870, com pedido de medida cautelar, buscando a declaração de inconstitucionalidade dos incisos I a IV do parágrafo 1º do artigo 223-G da CLT, os quais impõem limites para a fixação de valores da indenização por dano moral decorrente da relação de trabalho. Na referida ADI 5870, fundamentou-se que: "(…) A questão em debate é semelhante à que essa Corte apreciou, quando declarou a inconstitucionalidade da Lei de Imprensa, no ponto em que ela impunha uma limitação ao Poder Judiciário, por meio de uma tarifação, para a fixação das indenizações por dano moral, decorrente de ofensa à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas. Considerou esse eg. STF que a CF emprestou à reparação do dano moral tratamento especial pelos incisos V e X do art. 5º, desejando que a indenização decorrente desse dano fosse o mais amplo possível, razão pela qual a tarifação imposta pela lei precedente à CF de 1988, não teria sido por ela recepcionado. No caso sob exame, o que se vê é uma lei posterior à CF de 1988, que está impondo uma tarifação (limitação) ao dano extrapatrimonial decorrente da relação de trabalho, de sorte que, nos termos da nova lei, o Poder Judiciário estará impedido de fixar uma indenização superior à efetivamente devida para reparar o dano ocorrido (…) assim como os incisos V e X do art. 5º, da CF, contemplam hipótese de indenização ampla, para aqueles que têm a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem violadas pela imprensa, também o inciso XXVIII do art. 7º contempla indenização ampla para a hipótese de ocorrer dano extrapatrimonial decorrente de relação de trabalho ao empregado." Entendo ademais que o disposto no art. 223-A da CLT não obsta a aplicação da legislação civilista, pois os direitos da personalidade do trabalhador não são distintos ou inferiores aos direitos da pessoa natural (art. 5º, caput, da CF). Dessa forma, para fixação do quantum indenizável ao dano moral, porque inaplicáveis as disposições da Lei nº 13.467/2017, considerados inconstitucionais, sigo considerando e analisando a situação particular da vítima e a condição pessoal do ofensor, para não só encontrar um valor justo à primeira, mas também para que se atinja o patrimônio do segundo de forma a existir um forte fator de desestímulo, inibindo-se o ato ilícito perpetrado pelo empregador contra o empregado. A impossibilidade da exata avaliação há de ser tomada em benefício da vítima e não em seu prejuízo. Por isto, neste caso, ao juiz é dada uma larga esfera de liberdade para apreciação, valorização e arbitramento do dano, considerando-se a extensão deste, a gravidade da culpa e a ausência de concorrência por parte da vítima (arts. 944 e 945/CC). O julgador deverá levar em conta, também, na fixação do dano moral, os seguintes elementos: intensidade do sofrimento do ofendido; a gravidade, a natureza e o sofrimento do ofendido; grau de culpa ou dolo com que se houve o ofensor; consequências do ato; condições financeiras das partes: necessidade da vítima x possibilidade do ofensor); circunstâncias, retratação espontânea etc. Por fim, associando-se aos critérios anteriores, entende o Juízo que o quantum devido a título de indenização por dano moral não pode olvidar do que disposto no artigo 478 da CLT, aplicável na espécie analogicamente. Isto posto, presentes os requisitos para caracterização do dano moral, tenho por justo e razoável, arbitrar a reparação pecuniária relativa ao dano moral experimentado pelo autor, de acordo com os parâmetros suso fixados, observando-se os limites objetivos do pedido, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), face à gravidade e à intensidade do sofrimento, à capacidade econômica da ré, bem como ao PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE que, no escólio do mestre PLÁ RODRIGUES, é princípio reitor do Direito do Trabalho. Procede, em parte, nesses termos. DECISÃO AUTOMATIZADA. ART. 20 DA LGPD Pretende o autor que a ré forneça informações acerca dos critérios e dos procedimentos utilizados para a decisão automatizada de bloqueios/restrições/limitações de acesso ao aplicativo, na forma do art. 20 da LGPD. A ré impugna a pretensão, argumentando que os termos de uso autorizam o encerramento do liame unilateralmente. Cabia à parte autora comprovar eventual abuso de direito por parte ré, ônus do qual não se desincumbiu. (art. 818, I, da CLT). Assim, julgo improcedente o pedido. Improcede. COMPENSAÇÃO OU DEDUÇÃO À míngua de reciprocidade de débitos (art. 368/CCB), dívidas líquidas, vencidas e homogêneas entre si e da mesma natureza (fungibilidade de débitos - 369 do Código Civil) não há falar em compensação. Indefiro a dedução, pois não comprovado o pagamento de verbas a idêntico título daquelas julgadas procedentes. JUSTIÇA GRATUITA A justiça gratuita, na Justiça do Trabalho, deve observar o disposto no artigo 790, §§ 3º e 4º, da CLT, com sua nova redação data pela Lei 13.467/2017, bem como, supletivamente, nas Leis nº 1.060/50 e 7.115/83 e no CPC, no que couber. A interpretação de tais dispositivos legais, contudo, não pode restringir o alcance e o conteúdo do direito fundamental à assistência judiciária gratuita e integral, prevista no artigo 5º, LXXIV da Constituição Federal. A interpretação literal da obrigação da parte "comprovar" insuficiência de recursos de que trata o citado §4º, restringe o alcance e o conteúdo do direito fundamental à assistência judiciária gratuita e integral, prevista no artigo 5º, LXXIV da Constituição Federal, bem como fere o princípio constitucional da isonomia. Isso porque, de todos os litigantes que buscam tutela jurisdicional do Estado exige-se apenas a declaração de hipossuficiência econômica. Aplicação e inteligência do art. 99, caput e §3º, do CPC c/c o art. 1º da Lei 7.115/83. De tal aplicação, não podem ser excluídos os litigantes da Justiça do Trabalho, sob pena de inconstitucional restrição ao acesso à justiça (art. 5º, LXXIV, da CF). Assim, o §4º do artigo 790 da CLT, merece interpretação conforme a Constituição, para assentar-se que, para comprovação da insuficiência de ele trata, é bastante a declaração da parte, pessoa natural, ou de seu procurador com poderes especiais. Aplicação supletiva do art. 99, § 3º, do CPC c/c art. 769 da CLT). Neste sentido a Súmula 463, I, do TST. O marco temporal para aferição da insuficiência de recursos é por ocasião da distribuição do processo ou do protocolo do requerimento, sendo irrelevante a situação financeira pregressa. Registre-se que é evidente que o dispositivo legal em análise teve a clara intenção de destinar o benefício da justiça gratuita à pessoa natural, exclusivamente, porquanto o deferiu "àqueles que perceberem salários", por óbvio, excluindo as pessoas jurídicas, o que, diga-se, não padece de inconstitucionalidade. Por fim, consigna-se que o TRT da 3ª Região firmou entendimento de que são inconstitucionais os dispositivos contidos na Lei nº 13.467/17, no que tange às regras para concessão da gratuidade de justiça nesta especializada, através da Súmula nº 72. Preenchidos os requisitos legais, defiro à parte autora, os benefícios da justiça gratuita. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS A despeito de o artigo 791-A da CLT, com redação dada pela Lei nº 13.467/2017 (11/11/2017), prever honorários de sucumbência no âmbito do Processo do Trabalho, não há falar em sua condenação ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais pela parte beneficiária da justiça gratuita, O crédito trabalhista, em decorrência da natureza alimentar, é superprivilegiado (artigo 100, parágrafos 1 e 2º, da CF/88; artigo 83, I, da Lei 11.101/2005 e artigo 186 da Lei 5.172/14966), portando, não podem ser utilizados para pagamento de honorários, como forma de compensação. A interpretação literal do dispositivo levaria à ofensa à garantia fundamental de gratuidade judiciária à parte que não pode arcar com despesas processuais sem comprometer seu sustento e de sua família e ao direito ao amplo acesso a jurisdição (arts. 5º, XXXV, LXXIV, CF e art. 8º, 1, do Pacto de São José da Costa Rica). Nesse sentido, o Enunciado 100 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, promovida pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho - ANAMATRA, pela Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho-ANPT, pela Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas- ABRAT e pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho-SINAIT, propõe que: "É inconstitucional a previsão de utilização dos créditos trabalhistas reconhecidos em juízo para o pagamento de despesas do beneficiário da justiça gratuita com honorários advocatícios ou periciais (artigos 791-A, § 4º, e 790-B, § 4º, da CLT, com a redação dada pela Lei nº 13.467/2017), por ferir os direitos fundamentais à assistência judiciária gratuita e integral, prestada pelo Estado e à proteção do salário (arts. 5º, LXXIV, e 7º, X, da Constituição Federal)". Deve-se dar interpretação sistemática conforme a Constituição no sentido de que, no caso concreto, eventuais créditos percebidos pelo trabalhador neste ou em outro processo trabalhista são de natureza alimentar e, portanto, não são "créditos capazes de suportar a despesa" de honorários advocatícios. Ademais, em recente decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI 5766, restou declarada a inconstitucionalidade dos artigos 790-B, caput e § 4º, e 791-A, § 4º, da CLT, os quais dispõem acerca do pagamento de honorários periciais e advocatícios sob encargo da parte sucumbente, sendo esta beneficiária da gratuidade de justiça, nos seguintes termos: “Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido formulado na ação direta, para declarar inconstitucionais os arts. 790-B, caput e § 4º, e 791-A, § 4º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), vencidos, em parte, os Ministros Roberto Barroso (Relator), Luiz Fux (Presidente), Nunes Marques e Gilmar Mendes. Por maioria, julgou improcedente a ação no tocante ao art. 844, § 2º, da CLT, declarando-o constitucional, vencidos os Ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. Redigirá o acórdão o Ministro Alexandre de Moraes. Plenário, 20.10.2021 (Sessão realizada por videoconferência - Resolução 672/2020/STF).” – grifos acrescidos Registre-se que a decisão em comento não contemplou modulação dos seus efeitos, pelo que, a aplicação se estende a decisões pretéritas e futuras. De par com o exposto, considerando-se a eficácia erga omnes e o efeito da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI 5766, não há que se falar em condenação da parte autora, beneficiário da justiça gratuita, ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais. Portanto, nos termos do art. 791-A, §2º da CLT, são devidos ao advogado da parte autora honorários advocatícios, a cargo da parte ré, fixados à razão de 10% sobre o efetivo proveito econômico da execução, que englobam os créditos líquidos regularmente apurados em liquidação de sentença (após as deduções fiscais e previdenciárias). LIQUIDAÇÃO - CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS O principal seja corrigido monetariamente, observando-se os índices do 1º dia útil do mês subsequente ao trabalhado (Súmula 381-TST). Aplicam-se ao FGTS os mesmos índices dos demais débitos de natureza trabalhista, que é uno e indivisível (O. J. 302/SDI/TST). A atualização monetária do débito trabalhista deve ser feita pela aplicação do índice IPCA-E na fase pré-judicial, e, a partir do ajuizamento da ação, da taxa SELIC, até que sobrevenha alteração legislativa, tudo nos precisos termos do acórdão proferido, em 18/12/2020, pelo pleno do Supremo Tribunal Federal, complementado em julgamento dos embargos de declaração em 25/10/2021, nos autos da ADI (Ação Declaratória de Inconstitucionalidade) 5867, na qual foram apensadas as ADCs (Ação Declaratória de Constitucionalidade) de números 58 e 59, em virtude de objeto comum. Necessário pontuar que os critérios de atualização monetária estabelecidos no julgamento das ADC's 58 e 59, com base na qual foi determinada a observância do IPCA-e como fator de correção monetária na fase pré-judicial, não exclui a aplicação, nessa mesma fase, dos juros legais previstos no caput do artigo 39 da Lei nº 8.177/1991. A seu tempo, ainda com fundamento no entendimento adotado pelo STF no julgamento da ADC 58, detidamente item 7 da ementa do Acórdão, a taxa SELIC engloba juros e correção monetária, razão pela qual não há incidência dos juros legais previstos no caput do artigo 39 da Lei nº 8.177/1991 na fase judicial, ou seja, a partir do ajuizamento da ação. Destarte, os juros de mora (artigo 883/CLT), serão de um por cento ao mês (art. 39 da Lei nº 8.177/91), sem capitalização, calculados sobre o principal corrigido (Súmula nº 200/ TST), tão somente na fase pré-judicial. CONTRIBUIÇÃO FISCAL - IRRF O imposto incidente sobre os rendimentos pagos em cumprimento de decisão judicial "será retido na fonte pela pessoa física ou jurídica obrigada ao pagamento, no momento em que, por qualquer forma, o rendimento se torne disponível para o beneficiário" (artigo 46 da Lei nº 8.541/92). Ainda, deverá ser observado o disposto no art. 12-A, da Lei 7.713/88, com a redação conferida pela Lei 13.149/15. O tributo não incidirá sobre os juros moratórios (OJ 400 SDI 1-TST). CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS A empregadora deverá providenciar o recolhimento das contribuições previdenciárias, a seu cargo e a cargo do empregado, incidentes sobre as parcelas de natureza salarial objeto da presente condenação, na forma da legislação pertinente e observado o teor da Súm. 368, TST. Autorizo a dedução da cota previdenciária devida pelo empregado, no que couber, exceto no que tange aos salários já pagos durante a vigência do contrato de trabalho (aplicação do art. 33, § 5º, da Lei nº 8.212/91). A parte obrigada deverá comprovar o recolhimento nos autos, no prazo legal, sob pena de execução (art. 114, VIII, da CF/88). Declaro, em atendimento ao art. 832, § 3º, da CLT (com redação da Lei nº 10.035/00), que das parcelas deferidas ostentam natureza indenizatória aquelas que constam do artigo 28, § 9º, da Lei 8.212/91; as demais ostentam natureza salarial. No que tange ao Decreto 9.792/19, que trata da inscrição do motorista parceiro como contribuinte individual previdenciário, não se aplica ao caso sob análise, visto que foi reconhecido o vínculo de emprego III - DISPOSITIVO POR TAIS FUNDAMENTOS, integrantes deste decisum, na demanda trabalhista aforada por VICTOR DE OLIVEIRA VASCONCELLOS em face de UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA., decido: I) REJEITAR as preliminares arguidas; II) JULGAR PROCEDENTE EM PARTE a demanda para: III) DECLARAR o vínculo empregatício entre o autor e a ré, nos moldes dos arts. 2º e 3º da CLT, com admissão em 30/09/2021, salário mensal de R$ 1.200,00 função de motorista e dispensa sem justa causa em 06/03/2021, com projeção do aviso prévio indenizado para 14/04/2025; IV) CONDENAR a ré a pagar ao autor, conforme apurado em liquidação, observadas as diretrizes traçadas na fundamentação, as seguintes parcelas: a) aviso prévio (30 dias); b) décimo terceiro salário proporcional (3/12) do ano de 2021; c) décimo terceiro salário integral dos anos de 2022, 2023 e 2024; d) décimo terceiro salário proporcional (2/12) do ano de 2025, conforme requerido; e) férias integrais dos períodos aquisitivos 2021/2022, 2022/2023, acrescidas de 1/3, em dobro; f) férias integrais do período aquisitivo 2023/2024, acrescidas de 1/3; g) férias proporcionais (5/12), acrescidas de 1/3; h) FGTS de todo período contratual, bem como sobre as verbas rescisórias, acrescido da multa de 40%. i) multa do §8º do art. 477 da CLT; j) indenização por danos morais no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais); k) honorários advocatícios devidos ao advogado da parte autora, a cargo da parte ré, fixados à razão de 10% sobre o efetivo proveito econômico da execução, que englobam os créditos líquidos regularmente apurados em liquidação de sentença (após as deduções fiscais e previdenciárias). Condeno ainda a reclamada na seguinte obrigação de fazer: Por imperativo legal, a ré deverá proceder à anotação da CTPS digital do autor, fazendo constar admissão em 30/09/2021 e saída em 14/04/2025, pela projeção do aviso prévio indenizado (OJ 82 da SDI-I do TST), na função de motorista, salário mensal de R$ 1.200,00, na forma da Portaria/MTP nº 671, de 8 de novembro de 2021, o que deverá ser comprovando nos autos, no prazo de 05 dias após intimação específica, sob pena de multa diária correspondente a R$ 100,00 (cem reais), até o limite de R$1.000,00 (hum mil reais), a ser revertida em favor do autor, sem prejuízo de a Secretaria da Vara fazê-lo. Defiro à parte autora o pálio da justiça gratuita. Liquidação por cálculos, se possível. Correção monetária e juros conforme fundamentos. Autorizados os recolhimentos previdenciários e fiscais onde cabíveis, observados os tópicos próprios da fundamentação. Prazo para cumprimento: quarenta e oito horas (artigo 832, § 1º da CLT). Arbitro à condenação o valor de R$ 30.000,00. Por conseguinte, fixo as custas processuais, suportadas pela ré sucumbente, no importe de R$ 600,00 (art. 832, § 2o, c/c art. 789, inciso I e § 2o, da CLT). Intimem-se as partes. NADA MAIS. BELO HORIZONTE/MG, 23 de abril de 2025. MARCIO ROBERTO TOSTES FRANCO Juiz Titular de Vara do Trabalho
Intimado(s) / Citado(s)
- VICTOR DE OLIVEIRA VASCONCELLOS
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