Processo nº 1005026-81.2022.8.11.0042
ID: 322090140
Tribunal: TJMT
Órgão: Primeira Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1005026-81.2022.8.11.0042
Data de Disponibilização:
10/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
NATALI AKEMI NISHIYAMA REGISTRADO(A) CIVILMENTE COMO NATALI AKEMI NISHIYAMA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1005026-81.2022.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Calúnia, Difamação, Injúria] Relator: Des(a). MARCOS …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1005026-81.2022.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Calúnia, Difamação, Injúria] Relator: Des(a). MARCOS MACHADO Turma Julgadora: [DES(A). MARCOS MACHADO, DES(A). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, DES(A). WESLEY SANCHEZ LACERDA] Parte(s): [ALENCAR FARINA - CPF: 161.771.002-44 (APELANTE), PATRICIA MOREIRA VASCONCELOS - CPF: 005.979.841-66 (ADVOGADO), THAINA BEZERRA MIRANDA - CPF: 040.398.871-31 (ADVOGADO), DANIEL SOUZA VOLPE - CPF: 286.445.888-85 (ADVOGADO), DIEGO SOARES PEREIRA - CPF: 108.241.827-74 (ADVOGADO), NATALIA DA COSTA LIMA - CPF: 049.769.901-09 (ADVOGADO), CARLA CRISTINA CEZARIO - CPF: 695.590.741-72 (ADVOGADO), JAQUELINE PROENCA LARREA MEES - CPF: 011.532.941-25 (APELADO), NATALI AKEMI NISHIYAMA registrado(a) civilmente como NATALI AKEMI NISHIYAMA - CPF: 724.045.311-15 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS), GABRIEL DANTAS GIRALDES - CPF: 052.560.161-99 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU O RECURSO. E M E N T A Ementa: Direito penal e processual penal. Apelação criminal. Crimes contra a honra. Calúnia e difamação em grupo de whatsapp. Ausência de dolo. Direito à livre manifestação de pensamento. Absolvição. I. Caso em exame Apelação criminal interposta contra sentença proferida pelo Juízo da 10ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá, nos autos de ação penal privada, que condenou o apelante por calúnia e difamação a 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de detenção e 15 (quinze) dias-multa, em regime aberto, substituída por restritiva de direito, bem como a “reparação mínima ao Querelante, do valor de R$-5.000,00 (cinco mil reais)”, visando a anulação da sentença ou absolvição. II. Questão em discussão Há 7 (sete) questões: 1) inversão da ordem de apresentação das alegações finais; 2) existência de “demanda cível capaz de modificar o entendimento criminal”; 3) cerceamento ao direito de defesa; 4) inexistência de dolo de caluniar e difamar; 5) circunstâncias judiciais favoráveis; 6) afastamento da causa de aumento de pena; 7) redução da valor correspondente à indenização por danos morais. III. Razões de decidir 1. “Apresentadas prematuramente alegações finais pela defesa, quando os autos ainda se encontravam com vista ao Ministério Público, incabível a pretendida nulidade, na medida em que deu causa ao resultado, não podendo ser beneficiada da própria torpeza, nos termos do art. 565 do CPP.” 2. A mera inversão da ordem de oferecimento dos memoriais não acarreta nulidade quando não demonstrado o prejuízo à Defesa. 3. O c. STJ assentou diretriz jurisprudencial de que “não há que se cogitar em nulidade de decisão judicial, por ausência de fundamentação ou ofensa ao artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, se o julgador, ao fundamentar sua decisão, reporta-se à outra anteriormente prolatada” . 4. O indeferimento de diligências probatórias não configura cerceamento de defesa quando a parte “não demonstra a imprescindibilidade ou a recusa dos órgãos em fornecer os documentos, nos termos do art. 402 do CPP”. 5. As mensagens enviadas pelo apelante em grupo fechado de WhatsApp possuem conteúdo opinativo e questionador acerca da gestão de cooperativa de médicos, não configurando imputação concreta de fato criminoso nem ofensa gratuita à honra da querelante. A crítica relacionada ao ambiente eleitoral e associativo, em contexto de fiscalização interna, mostra-se compatível com o exercício da liberdade de expressão. 6. Para a configuração do crime calúnia, exige-se a atribuição de um fato específico e determinado definido como crime com todas as circunstâncias, ou seja, a caracterização de conduta pressupõe todos os elementos constitutivos de um tipo penal. Igualmente, o crime de difamação pressupõe a afirmativa acerca de fato específico ofensivo. 7. O c. STJ assentou entendimento de que “a manifestação considerada ofensiva, feita com o propósito de informar possíveis irregularidades, sem a intenção de ofender, descaracteriza o tipo subjetivo nos crimes contra a honra”. 8. O contexto das mensagens envolve a eleição de diretoria de cooperativa, cuja natureza jurídica envolve propósito não lucrativo e visa atender às necessidades econômicas de seus membros (Lei nº 5.764/1971 - Lei do Cooperativismo), a reforçar a necessidade de assegurar o exercício da liberdade de pensamento e expressão aos cooperados. Quem desempenha funções representativas coletivas, está sujeito “a escrutínios dos seus integrantes, da opinião pública, ou até mesmo a exames mais minuciosos”. IV. Dispositivo e Tese Recurso provido para absolver o apelante das imputações, por não constituírem os fatos infrações penais (CPP, art. 386, III). Tese de julgamento: 1. A antecipação voluntária das alegações finais pela Defesa não caracteriza nulidade processual quando não demonstrado prejuízo. 2. Não há cerceamento de defesa pelo indeferimento de diligências quando a parte não comprova a imprescindibilidade da prova ou a recusa no fornecimento de documentos. 3. O apelante/querelado deve ser absolvido quando as provas produzidas e os teores das mensagens se apresentam insuficientes para demonstrar o elemento subjetivo dos tipos penais de calúnia e difamação (dolo), sobressaindo intenção de criticar [animus criticandi] e requerer providências administrativas para apuração de supostas irregularidades. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, IV e IX; CP, arts. 138, 139, 141, § 2º, 386, III; CPP, arts. 231, 402, 403, § 3º, 565 e 572, I; Lei nº 5.764/1971. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp 1753685/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª Turma, j. 13.12.2018; STJ, AgRg no REsp 1295765/PR – Relator: Min. Reynaldo Soares da Fonseca - Quinta Turma – j. 1º.10.2015, p. 7.10.2015; HC nº 78.368/RS – Relatora: Min.ª Alderita Ramos de Oliveira [Desembargadora Convocada do TJ/PE] - Sexta Turma – j. 9.8.2012 – j. 20.8.2012; STJ, HC 173.881/SP, Rel. Min. Celso Limongi, 6ª Turma, j. 17.5.2011; AgRg no RHC 157.565/SP – Relator: Min. Reynaldo Soares da Fonseca - Quinta Turma, j. 22.2.2022, p. 25.2.2022;STJ, Apn 347/PA, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 14.3.2005; TJMT, RSE nº 1001137-22.2020.8.11.0000 – Relator: Des. Orlando de Almeida Perri – Primeira Câmara Criminal – 8.5.2020; TJMT, AP 0000328-85.2006.8.11.0082 – Relator: Des. Gilberto Giraldelli - Terceira Câmara Criminal - j. 27.8.2014 – p. 2.9.2014 AP 0018039-09.2018.8.11.0042, Rel. Des. Wesley Sanchez Lacerda, j. 16.5.2025. TJMT, AP 0001965-61.2014.8.11.0027 – Relator: Des. Rondon Bassil Dower Filho - Segunda Câmara Criminal – j. 23.11.2016 – p. 30.11.2016. TJMT, AP 00075574920198110015 - Relator: Des. Helio Nishiyama, Quarta Câmara Criminal, j. 16.7.2024, p. 19.7.2024. TJPB, AP 0004979-58.2019.8.15.2002 - Relator: Des. Saulo Henriques de Sá e Benevides - 16.2.2024.TJDFT, AP 0006642-87.2018.8.07.0001, Rel. Des. João Timóteo de Oliveira, j. 12.8.2021; TJDFT, AP 0706482-23.2020.8.07.0010 - Relator: Des. Silvanio Barbosa dos Santos, 2ª Turma Criminal - j. 22.6.2022 – p. 7.7.2022. PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO Nº 1005026-81.2022.8.11.0042 - COMARCA DE CUIABÁ APELANTE(S): ALENCAR FARINA APELADOS(S): JAQUELINE PROENCA LARREA MEES R E L A T Ó R I O Apelação criminal interposta por ALENCAR FARINA contra sentença proferida pelo Juízo da 10ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá, nos autos de ação penal privada (PJE nº 1005026-81.2022.8.11.0042), ajuizada por JAQUELINE PROENCA LARREA MEES, que o condenou por calúnia e difamação a 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de detenção e 15 (quinze) dias-multa, em regime aberto, substituída por restritiva de direito, bem como a “reparação mínima ao Querelante, do valor de R$-5.000,00 (cinco mil reais)” – art. 138 e 139 do CP – (fls. 1359/1368-ID 215530594). O apelante suscita a nulidade da sentença sob as assertivas de que: 1) “nao foi oportunizado a defesa o prazo sucessivo para a apresentação das suas alegações finais”; 2) há “demanda cível capaz de modificar o entendimento criminal”; 3) seu direito de defesa foi cerceado. No mérito, sustenta que: 1) “não tinha a intenção de atingir a honra da Apelada, mas tao somente comunicar os fatos aos demais cooperados que sao interessados na gestao da cooperativa”, a elidir o dolo de caluniar e difamar; 2) “o Juízo de 1º grau sem valorar negativamente qualquer das circunstâncias judiciais, definiu a pena base alem do mínimo legal, tendo em vista que [...] define como pena mínima 3 meses e na o 6 meses, como descrito na fixação da pena base”; 3) “o whatsapp nao se enquadra na modalidade de rede social, mas tao somente de mídia social e [...] nao e possível a aplicaçao da causa de aumento de pena”; 4) “o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) esta alem do condizente com os fatos e fora do compatível com a possibilidade do Apelante, tendo em vista que a efetiva reparação deve ser requerida na esfera cível”. Incidentalmente, a suspensão do julgamento do recurso “ate o julgamento da ação cível de reparação nº 1028664-15.2023.8.11.0041 em tramite na 3ª Vara Cível de Cuiabá, a qual e capaz de influir no julgamento dessa açao”. Requer o provimento para anular a sentença condenatória ou absolve-lo das imputações. Subsidiariamente, as reduções das penas e da indenização para o valor R$ 2.000,00 (dois mil reais) a título de reparação mínima pelos danos morais causados (fls. 1383/1398-ID 226114150). A apelada pugna pelo desprovimento (fls. 1472/1483-ID 228604683). A i. 4ª Procuradoria de Justiça opina pelo provimento parcial para afastar a indenização por danos morais, em parecer assim sintetizado: “Apelação Criminal – Calúnia – Difamação – Irresignação do querelado: 1. Preliminares – 1.1. Nulidade: inversão da ordem de apresentação das alegações finais – A Defesa alegou a ocorrência de nulidade, pois o querelado apresentou alegações finais antes da querelante – Sem razão – O querelado apresentou seus memoriais finais de forma antecipada por livre e espontânea vontade, já que a querelada foi intimada primeiramente para o ato – O próprio apelante deu causa à suposta nulidade que busca reconhecimento – Art. 565, CPP – Preliminar que não deve ser acolhida. 1.2. Nulidade: ausência de fundamentação do Magistrado ao indeferir o pleito de suspensão do processo – A Defesa do apelante afirmou que o Magistrado não fundamentou a decisão que indeferiu o segundo pleito de suspensão do processo – Sem razão – O apelante não alegou a pretensa nulidade em suas alegações finais – Preclusão do direito – Art. 572, I, CPP – Preliminar que não deve ser acolhida. 1.3. Nulidade: cerceamento de defesa – A Defesa do querelado alegou que houve cerceamento de defesa, pois o Magistrado ignorou pleito de produção probatória – Sem razão – O apelante não alegou a pretensa nulidade em suas alegações finais – Preclusão do direito – Art. 572, I, CPP – Preliminar que deve ser rejeitada. 2. Mérito – 2.1- Pleito absolutório: calúnia e difamação – A Defesa do apelante sustentou que as mensagens por ele enviadas tinham cunho informativo, desprovidas da intenção especial de macular a honra objetiva da vítima – Sem razão – As provas são robustas a demonstrar que o apelante se excedeu e praticou os crimes de calúnia e difamação – Condenação que deve ser mantida. 3. Pleitos subsidiários – A Defesa do querelado pugnou a reforma da pena aplicada – Sem razão – A dosimetria foi adequadamente realizada – Pena que deve ser mantida da forma como fixada na sentença – Pleito de exclusão/redução do quantum indenizatório – Procedência - Ausência de especificação do quantum pretendido na inicial e de instrução específica – Jurisprudência STJ – Afastamento da condenação. Pelo parcial provimento do recurso.” (José de Medeiros, procurador de Justiça – fls. 1485/1494- ID 237708696) O pedido suspensivo foi indeferido (fls. 1524) e a decisão transitou em julgado em 12.6.2025 (ID 290653882). É o relatório. V O T O R E L A T O R VOTO (PRELIMINAR DE NULIDADE PROCESSUAL POR INVERSÃO DA ORDEM DE APRESENTAÇÃO DAS ALEGAÇÕES FINAIS) EXMO. SR. DES. MARCOS MACHADO (RELATOR) Egrégia Câmara: O apelante/querelado suscita a nulidade da sentença sob a alegação que “nao foi oportunizado a defesa o prazo sucessivo para a apresentação das suas alegações finais”. Tratando-se de ação penal privada, a sequência procedimental a ser observada, durante a fase de alegações finais, pressupõe a manifestação do querelante [autor da ação] e, na sequência, do querelado, pois o Ministério Público atua somente como fiscal da Lei - custos legis -. No caso, verifica-se que o Juízo singular [em 7.2.2024] encerrou a instrução processual e determinou a intimação das partes para apresentação “de alegações finais escritas em 05 (cinco) dias”. Na mesma data, os autos foram impulsionados para intimar a apelada [querelante] a apresentar suas alegações finais. Ocorre que o apelante/querelado, em 12.2.2024, apresentou voluntariamente seus memoriais finais, ou seja, sem intimação judicial e antes da manifestação da apelada/querelante. Vale dizer, a inversão procedimental foi causada pela própria Defesa, a qual não pode invocar a nulidade processual, sob pena de ser beneficiada com a própria torpeza, nos termos do art. 565 do CPP. Em situações semelhantes, este e. Tribunal assim decidiu: “Apresentadas prematuramente alegações finais pela defesa, quando os autos ainda se encontravam com vista ao Ministério Público, incabível a pretendida nulidade, na medida em que deu causa ao resultado, não podendo ser beneficiada da própria torpeza, nos termos do art. 565 do CPP” [STJ, AgInt no REsp 1753685/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 13/12/2018, DJe 04/02/2019].” (RSE nº 1001137-22.2020.8.11.0000 – Relator: Des. Orlando de Almeida Perri – Primeira Câmara Criminal – 8.5.2020) “[...] Sabe-se que por força do princípio do contraditório, a defesa sempre deve falar por último nos autos, nos termos do art. 403, § 3.º do CPP. In casu, a defesa se antecipou deliberadamente ao órgão acusador e apresentou as alegações finais. Entretanto, além de não haver prejuízo, não pode a defesa, por ato voluntário, invocar nulidade a que deu causa (art. 565 do CPP), beneficiando-se do ato para anular o processo [...].” (AP 0000328-85.2006.8.11.0082 – Relator: Des. Gilberto Giraldelli - Terceira Câmara Criminal - j. 27.8.2014 – p. 2.9.2014) Noutra ótica, a apelada/querelante, ao apresentar as alegações finais, reproduziu os pedidos deduzidos na queixa-crime, razão pela qual o apelante não sofreu prejuízo ao exercício do seu direito de defesa. Atente-se que a mera inversão da ordem de oferecimento dos memoriais não acarreta nulidade quando não demonstrado o prejuízo à Defesa (STJ, AgRg no REsp 1295765/PR – Relator: Min. Reynaldo Soares da Fonseca - Quinta Turma – j. 1º.10.2015, p. 7.10.2015; TJDFT, AP 0706482-23.2020.8.07.0010 - Relator: Des. Silvanio Barbosa dos Santos, 2ª Turma Criminal - j. 22.6.2022 – p. 7.7.2022). Nesse quadro, não se evidencia a nulidade apontada. Com essas considerações, preliminar REJEITADA. VOTO (PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO INDEFERIMENTO DO PEDIDO SUSPENSIVO) EXMO. SR. DES. MARCOS MACHADO (RELATOR) Egrégia Câmara: O apelante/querelado argui a nulidade da sentença porque requereu a suspensão “do processo com fundamento em ação cível em tramite capaz de interferir o julgamento do processo”, mas o Juízo singular indeferiu o pedido utilizando-se de “argumentos de outra decisão, sendo que a causa de pedir das petiço es objeto das decisões eram distintos”. Todavia, o Juízo singular indeferiu a pretensão por entender que a parte interessada pode juntar documentos em qualquer fase processual, nos termos do art. 231 do CPP, reportando-se a decisão proferida em 31.7.2023 (ID 215530490). Como bem ponderado pela i. 4ª Procuradoria de Justiça, “a fundamentação central da primeira decisão do d. Magistrado diz respeito à possibilidade de juntar documentos em qualquer fase do processo (art. 231, CPP), motivação esta que se encaixa perfeitamente ao segundo indeferimento, de modo que a decisão está adequadamente fundamentado”. O c. STJ assentou diretriz jurisprudencial de que “não há que se cogitar em nulidade de decisão judicial, por ausência de fundamentação ou ofensa ao artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, se o julgador, ao fundamentar sua decisão, reporta-se à outra anteriormente prolatada” (HC nº 78.368/RS – Relatora: Min.ª Alderita Ramos de Oliveira [Desembargadora Convocada do TJ/PE] - Sexta Turma – j. 9.8.2012 – j. 20.8.2012) Não bastasse, a pretensão suspensiva está fundada na tramitação de “Ação de Responsabilização que teve a sua propositura autorizada por meio da Assembleia Geral Extraordinária contra a Apelada e seu escritório, pois segundo a Auditoria Fiscal e de Conformidade realizada pela atual diretoria restou comprovado que a gestão anterior provocou um prejuízo financeiro de 400 milhões”, porém não há conexão probatória apta a ensejar o sobrestamento da ação penal privada, instaurada para apuração de crimes contra a honra. Registre-se que o indeferimento de diligências requeridas pela Defesa não caracteriza nulidade, “pois o magistrado, que é o destinatário final da prova, pode, de maneira fundamentada, indeferir a realização daquelas que considerar protelatórias ou desnecessárias ou impertinentes” (AgRg no RHC 157.565/SP – Relator: Min. Reynaldo Soares da Fonseca - Quinta Turma, j. 22.2.2022, p. 25.2.2022). Ademais, o apelante, em sede de alegações finais, não suscitou qualquer nulidade decorrente da tramitação da ação penal simultaneamente a ação de responsabilidade civil, de modo que a matéria encontra-se preclusa, consoante o disposto no art. 572, I, do CPP. Logo, inexiste qualquer ilegalidade. Com essas considerações, preliminar REJEITADA. VOTO (PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA) EXMO. SR. DES. MARCOS MACHADO (RELATOR) Egrégia Câmara: O apelante/querelado argui a nulidade da sentença por não ter requisitado documentos contábeis perante a UNIMED, em atendimento a diligência postulada pela Defesa, a caracterizar cerceamento de defesa. Ocorre que o apelante limita-se a afirmar que não tinha acesso aos documentos, sem comprovar ter diligenciado administrativamente perante a UNIMED ou mesmo negativa no fornecimento de dados pela cooperativa. O indeferimento de diligências probatórias não configura cerceamento de defesa quando a parte “não demonstra a imprescindibilidade ou a recusa dos órgãos em fornecer os documentos, nos termos do art. 402 do CPP” (TJMT, AP 0018039-09.2018.8.11.0042 – Relator: Des. Wesley Sanchez Lacerda – j. 16.5.2025). Não se pode desconsiderar, também, que esses documentos não se destinam a demonstrar a ocorrência [ou não] dos fatos criminosos descritos na denúncia, mas circunstâncias relativas à gestão administrativa da UNIMED Cuiabá. E mais. O cerceamento de defesa não fora suscitado em sede de alegações finais, de modo que a matéria também se encontra preclusa (CPP, art. 572, I). Com essas considerações, preliminar REJEITADA. VOTO (MÉRITO) EXMO. SR. DES. MARCOS MACHADO (RELATOR) Egrégia Câmara: O recurso é cabível (CPP, art. 593, I), manejado por quem tem interesse (CPP, art. 577) e não se verifica hipóteses de extinção de punibilidade (CP, art. 107). Consta da queixa-crime que: “2.1. Primeiro discurso criminoso. Difamação: Nas datas de 10 e 22 de outubro de 2021, respectivamente às 10h35min e 11h51min, o querelado ALENCAR FARINA, imbuído de animus diffamandi, por duas vezes difamou a vítima JAQUELINE, na rede social “WhatsApp”, em grupo denominado “ESPERANÇA VENCE O MEDO”, imputando–lhe fatos ofensivos à sua reputação. Na primeira postagem, datada de data de 10 de outubro de 2021, ALENCAR FARINA, operando o usuário vinculado ao terminal telefônico +55 65 99981-6313, afirmou no grupo da rede social WhatsApp denominado “ESPERANÇA VENCE O MEDO” que “o que era incompatível à época, era a chefe do nosso jurídico ser sócia de empresas que prestam serviços a Unimed. Não sei se persiste até os dias atuais, mas naquela época, Conforme demonstrado em anexo, era totalmente incompatível. Mais estranho ainda, foi que no site ConsultaSocio.com na época, surgiu esta mensagem aí (anexo). Tempos sombrios ”. [...] 2.2. Segundo discurso criminoso. Injúria. Na data de 24 de outubro de 2021, às 10h19min, ALENCAR FARINA, agindo com a vontade livre e consciente de ofender a querelante [animus injuriandi], em ambiente virtual da rede social da rede mundial de computadores denominada WhatsApp, ofendeu a dignidade e o decoro da querelante. [...]2.3. Terceiro discurso criminoso. Difamação e calúnia: Na data de 27 de outubro de 2021, às 22h44min, ALENCAR FARINA, agindo com a vontade livre e consciente de maldizer a querelante [animus diffamandi], em ambiente virtual da rede social da rede mundial de computadores denominada WhatsApp, a difamou imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação. 2.4. Causa de aumento comum a todos os discursos criminosos narrados acima: É de se explicitar, por fim, que, como dito e aqui se repisa, todos os discursos desonrosos foram veiculados pelo querelado em ambiente virtual, no grupo da rede social Whatsapp, da rede mundial de computadores, cujo nome é “ESPERANÇA VENCE O MEDO”, integrado por vários médicos cooperados da UNIMED CUIABÁ COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO, de modo que sobre todos os crimes contra a honra narrados acima incide a causa especial de aumento de pena do artigo 141, § 2º, do Código Penal. [...] 4. Dos pedidos: [...] [iv] requer seja julgada procedente a pretensão acusatória, condenando o querelado ALENCAR FARINA, qualificado alhures, nas sanções penais do 138, c.c. 141, § 2º, por uma vez, 139, c.c. 141, § 2º, por três vezes, e 140 c.c. 141, § 2º, todos do Código Penal. [v] requer, ainda, a fixação de valor mínimo para reparação dos danos de ordem moral sofridos pela vítima, nos moldes do art. 387, IV, do Código de Processo Penal. [...]. ” (fls. 11/24 – ID 215533247) O Juízo singular reconheceu a responsabilidade penal e dosou as penas nos seguintes termos: “[...] O Crime de calúnia. Segundo vejo, está plenamente configurado, no caso, o crime de calúnia, principalmente porque vejo nas mensagens que foram divulgadas pelo Querelado, no grupo de WhatsApp denominado “Esperança Vence o Medo”, cujo propósito, pelo que se depreende, gira em torno das eleições para os cargos da diretoria da Cooperativa Unimed, atribuição efetiva, objetiva e expressa à Querelante, de fato positivamente definido como crime (apropriação indébita). Em outras palavras, o Querelado atribuiu falsamente à Querelante de modo expresso e direto a prática do crime de apropriação indébita. E assim agindo, o Querelado incorreu na conduta prevista no artigo 138 do CP: [...] Analisando todo o conjunto de informações recolhido neste processo, tenho que da conduta narrada na inicial é inarredável extrair-se, com a clareza e segurança necessária, a configuração do delito de calúnia, que dá quando há atribuição pessoal e objetiva da prática de fato específico, ou seja, certo e determinado, e legalmente definido como crime. [...] A Querelante alega que o Querelado a difamou e caluniou quando afirmou, no mesmo grupo de WhatsApp, no dia 27 de outubro de 2021, às 22h44min, que a Querelante “embolsou, perto de 300 mil reais em 18 vezes”, isso fazendo referência a um acordo firmado entre a Querelante, advogada, e a Unimed Cuiabá Cooperativa de Trabalhos Médicos, que foi celebrado em 2016. O Querelado ainda teria afirmado que “se observarmos as datas, o acordo foi feito em agosto de 2016 e, ”estranhamente”, em outubro de 2018 foi assinado, pelos diretores acima, aditivo contratual, dando direito a Jaqueline, receber 6 (seis) por cento do valor total economizado, aproximadamente 4.5 milhões ” e que, ato contínuo, afirmou que poderiam reaver o dinheiro e “punir os culpados de acordo com a lei e estatuto”, bem como asseverado que “Fica claramente demonstrado, com documentos, que houve apropriação indébita”. [...] Segundo a Querelante argumenta, “(...) o texto escrito por ALENCAR FARINA, este descreve perfeitamente a conduta típica do crime de estelionato, cuja autoria é atribuída à querelante, ao afirmar que ela teria obtido vantagem indevida, em prejuízo UNIMED Cuiabá, induzindo os médicos cooperados presentes no grupo de rede social, de que a querelante teria realizado acordo vantajoso e, com isso, lograr aditivo contratual que lhe rendeu honorários de R$ 300.000,00 [trezentos mil reais]”. Muito embora discorde da Querelante, na parte em que vê nas falas do Querelado a atribuição do crime de estelionato, a verdade é que, como já dito, o Querelado foi expresso, direto e objetivo, ao atribuir a Querelante um fato que, segundo expressamente afirmou, configuraria o crime de apropriação indébita. Aqui não se fala, nem mesmo, da chamada calúnia equívoca ou implícita, e sim de calúnia expressa, em que foi citado inclusive o “nomen iuris” do tipo penal assacado, de modo que não se está, aqui, a falar de interpretação subjetiva. No caso, o destinatário da imputação se sentiu caluniado, porque, efetiva, explícita e objetivamente o foi. Parece claro e nítido, também, que houve por parte do Querelado o propósito deliberado em atingir a honra objetiva da Querelante, no ato de imputar a ela o crime de apropriação indébita. [...] Por tudo isto, entendo que o crime de calúnia está plenamente caracterizado. [...] O Crime de difamação. Também me parece inequívoco que o Querelado, distorcendo os fatos, atribuiu a Querelante a prática de atos desairosos e ofensivos à sua reputação, dando a entender que houve por parte da vítima ilícito locupletamento, em prejuízo da Cooperativa médica à qual prestava serviços. E aqui estão as atribuições difamatórias: [...] As sequências acima transcritas não deixam nenhuma margem para dúvidas de que o Querelado, distorcendo dos fatos, construiu uma narrativa, segundo vejo com o propósito positivo e deliberado (doloso), de imputar à Querelante, como realmente imputou, fato que é inequivocamente ofensivo à sua reputação e que contou com comprovada repercussão negativa perante os integrantes do Grupo de WhatsApp denominado “Esperança Vence o Medo”, o que foi comprovado não apenas pelos prints extraídos do citado “grupo”, que foram colacionados com a inicial, como também pelo que, em Juízo, disseram a própria Querelante e assim como as testemunhas que foram inquiridas: [...] Por fim, entendo que os delitos em questão são da mesma espécie, foram perpetrados mediante mais de uma ação ou omissão, e pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, de modo que as divulgações criminosas subsequentes podem e devem ser tomadas como continuação da primeira, com a aplicação do disposto no artigo 71 do CP. Pelo exposto, rejeito a alegação de falta de justa causa e também o pedido de absolvição sumária e julgo parcialmente procedente a pretensão contida na Queixa Crime para CONDENAR o Querelado ALENCAR FARINA, pela prática do crime descrito no artigo 138 do Código Penal. [...] TORNO DEFINITIVA pena do Querelado em 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de detenção e 15 (quinze) dias-multa, fixado o valor do dia-multa em 1/30 do salário mínimo. a) O regime inicial de cumprimento da pena será o aberto, nos termos do art. 33, § 2º, “C”, do Código Penal. b) Considerando que o crime não foi cometido com violência ou grave ameaça à pessoa e que a pena não é superior a quatro anos, considerando, ainda, os demais requisitos previstos no art. 59 do Código Penal, hei por bem substituir a pena privativa de liberdade aplicada por pena restritiva de direito, em consonância com o disposto no art. 44, § 2º, do Código Penal, que serão definidas pelo r. Juízo das Execuções Penais, na forma do artigo 312-A da Lei n. 9.503/1997. c) Com fundamento no artigo 387, IV, do CPP condeno o Querelado ao pagamento, a título de reparação mínima ao Querelante, do valor de R$-5.000,00 (cinco mil reais). [...]”. (João Bosco Soares da Silva, juiz de Direito – fls. 1658/1695-ID 259719447) Pois bem. A materialidade está consubstanciada em mensagens extraídas de grupo do aplicativo WhatsApp, denominado “Esperança vence o medo” (fls. 190/197 – ID 215530406), cujas veracidades não sofreram quaisquer impugnação . Na fase policial, foram ouvidos Jaqueline Proença Larrea Mees, vítima (fls. 178/179-ID 215530406), Carlos Henrique Ataliba Paiva da Silva, testemunha (fls. 184/185-ID 215530406), e Whashington Shigueru Shibasaki, testemunha (fls. 187-ID 215530406), bem como interrogado ALENCAR FARINA, apelante (fls. 208/210-ID 80672980). Em Juízo, colheram-se as declarações da vítima Jaqueline Proença Larrea Mees, das testemunhas Washington Shigueru Shibasaki e Maurício de Araujo Allet e o interrogatório do apelante (Relatório de Mídias). Dito isso, vejamos. Extrai-se que o apelante ALENCAR FARINA, em grupo de WhatsApp denominado “Esperança Vence o Medo”, composta por médicos cooperados da UNIMED, encaminhou as seguintes mensagens: “achei que a nossa chefe do jurídico da Unimed, trabalhava somente para um prestador, o que por si só é totalmente ilegal, mas pelo que vemos neste processo (que é público), a mesma trabalha pra outro hospital (anexo) também. A ganância e certeza de impunidade não devem predominar. Faz-se necessário, com urgência, verificar o contrato deste jurídico. Com a palavra o CF.” (ID 215530583, p. 12) “A nossa chefe do jurídico, coleciona muitos inimigos. Todos os dias chegam denúncias com provas, de negociações inéditas e a nosso ver ilegais. Nesta está demonstrado, que ela não atende apenas hospitais, como vemos neste processo (anexo), presta serviço também a empresa de home care, que por sua vez presta serviço a Unimed. Explicando melhor, quem faz o contrato da empresa com a cooperativa, também presta serviço a empresa e estamos todos em “casa”. Francamente nunca vi isto na história do mundo empresarial, algo realmente inédito. Não bastasse os escritórios ligados a ela, ganhar mais de 700 mil/mês, conforme denúncia feita por nosso colega Arlam ao CF, publicada aqui, ainda coleciona contratos com prestadores da Unimed. Com isso, provavelmente, da até pra comprar IATE de, aproximadamente, 3.5 milhões e colocar som de 158 mil reais. Tempos sombrios. Engana-se parte do tempo todo povo, parte do povo todo tempo, mas todo povo a todo tempo, é impossível.” (ID 215530583, p. 14) “O conluio, entre a chefe do jurídico da Unimed e parte da atual diretoria (Rubens e Suzana), vem desde 2016, conforme demonstrado em anexo. Um usuário entrou com 2 processos e conseguiu liminar, que não foi cumprida pela cooperativa. Como não houve cumprimento, aplicou-se multas, que já somavam aproximadamente 4.5 milhões. Em acordo, a chefona reduziu os 2 processos a pouco mais de 20 mil reais. Então pensei comigo que realmente foi um bom acordo e grande economia. Resolvi então, ver com advogados e juízes amigos, como isso funcionava. Descobri que seria normal esses valores serem reduzidos, nessas proporções, em razão do valor inicial da ação e que dificilmente valores neste montante, transitaria em julgado. Todavia, me chamou a atenção, os prazos entre o acordo e o aditivo contratual. Se observarmos as datas, o acordo foi feito em agosto de 2016 e, “estranhamente” em outubro de 2018 foi assinado, pelos diretores acima, aditivo contratual dando direito a Jaqueline, receber 6 por cento do valor total economizado aproximadamente 4.5 milhões, com isso ELA embolsou, perto de 300 mil reais em 18 vezes. Recebi esta denúncia há alguns dias e a estudei detalhadamente ouvindo, como disse acima, especialistas da área. Denuncio hoje pois amanhã completa 5 anos e podemos, pelo novo código civil, perder prazo para reaver o $$$$$$$ e punir os culpados de acordo com a lei e estatuto. Fica claramente demonstrado, com documentos, que houve apropriação indébita e cabe ao CF as devidas providências. Como estão no grupo..........” (ID 215530583, p. 14) Como se depreende, o apelante apontou indicativos de irregularidades na gestão administrativa-jurídico da UNIMED, questionando a atuação da apelada a frente do setor jurídico da cooperativa, com referência a documentos e pedidos de providências endereçados ao Conselho Fiscal (CF). Ocorre que o apelante não possui formação jurídica e, ao levantar dúvidas acerca do recebimento de valores e honorários advocatícios provenientes de ações judiciais, concluiu que havia “apropriação indébita”, cobrando providências do Conselho Fiscal da Cooperativa UNIMED CUIABÁ, a quem competiria apurar as supostas irregularidades. Em todas as mensagens, o apelante se reportou ao Conselho Fiscal e utilizou-se de expressões que envolvem a necessidade de fiscalização interna, tais como: “Faz-se necessário, com urgência, verificar”; “chegam denúncias”; “a nosso ver”; “provavelmente”; “me chamou a atenção”. Considerada a informalidade que norteia a troca de mensagens em grupos fechados, não se reconhece a imputação concreta de fato definido como crime, mesmo porque não há registro de que o apelante tenha atribuído a autoria de delitos, com todas as circunstâncias fáticas e elementares dos tipos, tampouco acionado ou procurado órgãos de persecução penal imputando falsamente condutas delituosas à apelada. Ao contrário, a própria apelada/querelante interpretou que o apelante lhe teria atribuído a prática do crime de estelionato, a corroborar a conclusão que as elementares do tipo penal de apropriação indébita sequer foram suficientemente indicadas pelo apelante, a caracterizar calúnia. Registre-se que a testemunha Maurício de Araújo Alle, na fase judicial, esclareceu o grupo de WhatsApp “Esperança Vence o Medo” envolvia a troca de mensagens relativas à gestão e interesses administrativos da UNIMED CUIABÁ, possuindo inclusive momentos de descontração, a demonstrar que não foi criado com a finalidade de expor a querelante a situações difamatórias/caluniosas. Da mesma forma, a testemunha Whashington Shigueru Shibasaki, em Juízo, confirmou que o grupo era composto por médicos cooperados, bem como que havia questionamentos internos, com realização de auditorias e assembleias, sobre a administração da UNIMED CUIABÁ. Para a configuração do crime calúnia, exige-se a atribuição de um fato específico e determinado definido como crime com todas as circunstâncias, ou seja, a caracterização de conduta pressupõe todos os elementos constitutivos de um tipo penal. Igualmente, o crime de difamação pressupõe a afirmativa acerca de fato específico ofensivo (TJPB, AP 0004979-58.2019.8.15.2002 - Relator: Des. Saulo Henriques de Sá e Benevides - 16.2.2024). Com efeito, as provas produzidas e os teores das mensagens encaminhadas não se apresentam suficientes para demonstrar o elemento subjetivo dos tipos penais (dolo), sobressaindo somente intenção de criticar [animus criticandi] e requerer providências administrativas, enquanto médico cooperado, para apuração de supostas irregularidades. O c. STJ assentou entendimento de que “a manifestação considerada ofensiva, feita com o propósito de informar possíveis irregularidades, sem a intenção de ofender, descaracteriza o tipo subjetivo nos crimes contra a honra” (Apn n. 347/PA – Relator: Min. Antônio de Pádua Ribeiro – p. 14.3.2005; HC n. 173.881/SP – Relator: Min. Celso Limongi [Desembargador Convocado do TJ/SP] - Sexta Turma – j. 17.5.2011 – p. 25.5.2011). Além disso, a apelada não integrava o respectivo grupo, as mensagens não foram divulgadas ou expostas em mídias sociais abertas ao público e não possuem teor ofensivo à honra da apelada, notadamente porque a gestão pública/privada está sujeita a questionamento/fiscalização por pessoas interessadas ou diretamente afetadas [fim] pelo exercício da atividade meio. Noutro giro, o contexto das mensagens envolve a eleição de diretoria de cooperativa de médicos, cuja natureza jurídica envolve propósito não lucrativo e visa atender às necessidades econômicas de seus membros (Lei nº 5.764/1971 - Lei do Cooperativismo), a reforçar a necessidade de assegurar o exercício da liberdade de pensamento e expressão aos cooperados. Isso porque, quem desempenha funções representativas coletivas, está sujeito “a escrutínios dos seus integrantes, da opinião pública, ou até mesmo a exames mais minuciosos” (TJDFT, AP 00066428720188070001 - Relator: Des. João Timóteo de Oliveira, j. 12.8.2021, p. 24.8.2021). Merece ponderação, ainda, que a gestão administrativa da UNIMED CUIABÁ foi alvo da “Operação Bilanz”, deflagrada pela Polícia Federal, em 2024, para apurar crimes de falsidade ideológica, estelionato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Trata-se de fato notório e divulgado em diversas reportagens jornalísticas (https://g1.globo.com), de modo que as críticas e questionamentos levantados pelo apelante não estavam totalmente dissociados da realidade interna da cooperativa. Diante do caráter subsidiário e fragmentário do Direito Penal, a utilização do poder punitivo estatal deve ser reservada para as situações realmente necessárias (STJ, RHC n. 24.679/RN – Relator: Min. Marco Aurélio Bellizze - Quinta Turma – j. 14.2.2012, p. 12.3.2012), o qual “somente deve ser acionado quando os outros ramos do direito não forem suficientes para a proteção dos bens jurídicos envolvidos” (TJMT, AP 0001965-61.2014.8.11.0027 – Relator: Des. Rondon Bassil Dower Filho - Segunda Câmara Criminal – j. 23.11.2016 – p. 30.11.2016). Em situação semelhante, este e. Tribunal assim decidiu: “Os crimes de calúnia e difamação possuem como núcleo objetivo, respectivamente, a falsa imputação de fato definido como crime e a atribuição de conjuntura determinada que, embora desprovida de caráter delituoso, é prejudicial à reputação da pessoa . 03. No caso concreto, não existem elementos de convicção que comprovem as condutas ilícitas por parte da querelada, razão pela qual se mostra inviável sua condenação pelos crimes de calúnia e difamação.” (AP 00075574920198110015 - Relator: Des. Helio Nishiyama - Quarta Câmara Criminal, j. 16.7.2024, p. 19.7.2024) Nesse quadro, a responsabilidade penal do apelante deve ser afastada porque os fatos não constituem infrações penais, invertendo-se o ônus sucumbenciais (CPP, art. 804; TJGO, AP 101938-49 – Relator: Des. Huygens Bandeira de Melo – 25.2.2010). Com essas considerações, recurso conhecido e PROVIDO para absolver o apelante das imputações, por não constituírem os fatos infrações penais (CPP, art. 386, III), invertendo-se o ônus da sucumbência. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 08/07/2025
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